APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001501-54.2015.4.03.6107
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
AUTOR: MARCIO CLEBIO SILVA DE ALMEIDA
Advogado do(a) AUTOR: LUIZ RONALDO DA SILVA - SP196062-N
REU: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001501-54.2015.4.03.6107 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO AUTOR: MARCIO CLEBIO SILVA DE ALMEIDA Advogado do(a) AUTOR: LUIZ RONALDO DA SILVA - SP196062-N REU: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta por Márcio Clébio Silva de Almeida em face da sentença id. 278942730 - fls. 85/106, o absolveu da imputação de prática do crime de descaminho (artigo 334 do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, e o condenou ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 08 (oito) dias de reclusão, em regime inicial aberto e ao pagamento de 302 (trezentos e dois) dias-multa, cada um fixado no mínimo legal, pela prática dos crimes previstos no artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, incisos I e VI, do Código Penal. e artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, em concurso formal, substituída a sanção corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, equivalente a 36 (trinta e seis) cestas básicas, conforme especificado pelo Juízo das Execuções. Pleiteia a defesa, em suma (id. 278942730 - fls. 231/234), a absolvição do acusado, por ausência de dolo, ante o seu desconhecimento de que transportava mercadorias proibidas e desclassificação dos fatos para a conduta tipificada no artigo 56, caput da Lei 9.605/98. Nas contrarrazões apresentadas (id. 278942730 - fls. 238/245), o Ministério Público Federal acede em parte ao pedido da defesa, para que o apelante seja condenado pela figura culposa disposta no artigo 273, §2º, do Código Penal, mas com as penas anteriores à alteração legislativa operada em 1998. A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não provimento do recurso, bem como pela imediata execução provisória da pena, nos termos da decisão proferida pelo STF no HC 126.292 (id. 278942730 - fls. 283/289). O feito foi relacionado na pauta de julgamento da sessão ocorrida em 11/11/2019 e adiado por minha indicação para a sessão do dia 02/12/2019 (id. 278942730 - fl. 310). Na sequência, o processo não foi apresentado para julgamento em 02/12/2019. Novamente incluído na sessão de 07/08/2023 (id. 278942730 - fl. 311), tornou a não ser apresentado. Em seguida, inserido na pauta de julgamento do dia 23/10/2023, quando foi retirado, em razão da digitalização ao PJe (id. 276907752 e id. 278942730 - fls. 313). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001501-54.2015.4.03.6107 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO AUTOR: MARCIO CLEBIO SILVA DE ALMEIDA Advogado do(a) AUTOR: LUIZ RONALDO DA SILVA - SP196062-N REU: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Consta dos autos que Márcio Clébio Silva de Almeida foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 56, caput da Lei 9.605/98 porque, no dia 24/06/2015, de forma livre, deliberada e consciente, teria transportado, em desacordo com exigências legais, produtos que sabia ou devia saber nocivos à saúde humana, consistentes em 1.500 (mil e quinhentos) maços de cigarro de procedência estrangeira, uma grande quantidade de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, bem como 1.706 (mil, setecentas e seis) escovas de dente, sem o pagamento do imposto de importação calculado pela Receita Federal no valor de R$282,51 (duzentos e oitenta e dois reais e cinquenta e um centavos). A denúncia está assim redigida (id. 278942730 - fls. 03/07): Consta dos autos do inquérito policial em epígrafe que MÁRCIO CLÉBIO SILVA DE ALMEIDA, qualificado a fls. 4, no dia 24 de junho de 2015, por volta de 6h30, na altura do km 287 da Rodovia Assis Chateaubriand, no município de Penápolis-SP, agindo livre, deliberada e conscientemente, transportava, no porta-malas do veículo Renault/Logan, cor preta, placas OZI 6036/Itabuna-BA, que conduzia, produtos que sabia, ou devia saber, nocivos à saúde humana, e sabendo, ou devendo saber, também, que o transporte era feito em desacordo com as exigências estabelecidas nos arts. 2.º, 12 e 66, da Lei n.º 6.360, de 23 de setembro de 1976, combinados com os arts. 7.º, VII, e 8.º, § 1.º, X, da Lei n.º 9.782 de 26 de janeiro de 1999, e 10, IV, da Lei n.º 6.437, de 20 de agosto de 1977, e, ainda, quanto aos cigarros, nos arts. 3.º e 20, da Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) n.º 90, de 27 de dezembro de 2007. Tratava-se de 1500 maços de cigarro da marca Gudang Garan, fabricada pela P.T. Gudang Garan, da Indonésia, ao que parece não cadastrada na Anvisa à época do fato, bem como produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, identificados e quantificados na forma como segue (fls. 35/36): TABELA 37 (trinta e sete) frascos de Estigor 250ml; (um) frasco de Lipo 6 Black, com 60 (sessenta cápsulas); 01 (um) frasco de 1MR Vortex de 150g; 03 (três) ampolas de Decadobrol 200; 05 (cinco) frascos de Oxy Elite Pro, com 90 (noventa) cápsulas; 800 (oitocentas) cartelas de Pramil Sildenafil 50mg, com 20 (vinte) compridos; 350 (trezentas e cinquenta) cartelas de Erofast Sildenafil 50mg, com 10 (dez) comprimidos; 30 (trinta) unidades de Pramil Forte Sildenafil 100mg, com 10 (dez) compridos; 55 (cinquenta e cinco) cartelas de Cytotec 200mg, com 10 (dez) comprimidos; 45 (quarenta e cinco) cartelas de Brontel Clenbuterol 0,02mg, com 10 (dez) comprimidos; 15 (quinze) cartelas de Fingrass Sibutramina 15mg, com 10 (dez) comprimidos; 10 (dez) cartelas de Rheumazin