HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5003677-88.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
PACIENTE: MANUEL SEABRA SUAREZ
IMPETRANTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) PACIENTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA - RJ201815-A, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5003677-88.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO PACIENTE: MANUEL SEABRA SUAREZ Advogados do(a) PACIENTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA - RJ201815-A, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Pedro Luiz Cunha Alves de Oliveira e Fernanda Fonseca Costa Vieira em favor de Manuel Seabra Suarez, contra ato imputado ao Juízo Federal da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, nos autos nº 5007173-17.2021.4.03.6181. Sustenta o impetrante, em síntese, que: a) em 05/07/2012 o Ministério Público, com base no PIC 94.0661.0000047/2012-1 e Medida Cautelar Sigilosa n.° 202/12, ofereceu denúncia em face do Paciente, e de outras quatro pessoas, como incurso nos crimes de peculato, corrupção ativa, formação de quadrilha e dispensa de licitação e lavagem de capitais, por ter, supostamente, engendrado desvios de verbas públicas destinadas à pasta da saúde da comarca de São Manuel/SP e branqueado o produto obtido com esses crimes; b) recebida a denúncia e apresentada a defesa dos acusados, houve uma longa discussão sobre a competência para processamento e julgamento dos crimes imputados, estabelecendo-se, ao final que a 2ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, ora autoridade impetrada, seria competente para julgar o delito de lavagem de capitais e a Justiça Federal de Botucatu, para julgar os crimes antecedentes; c) além da denúncia referente aos supostos crimes antecedentes, que imputava aos acusados crimes de peculato, corrupção ativa, formação de quadrilha e dispensa de licitação, o Ministério Público também ajuizou ação civil pública, pelos mesmíssimos fatos, por ato de improbidade administrativa (autos nº. 0003735-30.2012.8.26.0581), atribuindo igualmente a todos, inclusive ao MANUEL, a prática das infrações previstas nos arts. 9, XI, 10, VIII e 11, I, da Lei 8492/92; d) os supostos fatos ilícitos atribuídos aos acusados e as provas indicadas na ação civil pública são as mesmas da ação penal, cujas provas constantes do PIC n.° 94.0661.0000047/2012-1 e nos autos da Medida Cautelar Sigilosa n.° 212/12 foram compartilhadas; e) o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão já transitada em julgada, absolveu o Paciente e todos os demais do envolvimento da prática de qualquer ato de improbidade administrativa, assentando que houve, de fato, a efetiva prestação dos serviços contratados pelos entes particulares, não tendo sido apurado qualquer dano ao erário, e, finalmente, não houve dolo nas condutas dos requeridos; nesses termos não há crime antecedente a justificar a aludida lavagem de dinheiro; f) o pedido de reconhecimento da falta de justa causa da ação penal originária e reconhecimento da prescrição virtual do delito de lavagem de capitais (assim como o fez o Juízo Federal de Botucatu quanto aos crimes antecedentes) foi indeferido pela autoridade impetrada. g) não se desconhece que as esferas civil, penal e administrativa são independentes e autônomas, porém, quando há uma verdadeira interligação entre elas, o E. Superior Tribunal de Justiça entendeu ser necessário “considerar os argumentos contidos na decisão absolutória na via da improbidade administrativa como elementos de persuasão” (RESP 1.847.488). Considerando que a autoridade impetrada designou audiências de instrução, debates e julgamento para os dias 29/02/2024, 13/03/2024 e 14/03/2024 e a fim de se evitar o prosseguimento da ação penal cuja imputação é materialmente atípica e, até mesmo, em atenção ao princípio da economia processual, requerem os impetrantes, liminarmente, a suspensão do andamento da ação penal até julgamento do mérito do presente writ. No mérito, requerem, com base na aplicação analógica do art. 493 do Código de Processo Civil, o reconhecimento da superveniente causa de falta de justa causa da Ação Penal n.º 5007173- 17.2021.4.03.6181, uma vez que na ação civil pública análoga ficou reconhecida a inocorrência de qualquer ilícito. Foram juntados documentos. O presente feito foi livremente distribuído à relatoria do Exmo. Desembargador Federal ALI MAZLOUM, na E. 5ª Turma e após consultas ao SIAPRO e ao Sistema PJe, foi redistribuído à minha relatoria, em razão da anterior distribuição da ApCrim nº 0008792-04.2013.4.03.6131 e do HC nº 5025827-34.2022.4.03.0000, referentes ao feito nº 0008784-27.2013.4.03.6131, mencionado no id. 285599989 (fls. 01), nos termos do artigo 24, parágrafos 1º e 2º da Resolução nº 482/2021 da Presidência, conforme certidão Id 285603838, da Subsecretaria de Registro e Informações Processuais – UFOR. O pedido liminar foi indeferido (Id 285726367). A autoridade impetrada prestou informações (Id 286348326). O Procurador Regional da República, Dr. João Francisco Bezerra de Carvalho, manifestou-se pela denegação da ordem. É o relatório.
IMPETRANTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5003677-88.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO PACIENTE: MANUEL SEABRA SUAREZ Advogados do(a) PACIENTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA - RJ201815-A, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O objeto central de análise do presente habeas corpus é a verificação do constrangimento ilegal sofrido pelo paciente ante o prosseguimento da ação penal n. 5007173-17.2021.4.03.6181, que encontra lastro no mesmo acervo fático-probatório da ação de improbidade administrativa onde o ora paciente foi absolvido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP, em decisão transitada em julgado, nos autos da Ação Civil Pública nº 0003735-30.2012.8.26.0581. Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 1º, inciso V, § 1º, inciso I, § 2º, inciso I, da lei 9.613/18, por ter engendrado uma série de mecanismos bancários e fiscais para ocultar e dissimular a natureza, origem, localização e movimentação e propriedade de bens, direitos e valores provenientes, direta ou indiretamente dos crimes referidos, entre 19 de janeiro e meados de junho de 2012, por inúmeras vezes, nas cidades de São Paulo e Salvador/BA, após cometer delitos de peculato e corrupção em prejuízo da administração Pública. Aduzem os impetrantes a ausência de justa causa em razão da atipicidade da conduta para o prosseguimento da ação penal, já que na Ação Civil Pública a Corte Paulista constatou i) a legalidade na contratação dos serviços de saúde, em caráter emergencial, na cidade de São Manuel, diante da ausência de qualquer irregularidade licitatória; ii) a efetiva prestação dos serviços pela EPS – empresa do Paciente; iii) não ter havido qualquer desvio de dinheiro público ou dano ao erário; e iv) a ausência de dolo do Paciente – e qualquer dos outros agentes – na prática das condutas a eles imputadas. Alegam que o Juízo Federal de Botucatu, nos autos da ação penal nº 0008792-04.2013.4.03.6131, onde o paciente foi denunciado pelos delitos antecedentes, reconheceu a prescrição virtual do jus puniendi estatal dos crimes pelos quais ele e demais corréus foram denunciados, extinguindo o feito sem julgamento do mérito, sendo que o Ministério Público Federal manifestou-se sobre a ausência de interesse de recorrer da decisão. Entretanto, o juízo impetrado da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo não reconheceu a prescrição virtual em relação ao delito de lavagem de capitais, como também desprezou a comprovação da inocorrência da prática de qualquer ilícito. A decisão impugnada foi proferida pela autoridade impetrada nos seguintes termos (Id 285599989): “(...) Registro inicialmente que a presente ação penal trata tão somente do suposto crime de “lavagem” de dinheiro, atribuído exclusivamente a MANUEL SEABRA SUAREZ. Por seu turno, os crimes antecedentes permaneceram em trâmite perante o d. Juízo da 1ª Vara Federal de Botucatu/SP (nº 0008784-27.2013.4.03.6131). Pois bem. Nada obstante os argumentos trazidos pela i. defesa em sua manifestação, tenho que a absolvição por atos de improbidade administrativa na seara cível não implica, por si só, na demonstração, perante este Juízo criminal, de que os fatos narrados na denúncia evidentemente não constituem o crime de lavagem de dinheiro, o que seria essencial, na hipótese, à absolvição sumária do acusado neste momento processual (artigo 397, III, do CPP). Não se pode perder de vista a aplicabilidade do sistema de independência das instâncias, plenamente consolidado no ordenamento jurídico pátrio, de modo que eventual improcedência no âmbito cível não conduz, necessariamente, ao trancamento de inquérito policial ou à improcedência da ação penal. Ademais, em que pese a existência de precedentes tendentes a ampliar hipóteses excepcionais, eventual ressalva à autonomia entre as instâncias se dá, tradicionalmente, apenas em razão de absolvição criminal pela inexistência de fato ou negativa de autoria, de sorte que é plenamente possível que os mesmos fatos acarretem em improcedência na seara cível, mas resultem em condenação no âmbito penal. No ponto, não se ignora o precedente do e. STJ colacionado pela i. defesa, no sentido de ser necessário considerar os argumentos contidos na decisão absolutória na via da improbidade administrativa como elementos de persuasão. Na oportunidade, asseverou o Exmo. Min. Rel. Ribeiro Dantas: “A sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porque proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados”. (STJ. 5ª Turma. REsp 1.847.488/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 26/4/2021 - grifei). A toda evidência que o teor do v. acórdão da ação de improbidade (ID 306547386) constitui elemento de prova a ser considerado quando da prolação de sentença. Todavia, não é dado ao Juízo, nesta fase processual, exercer um exame aprofundado sobre o mérito da causa, visto que o processo não se encontra completamente instruído, sendo necessário o início da instrução criminal para o devido esclarecimento dos fatos sob a ótica do direito penal. Inclusive, os escopos da presente ação penal e da ação de improbidade administrativa sequer são absolutamente coincidentes, sendo o primeiro aparentemente mais amplo. Isso porque, da leitura do acórdão do e. TJSP, que reformou a sentença de procedência, constata-se que a ação de improbidade diz respeito apenas à suposta dispensa indevida de licitação e superfaturamento da prestação de serviços de "cogestão" dos centros de saúde de São Manuel/SP e do Programa "Saúde da Família" em São Manuel/SP. Portanto, a absolvição na seara cível não seria, por si só, incompatível com a hipótese acusatória dos presentes autos, uma vez que, além do delito de dispensa ou inexigência de licitação fora das hipóteses legais, então previsto no artigo 89 da Lei nº 8.666/93, também constam como crimes antecedentes à lavagem de dinheiro imputada a MANUEL os delitos de peculato e corrupção ativa (artigos 312 e 333, parágrafo único, do