APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000683-63.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: JUVENIL VERA MARTINS
APELADO: V. F.
Advogados do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000683-63.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS REPRESENTANTE: JUVENIL VERA MARTINS Advogados do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A, OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta em ação ajuizada por V.F. (incapaz), representado por curador, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o benefício de pensão por morte, em decorrência do falecimento de seu genitor, Valdecir Fernandes, ocorrido em 25 de abril de 2008. A r. sentença julgou procedente o pedido e condenou o INSS à concessão do benefício pleiteado, a contar da data do óbito, com parcelas acrescidas dos consectários legais. Por fim, foi deferida a tutela de urgência, a fim de que fosse implantado o benefício (id 286739730 – p. 46/51). Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença e improcedência do pedido, ao argumento de não ter logrado a autora comprovar os requisitos autorizadores à concessão do benefício. Aduz que não restou comprovada a qualidade de segurado especial do de cujus, salientando a ausência de início de prova material do suposto labor campesino. Alternativamente, requer que a parte autora seja intimada à apresentação de declaração quanto à inexistência de benefícios implantados sob outro regime de previdência, a teor do disposto na EC 103/2019 (id. 286739730 – p. 67/74). Contrarrazões (id. 286739730 – p. 77/82). Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta instância para decisão. Parecer do Ministério Público Federal, em que se manifesta pelo improvimento do recurso de apelação do INSS (id. 287245083 – p. 1/3). É o relatório. serg
APELADO: V. F.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000683-63.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS REPRESENTANTE: JUVENIL VERA MARTINS Advogados do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A, OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução. DA PENSÃO POR MORTE O primeiro diploma legal brasileiro a prever um benefício contra as consequências da morte foi a Constituição Federal de 1946, em seu art. 157, XVI. Após, sobreveio a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social), que estabelecia como requisito para a concessão da pensão o recolhimento de pelo menos 12 (doze) contribuições mensais e fixava o valor a ser recebido em uma parcela familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou daquela a que teria direito, e tantas parcelas iguais, cada uma, a 10% (dez por cento) por segurados, até o máximo de 5 (cinco). A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional n.º 1/69, também disciplinaram o benefício de pensão por morte, sem alterar, no entanto, a sua essência. A atual Carta Magna estabeleceu em seu art. 201, V, que: "A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a: V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º." A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991 e seu Decreto Regulamentar n.º 3048, de 06 de maio de 1999, disciplinaram em seus arts. 74 a 79 e 105 a 115, respectivamente, o benefício de pensão por morte, que é aquele concedido aos dependentes do segurado, em atividade ou aposentado, em decorrência de seu falecimento ou da declaração judicial de sua morte presumida. Depreende-se do conceito acima mencionado que para a concessão da pensão por morte é necessário o preenchimento de dois requisitos: ostentar o falecido a qualidade de segurado da Previdência Social, na data do óbito e possuir dependentes incluídos no rol do art. 16 da supracitada lei. A qualidade de segurado, segundo Wladimir Novaes Martinez, é a: "denominação legal indicativa da condição jurídica de filiado, inscrito ou genericamente atendido pela previdência social. Quer dizer o estado do assegurado, cujos riscos estão previdenciariamente cobertos." (Curso de Direito Previdenciário. Tomo II - Previdência Social. São Paulo: LTr, 1998, p. 594). Mantém a qualidade de segurado aquele que, mesmo sem recolher as contribuições, conserve todos os direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de segurado e a sua situação, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios, a saber: "Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo." É de se observar, ainda, que o § 1º do supracitado artigo prorroga por 24 (vinte e quatro) meses tal período de graça aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses. Em ambas as situações, restando comprovado o desemprego do segurado perante o órgão do Ministério do Trabalho ou da Previdência Social, os períodos serão acrescidos de mais 12 (doze) meses. A comprovação do desemprego pode se dar por qualquer forma, até mesmo oral, ou pela percepção de seguro-desemprego. Convém esclarecer que, conforme disposição inserta no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c.c. o art. 14 do Decreto Regulamentar nº 3.048/99, com a nova redação dada pelo Decreto nº 4.032/01, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei nº 8.212/91 para recolhimento da contribuição, acarretando, consequentemente, a caducidade de todos os direitos previdenciários. Conforme já referido, a condição de dependentes é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida o cônjuge, o(a) companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido. De acordo com o § 2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência econômica. DO CASO DOS AUTOS O óbito de Valdecir Fernandes, ocorrido em 25 de abril de 2008, está comprovado pela respectiva Certidão, lavrada pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, através do Posto Indígena de Paranhos – MS (id. 286739729 – p. 19). Infere-se da referida certidão que o de cujus era pertencente ao povo/comunidade indígena Kaiowá e que falecimento ocorreu em decorrência de asfixia por enforcamento, na localidade da Aldeia Sete Cerros, em Paranhos – MS. Cabe destacar que às Certidões emitidas pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI deve ser conferida a mesma validade dos registros civis, de acordo com os artigos 12 e 13 da Lei n 6.001/73 (Estatuto do Índio) conforme já decidiu esta Egrégia Corte, confira-se: “PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. INDÍGENA. DOCUMENTOS EMITIDOS PELA FUNAI. VALIDADE. ÓBITO, QUALIDADE DE SEGURADO E DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL. AUTORA ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. DIB FIXADA NA DATA DO ÓBITO. 