APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003277-84.2004.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ASSISTENTE: MARIMEX DESPACHOS TRANSPORTES E SERVICOS LTDA
APELADO: USINAS SIDERURGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINAS, LIBRA TERMINAIS S.A., ECOPORTO SANTOS S.A., NUMERAL 80 PARTICIPACOES S/A, SANTOS BRASIL PARTICIPACOES S.A., UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: FERNANDA GOMES DE SOUSA COELHO - SP304891, JOSE INACIO GONZAGA FRANCESCHINI - SP28711, LUDMYLLA SCALIA LIMA - DF37743, SANDRA GOMES ESTEVES - SP130641
Advogados do(a) APELADO: DAVID AZULAY - RJ176637-A, HENRIQUE OSWALDO MOTTA - SP179034-A, MARINA XAVIER BRUNO DE SOUZA - RJ104204
Advogados do(a) APELADO: DECIO DE PROENCA - SP52629-A, FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A, JOSE CARLOS DA ANUNCIACAO - SP131142, MARISA APARECIDA ZANARDI - SP145412-A, MAURICIO WAKUKAWA JUNIOR - SP183918-A, ROBERTA CRISTINA ROSSA - SP109929
Advogados do(a) APELADO: DECIO DE PROENCA - SP52629-A, FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A
Advogados do(a) APELADO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON - SP103560-A, RONALDO VASCONCELOS - SP220344
OUTROS PARTICIPANTES:
AMICUS CURIAE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTEINERES DE USO PUBLICO - ABRATEC
INTERESSADO: MARIMEX DESPACHOS TRANSPORTES E SERVICOS LTDA
ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: SAULO VINICIUS DE ALCANTARA - SP215228-A
ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: CELSO CORDEIRO DE ALMEIDA E SILVA - SP161995-A
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: LUIS GUSTAVO MOTTA SEVERO DA SILVA - PR44980
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: FABIANO AUGUSTO MARTINS SILVEIRA - DF31440
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003277-84.2004.4.03.6104 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: USINAS SIDERURGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINAS, LIBRA TERMINAIS S.A., ECOPORTO SANTOS S.A., NUMERAL 80 PARTICIPACOES S/A, SANTOS BRASIL PARTICIPACOES S.A., UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: DECIO DE PROENCA - SP52629-A, FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A OUTROS PARTICIPANTES: MBV R E L A T Ó R I O Apelações interpostas pelo CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE (Id. 101993950 – fls. 08/15) e MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Id. 101993950 – fls. 23/43) contra sentença que, em sede de ação civil pública, reconheceu a carência da ação por ausência de interesse de agir e extinguiu o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil (Id. 101989453 – fls. 247/260). O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE sustenta, sem síntese, que (Id. 101993950 – fls. 08/15): a) ao apurar infrações contra a ordem econômica, por meio de processo administrativo, detém a prerrogativa de impor sanções de natureza administrativa, mas não de proceder à reparação civil daqueles que foram lesados pelo ilícito praticado contra a ordem econômica, pois tal tarefa está submetida ao monopólio jurisdicional do Estado; b) ao desempenhar o papel de autoridade antitruste, aplica sanções de cunho administrativo que podem consistir na aplicação de multas, imposição de publicação de extrato da decisão administrativa em jornal de grande circulação, proibição de contratar com instituições financeiras oficiais, proibição de participar de licitações, inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor e recomendação aos órgãos públicos para adoção de medidas restritivas; c) as sanções administrativas não podem ser confundidas com a possibilidade de o Judiciário promover a reparação civil daqueles que foram lesados pelo ilícito cometido e nada obsta que o infrator da ordem econômica seja, concomitantemente, responsabilizado nas esferas administrativa e judicial. Nesse sentido, os artigos 19 e 20 da Lei nº 8.884/94 já haviam previsto essa hipótese; d) o interesse de agir, como condição da ação, está relacionado à necessidade, adequação e utilidade do provimento jurisdicional, requisitos satisfeitos pelo Ministério Público Federal; e) ainda que a decisão do CADE seja considerada título executivo extrajudicial, tem fundamento diverso daquele