Código Penal, respectivamente), os quais não são objeto da ação de improbidade administrativa. Cabe destacar, ainda, que o voto condutor do aludido acórdão fundamentou suas conclusões pela inexistência de comprovação, "sobretudo na fase do contraditório", de dolo ou má-fé do agente público e servidores envolvidos, bem como que "dada a independência entre as esferas cível e penal, os elementos indiciários colhidos na fase do inquérito policial careciam de corroboração adequada, não bastando para sustentar o acerto financeiro mencionado na exordial" (ID 306547386, p. 32 - grifei). Ou seja, a absolvição na esfera cível se deu pelo entendimento de que ausentes naqueles autos provas suficientes, produzidas sob o crivo do contraditório estabelecido perante o Juízo cível, de dolo ou má-fé do agente e dos servidores públicos, sendo, inclusive, igualmente ressaltada a independência entre as instâncias pelo e. TJSP. Evidente, portanto, que as aludidas conclusões do acórdão colacionado aos autos não vinculam este Juízo penal, perante o qual se estabelece seu próprio contraditório judicial. Assim, as conclusões do Juízo cível sobre a dispensa de licitação, além de não vincularem este Juízo criminal, também não demonstram perante este Juízo, a priori, a inexistência inequívoca do crime de lavagem de dinheiro descrito na denúncia. A respeito da absolvição sumária, aduz o artigo 397 do Código de Processo Penal, in verbis (destacado): Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente. Somente nos casos de absoluta certeza a respeito da inexistência da tipicidade ou ilicitude do fato típico ou da culpabilidade ou punibilidade do agente está o juiz autorizado a absolver o acusado sumariamente. É o que se extrai, por exemplo, a partir do emprego das expressões “manifesta” e “evidentemente” na aludida norma. Vale ressaltar que o crime de lavagem de dinheiro é um delito dito de acessoriedade limitada, na medida em que seu objeto material deve necessariamente ter se originado de uma infração penal anteriormente praticada. A despeito disso, os delitos previstos na Lei 9.613/98 contam com certa autonomia, já que seu processamento e julgamento independem do processo e julgamento do crime antecedente, conforme expressamente anunciado no art. 2º, II, do referido Diploma Legal. Nesse tocante, indícios da prática do crime antecedente são suficientes para a instauração de inquérito policial e mesmo de ação penal que tenha por objeto o delito de lavagem; se por um lado é desnecessária a instauração de ação penal para julgamento do crime antecedente, uma condenação por lavagem depende da comprovação cabal da existência do delito antecedente. Tal comprovação pode se dar por duas formas: ou pela prova, nos próprios autos do processo em que se apura a lavagem, da ocorrência do crime antecedente, ou pela demonstração de que em outro processo este já foi julgado. No tocante à justa causa, anoto, uma vez mais, que basta a existência de indícios da prática de crime – ou seja, elementos mínimos que apontem para a possível ocorrência de delito. A contrario sensu, a absolvição sumária prevista no artigo 397, III, do CPP demanda a conclusão inequívoca e evidente de que o fato não constitui crime – o que não pode ser demonstrado com base tão somente no r. acórdão absolutório do e. TJSP, antes da devida instrução do feito. Em suma, o prosseguimento da ação penal na presente fase processual depende tão somente da existência de indícios da prática de delito antecedente, os quais já foram analisados quando do recebimento definitivo da peça acusatória (ID 257597906). Por outro lado, eventuais conclusões a respeito da existência dos delitos antecedentes serão objeto de análise quando da prolação da sentença nos presentes autos. Assim, em uma análise perfunctória, própria desta fase processual, não vislumbro elementos para afastar de plano a imputação feita, não havendo razões para rejeição da peça acusatória ou absolvição sumária do acusado. Ademais, ainda quanto aos delitos antecedentes, consta da presente ação penal (i) cópia de decisão do d. Juízo de Botucatu/SP reconhecendo sua prescrição (ID 307976221) e (ii) manifestação do MPF informando não possuir interesse recursal (ID 307976222). Entretanto, como se sabe, "a extinção da punibilidade de crime pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este", a teor do artigo 108 do Código Penal. Especificamente a respeito da lavagem de capitais, aduz o já mencionado art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98 que seu processo e julgamento independe das infrações penais antecedentes. Sobre o tema, o c. Superior Tribunal de Justiça asseverou: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 2. LAVAGEM DE DINHEIRO E JOGO DO BICHO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. CONDUTAS ANTERIORES À LEI N. 12.683/2012. ENTRADA EM VIGOR DA LEI ANTES DA CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA OU DA CONTINUIDADE. SÚMULA 711/STF. 3. DISCUSSÃO SOBRE A DATA DA EFETIVA CESSAÇÃO DAS CONDUTAS DELITIVAS. MATÉRIA QUE DEVE SER ANALISADA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 4. INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA. ART. 2º, II, DA LEI 9.613/1998. 5. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) 4. O processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, nos termos do art. 2º, inciso II, da Lei n. 9.613/1998. Dessa forma, a prescrição das contravenções de jogo do bicho não repercute na apuração do crime de branqueamento. Com efeito, "o reconhecimento da extinção da punibilidade pela superveniência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, relativamente ao crime funcional antecedente, não implica atipia ao delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/98), que, como delito autônomo, independe de persecução criminal ou condenação pelo crime antecedente". (...). (REsp n. 1.170.545/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 2/12/2014, DJe 16/3/2015)” (STJ. AgRg no HC 497.486/ES, Rel. Exmo. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, j. 06/08/2019 - grifei). Portanto, o reconhecimento da prescrição dos delitos antecedentes em nada influencia no prosseguimento da presente ação penal relativa à suposta lavagem de dinheiro realizada, em tese, por MANUEL. Por fim, também não merece prosperar a tese defensiva de prescrição em perspectiva ou virtual, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme se extrai do enunciado de súmula nº 438 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que aduz que “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Assim, não há que se falar em extinção de pretensão punitiva pela prescrição em relação ao delito previsto na Lei nº 9.613/98. Em razão de todo o exposto, INDEFIRO os pedidos formulados pela i. defesa de MANUEL SEABRA SUAREZ, sendo de rigor o prosseguimento do feito, ficando mantidas as audiências já designadas. Ciência às partes.” Não está configurado o alegado constrangimento ilegal, vez que a decisão da autoridade impetrada encontra-se devidamente fundamentada. Com efeito, são independentes as instâncias administrativa, cível e penal, excepcionando-se apenas as hipóteses em que é reconhecida, no âmbito penal, a negativa da autoria ou da materialidade do fato. O artigo 935 do Código Civil coaduna-se com esta interpretação ao dispor que: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” Todavia, a construção reversa da equação não é verdadeira, já que a compreensão acerca de fatos fixada definitivamente em ação de improbidade administrativa pelos mesmos fatos pode e deve ser revista no âmbito penal, sendo a independência mitigada neste ponto. De fato, há alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça quanto à pertinência, na esfera penal, em considerar os argumentos contidos na decisão absolutória na via da improbidade administrativa como elemento de persuasão. Vale dizer, entretanto, que a sentença absolutória em ação por ato de improbidade administrativa não vincula o juízo criminal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador. Todavia, poderá influenciar o juízo criminal em razão dos elementos de provas nela contidos, os quais deverão ser somados aos elementos de provas produzidos na própria ação penal para análise da justa causa da ação penal, no momento da prolação da sentença penal. No caso, o juízo impetrado ressaltou que o feito ainda se encontra na fase de instrução processual, não sendo possível um exame aprofundado sobre o mérito da causa nesse momento processual. Ademais, consignou o juízo que o objeto da ação penal, aparentemente, é mais amplo do que aquele discutido na Ação Civil Pública, já que possui como crimes antecedentes à lavagem de dinheiro não só a dispensa ou inexistência de licitação fora das hipóteses legais, matéria discutida na ação de improbidade administrativa, como também de delitos de peculato e corrupção ativa, conforme se verifica do Acórdão do TJSP (Id 285599992) e da denúncia e seu respectivo aditamento nos autos da ação penal de origem (Id 285599993). Consigne-se que a ação penal foi desmembrada, posteriormente, para processamento e julgamento dos crimes antecedentes pelo Juízo Federal de Botucatu (ação penal n. 0008784-27.2013.4.03.6131) e crime de lavagem de capitais pelo Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo (ação penal n. 5007173-17.2021.4.03.6181). Note-se, ainda, que a absolvição nos autos da ação de improbidade administrativa se deu por ausência de ratificação judicial dos elementos indiciários colhidos na fase inquisitorial, não podendo se falar em um juízo definitivo quanto a não autoria ou participação por parte do paciente de qualquer conduta típica. Registre-se, ainda, que a extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos crimes antecedentes não implica reconhecimento da atipicidade do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998) imputado ao paciente. Nos termos do art. 2º, II, § 1º da referida lei, para a configuração do delito de lavagem de capitais não há necessidade de prova cabal do crime anterior, mas apenas a demonstração de indícios suficientes de sua existência, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro é delito autônomo e independente de condenação ou da existência de processo por crime antecedente. No mais, caberá ao magistrado de primeiro grau analisar a existência de provas dos crimes antecedentes para embasar eventual decreto condenatório pelo delito de lavagem de dinheiro ou absolver o réu, por ocasião da prolação da sentença. Por fim, a prescrição virtual, também chamada de antecipada, projetada ou em perspectiva, pretendida pelos ora impetrantes, era considerada uma derivação da prescrição retroativa, reconhecida entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia e nunca teve previsão legal, apesar de comumente utilizada pelo Ministério Público quando vislumbrava, antecipadamente, a possível pena a ser aplicada ao fato delituoso. Nesses casos, o órgão ministerial calculava o prazo prescricional em perspectiva, ou seja, apenas em prognósticos penais, para o fim de deixar de formular denúncia e requerer o arquivamento do inquérito policial. Da mesma forma, o juiz utilizava referida prescrição para rejeitar a denúncia por falta de interesse processual e economia processual. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 438, vedando a prescrição virtual em nosso ordenamento jurídico, nos seguintes termos: "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal." Dessa forma, a prescrição da pretensão punitiva, antes do trânsito em julgado, regula-se sempre pelo máximo da pena privativa de liberdade em abstrato cominada ao crime, nos termos do art. 109 do Código Penal. No caso dos autos, a pena máxima em abstrato cominada ao crime pelo qual o paciente foi denunciado nos autos de origem é de 10 (dez) anos, não se verificando o prazo prescricional de 16 (dezesseis) anos (CP, art. 109, II) entre os marcos interruptivos. Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus requerida. É o voto.
IMPETRANTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5003677-88.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
PACIENTE: MANUEL SEABRA SUAREZ
IMPETRANTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) PACIENTE: FERNANDA FONSECA COSTA VIEIRA - RJ201815-A, PEDRO LUIZ CUNHA ALVES DE OLIVEIRA - SP82769-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 2ª VARA FEDERAL CRIMINAL
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V O T O - V I S T A
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Manuel Seabra Suarez, contra ato emanado do Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, nos autos nº 5007173-17.2021.4.03.6181.
Insurge-se o Paciente contra a decisão proferida pela MM. Juíza a quo, no sentido de dar prosseguimento à ação penal, afastando o alegado pela Defesa e indeferindo o pedido de reconhecimento da manifesta falta de justa causa para a persecução penal atinente à apuração dos fatos imputados ao Paciente, no que se refere ao crime de lavagem de dinheiro (artigo 1º, da Lei nº 9.613/98).
Consta dos autos que Manuel Seabra Suarez foi denunciado, em conjunto com outras 4 pessoas, por supostamente ter praticado condutas que remetem aos crimes de peculato, corrupção ativa, associação criminosa, dispensa de licitação e lavagem de capitais.
Segundo a acusação, o Paciente, na condição de responsável pela pessoa jurídica “EPS – Empresa Paulistana de Saúde”, teria firmado subcontrato com a “Irmandade Casa Pia São Vicente de Paula” e dela percebido o montante de R$ 1.464.547,00, valor este que teria sido desviado, em conluio com os demais acusados, dos cofres públicos do Município de São Manuel/SP, no período de janeiro a maio de 2012.
Conforme a inicial acusatória, o Paciente também teria engendrado uma série de mecanismos bancários e fiscais para ocultar e dissimular a natureza, origem, localização, movimentação e propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos crimes referidos, mormente através da movimentação de contas correntes em nome de suas filhas; de uma empresa composta por elas, mas controlada por Manuel; de duas pessoas jurídicas por ele controladas; bem como de outra pertencente a um sócio (ID 285599993 p. 01/40).
Narram os Impetrantes que, após o recebimento da denúncia (em 06.07.2012 – ID 285599994 – p. 01) e a apresentação da resposta à acusação, houve uma longa discussão sobre a competência para processamento e julgamento dos crimes imputados, sendo que restou estabelecido o Juízo da 2ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, ora apontado como Autoridade Coatora, como competente para julgar o delito de lavagem de capitais, atribuído exclusivamente a Manuel.
Informam que, com relação aos crimes antecedentes, fixou-se a competência do Juízo da 1ª Vara Federal de Botucatu/SP, o qual, nos autos nº 0008784-27.2013.4.03.6131, reconheceu a prescrição virtual do jus puniendi estatal e julgou extinto o feito, em decisão com a qual concordou o Ministério Público Federal (ID 285600003 – p. 01/06 e ID 285600005 – p. 01).
Referem, ainda, os Impetrantes que, além da referida Denúncia, “o Ministério Público também ajuizou ação civil pública, pelos mesmíssimos fatos, por ato de improbidade administrativa [autos nº. 0003735-30.2012.8.26.0581 – doc. 2], atribuindo igualmente a todos, inclusive ao MANUEL, a prática das infrações previstas nos arts. 9, XI, 10, VIII e 11, I, da Lei 8492/921”.
Argumentam que os fatos ilícitos atribuídos aos acusados e as provas apresentadas na ação civil pública são os mesmos da ação penal, indicando que houve, inclusive, compartilhamento do conteúdo probante reunido no PIC nº 94.0661.0000047/2012-1 e nos autos da Medida Cautelar Sigilosa n° 212/12 (ID 285597124 p. 06).
Asseveram que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão já transitada em julgado, absolveu o Paciente e todos os demais envolvidos da prática de qualquer ato de improbidade administrativa.
Entendem que “se as condutas imputadas não configuraram sequer ilícito cível, não há crime antecedente a justificar a aludida lavagem de dinheiro”.
Apontam, de forma subsidiária, a necessidade de reconhecimento da prescrição virtual do delito de lavagem, tal como decidido pelo Juízo Federal de Botucatu no que toca aos crimes antecedentes.
Os Impetrantes pleitearam, em caráter liminar, o sobrestamento do feito de origem até o julgamento do mérito deste “Writ”.
No mérito, pugnaram pelo reconhecimento da falta de justa causa da ação penal nº 5007173-17.2021.4.03.6181, uma vez que na ação civil pública análoga ficou reconhecida a inocorrência de qualquer ilícito.