1. Nos termos dos artigos 74 e 26 da Lei 8.213/91, a pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, independentemente de carência. 2. De acordo com os artigos 12 e 13 da Lei n 6.001/73 (Estatuto do Índio), os documentos emitidos pela FUNAI possuem a mesma validade dos registros civis. 3. Comprovados o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica da parte autora, restaram satisfeitos todos os requisitos exigidos. 4. Preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício, faz jus a autora ao recebimento da pensão por morte. 5. O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do falecimento do segurado (29/12/1999), nos termos do artigo 74, I, da Lei nº 8.213/91, uma vez que na ocasião a autora era absolutamente incapaz, em face de quem não corre prescrição (art. 3º c/c art. 198, I, do CC/02, com a redação vigente à época, e art. 79 c/c art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91). 6. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17. 7. Os honorários advocatícios devem ser mantidos em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ. 8. Remessa oficial e apelação do INSS desprovidas. Fixados, de ofício, os consectários legais” (TRF3, 10ª Turma, ApReeNec 00010573820124036006/SP, Relator Desembargador Federal Nelson Porfírio, e-DJe 08/11/2007). O autor pretende ver reconhecida a qualidade de trabalhador rural do genitor falecido trazendo aos autos a Certidão de Exercício de Atividade Rural, emitida pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, onde consta que Valdecir Fernandes laborou entre 20 de julho de 1993 a 24 de abril de 2008, em regime de economia familiar, na Aldeia Sete Cerros, em Paranhos - MS (id 286739729 – p. 20/22). A aludida certidão constitui prova plena do labor campesino, por analogia ao disposto no artigo 106, V da Lei nº 8.213/91, em sua redação primeva. Nos depoimentos colhidos em mídia audiovisual, em audiência realizada em 09 de março de 2022, duas testemunhas afirmaram serem moradores da aldeia Sete Cerros, situada em Paranhos - MS, razão por que puderam vivenciar a ocasião em que o genitor do postulante, Valdecir Fernandes, faleceu. Esclareceram que, ao tempo do falecimento, ele trabalhava na agricultura, em regime de subsistência, no cultivo mandioca, milho e batata doce. Transcrevo na sequência a síntese dos depoimentos, conforme consta no decisum: “A testemunha Lucineide Ramires Romeiro disse que conhece o autor desde que tem 1 ano; que o autor e o falecido moravam na Aldeia Sete Cerros; que conheceu Valdecir Fernandes, pai do autor; que o falecido trabalhava na roça perto da casa; que na roça tinha mandioca, batata-doce, milho e abóbara; que plantava só para comer; que só o Valdecir e a ex-esposa trabalhavam na roça; que quando tinha serviço fora o Valdecir trabalhava na diária em fazenda; que o falecido só fazia serviços rurais; que estava trabalhando na própria roça antes de falecer. A testemunha Cecilho Gaona disse que conhece o Valdemar desde que nasceu; que conhecia o Valdecir, pai do autor; que o Valdecir faleceu em 2008; que o Valdemar é o filho mais novo; que na época que o Valdecir faleceu ele trabalhava na roça na própria aldeia e na diária; que ele plantava mandioca e milho; que a diária era feita em fazendas fora da aldeia; que até pouco antes de morrer ele estava trabalhando na própria roça; que o que produzia era só para comer”. À vista disso, tenho por comprovada a qualidade de segurado especial de Valdecir Fernandes. A Certidão de Nascimento, emitida pelo Serviço Notarial e Registro Civil da Comarca de Sete Quedas – MS, faz prova de que o autor, nascido em 21 de agosto de 2006, por ocasião do falecimento do genitor, era menor absolutamente incapaz (id 286739729 – p. 12). Desnecessária a demonstração da dependência econômica, pois, segundo o art. 16, I, § 4º, da Lei de Benefícios, a mesma é presumida em relação ao filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente. Em face de todo o explanado, o postulante faz jus ao benefício de pensão por morte, no valor de um salário-mínimo mensal. Por ocasião da liquidação da sentença, deverá ser compensado o valor das parcelas já percebidas por força da antecipação da tutela. CONSECTÁRIOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência. DECLARAÇÃO DE NÃO CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS No que se refere à necessidade de apresentação de declaração de não recebimento de benefício de outro regime de previdência, destaco que, em respeito ao princípio do tempus regit actum, não tem aplicação ao caso dos autos as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019. DISPOSITIVO Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, mantendo a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, a contar da data do óbito, na forma da fundamentação. Honorários advocatícios conforme o consignado. Mantenho a tutela concedida. É o voto.
APELADO: V. F.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO EM 2008, NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.213/91. INDÍGENA. TRABALHADOR RURAL. CERTIDÃO EMITIDA PELA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. LABOR CAMPESINO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHAS. FILHO MENOR DE 21 ANOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- O óbito do genitor, ocorrido em 25 de abril de 2008, está comprovado pela respectiva Certidão, lavrada pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
- Às Certidões emitidas pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI deve ser conferida a mesma validade dos registros civis, de acordo com os artigos 12 e 13 da Lei n 6.001/73 (Estatuto do Índio). Precedente.
- Como início de prova material do labor campesino, consta dos autos a Certidão de Exercício de Atividade Rural, emitida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
- Aludido documento constitui prova plena do labor campesino, por analogia ao disposto no artigo 106, V da Lei nº 8.213/91, em sua redação primeva.
- Nos depoimentos colhidos em mídia audiovisual, em audiência realizada em 09 de março de 2022, duas testemunhas afirmaram serem moradores da aldeia Sete Cerros, situada em Paranhos - MS, razão por que puderam vivenciar a ocasião em que o genitor do postulante faleceu. Esclareceram que, ao tempo do falecimento, ele trabalhava na agricultura, em regime de subsistência, no cultivo mandioca, milho e batata doce.
- A dependência econômica do filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido é presumida, segundo o art. 16, I, § 4º, da Lei de Benefícios.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS a qual se nega provimento.