que o MPF pretende buscar em juízo; f) a pretensão deduzida na presente ação não se confunde com as cominações contidas na decisão do Plenário do CADE e os danos patrimoniais e morais decorrentes da responsabilidade civil imputada aos infratores não se encontram nela compreendidos; g) como a pretensão deduzida em juízo pelo MPF não poderá ser atendida pela execução do titulo executivo, é evidente que tem interesse de agir; h) “o fato das verbas arrecadadas pelo CADE serem destinadas ao Fundo de Direitos Difusos - FDD não significa que são provenientes de relações jurídicas de idêntica natureza. Não se deve confundir, portanto, a natureza jurídica de tais verbas com a destinação legal das mesmas”; i) o interesse de agir está evidenciado, porquanto os fundamentos das responsabilidades administrativa e civil são diversos, o Judiciário exerce o monopólio da tutela, nos casos de responsabilidade civil, o título extrajudicial proveniente da decisão do CADE não é capaz de satisfazer a pretensão deduzida na presente ação e não é possível considerar que as verbas tenham mesma natureza apenas pela destinação que lhes é conferida. Requer seja reconhecido o interesse de agir do MPF e, no mérito, provido do recurso, para que a sentença seja anulada e outra proferida, com o exame do mérito. O Ministério Público Federa afirma, em suas razões recursais, resumidamente que (Id. 101993950 – fls. 23/43): 1) “causa perplexidade que se possa admitir que a caracterização das atividades de um órgão administrativo como sendo de natureza complexa e específica tenha o poder de tornar referido órgão em órgão jurisdicional”. 2) pretende por meio da ação evitar novos ilícitos, a declaração de que o ato perpetrado pelas rés é ilegal, afastar a insegurança jurídica acerca de sua licitude ou ilicitude da taxa e a obtenção de indenização civil, em valor proporcional à movimentação financeira decorrente da cobrança da THC2. 3) eventual decisão administrativa que declara ilícito o ato das requeridas e lhes imponha a obrigação de não mais repeti-los não tem o condão de substituir um provimento jurisdicional semelhante. 4) ao contrário das decisões judiciais, os atos administrativos não têm o poder de formar a coisa julgada, pois podem ser revistos pela própria administração pública, inclusive por razões de conveniência e oportunidade, e por meio de impugnações judiciais contra o ato, nos termos da Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal. 5) não se pode falar em inutilidade da ação proposta em virtude da superveniente decisão do CADE, porquanto não tem a nota essencial da imutabilidade, característica das decisões judiciais irrecorríveis, únicas capazes de criar a coisa julgada. 6) desistir da ação significaria ficar à mercê da possível revisão pelo próprio CADE de seu ato administrativo e da eventual declaração de nulidade da decisão do órgão, em face de ações movidas, não por razões de mérito, mas por eventual desrespeito a formalidades legais pertinentes ao procedimento administrativo. 7) pretende liquidar a questão de forma definitiva, com trânsito em julgado, independentemente das decisões administrativas do CADE e de eventual revisão administrativa ou judicial de seus atos. 8) a tese de inutilidade da pretensão de indenização civil, em face do advento da multa imposta pela CADE, faz soçobrar o interesse da sociedade em obter indenização civil por danos comprovados aos direitos difusos, protegidos pela Lei nº 8.884/94, relativos à ordem econômica, livre concorrência e defesa dos consumidores, previstos no artigo 1º da norma. 9) operou-se na sentença impugnada verdadeira negativa de vigência ao artigo 1º e artigos 19 e 29 da Lei nº 8.884/94, a qual prevê a possibilidade de propositura de ações judiciais pelos legitimados, independentemente do processo administrativo, com o fim de obter a cessação das práticas que constituem infração à ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos. 10) não é possível afirmar que a decisão que impõe multa elimina o direito à indenização civil por lesões a bens jurídicos de que é titular a sociedade, pois as esferas civil e administrativa são independentes. 