APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000514-91.2019.4.03.6102
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: CLEBERSON CLAYTON RABELO
Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000514-91.2019.4.03.6102 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: CLEBERSON CLAYTON RABELO Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra CLEBERSON CLAYTON RABELO como incurso nas penas do art. 334-A, § 1º, IV e V, do Código Penal. Consta da denúncia (Id 253823433): "No dia 12.04.2018, por volta das 16h30min, na Rodovia Altino Arantes (SP-351), na cidade de Morro Agudo/SP, policiais militares em patrulhamento abordaram CLEBERSON e solicitaram-lhe que os acompanhasse em fiscalização na parte interna do caminhão que dirigia, oportunidade em que ele empreendeu fuga em direção aos canaviais próximos do local. No interior do veículo foram encontradas 446 caixas – totalizando 224.880 maços – de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular importação. Foram encontrados ainda, no interior do caminhão, documento pessoal de CLEBERSON (CNH – fl. 27), assim como documento do veículo. A mercadoria foi apreendida e avaliada pela Receita Federal em R$ 1.124.850,00 (f. 37/44). O caminhão também foi apreendido pela RFB (fl. 14). A importação de cigarros é proibida. Trata-se de proibição relativa, sendo necessários registro na ANVISA (artigos 7.º, inciso XV, e 8.º, inciso X, da Lei 9.782/99 e artigos 3.º e 20, §1.º, da Resolução RDC 90/07) e registro especial na Receita Federal do Brasil (IN SRF 770/2007 e Lei 9532/1997, artigos 47 e 48). No caso dos autos, foram apreendidos cigarros das marcas San Marino (93.000 maços), Palermo (37.510 maços), Eight (32.470 maços), Play (12.500 maços), Blitz (12.500 maços), Polo (9.900 maços), Te (9.500 maços), Calvert (7.500 maços), Mill (5.000 maços), Gift (2.500 maços) e Euro (2.500 maços), todos de procedência paraguaia. Verifica-se, do exposto, que CLEBERSON CLAYTON RABELO, em 12.04.2018, manteve em depósito, no exercício de atividade comercial, mercadoria proibida pela lei brasileira. Por outra ótica, CLEBERSON recebeu, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria proibida pela lei brasileira." A denúncia foi recebida em 28/04/2020 (Id 253823439). Após a instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal JOÃO EDUARDO CONSOLIM e publicada em 16/12/2021 (Id 253823789), que julgou procedente a denúncia para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 334-A, § 1.º, incisos IV e V, do Código Penal, fixando a pena em 03 (três) anos de reclusão. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, , cujo local será designado pelo Juízo das Execuções Penais, à razão de 01 (uma) hora de trabalho para cada dia de pena. Fixada multa em 30 (trinta) dias-multa, correspondendo cada dia-multa a 1/20 (um vigésimo) do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato. O réu interpôs recurso de apelação (Id 253823804), sustentando: 1) a inépcia da denúncia; 2) a ausência de provas da autoria delitiva e do dolo; 3) ineficácia da prova unilateralmente produzida por policiais. Foram apresentadas contrarrazões pela acusação (Id 253823821). A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da apelação (Id 254443380). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000514-91.2019.4.03.6102 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: CLEBERSON CLAYTON RABELO Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): CLEBERSON CLAYTON RABELO foi condenado pela prática dos delitos do art. 334-A, § 1.º, incisos IV e V, do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, substituída por uma pena restritivas de direitos, por ter sido flagrado, em 12/04/2018, conduzindo veículo carregado com 224.880 (duzentos e vinte e quatro mil, oitocentos e oitenta) maços de cigarros, provenientes do Paraguai, mercadoria proibida, em território brasileiro, nos termos da denúncia. Inépcia da denúncia Sustenta a defesa, em preliminar, a inépcia da denúncia, por violação ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Rejeito a preliminar. A jurisprudência já pacificou entendimento no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. Nesse sentido: PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE AUTORIA. PRETENSÃO QUE NÃO SE COADUNA COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ROL DE TESTEMUNHAS. QUESTÃO DEVIDAMENTE EQUACIONADA NAS INSTÂNCIAS INFERIORES. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. SUPOSTA INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO DA ARGUIÇÃO QUANDO SUSCITADA APÓS A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PLANO DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER PRIMA FACIE EVIDENTE QUANDO DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATÉRIA NÃO CONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. "A arguição de inépcia da denúncia resta coberta pela preclusão quando aventada após a sentença penal condenatória, o que somente não ocorre quando a sentença vem a ser proferida na pendência de habeas corpus já em curso" (RHC 98.091/PB, Rel. Min. Cármen Lúcia). (...) (HC 111363, LUIZ FUX, STF.) EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. VALIDADE. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) III - inépcia da denúncia alegada somente após a prolação da sentença condenatória. Preclusão. Precedentes. (...) V - Ordem denegada. (HC 95701, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.) De outro lado, as condutas criminosas atribuídas ao réu são descritas de maneira clara na denúncia, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo ao acusado o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal. Da materialidade A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes documentos: Certidão de Ocorrência n.º 53/2018 (Id 253823434 - Pág. 8); Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (Id 253823435 - Pág. 2/7), Auto de Apreensão (Id 253823435 - Pág. 12); Relação de Mercadorias (Id 253823436 - Pág. 14/15). Da documentação consta a quantidade de maços de cigarros apreendidos – 478.000 – e sua origem – Paraguai – não declarados e desprovidos de documentação fiscal. E a importação dos cigarros apreendidos é proibida, quer porque fabricados por empresas não inscritas no registro de sociedades importadoras, quer porque desprovidos de controle sanitário pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, exigências prescritas pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.593/77, no artigo 47 da Lei 9.532/97 e no art. 81, § 1º, X, da Lei 9.782/99. Da autoria Em relação à autoria, a despeito de as testemunhas Rogério Ferreira de Moraes e Silvio Luiz Marques, policiais militares que atuaram na ocorrência, não terem reconhecido o réu como a pessoa que se evadiu da abordagem policial, em juízo eles informaram que o condutor do caminhão carregado com os cigarros contrabandeados forneceu a CNH e o CRLV do veículo antes de fugir, e esta CNH é de propriedade do réu. De acordo com os eventos ocorridos e descritos nos autos, o réu estava conduzindo o caminhão e, ao ser abordado por policiais rodoviários em patrulhamento na Rodovia Altino Arantes, entregou sua CNH e o CRLV do veículo, tendo em seguida fugido a pé, adentrando em um canavial. Não foi encontrado pelos policiais, e estes, em juízo, disseram que não eram capazes de reconhecê-lo em razão do tempo decorrido. Não se sustenta o pedido de declaração de ineficácia da prova unilateralmente produzida pelos policiais, até mesmo porque o documento de identificação entregue a eles apresenta prova incontestável da prática do crime. Em juízo, o réu disse que não é o autor do crime, que precisou fazer uma habilitação nova por conta do curso do MOPP e não sabia que tinha perdido a CNH. Disse que quando percebeu a perda de sua CNH não precisou fazer Boletim de Ocorrência e nem precisou ir atrás de nova habilitação porque como fez o curso do MOPP a segunda via já iria chegar em sua casa. Ele não sabe onde a habilitação anterior foi parar. Disse que em 2018 estava trabalhando como motorista de caminhão. Disse que tinha feito um curso do MOPP e estava aguardando chegar uma habilitação nova, que vem pelo correio e não precisa ser solicitada. Como tinha perdido a CNH anterior, ficou esperando chegar a carteira nova. Não se lembra de quando chegou o novo documento. Disse que enquanto esperava a habilitação nova chegar não conseguiu trabalhar, e que quando percebeu que tinha perdido a habilitação foi pedir a segunda via, que demorou 7 dias para chegar. As declarações do réu são insustentáveis. Em consulta ao módulo do Sistema de Habilitação, ficou comprovado nos autos que o réu solicitou uma segunda via de sua CNH apenas quatro dias após a apreensão do mesmo documento pelos policiais. O Detran-PR informou ainda que o curso do MOPP foi concluído pelo réu em 2015 e era válido até 2020, portanto, não havia expectativa de recebimento de novo documento de habilitação neste período. Observa-se da documentação dos autos que a CNH do réu era válida até 24/01/2022 e o Curso MOPP tinha validade até 28/09/2020 (Id 253823677), não existindo razão para que fosse providenciada