Forte, com 20 (vinte) comprimidos; 15 (quinze) ampolas de 2ml de Nandrolone Decanoate 100mg; 19 (dezenove) frascos de 30ml de Stanozoland Depot 50mg/ml; 40 (quarenta) frascos de 15ml de Stanozoland Depot 50mg/ml; 05 (cinco) ampolas de 10ml de Ciclo 6; 06 (seis) caixas com ampolas de 1ml de Duratestoland 200mg; 05 (cinco) caixas de 1ml de Testosterona Propinato 200mg, com 05 (cinco) ampolas; 05 (cinco) frascos de 5ml de Decaland Depot 200mg; 05 (cinco) ampolas de 5ml de Lipostabil; 40 (quarenta) frascos de Metandrostenolona 10mg com 100 (cem) comprimidos; 01 (um) frasco de 10ml de Boldenona Undecilentato; 20 (vinte) frascos de 10ml de Trembo Life; 200 (duzentos) ampolas de 1ml de Sales de Testosterona 250mg; 220 (duzentos e vinte) ampolas de 1ml de Deca Durabolim 50mg; 560 (quinhentos e sessenta) ampolas de 1ml de Durateston 250mg; 05 (cinco) frascos de Stanozoland Stanozolol 10mg, com 100 (cem) compridos; 20 (vinte) caixas de Testoland Depot 200mg, com 100 (cem) comprimidos; 04 (quatro) caixas de Oxitoland 50mg, com duas cartelas de dez comprimidos; 10 (dez) frascos de 4ml de Testenat Depot 250mg/ml A perícia sobre eles concluiu o que segue (fls. 123/125): TABELA Nota 1: Consta nas embalagens que os produtos foram elaborados por “La Química Farmaceutica S.A.”. Nota 2: Consta na embalagem que o produto foi elaborado por “Laboratorios Catedral | Scavone Hnos S.A. | Planta Industrial: Av. España y San Martin”. Nota 3: De acordo com o site http://www.normahellas.gr/en/norma-hellas, “NORMA HELLAS” (que aparece no rótulo do produto) é uma empresa grega. Nota 4: De acordo com o site http//upslabs.net/br/index.html, “Laboratórios UPS S.A.” (que aparece no rótulo do produto) é uma empresa argentina. Nota 5: As análises realizadas neste Setor não detectaram a presença do princípio ativo declarado na embalagem, nem a presença de substâncias entorpecentes ou psicotrópicas normalmente pesquisadas neste Laboratório de Química Forense (por exemplo: cocaína, tetraidrocanabinol, MDMA). Nota 6: As análises realizadas neste Setor resultaram inconclusivas. O produto foi encaminhado para análises ao INC/DITEC/DPF por meio da Informação 261/2015 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP. Nota 7: Produtos encaminhados para análises ao INC/DITEC/DPF por meio da Informação 261/2015 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP. Os produtos DECA DURABOLIN (alusivo ao Material nº 294/2015 – UTEC/DPF/ARU/SP) e DURATESTON (alusivo ao Material nº 295/2015 – UTEC/DPF/ARU/SP) apresentam registros válidos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Contudo, as análises realizadas não detectaram os princípios ativos correspondentes aos produtos registrados, o que constitui indício de falsidade dos produtos apresentados a exame. Quanto aos demais produtos, estes não apresentam registro válido na ANVISA. Havia também 1706 escovas de dentes, da marca Zelo, cujo Imposto de Importação (não há sobre Produtos Industrializados) porventura incidente não foi pago, o qual, com base no valor que a Receita arbitrou a tais mercadorias, remonta a R$ 282,51 (fls. 176). Na Delegacia de Polícia, assegurado de seus direitos e sem a assistência de advogado, MÁRCIO disse ter adquirido os produtos em Foz do Iguaçu-PR; foram encomendados em Cidade do Leste, no Paraguai, e entregues no Hotel Tulipa, onde estava hospedado; pagou aproximadamente R$ 10.000,00 pelos medicamentos e outro tanto pelos cigarros; os cigarros eram seus; os medicamentos pertenciam a uma pessoa da Bahia cuja qualificação preferiu fornecer apenas ao juiz ou ao promotor; os produtos, revenderia para camelôs, na Bahia; os policiais que o abordaram respeitaram seus direitos. Posto isso, é denunciado, no art. 56, caput, da Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, razão porque, para formar-lhe a culpa, requer-se seja notificado e citado para o processo, ouvindo-se as pessoas abaixo. A peça acusatória foi recebida em 09/09/2015 (id. 278942730 - fls. 09/11). Após regular instrução, sobreveio sentença que atribuiu aos fatos descritos na denúncia definição jurídica diversa, considerando que: a) a importação irregular de 150 (cento e cinquenta) pacotes de cigarros e 1706 (um mil, setecentos e seis) escovas de dente sem o recolhimento dos impostos devidos se amoldava ao crime de descaminho, previsto no artigo 334 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 13.008/2014; b) a importação de medicamentos caracterizava o delito do artigo 273, §§1º e §1º-A (em relação aos produtos falsificados), do artigo 273, §1º-B, inciso I (em relação aos produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente) e do artigo 273, §1º-B, inciso VI (em relação aos produtos adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente) e c) a importação do produto Oxyelite Pro composto pela substância "sibutramina" considerada, por sua vez, capaz de causar dependência física e/ou psíquica e relacionada na Lista B2 da Portaria SVS/MS nº 344/98 (Lista das substâncias psicotrópicas anorexígenas) se enquadrava ao crime do artigo 33, caput c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006. Nessa ocasião, Márcio Clébio Silva de Almeida foi absolvido da imputação de prática do crime de descaminho (artigo 334 do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal e condenado pela prática dos delitos estabelecidos no artigo 273, §§ 1º, §1º-A e §1º-B, I e VI, do Código Penal e artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, em concurso formal, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 03 (três) anos e 08 (oito) dias de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 