O pedido liminar foi indeferido (ID 285726367 - p. 01/09).
A autoridade impetrada prestou informações (ID 286348326 - 03/05).
A Procuradoria Regional da República apresentou parecer pela denegação da ordem (ID 286473025 p. 01/09).
Em sessão realizada em 25.03.2024, após o voto do Relator Des. Fed. Mauricio Kato, no sentido de denegar a ordem, pedi vista dos autos para melhor análise do tema.
Como visto, os Impetrantes requerem o trancamento da ação penal que apura o crime de lavagem de dinheiro imputado ao Paciente, em razão da manifesta atipicidade.
Aduzem que o Juízo de primeiro grau desprezou a comprovação da inocorrência da prática de qualquer ilícito antecedente.
Confira-se excerto da decisão apontada como coatora (ID 285599989 p. 04/07):
“(...)
Registro inicialmente que a presente ação penal trata tão somente do suposto crime de “lavagem” de dinheiro, atribuído exclusivamente a MANUEL SEABRA SUAREZ. Por seu turno, os crimes antecedentes permaneceram em trâmite perante o d. Juízo da 1ª Vara Federal de Botucatu/SP (nº 0008784-27.2013.4.03.6131).
Pois bem.
Nada obstante os argumentos trazidos pela i. defesa em sua manifestação, tenho que a absolvição por atos de improbidade administrativa na seara cível não implica, por si só, na demonstração, perante este Juízo criminal, de que os fatos narrados na denúncia evidentemente não constituem o crime de lavagem de dinheiro, o que seria essencial, na hipótese, à absolvição sumária do acusado neste momento processual (artigo 397, III, do CPP).
Não se pode perder de vista a aplicabilidade do sistema de independência das instâncias, plenamente consolidado no ordenamento jurídico pátrio, de modo que eventual improcedência no âmbito cível não conduz, necessariamente, ao trancamento de inquérito policial ou à improcedência da ação penal.
Ademais, em que pese a existência de precedentes tendentes a ampliar hipóteses excepcionais, eventual ressalva à autonomia entre as instâncias se dá, tradicionalmente, apenas em razão de absolvição criminal pela inexistência de fato ou negativa de autoria, de sorte que é plenamente possível que os mesmos fatos acarretem em improcedência na seara cível, mas resultem em condenação no âmbito penal.
No ponto, não se ignora o precedente do e. STJ colacionado pela i. defesa, no sentido de ser necessário considerar os argumentos contidos na decisão absolutória na via da improbidade administrativa como elementos de persuasão.
Na oportunidade, asseverou o Exmo. Min. Rel. Ribeiro Dantas:
“A sentença absolutória por ato de improbidade não vincula o resultado da ação penal, porque proferida na esfera do direito administrativo sancionador, que é independente da instância penal, embora seja possível, em tese, considerar como elementos de persuasão os argumentos nela lançados”.
(STJ. 5ª Turma. REsp 1.847.488/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 26/4/2021 - grifei).
A toda evidência que o teor do v. acórdão da ação de improbidade (ID 306547386) constitui elemento de prova a ser considerado quando da prolação de sentença. Todavia, não é dado ao Juízo, nesta fase processual, exercer um exame aprofundado sobre o mérito da causa, visto que o processo não se encontra completamente instruído, sendo necessário o início da instrução criminal para o devido esclarecimento dos fatos sob a ótica do direito penal.
Inclusive, os escopos da presente ação penal e da ação de improbidade administrativa sequer são absolutamente coincidentes, sendo o primeiro aparentemente mais amplo.
Isso porque, da leitura do acórdão do e. TJSP, que reformou a sentença de procedência, constata-se que a ação de improbidade diz respeito apenas à suposta dispensa indevida de licitação e superfaturamento da prestação de serviços de "cogestão" dos centros de saúde de São Manuel/SP e do Programa "Saúde da Família" em São Manuel/SP.
Portanto, a absolvição na seara cível não seria, por si só, incompatível com a hipótese acusatória dos presentes autos, uma vez que, além do delito de dispensa ou inexigência de licitação fora das hipóteses legais, então previsto no artigo 89 da Lei nº 8.666/93, também constam como crimes antecedentes à lavagem de dinheiro imputada a MANUEL os delitos de peculato e corrupção ativa (artigos 312 e 333, parágrafo único, do Código Penal, respectivamente), os quais não são objeto da ação de improbidade administrativa.
Cabe destacar, ainda, que o voto condutor do aludido acórdão fundamentou suas conclusões pela inexistência de comprovação, "sobretudo na fase do contraditório", de dolo ou má-fé do agente público e servidores envolvidos, bem como que "dada a independência entre as esferas cível e penal, os elementos indiciários colhidos na fase do inquérito policial careciam de corroboração adequada, não bastando para sustentar o acerto financeiro mencionado na exordial" (ID 306547386, p. 32 - grifei).
Ou seja, a absolvição na esfera cível se deu pelo entendimento de que ausentes naqueles autos provas suficientes, produzidas sob o crivo do contraditório estabelecido perante o Juízo cível, de dolo ou má-fé do agente e dos servidores públicos, sendo, inclusive, igualmente ressaltada a independência entre as instâncias pelo e. TJSP.