nova CNH em 16/04/2018, salvo pela apreensão da sua CNH pelos policiais em 12/04/2018, e não pelo alegado extravio. Portanto, conforme fundamentou a sentença, o réu “respondeu com evasivas a respeito do momento da alegada perda da sua CNH, nitidamente procurando encobrir sua conduta delituosa; declarou, ainda, que foi preso e processado, em outra oportunidade, por descaminho (ou contrabando) de cigarros, o que pode explicar, também, o receio de ser preso novamente e a sua fuga no momento da abordagem policial, conforme descrito na denúncia, cabendo ressaltar que essa declaração está de acordo com as anotações nos antecedentes criminais do réu”. De rigor, portanto, a manutenção da condenação imposta ao réu. Dosimetria da pena Não houve inconformismo por parte da defesa no que tange à dosimetria da pena imposta. O Juízo fixou a pena-base em 03 (três) anos de reclusão, considerando desfavoráveis os motivos ("uma vez que buscou rendimentos de forma contrária à legislação"), bem como as circunstâncias e consequências do crime ("tendo em vista a elevada quantidade de mercadoria contrabandeada, avaliada em R$ 1.124.850,00 (um milhão, cento e vinte e quatro mil e oitocentos e cinquenta reais)". Contudo, os motivos do crime, na forma em que se fundamentou a sentença, não se mostram aptos a ensejar a elevação da pena-base, uma vez que a própria natureza do delito implica na busca de um proveito contrário à lei. Assim, deve ser afastada essa circunstâncias. No mais, considerando a elevada quantidade de cigarros apreendidos, o que macula as circunstâncias e consequências do crime, a pena-base deve ser estabelecida em 02 anos e 08 meses de reclusão. Não existindo circunstâncias agravantes e atenuantes, tampouco causas de aumento e de diminuição de pena a serem ponderadas, torna-se definitiva a pena estabelecida a primeira fase. Deve ser mantida o regime inicial aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33 do CP. Do mesmo modo, mantém-se a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito e multa, conforme disposto no artigo 44, §2.º do CP. A pena restritiva de direitos consiste em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, e a multa foi fixada em 30 (trinta) dias-multa, sendo que cada dia-multa corresponderá a 1/20 (um vigésimo) do valor do salário-mínimo vigente ao tempo do fato, considerando a situação econômica do réu, corrigido monetariamente (§§ 1.º e 2.º do artigo 49 do Código Penal). Diante do exposto, nego provimento ao recurso. De ofício, reduzida a pena-base. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO IV e V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO DO REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA E MULTA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Materialidade comprovada pela Certidão de Ocorrência n.º 53/2018; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, Auto de Apreensão; Relação de Mercadorias. Da documentação consta a quantidade de maços de cigarros apreendidos – 478.000 – e sua origem – Paraguai – não declarados e desprovidos de documentação fiscal.
2. A importação dos cigarros apreendidos é proibida, quer porque fabricados por empresas não inscritas no registro de sociedades importadoras, quer porque desprovidos de controle sanitário pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, exigências prescritas pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.593/77, no artigo 47 da Lei ri- 9.532/97 e no art. 81, § 1º, X, da Lei ri' 9.782/99.
3. A autoria e o dolo são incontestes. Quando abordado, o réu entregou aos policiais sua CNH e o CRLV do veículo, tendo em seguida fugido a pé, e os policiais em juízo não foram capazes de reconhecê-lo. Entretanto, o documento de identificação entregue a eles apresenta prova incontestável da prática do crime, o que, em cotejo com informações extraídas da base de dados do Detran-PR, permite-se concluir que as declarações do réu em juízo foram infundadas. De rigor, portanto, a manutenção da condenação imposta ao réu.
4. Não houve inconformismo por parte da defesa no que tange à dosimetria da pena imposta. Os motivos do crime, na forma em que se fundamentou a sentença, não se mostram aptos a ensejar a elevação da pena-base, uma vez que a própria natureza do delito implica na busca de um proveito contrário à lei. Assim, deve ser afastada essa circunstâncias.
5. O regime inicial de cumprimento de pena foi fixado como aberto e foi substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos e multa, o que deve ser mantido.
6. Recurso desprovido. De ofício, reduzida a pena-base.