302 (trezentos e dois) dias-multa, cada um fixado no valor mínimo legal, substituída a sanção corporal por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente no pagamento de 36 (trinta e seis) cestas básicas, conforme especificado pelo Juízo das Execuções (id. 278942730 - fls. 85/106). Passo ao exame das matérias devolvidas. A defesa pede a absolvição do réu, tendo em vista a ausência de provas de autoria e de dolo e, subsidiariamente, requer a desclassificação da conduta de importar medicamento para o tipo penal descrito no artigo 56, caput da Lei 9.605/98. Saliente-se que é objeto de análise tão somente a conduta de importar e ter em depósito produto terapêutico ou medicinal, uma vez que, em primeiro grau, Márcio Clébio Silva de Almeida foi absolvido quanto ao transporte de cigarros e mercadorias de origem estrangeira sem a devida documentação fiscal, condutas classificadas pela sentença como descaminho (artigo 334 do Código Penal), considerada a atipicidade dos fatos, diante da aplicação do princípio da insignificância. O recurso comporta provimento. De início, saliento que não há qualquer indício de prática do crime previsto no artigo 56, caput da Lei 9.605/98, de modo que o réu não pode ser condenado nos termos em que a denúncia foi redigida. Ao atribuir a Márcio Clébio Silva de Almeida a prática das condutas de transportar, em desacordo com exigências legais, produtos que sabia ou devia saber nocivos à saúde humana, consistentes em cigarros procedentes da Indonésia, produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, bem como escovas de dentes sem o pagamento do imposto de importação, o Ministério Público Federal classifica os fatos criminosos no tipo penal descrito no artigo 56, caput da Lei 9.605/98, em razão do princípio da especialidade. Estabelece o artigo 56, caput da Lei 9.605/98: Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aqui, o órgão acusatório não demonstrou a prática do crime previsto na Lei Ambiental, uma vez que cigarros de origem estrangeira, produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais e mercadorias de procedência estrangeira irregularmente internalizadas no país não constituem objeto material desse delito, justamente, em razão do princípio da especialidade. Muito embora a Lei 9.605/98 seja considerada uma lei especial, a disposição contida em seu artigo 56 é considerada geral em relação aos crimes de contrabando, descaminho e falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, os quais contêm elementos especializados (produto falsificado, produto sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, produto adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente). De fato, o objeto material do delito em questão é o produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, tais como agrotóxicos, combustíveis, venenos, produtos químicos, pneus usados. Outrossim, admite-se a emenda, reparo ou conserto da acusação diante da equivocada classificação jurídica das condutas delitivas descritas na denúncia, ou seja, é permitido ao juiz, sem modificar a descrição do fato contida na peça acusatória, atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que tenha de aplicar pena mais grave (artigo 383, caput do Código de Processo Penal). Trata-se do instituto da emendatio libelli. Com efeito, de acordo com o princípio da correlação entre a acusação e a sentença, deve haver identidade entre o objeto da imputação e o da sentença, com vistas a preservar os princípios da ampla defesa e do contraditório. Isto porque o acusado, no processo penal, defende-se dos fatos imputados e não da qualificação jurídica conferida na denúncia. Foi exatamente dessa forma que procedeu o Magistrado de 1º grau ao sentenciar o feito. Aqui, a sentença considerou que a importação irregular de cigarros e escovas de dente sem o recolhimento dos impostos devidos se amoldava aos crimes de descaminho e contrabando; além disso, enquadrou a importação de medicamentos nas espécies previstas no artigo 273, §§1º e §1º-A, do Código Penal (em relação aos produtos falsificados), no artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal (em relação aos produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente) e no artigo 273, §1º-B, inciso VI, do Estatuto Repressivo (em relação aos produtos adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente) e, por fim, conferiu à importação do produto Oxyelite Pro composto pela substância "sibutramina" a classificação jurídica do delito de tráfico de internacional de drogas, insculpido no artigo 33, caput c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006. Contudo, a alteração da capitulação jurídica realizada na sentença também não deve prosperar, motivo pelo qual o réu deve ser absolvido, com base no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal. Não se trata, aqui, de hipótese de aplicação do instituto da emendatio libelli para atribuir ao acusado a conduta descrita no artigo 273 do Código Penal, uma vez que não há descompasso entre a ação delitiva descrita na denúncia e o tipo indicado pela acusação. Pelo contrário, a partir de uma leitura atenta da peça acusatória, é possível concluir que o Ministério Público Federal descreveu exatamente a conduta descrita no artigo 56 da Lei de Crimes Ambientais e atribuiu ao fato a exata definição jurídica. Não há, portanto, erro na classificação jurídica passível de reparo. Sendo assim, não é possível atribuir ao acusado as condutas descritas no artigo 273 do Código Penal, porque não foram descritos os elementos desse crime, entre eles: o transporte de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais falsificado; de produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente e de produto adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. É dizer: a denúncia não descreve o delito do artigo 273 do Estatuto Repressivo em nenhuma de suas modalidades e, apesar da reprovabilidade de sua conduta, não se encontram presentes os elementos do tipo penal pelo qual o acusado foi condenado. Isto porque, de acordo com o artigo 41 do Estatuto Processual Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, em observância ao artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal. Para o cumprimento da exigência legal da narrativa dos fatos com todas as circunstâncias, não é suficiente a descrição do fato infringente da lei ou a repetição dos termos legais. É necessária a exposição minuciosa da ação criminosa, com todos os acontecimentos que a cercam: a pessoa que a praticou, os meios empregados, o malefício que a conduta produziu, os motivos que determinaram o agente, a maneira porque praticou, o lugar e o tempo. No particular, a denúncia, nos termos em que oferecida, não descreveu as condutas pelas quais Márcio Clébio Silva de Almeida foi condenado, com todas as suas circunstâncias; vale dizer, o fato narrado na inicial não constitui o delito de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, não sendo possível compreender o fato criminoso em sua integralidade, circunstância que pode acarretar prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Ausentes os elementos do tipo penal, fica afastada a materialidade delitiva e a absolvição do acusado por não constituir o fato infração penal é medida de rigor. Ademais, note-se que a sentença, ao realizar emendatio libelli, também corrigiu a capitulação jurídica constante da denúncia para condenar o acusado por tráfico internacional de drogas, por entender que a "sibutramina" estava relacionada na Lista B2 (Lista das substâncias psicotrópicas anorexígenas) e era considerada entorpecente, conforme classificação na Portaria nº 344/98 da ANVISA. No entanto, ainda que a denúncia tivesse descrito os elementos do tipo penal do artigo 273 do Código Penal, não seria possível condenar o réu por tráfico internacional de drogas, uma vez que a substância apontada na sentença como objeto do tráfico de entorpecentes ("sibutramina") constitui, em tese, o objeto material do crime do artigo 273 do Código Penal. De fato, no Brasil, as substâncias sujeitas a controles especiais estão descritas na Portaria nº 344-SVS/MS da ANVISA, sendo certo que esse órgão sanitário, periodicamente, atualiza o anexo da portaria, com a inclusão ou exclusão de substâncias, bem como com o remanejamento ou alteração entre as diversas listas. No caso, a "sibutramina" foi remanejada da Lista-C1 (Outras substâncias sujeitas a controle especial) para a Lista-B2 (Substância psicotrópicas anorexígenas) por meio da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 13, de 26/03/2010. Ademais, a apreensão de medicamentos tratada nesses autos ocorreu em 24/06/2015, ocasião em que a "sibutramina" se encontrava na lista de substâncias psicotrópicas anorexígenas, que são fármacos que provocam anorexia, ou seja, redução ou perda de apetite. Desse modo, não é possível admitir que substância constante da Lista-B2 da Portaria nº 344-SVS/MS constitua objeto material do tráfico de drogas, posto que não se trata de entorpecente para fins da Lei nº 11.343/06. De fato, a "sibutramina" é um anorexígeno classificado como psicotrópico, por agir no sistema nervoso central e, por isso, pode causar dependência física ou psíquica. Saliente-se ainda que, em 15/12/2016, a Diretoria Colegiada da ANVISA editou a resolução RDC nº 133/2016, passando a autorizar a prescrição, dispensação e aviamento de medicamentos que contenham "sibutramina", por meio da Notificação de Receita "B2", de acordo com RDC nº 58/2007, ou aquela que viesse a substituí-la. Posteriormente, em 26/06/2017, entrou em vigor a Lei nº 13.454/2017, que autorizou a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos "sibutramina", "anfepramona", "femproporex" e "mazindol". Entendo, portanto, que a condenação do réu também pelo cometimento do crime do artigo 33, caput c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006 não merece prosperar. Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa de Márcio Clébio Silva de Almeida, para absolvê-lo da imputação de prática dos crimes previstos no artigo 273, §§ 1º, §1º-A e §1º-B, I e VI, do Código Penal e artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, com fundamento no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal. É como voto.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001501-54.2015.4.03.6107
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
AUTOR: MARCIO CLEBIO SILVA DE ALMEIDA
Advogado do(a) AUTOR: LUIZ RONALDO DA SILVA - SP196062-N
REU: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
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V O T O - V I S T A
Desembargador Federal André Nekateschalow: Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Maurício Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção no que diz respeito às condutas delitivas imputadas ao apelante.
Márcio Clébio Silva de Almeida foi denunciado pela prática do delito do art. 56, caput, da Lei n. 9.605/98, porque, em 24.06.15, transportou, em desacordo com as exigências legais, produtos que sabia ou devia saber que eram nocivos à saúde humana (1.500 maços de cigarro de procedência estrangeira, produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais), além de escovas de dentes.