Evidente, portanto, que as aludidas conclusões do acórdão colacionado aos autos não vinculam este Juízo penal, perante o qual se estabelece seu próprio contraditório judicial.
Assim, as conclusões do Juízo cível sobre a dispensa de licitação, além de não vincularem este Juízo criminal, também não demonstram perante este Juízo, a priori, a inexistência inequívoca do crime de lavagem de dinheiro descrito na denúncia.
A respeito da absolvição sumária, aduz o artigo 397 do Código de Processo Penal, in verbis (destacado):
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
Somente nos casos de absoluta certeza a respeito da inexistência da tipicidade ou ilicitude do fato típico ou da culpabilidade ou punibilidade do agente está o juiz autorizado a absolver o acusado sumariamente. É o que se extrai, por exemplo, a partir do emprego das expressões “manifesta” e “evidentemente” na aludida norma.
Vale ressaltar que o crime de lavagem de dinheiro é um delito dito de acessoriedade limitada, na medida em que seu objeto material deve necessariamente ter se originado de uma infração penal anteriormente praticada.
A despeito disso, os delitos previstos na Lei 9.613/98 contam com certa autonomia, já que seu processamento e julgamento independem do processo e julgamento do crime antecedente, conforme expressamente anunciado no art. 2º, II, do referido Diploma Legal.
Nesse tocante, indícios da prática do crime antecedente são suficientes para a instauração de inquérito policial e mesmo de ação penal que tenha por objeto o delito de lavagem; se por um lado é desnecessária a instauração de ação penal para julgamento do crime antecedente, uma condenação por lavagem depende da comprovação cabal da existência do delito antecedente. Tal comprovação pode se dar por duas formas: ou pela prova, nos próprios autos do processo em que se apura a lavagem, da ocorrência do crime antecedente, ou pela demonstração de que em outro processo este já foi julgado.
No tocante à justa causa, anoto, uma vez mais, que basta a existência de indícios da prática de crime – ou seja, elementos mínimos que apontem para a possível ocorrência de delito. A contrario sensu, a absolvição sumária prevista no artigo 397, III, do CPP demanda a conclusão inequívoca e evidente de que o fato não constitui crime – o que não pode ser demonstrado com base tão somente no r. acórdão absolutório do e. TJSP, antes da devida instrução do feito.
Em suma, o prosseguimento da ação penal na presente fase processual depende tão somente da existência de indícios da prática de delito antecedente, os quais já foram analisados quando do recebimento definitivo da peça acusatória (ID 257597906). Por outro lado, eventuais conclusões a respeito da existência dos delitos antecedentes serão objeto de análise quando da prolação da sentença nos presentes autos.
Assim, em uma análise perfunctória, própria desta fase processual, não vislumbro elementos para afastar de plano a imputação feita, não havendo razões para rejeição da peça acusatória ou absolvição sumária do acusado.
Ademais, ainda quanto aos delitos antecedentes, consta da presente ação penal (i) cópia de decisão do d. Juízo de Botucatu/SP reconhecendo sua prescrição (ID 307976221) e (ii) manifestação do MPF informando não possuir interesse recursal (ID 307976222).
Entretanto, como se sabe, "a extinção da punibilidade de crime pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este", a teor do artigo 108 do Código Penal. Especificamente a respeito da lavagem de capitais, aduz o já mencionado art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98 que seu processo e julgamento independe das infrações penais antecedentes.
Sobre o tema, o c. Superior Tribunal de Justiça asseverou:
“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 2. LAVAGEM DE DINHEIRO E JOGO DO BICHO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. CONDUTAS ANTERIORES À LEI N. 12.683/2012. ENTRADA EM VIGOR DA LEI ANTES DA CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA OU DA CONTINUIDADE. SÚMULA 711/STF. 3. DISCUSSÃO SOBRE A DATA DA EFETIVA CESSAÇÃO DAS CONDUTAS DELITIVAS. MATÉRIA QUE DEVE SER ANALISADA NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 4. INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA. ART. 2º, II, DA LEI 9.613/1998. 5. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...) 4. O processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, nos termos do art. 2º, inciso II, da Lei n. 9.613/1998. Dessa forma, a prescrição das contravenções de jogo do bicho não repercute na apuração do crime de branqueamento. Com efeito, "o reconhecimento da extinção da punibilidade pela superveniência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, relativamente ao crime funcional antecedente, não implica atipia ao delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/98), que, como delito autônomo, independe de persecução criminal ou condenação pelo crime antecedente". (...). (REsp n. 1.170.545/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 2/12/2014, DJe 16/3/2015)”
(STJ. AgRg no HC 497.486/ES, Rel. Exmo. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, j. 06/08/2019 - grifei).
Portanto, o reconhecimento da prescrição dos delitos antecedentes em nada influencia no prosseguimento da presente ação penal relativa à suposta lavagem de dinheiro realizada, em tese, por MANUEL.
Por fim, também não merece prosperar a tese defensiva de prescrição em perspectiva ou virtual, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme se extrai do enunciado de súmula nº 438 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que aduz que “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
Assim, não há que se falar em extinção de pretensão punitiva pela prescrição em relação ao delito previsto na Lei nº 9.613/98.