11) é equivocada a assertiva contida na sentença, no sentido de que a ação não teria capacidade de beneficiar prejudicados individuais, posto que se restringiria a obter valor certo destinado a depósito no Fundo de Defesa de Direitos Difusos, ou seja, se prestaria apenas para a defesa de direitos difusos e não para individuais homogêneos. 12) o magistrado negou vigência ao artigo 103, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor. 13) as ações de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85 são para a defesa de direitos difusos e coletivos como a presente ação e, se procedente, beneficiará as vítimas e sucessores, que poderão proceder à liquidação e execução, nos termos dos artigos 96 a 99. 14) a utilidade da sentença de procedência nesta ação, para os consumidores individualmente lesados, independe de pedido específico, como prevê o artigo 103, § 3º, do CPC e doutrina, e é considerada ope legis, ou seja, decorre diretamente da lei. Pede o provimento do recurso, para que a sentença seja anulada, bem como determinado o julgamento dos pedidos veiculados na inicial. Em contrarrazões, LIBRA TERMINAIS S/A (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A. TERMINAL 37) (Id. 101993950 – fls. 103/142) suscita a ilegitimidade do MPF para a propositura da ação por falta de pertinência temática, porquanto a ação civil pública não pode ser utilizada para defesa de interesses individuais, ainda que em massa, em limites individualmente mensuráveis, e salienta que o CADE, órgão competente para aferir e punir a prática de conduta lesiva à ordem econômica, cumpriu sua prerrogativa legal de proferir decisão sobre o caso concreto. No mérito, requer seja negado provimento aos recursos de apelação, assim como os demais apelados ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TECONDI - TERMINAL PARA CONTÊINERES DA MARGEM DIREITA S/A.) (Id 101993950 – fls. 52/59), USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A., USIMINAS (Id. 101993950 – fls. 61/72 e 74/87), SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A.) (Id. 101993950 – fls. 89/101) e UNIÃO (Id. 101993950 – fls. 147/153). O Procurador Regional da República manifestou-se pelo provimento do recurso, com a anulação da sentença e remessa do processo à primeira instância para que nova decisão seja proferida (Id. 101993951 – fls. 13/21). A apelada SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A.) requereu a juntada de documentos novos, considerados pertinentes e relevantes para o julgamento, consubstanciados no/na(s) Id. 101950138 – fls. 34/169 e Id. 101950139, Id. 101950143, Id. 101950144 e Id. 101949201 – fls. 01/111: a) manifestação dos conselheiros do CADE, participantes do julgamento do processo administrativo contra as requeridas, que reconheceram a prestação de serviços, a existência de custos extras gerados e que a cobrança seria possível, desde que houvesse regulação pela CEDESP, autoridade portuária; b) contestação apresentada pela UNIÃO na medida cautelar movida pela apelada (Processo nº 0008783-19.2005.403.6100); c) regulação da atividade pela expedição da Decisão DIREXE 371.2005 e Decisão DIREXE 50.2006 pela CODESP, em que foram fixados os preços máximos a serem cobrados pelos serviços de segregação e entrega de contêineres prestados aos TRA; d) oficio 191/2009/SAD/SEP da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP/PR), que manifestou entendimento de que a rotina de segregação e entrega de contêineres constituía um serviço adicional e acarretava custos extras; e) acórdão 136/2010 da Diretoria da ANTAQ, que julgou improcedente a representação formulada, que questionava a legalidade da cobrança; f) sentenças proferidas por juízes federais da Seção Judiciária do Distrito Federal e de São Paulo, que julgaram procedente o pedido de desconstituição da decisão proferida pelo CADE, que impedia a cobrança dos valores; g) sentenças proferidas nas Ações Civis Públicas nº 139157-20.2009.8.26.0000 e nº 991.09.096813-2, movidas pelo Instituto de Defesa dos Usuários do Serviço Público – IDUSP, que julgaram improcedente o pedido de reconhecimento de que a cobrança dos serviços de segregação e entrega de contêineres implicava conduta lesiva à ordem econômica, livre concorrência e aos consumidores, confirmadas pela 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo/SP (Id. 101950138 – fls. 34/61); h) decisões judiciais proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 419.141-SP e Tribunal de Justiça do Estado da Bahia na Apelação Cível n° 30170-6/2001, transitadas em julgado, que reconheceram a legitimidade da cobrança pelos serviços de segregação e entrega de contêineres aos TRA. As apelantes CADE (Id. 101949201 - fls. 126/149) e MPF (Id. 101949201 – fls. 154/155), bem como a UNIÃO (Id. 101949201 – fls. 151/152) apresentaram manifestação. SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A.) pediu a juntada do acórdão proferido pela 4ª Turma do TRF3, em 26/03/2014, na Apelação/Reexame necessário n° 0014995-56.2005.403.6100/SP (Id. 101949201 – fls. 157/170 e 173/202), do Recurso Especial nº 1.399.761-SP, do acórdão proferido pela 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo no Agravo de Instrumento n.º 2111244-12.2014.8.26.0000 e Agravo de Instrumento nº 2019172-06.2014.8.26.0000 pela 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº 1020410- 98.2018.8.26.0562, pela 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação nº 1011405- 91.2014.8.26.0562, pela 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação nº 0009820-26.2011.8.26.0562, pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região no Agravo de Instrumento nº 0036328-75.2011.4.01.0000/DF e na Apelação/Reexame Necessário na Ação Ordinária nº 2005.34.00.037482-6/DF e outros (Id. 125066245 a Id. 125066264), bem como de documentos que comprovariam que: “os terminais retroalfandegados repassam indevidamente aos seus clientes o valor da THC como se o tivesse pago à apelada e se apropriam deles”, o que configuraria duplo locupletamento ilícito (Id. 101949202 – fls. 01/60). A apelada LIBRA TERMINAIS S/A. (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A. TERMINAL 37) informou que a 5ª turma do TRF1, na Apelação nº. 0036938-38.2005.4.01.3400 (2005.34.00.037482-6), negou provimento à apelação e remessa e manteve a sentença que julgou procedente o seu pedido de anulação da decisão do CADE, no Processo administrativo nº 0812.007443/1999-47, bem como reconheceu o seu direito de cobrar pelo serviço de segregação e entrega de contêineres aos TRA, e informa que o recurso especial interposto não foi admitido. Afirma que na sentença proferida no Processo nº 0028916-03.2006.8.26.0562, da 4ª Vara Cível/Santos, e no acórdão proferido pela 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo- Processo n° 0028916-03.2006.8.26.0562, foi reconhecida a legalidade da cobrança do THC2 (Id. 101949182 – fls. 03/68 e Id. 101949183 – fls. 01/17 e 117/142 e Id. 101949184 – fls. 01/53). O CADE (Id. 101949183 – fls. 18/19) e o MPF (Id. 101949183 – fls. 51/56) apresentaram manifestação. A UNIÃO requereu a sua exclusão da lide por ilegitimidade de parte, porquanto, com a edição do Decreto nº 7.738/2012, teve suas atribuições divididas entre a Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON e o CADE, que deverá prosseguir no feito representado pela Procuradoria Regional Federal (Id. 101949183 – fls. 21/22). SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A.) apresentou nova manifestação para informar que foi negado provimento ao Recurso Especial n° 1.399.761/SP, do Instituto de Defesa dos Usuários de Serviço Público – IDUSP, e reafirmada a legalidade da cobrança do THC2, como ocorreu no REsp n° 419.141/SP, bem como que a Quinta Turma do TRF1, na Apelação/Reexame Necessária nº 0036938-38.2005.4.01.3400/DF, negou provimento à remessa e apelação do CADE e manteve a sentença que declarou a nulidade da decisão administrativa do órgão e reconheceu a legalidade da cobrança (Id. 101949183 – fls. 24/49). Posteriormente, requereu a juntada de novas decisões e pareceres sobre a matéria debatida (Id. 125066245 a Id. 125066264, Id. 270547175 e Id. 270547398 a 270547409). O MPF pronunciou-se (Id. 271031550). O CADE deixou transcorrer in albis o prazo para tal. À vista do julgamento do TC Processo 021.408/2019-0 pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão 1448/2022 - Plenário), em 22/06/2022, que considerou parcialmente procedente a denúncia do TC Processo 015.453/2020-0 e reconheceu o desvio de finalidade da Resolução ANTAQ 72/2022, que permitiu a cobrança da taxa de serviço de segregação e entrega dos recintos alfandegários independentes pelos terminais portuários, praticado com fim diverso do previsto no artigo 20, inciso II, alínea "b", e art. 