O Juízo a quo, ao proferir sentença, promoveu a emendatio libelli para classificar o transporte de cigarros e de escovas de dentes como descaminho (CP, art. 334). Aplicou o princípio da insignificância para absolver o réu de ambas as condutas (CPP, art. 386, III). No que diz respeito ao transporte de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais, à exceção de Oxy Elite Pro, afirmou que “os fatos se amoldam à descrição abstrata do artigo 273, §§ 1° e 1°-A (em relação aos produtos falsificados) e do artigo 273, §1°-B, inciso I (em relação aos produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente) e inciso VI (em relação aos produtos adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente)”, todos do Código Penal. No que diz respeito ao produto Oxy Elite Pro, afirmou que continha sibutramina, substância capaz de causar dependência física e/ou psíquica e que relacionada na Lista B2 da Portaria SVS/MS n. 344/98, razão pela qual tipificou a conduta como o crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, com a causa de aumento do art. 40, I, da mesma Lei (Id n. 278942730, pp. 92/95).
O Eminente Relator afirmou que o Ministério Público Federal não demonstrou a prática de crime previsto no art. 56 da Lei n. 9.605/98, cujo objeto material é o produto ou a substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente (agrotóxicos, combustíveis, veneno, produtos químicos, pneus usados etc.). No que diz respeito à emendatio libelli procedida na sentença, o Eminente Relator assim a apreciou:
Contudo, a alteração da capitulação jurídica realizada na sentença também não deve prosperar, motivo pelo qual o réu deve ser absolvido, com base no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.
Não se trata, aqui, de hipótese de aplicação do instituto da emendatio libelli para atribuir ao acusado a conduta descrita no artigo 273 do Código Penal, uma vez que não há descompasso entre a ação delitiva descrita na denúncia e o tipo indicado pela acusação. Pelo contrário, a partir de uma leitura atenta da peça acusatória, é possível concluir que o Ministério Público Federal descreveu exatamente a conduta descrita no artigo 56 da Lei de Crimes Ambientais e atribuiu ao fato a exata definição jurídica. Não há, portanto, erro na classificação jurídica passível de reparo.
Sendo assim, não é possível atribuir ao acusado as condutas descritas no artigo 273 do Código Penal, porque não foram descritos os elementos desse crime, entre eles: o transporte de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais falsificado; de produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente e de produto adquirido de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. É dizer: a denúncia não descreve o delito do artigo 273 do Estatuto Repressivo em nenhuma de suas modalidades e, apesar da reprovabilidade de sua conduta, não se encontram presentes os elementos do tipo penal pelo qual o acusado foi condenado.
Isto porque, de acordo com o artigo 41 do Estatuto Processual Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.
Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, em observância ao artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal (...).
Com a devida vênia, não entrevejo vício procedimental na emendatio libelli feita em primeiro grau de jurisdição.
Com efeito, assim dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Consoante decorre do dispositivo legal, cumpre à acusação proceder à exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias. Portanto, a descrição deve abranger as condições de tempo e espaço, referir-se ao objeto da ação do agente além de outras desse gênero, mas sempre concernentes aos fatos propriamente ditos. No que se refere à classificação jurídica do crime, já pertence a outro registro verbal, qual seja, que confere um sentido jurídico àqueles fatos sumariamente descritos. A atribuição de significado jurídico para os fatos postulados como ocorridos na realidade é tarefa inicialmente feita pelo órgão da acusação, mas que não impede, depois, de que aqueles jurisdicionais possam, da mesma maneira, conferir.
Por essa razão a sentença pode dar nova definição jurídica aos fatos. E no que tange à interpretação dos fatos, não há motivo de se destoar do usual. Quanto a esse aspecto, no caso concreto, a hipótese versa sobre a apreensão de mercadorias ilícitas objeto de clandestina internação no País. A conduta do agente, em casos desse gênero, é muito semelhante a tantas outras, conforme a modalidade de transporte respectiva.
Nesse contexto, por vezes surge alguma dúvida quanto à correta classificação do crime menos em razão da conduta do agente em si mesma considerada e mais em função do objeto material sobre o qual incide. Aqui grassam um infindável cipoal de normas regulamentares que dificultam a exata tipificação, seja por parte da acusação, seja por parte da defesa ou do juiz e, por que não dizer, por parte da própria Administração. Erronias de classificação para fins de tipificação costumam ser escoimadas após exame de provas que não acodem aos autos no seu liminar, como sucede muitas vezes.
Ora, na espécie a acusação divisou, singularmente, classificar a ação delitiva como crime ambiental. Mas não era disso de que se tratava, conforme decorre do entendimento esposado pelo Relator. A reclassificação da mercadoria ilícita segundo a tipologia mais usual não importa em modificação da descrição dos fatos, de maneira tal que nenhuma mácula há no procedimento empregado pela sentença.