Em razão de todo o exposto, INDEFIRO os pedidos formulados pela i. defesa de MANUEL SEABRA SUAREZ, sendo de rigor o prosseguimento do feito, ficando mantidas as audiências já designadas.
Ciência às partes.”
Pois bem, o delito previsto no artigo 1º, da Lei 9.613/98, pressupõe para sua configuração a existência de recursos provenientes de prática delituosa antecedente. A lavagem de dinheiro não existe por si só, é um crime acessório que exige, antes de tudo, a entrada na esfera patrimonial do agente de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
É certo que o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 9613/98, estabelece que a apuração dos delitos de “lavagem” independe do processo e julgamento das infrações penais antecedentes. Todavia, é imprescindível a existência, ao menos, de indícios desse crime anterior.
Da leitura do julgado proferido na apelação cível interposta na ação de improbidade administrativa, constata-se que o paciente foi absolvido, após análise das provas coligidas, em virtude da ausência de comprovação do elemento subjetivo (dolo ou má-fé) dos acusados, do enriquecimento ilícito de qualquer das partes, bem como do efetivo prejuízo ao erário (ID 285599992 p. 27).
Por oportuno, transcrevo ementa da aludida decisão:
“APELAÇÃO AÇÃO CIVIL PÚBLICAIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FRAUDE ÀLICITAÇÃO DIRECIONAMENTO - DANO AOERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOSCONSTITUCIONAIS DOLO SUPERVENIÊNCIADA LEI Nº 14.230/21 APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOSCONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVOSANCIONADOR AO SISTEMA DE IMPROBIDADERETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA – O propósito da Lei de Improbidade Administrativa é coibir atos praticados com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores inábeis sem a comprovação de má-fé -Ausência de dolo - Da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade - Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público – Ação civil pública por improbidade administrativa - A Lei n.º14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, dentre as quais a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade - Novatio legis in mellius -Retroatividade - Aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992)- Para caracterização do ato de improbidade administrativa faz-se necessário dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não bastando a voluntariedade do agente ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas - Ausência de prova de dolo dos réus - Sentença reformada - Recursos de apelação providos.
Não se desconhece a regra geral da independência entre a jurisdição civil e a penal, tampouco a possibilidade de mitigação nos casos da absolvição penal e seus efeitos civis (artigo 935, do Código Civil, e artigo 66, do Código de Processo Penal).
No entanto, as particularidades do caso em análise, no qual se observa a absolvição na ação de improbidade administrativa, em virtude da falta de dolo e da ausência de demonstração de obtenção de vantagem indevida, associada à extinção da ação penal que apurava os delitos antecedentes, conduzem à solução peculiar e, a meu ver, ao esvaziamento da justa causa da ação penal subjacente.
Repiso que o delito descrito no artigo 1º, da Lei nº 9.613/98, exige que os recursos movimentados pelo Paciente tenham sido auferidos de maneira ilícita.
E, na hipótese, os indícios da existência do crime antecedente restaram afastados pela decisão absolutória transitada em julgado na esfera civil, e não foram confirmados na pertinente ação criminal, diante da decisão pela extinção da punibilidade.
Ausente a demonstração da existência do crime antecedente que tenha propiciado ao agente tais recursos, não pode o Paciente responder pela imputação de prática do crime de lavagem de capitais.
Destaco, por derradeiro, que a ação penal nº 5007173-17.2021.4.03.6181 trata exclusivamente do delito de lavagem de capitais.
Dito isso, reputo caracterizada a ausência de justa causa, bem como configurado o constrangimento ilegal na continuidade da ação penal.
Com relação ao pedido subsidiário - de reconhecimento da prescrição virtual -, deixo consignado que acompanho o i. Relator pelos mesmos fundamentos lançados em seu voto.
Ante o exposto, com a devida vênia, voto pelo acolhimento do pedido principal, para a concessão da ordem em favor de Manuel Seabra Suarez para determinar o trancamento da ação penal nº 5007173-17.2021.4.03.6181.
É como voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. DELITO AUTÔNOMO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE ABSOLVIÇÃO POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO NÃO VERIFICADA. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERA ADMINISTRATIVA, CÍVEL E PENAL. PRESCRIÇÃO VIRTUAL. ORDEM DENEGADA.
1. A sentença absolutória em ação por ato de improbidade administrativa não vincula o juízo criminal, porquanto proferida na esfera do direito administrativo sancionador, haja vista que são independentes as instâncias administrativa, cível e penal, excepcionando-se apenas as hipóteses em que é reconhecida, no âmbito penal, a negativa da autoria ou da materialidade do fato.
2. A extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos crimes antecedentes não implica reconhecimento da atipicidade do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998), tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro é delito autônomo e independente de condenação ou da existência de processo por crime antecedente.
3. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 438, vedando a prescrição virtual em nosso ordenamento jurídico, sendo que a prescrição da pretensão punitiva, antes do trânsito em julgado, regula-se sempre pelo máximo da pena privativa de liberdade em abstrato cominada ao crime, nos termos do art. 109 do Código Penal.
4. Ordem denegada.