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001 e em afronta ao artigo 36, incisos I e IV, da Lei 12.529/2011 e ao artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, as partes foram intimadas a apresentar eventual manifestação (Id. 270651921). O MPF reiterou os fundamentos jurídicos expostos nas manifestações ministeriais exaradas e pleitos formulados na ação e requereu o prosseguimento da ação (Id. 271031550). A UNIÃO renovou o pedido de exclusão do feito (Id. 271645981). A ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TECONDI - TERMINAL PARA CONTÊINERES DA MARGEM DIREITA S/A.) apresentou manifestação para afirmar que o MPF não fundamentou esta ação em um inquérito civil, mas apenas nos elementos do processo administrativo anulado, que foi colacionado aos autos uma série de decisões judiciais que demonstram a legalidade da SSE e que não participou do procedimento administrativo do Tribunal de Contas da União, de modo que, a despeito de não vincular o Poder Judiciário e da existência de decisões judiciais que afastaram os efeitos do acórdão do TCU, não pode estar sujeita ao que foi deliberado, sob pena de violação ao princípio do contraditório e devido processo legal (Id. 271967221). A USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A – USIMINAS informa que celebrou distrato com a Rio Cubatão Logística Portuária, que passou a prestar exclusivamente o serviço de movimentação de contêineres, de forma que os pleitos estão esvaziados perante a primeira, visto que não pode ser compelida a suspender uma taxa atribuída a um serviço que não mais executa. Frisa que a ACP ajuizada pelo IDUSP tinha por base a decisão do CADE no processo administrativo nº 08012.007443/99-17, que foi anulado pelo TRF da Primeira e Terceira Regiões, e que foram ajuizadas ações em face da decisão do TCU, visto que ocorreu indevida intromissão na competência administrativa da ANTAQ, de modo que não pode ser levado em consideração no julgamento desta ação (Id. 271968744). MEGARA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, sucessora por incorporação da LIBRA TERMINAIS S/A, informa que o CADE celebrou memorando de entendimentos com a ANTAQ, em que foi reconhecido que a cobrança não é, por si só, abusiva e ilegal e a competência da ANTAQ para legislar sobre a THC2, entendimento desconsiderado pelo TCU. Diz que o acórdão do TCU foi objeto de inúmeras decisões judiciais que reconheceram que a Corte extrapolou os limites de sua competência constitucional e equivocou-se de que a THC2/SEE seria ilegal e que a decisão não tem o condão de influenciar no julgamento desta ação (Id. 271983759). A SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A.) enfatiza que o acórdão proferido pelo TCU não interfere nesta ação, porquanto a decisão administrativa não sobrepõe a judicial, eis que há coisa julgada sobre o assunto, foi objeto de pedido de reexame pela ANTAQ e os subitens 9.1, 9.1.2 e 9.3 do julgado foram suspensos, em 10/08/2022, pelo Conselheiro João Augusto Ribeiro Nardes, e se mostra absolutamente nulo, pois baseado em procedimento sigiloso que se desenvolveu sem a presença das empresas interessadas e da ANTAQ (Id. 271985296). Em nova manifestação, a apelada afirma que o objeto desta ação e seus limites materiais (causa de pedir e pedido) não contrasta com a decisão do STJ, que apenas negou provimento ao recurso especial do IDUSP e manteve na integra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Diz que há perfeita identificação da coisa julgada com a decidida pela Justiça estadual, que o procedimento comparativo efetuado pela apelante é equivocado, que foi decidido, de forma clara e induvidosa, pela legalidade da THC2, sob o enfoque da livre concorrência, e que o trânsito em julgado inibe por completo o julgamento desta ação. Salienta que o julgamento da Apelação nº 0014995- 56.2005.4.03.6100 tem reflexo nesta ação, porquanto, a despeito de o MPF não ter integrado a lide, o CADE a integrou e, a exemplo da ACP estadual, foi reconhecida a legalidade da cobrança, com trânsito em julgado, o que impõe um óbice para o surgimento de outras decisões que possam contrariá-las. Pede seja observada a