Emendatio libelli. Segundo grau. Admissibilidade. Reformatio in pejus. Inadmissibilidade. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a emendatio libelli em segundo grau com base no art. 383 do Código de Processo Civil, uma vez que a Súmula n. 453 do Supremo Tribunal Federal proíbe apenas a mutatio libelli, quando há inclusão de fato não descrito na denúncia. A única ressalva é que, ainda que da nova definição jurídica do fato possa advir a cominação de pena mais grave, como reza o dispositivo processual, não pode haver, no caso concreto, reformatio in pejus. Dito de outra forma: apenas na hipótese de se tratar de recurso exclusivo da defesa, posto que admitida emendatio libelli, a pena concretamente aplicada não pode ser agravada (STJ, EDcl no AgRg no HC n. 667846, Rel. Des. Conv. Jesuíno Rissato, j. 09.11.21; AgRg no HC n. 50788, Rel. Des. Conv. Leopoldo de Arruda Raposo, j. 07.11.19; Resp n. 1486755, Rel. Min. Rogério Schietti, j. 24.04.18; HC n. 360626, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 13.12.16; HC n. 201232, Rel. Min. Néfi Cordeiro, j. 08.03.16; HC n. 294149, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03.02.15; HC n. 11888, Rel. Des. Conv. Jane Silva, j. 05.02.09). (06.02.24).
Do caso dos autos. No que concerne à sibutramina (encontrada no interior de frascos de Oxy Elite Pro), trata-se de substância que foi incluída na Lista B2 (substâncias psicotrópicas anorexígenas) pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC n. 13, de 26.03.10, constituindo assim objeto material do crime de falsificação, corrupção ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (STJ, REsp n. 1.537.773, Rel. p/ acórdão Min. Rogério Schietti, j. 16.08.16, TRF da 3ª Região, ACR n. 0005335-29.2015.4.03.6119, Rel. Juíza Fed. Conv. Louise Filgueiras, j. 03.10.22).
Portanto, procedo à emendatio libelli neste ponto para classificar a conduta de transportar 5 (cinco) frascos de Oxy Elite Pro, com 90 (noventa) cápsulas, como o delito do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal.
Materialidade. No que diz respeito à materialidade, há suficientes elementos de prova, à vista do Auto de Apresentação e Apreensão, do Laudo de Perícia Criminal Federal n. 3.463/2015 (Id n. 278942731, pp. 14/15 e 107/119) e do Laudo de Perícia Criminal Federal n. 1381/2015 (Id n. 278942730, pp. 63/69).
Autoria. No que concerne à autoria delitiva, reputo que as provas dos autos demonstram a conduta dolosa de Márcio Clébio, ao contrário do que afirma em apelação.
Na fase investigativa, o Policial Militar Carlos Donizete Moreira declarou que, em patrulhamento de rotina, houve abordagem ao veículo conduzido por Márcio Clébio. Em vistoria ao veículo, a equipe policial encontrou no porta-malas uma caixa com medicamentos, frascos e ampolas de remédioss, cigarros e escovas de dentes, todos oriundos do Paraguai. Indagado, Márcio Clébio alegou que havia adquirido os produtos em Ciudad del Este por R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e que pretendia revendê-los na Bahia. Márcio Clébio foi preso em flagrante e conduzido à Delegacia de Polícia Federal em Araçatuba (Id n. 278942731, pp. 9/10).
À Autoridade Policial, Márcio Clébio declarou ter adquirido os produtos apreendidos em Foz do Iguaçu (PR). Os medicamentos, cigarros e escovas de dentes foram encomendados em Ciudad del Este e entregues no local em que estava hospedado (Hotel Tulipa). Pagou aproximadamente R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelos remédios e o mesmo valor pelos cigarros. Os cigarros são de sua propriedade, porém os medicamentos são de uma pessoa da Bahia cujos dados prefere não informar (Id n. 278942731, p. 11).
Em Juízo, o Policial Militar Carlos Donizete Moreira foi ouvido como testemunha de acusação. Recordou-se da abordagem policial e de Márcio Clébio. Disse que o acusado estava sozinho e que aparentava transportava no bagageiro de um Renault Logan somente escovas de dentes, mas nos fundos do porta-malas foi encontrada uma caixa com medicamentos proibidos e pacotes de cigarros. A abordagem foi aleatória. O acusado estava bem calmo e disse que estava vindo de Foz do Iguaçu, mas que esteve em Ciudad Del Este (Paraguai). A equipe que abordou o veículo era composta por três policiais, fizeram a busca enquanto conversavam com Márcio Clébio. O acusado acompanhou a abertura do carro e admitiu que todos os produtos eram dele e que seriam comercializados na cidade de Itabuna (BA). Márcio Clébio foi preso em flagrante e conduzido à Delegacia de Polícia Federal. Os cigarros estavam escondidos nos fundos do porta-malas, de modo que concluíram que Márcio Clébio tinha ciência de que transportava mercadoria proibida. Não houve modificação na estrutura do veículo para ocultar as mercadorias (Ids ns. 278705105, 278705106 e 278705089).
Em interrogatório judicial, Márcio Clébio respondeu que exercia a profissão de comerciante e recebia aproximadamente R$ 1.000,00 (mil reais mensais) por mês. Já foi processado anteriormente pelo crime do art. 334 do Código Penal, por transportar equipamentos de informática, cigarros, isqueiro, cadeado e pilhas, mas foi absolvido. Estudou até a oitiva série e admite ter comprado o diploma do segundo grau. Comprou os cigarros e as escovas, mas como as despesas são altas e tem família para sustentar, aceitou R$ 1.000,00 (mil reais) de um conhecido para transportar a caixa de medicamentos, que colocou no porta-malas. Aceitou os R$ 1.000,00 (mil reais) porque os produtos não eram drogas nem armas. Não sabia que transportar medicamentos provenientes do Paraguai era crime. Pagou R$ 10.000,00 (dez mil reais) apenas pela mercadoria que adquiriu, não pelos remédios, pois não eram seus. Por questão de segurança e devido à pressão que sofreu na cadeia, recusou-se a informar o nome do conhecido que lhe pagou pelo transporte dos medicamentos. O veículo Renault Logan foi emprestado de um colega. Há mais de dez anos frequenta o Paraguai. Faz a encomenda e a recebe no hotel de Foz do Iguaçu. Os medicamentos estavam no quarto do rapaz, que os entregou ao interrogado para que os colocasse no veículo. O rapaz, dono da caixa, era farmacêutico, o apenas faria a entrega da caixa para ele, não revenderia medicamento algum. Vende os cigarros na barraca da feira (Ids ns. 278705094, 278705100, 278705101, 278705102 e 278705104).
A alegação da defesa no sentido de que não houve qualquer adulteração ou modificação no veículo para o transporte da mercadoria não é suficiente à comprovação de que o réu não teria ciência de que transportava ilegalmente produtos farmacêuticos falsificados, desprovidos de registro ou adquiridos de estabelecimentos sem licença da autoridade sanitária competente.
Conforme ponderou o Juízo a quo, independentemente da discussão acerca da propriedade dos remédios e anabolizantes, restou incontroverso que Márcio Clébio os transportava irregularmente, que não havia registro no órgão de vigilância sanitária competente e que foram adquiridos sem licença da autoridade sanitária. A mera alegação de que os medicamentos e anabolizantes eram de terceiro cujos dados não pode indicar não é suficiente ao afastamento da conduta dolosa.
Dosimetria das penas. Código Penal, art. 273. O Juízo a quo afirmou que “em relação à importação de vultosa quantia de medicamentos, inclusive anabolizantes (com exclusão daquele em cuja composição foi constatada a presença de substância entorpecente [Oxyelite Pro], os fatos se amoldam à descrição abstrata do artigo 273, §§ 1º e 1º-A [em relação aos produtos falsificados] e do artigo 273, § 1º-B, inciso I [em relação aos produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente] e inciso VI [em relação aos produtos adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente]. Afirmou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, conforme decisão proferida pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Em substituição àquele preceito secundário, aplicou a sanção prevista para o crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, por ser mais benéfica ao réu.
Na primeira fase da dosimetria da pena, valorou negativamente o motivo e as circunstâncias do crime, ou seja, o desejo de lucro fácil (recebimento de R$ 1.000,00) e a quantidade expressiva de remédios e anabolizantes transportados. Fixou a pena-base em 7 (sete) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, aplicou a atenuante da confissão e a atenuante inominada do art. 66 do Código Penal, já que o réu, durante o seu interrogatório, mostrou-se bastante emocionado e arrependido.
Reduziu a pena em 2/6 (dois sextos), fixando-a em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, aplicou a causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06. Aumentou a pena em 1/3 (um terço), fixando-a em 6 (seis) anos, 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.
Reconheceu presente a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, ou seja, primariedade e ausência de indícios de participação em organização criminosa. Reduziu a pena em 2/3 (dois terços), de modo que a pena definitiva resultou em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses, 20 (vinte) dias de reclusão e 222 (duzentos e vinte e dois) dias-multa.
O valor do dia-multa foi arbitrado em 1/30 (um trigésimo) do salário vigente ao tempo do crime.
Lei n. 11.343/06, art. 33, caput. O Juízo a quo afirmou que a importação de produto que contém a substância sibutramina configura a prática do delito do art. 33 da Lei de Drogas.
Na primeira fase da dosimetria, afirmou que a natureza da substância entorpecente (sibutramina, com ampla aceitação no mercado negro) e a quantidade transportada (5 caixas de 90 comprimidos) devem ser valoradas negativamente. No mesmo sentido, os motivos do crime (recebimento de R$ 1.000,00).
Presentes 3 (três) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, fixou a pena-base em 8 (oito) anos, 9 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, aplicou 2 (duas) circunstâncias atenuantes: confissão espontânea (CP, art. 65, III, d) e o inegável arrependimento, já que o réu, durante o seu interrogatório, mostrou-se bastante emocionado e arrependido (CP, art. 66).
Em decorrência, reduziu a pena em 2/6 (dois sextos), fixando-a em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, aplicou a causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06. Aumentada em 1/3 (um terço), a pena foi fixada em 7 (sete) anos, 9 (nove) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 777 (setecentos e setenta e sete) dias-multa.
Presente a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, reduziu a pena em 2/3 (dois terços), fixando-a definitivamente em 2 (dois) anos, 7 (sete) meses, 3 (três) dias de reclusão e 259 (duzentos e cinquenta e nove) dias-multa.
O valor do dia-multa foi arbitrado no mínimo valor unitário legal.
O Juízo a quo reconheceu o concurso formal de crimes. Exasperou a pena mais grave (tráfico internacional de drogas) em 1/6 (um sexto), resultando a pena definitiva aplicada ao réu em 3 (três) anos, 8 (oito) dias de reclusão e 302 (trezentos e dois) dias-multa, no mínimo valor unitário legal.
Fixado o regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária consistente no pagamento de 36 (trinta e seis) cestas básicas em favor de entidades beneficentes.