autoridade da coisa julgada (Id. 271985290). A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO (“ABRATEC”) requereu a sua admissão no feito, na condição de amicus curiae (Id. 272521628), e o pedido foi deferido (Id. 272587450). A apelada MEGARA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. (sucessora por incorporação da LIBRA TERMINAIS S/A) informou a existência de fatos supervenientes à prolação da sentença, imprescindíveis para o deslinde do feito, consubstanciados no trânsito em julgado da sentença proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em ação civil pública idêntica, que reconheceu a legalidade da THC2, bem como do acórdão proferido pela 5ª Turma do TRF1, que reconheceu o seu direito de cobrar a THC2. Afirma que a ANTAQ regulou e autorizou a cobrança por meio da Resolução 2.389/2012 e que proferir decisão em sentido contrário, sem a presença da agência reguladora, equivaleria à usurpação da atividade normativa positiva, em flagrante afronta ao princípio da separação dos poderes, com constrangimentos aos postulados da segurança jurídica e devido processo legal. Informa que o CADE celebrou com a ANTAQ, em 17/06/2021, memorando de entendimentos, com a interveniência do Ministério da Infraestrutura, no qual foi reconhecido que a exigência não é, por si só, abusiva e deve ser verificada pontualmente no caso concreto. Assevera que o Acórdão 1448/2022 do TCU é ilegal e padece de inúmeras nulidades, na medida em que violou o dever de publicidade da administração pública, impediu o acesso ao conteúdo da denúncia de que trata a questão, usurpou dos interessados o direito de participar dos debates, reuniu processos absolutamente desconexos e sem respeito à regra procedimental estabelecida pela Resolução TCU 259/2014 e padece de fundamentação fática e jurídica, visto que concluiu ser necessária a realização de nova audiência pública pela ANTAQ e analise de impacto regulatório da resolução, mas todas essas medidas já haviam sido tomadas pela agência. Diz que a decisão da Corte de Contas é objeto de inúmeras ações judiciais que reconheceram que o órgão extrapolou os limites de sua competência constitucional e equivocou-se quanto à ilegalidade da THC2 ou SSE, que a própria ANTAQ interpôs recurso contra a decisão e que o acórdão administrativo foi suspenso por decisões judiciais proferidas pelos TRF da 2ª e 4ª Regiões. Por fim, salienta a impossibilidade de análise do mérito, na medida em que o feito não está maduro para julgamento, visto que dependerá de dilação probatória sobre fatos controversos, especialmente acerca da dinâmica dos serviços de segregação e entrega de produtos e eventual impacto concorrencial e aos direitos dos consumidores. Ressalta a impossibilidade de julgamento antecipado, sem que seja permitida a produção das provas que foram requeridas no momento oportuno, e que a análise da legalidade da cobrança perpassa pela competência exclusiva da ANTAQ para regular a matéria e que sua presença é indispensável. Requer sejam retiradas as apelações da pauta, para que todas as partes envolvidas tenham ciência e oportunidade de manifestação. Subsidiariamente, pede seja mantida a sentença, com a extinção da ação, sem resolução do mérito, por analogia ao instituto da coisa julgada, ou julgada a ação improcedente, considerado o reconhecimento da legalidade da cobrança (Id. 272807047). A SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. apresentou manifestação para informar que foi publicado, no dia 17/04/2023, acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ, no REsp nº 1.774.301/SP, que confirmou o acórdão de relatoria da Desembargadora Marli Ferreira, nos autos da Apelação nº 0014995-56.2005.4.03.6100, que havia anulado a decisão do CADE, ao entendimento de que a cobrança da THC2 é legítima. Afirma que a ação deve ser julgada improcedente, visto que está lastreada em processo administrativo, em que as decisões foram anuladas em ação individual. Noticia que foi publicado, em 09/03/2023, acórdão do STJ no AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.554.488/SP, que reconheceu o trânsito em julgado de outra ação que admitiu a legalidade da cobrança, o que implica evidente prejudicialidade desta ação, considerada a necessidade de observância da coisa