No que diz respeito ao delito do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, cumpre registar que o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é inconstitucional a aplicação do respectivo preceito secundário, razão pela qual fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão de 1 a 3 anos, e multa) (STF, RE n. 979962, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 24.03.21). Em 13.06.23, por ocasião do julgamento de embargos de declaração, a tese foi alterada para os seguintes termos: “É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas situações específicas, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”.
Para as demais hipóteses do delito do art. 273 do Código Penal, subsiste a incidência do preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/06, conforme entendimento deste Tribunal (TRF da 3ª Região, Rev. Criminal n. 50000679-55.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 22.10.21, Questão de Ordem na ACR n. 0011818-93.2009.4.03.6181, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 14.03.22).
Nesses termos, de rigor o reconhecimento do concurso formal entre o delito do art. 273, § 1º-A, do art. 273, §1º-B, inciso I e do art. 273, § 1º-B, VI, do Código Penal.
Revejo a dosimetria das penas.
CP, art. 273, § 1º-A (preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/06). Na primeira fase da dosimetria, registro que o réu não tem antecedentes criminais. Reputo como normais a culpabilidade e os motivos do crime. As circunstâncias do crime devem ser avaliadas negativamente, à vista da quantidade expressiva de produtos transportados pelo réu. Nesses termos, majoro a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, mantenho a aplicação das circunstâncias atenuantes do art. 65, III, d, e do art. 66 do Código Penal. Tendo em vista que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (STJ, Súmula n. 231), fixo a pena em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, mantenho a incidência da causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, porém na fração de 1/6 (um sexto). A pena resulta em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Presente a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, reduzo a pena em 2/3 (dois terços), fixando-a definitivamente em 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.
CP, art. 273, § 1º-B, I (preceito originário do art. 273). O réu não tem antecedentes criminais. Reputo como normais a culpabilidade e os motivos do crime. As circunstâncias do crime devem ser avaliadas negativamente, à vista da quantidade expressiva de produtos transportados pelo réu. Nesses termos, majoro a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a em 1 (um) ano, 2 (dois) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, mantenho a incidência das circunstâncias atenuantes do art. 65, III, d, e do art. 66, do Código Penal. Tendo em vista que a incidência de circunstâncias atenuantes não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (STJ, Súmula n. 231), reduzo a pena para 1 (um) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, a qual resta definitiva à míngua de causas de diminuição e de aumento de pena.
CP, art. 273, § 1º, V (preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/06). O réu não tem antecedentes criminais. Reputo como normais a culpabilidade e os motivos do crime. As circunstâncias do crime devem ser avaliadas negativamente, à vista da quantidade expressiva de produtos transportados pelo réu. Nesses termos, majoro a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e 593 (quinhentos e noventa e três) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, mantenho a aplicação das circunstâncias atenuantes do art. 65, III, d, e do art. 66 do Código Penal. Tendo em vista que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (STJ, Súmula n. 231), fixo a pena para 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, mantenho a incidência da causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, porém na fração de 1/6 (um sexto). A pena resulta em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Presente a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, reduzo a pena em 2/3 (dois terços), fixando-a definitivamente em 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.
Concurso formal. Tendo em vista que o réu, mediante uma só ação, praticou 3 (três) crimes, aplico o disposto no art. 70 do Código Penal.
Majoro em 1/6 (um sexto) a pena mais grave de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.
A pena definitiva resulta em 2 (dois) anos, 3 (três) meses, 6(seis) dias de reclusão e 226 (duzentos e vinte e seis) dias-multa.
Mantenho o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário vigente ao tempo do crime.
Fixo o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 2 (dois) salários mínimos.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação de Márcio Clébio Silva de Almeida e, de ofício, PROCEDO à emendatio libelli para classificar a conduta de transportar 5 (cinco) frascos de Oxy Elite Pro (sibutramina) como o delito do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal; aplico o preceito secundário do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 para os delitos dos arts. 273, §§ 1º, 1º-A, e § 1º, VI, do Código Penal e o preceito originário do art. 273 do Código Penal para o delito do art. 273, § 1º-B-I, do Código Penal. Em decorrência do disposto art. 70 do Código Penal, reduzo a pena do apelante para 2 (dois) anos, 3 (três) meses, 6 (seis) dias de reclusão e 226 (duzentos e vinte e seis) dias-multa, no mínimo valor unitário legal. Regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 2 (dois) salários mínimos (Divirjo do Relator).
É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 273, §§ 1º, 1º-A E 1º-B, INCISOS I E VI DO CÓDIGO PENAL. PRODUTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT C.C. ARTIGO 40, INCISO I DA LEI 11.343/2006. EMENDATIO LIBELLI. ABSOLVIÇÃO.
1. O objeto material do delito do artigo 56, caput da Lei 9.605/98 é o produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, tais como agrotóxicos, combustíveis, venenos, produtos químicos, pneus usados.
2. É admissível a emenda, reparo ou conserto da acusação diante da equivocada classificação jurídica das condutas delitivas descritas na denúncia.
3. O princípio da correlação entre a acusação e a sentença impõe a necessidade de identidade entre o objeto da imputação e o da sentença, com vistas a preservar os princípios da ampla defesa e do contraditório.
4. Para o cumprimento da exigência legal da narrativa dos fatos com todas as circunstâncias, não é suficiente a descrição do fato infringente da lei ou a repetição dos termos legais; é necessária a exposição minuciosa da ação criminosa, com todos os acontecimentos que a cercam.
5. Apelação de defesa provida.