julgada. Diz que o CADE em conjunto com a ANTAQ promoveram o Memorando de Entendimentos nº 01/2021, para o fim de reconhecer a legalidade da THC2, o que também foi constatado na Nota Técnica nº 17/2022/DEE/CADE, de 27/06/2022. Assevera que quando do ajuizamento da ação não havia distinção entre a THC (box rate) e THC2 (SSE), o que ocorreu com o advento da Resolução nº 2389/2012 e foi considerado no julgamento da Apelação nº 0014995-56.2005.4.03.6100. Requer a retirada da pauta de julgamento, à vista dos novos documentos juntados e dos fatos supervenientes, considerados decisivos para o deslinde da causa (Id. 272857003). A UNIÃO reiterou o pedido de exclusão da lide (Id.272851675). Os pedidos de retirada do feito da pauta de julgamento do dia 20/04/2023, formulados pelas apeladas MEGARA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. e SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (Id. 272807047 e Id. 272857003), foram indeferidos (Id. 272841078 e Id. 272876051). A empresa MARIMEX DESPACHOS TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA. foi admitida nos autos na qualidade de assistente simples do Ministério Público Federal (Id. 276870978 e Id. 282328753). É o relatório.
Advogados do(a) APELADO: LUDMYLLA SCALIA LIMA - DF37743, SANDRA GOMES ESTEVES - SP130641
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE OSWALDO MOTTA - SP179034-A
Advogados do(a) APELADO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON - SP103560-A, RONALDO VASCONCELOS - SP220344
DECLARAÇÃO DE VOTO A fim de deixar consignadas nos autos as razões que me levaram a divergir do voto proferido pelo i. Relator, procedo à presente declaração de voto. Acompanho o voto do e. Relator quanto às razões para o reconhecimento da ilegalidade da cobrança da THC2. Contudo, entendo que não há que se falar em dano moral coletivo, eis que este depende da ofensa a interesses legítimos, valores e patrimônio ideal de uma coletividade que devam ser protegidos, o que não ocorreu na hipótese. Por fim, divirjo também para determinar a suspensão imediata da tarifa na relação existente entre as partes desta ação. Ante o exposto, dou provimento ao reexame necessário e às apelações do MPF e CADE para reformar a sentença e, nos termos do artigo 515, § 3º, do CPC/73, julgar parcialmente procedente o pedido inicial, a fim de reconhecer a ilegalidade da cobrança da denominada THC2 e determinar a suspensão imediata da referida cobrança a partir da intimação do presente acórdão, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do art. 11 da Lei n. 7.347/1985. Honorários na forma do artigo 18 da Lei n. 7.347/1985.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003277-84.2004.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: USINAS SIDERURGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINAS, LIBRA TERMINAIS S.A., ECOPORTO SANTOS S.A., NUMERAL 80 PARTICIPACOES S/A, SANTOS BRASIL PARTICIPACOES S.A., UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: DECIO DE PROENCA - SP52629-A, FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A
Advogados do(a) APELADO: LUDMYLLA SCALIA LIMA - DF37743, SANDRA GOMES ESTEVES - SP130641
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A
Advogado do(a) APELADO: HENRIQUE OSWALDO MOTTA - SP179034-A
Advogados do(a) APELADO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON - SP103560-A, RONALDO VASCONCELOS - SP220344
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
I - DO REEXAME NECESSÁRIO
Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014/73)
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a sentença que extinguir a ação civil pública por ausência de interesse de agir está sujeita ao reexame necessário. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE REEXAME NECESSÁRIO. O DISPOSTO NO ART. 19 DA LEI 4.717/1965 (LEI DA AÇÃO POPULAR) APLICA-SE À TUTELA COGNITIVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NAS HIPÓTESES EM QUE A SENTENÇA CONCLUIR PELA CARÊNCIA OU IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Trata-se, na origem, de execução de sentença de Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
Segundo consigna o Parquet Estadual, a demanda foi julgada procedente, condenando os requeridos a reparar os danos ambientais no prazo máximo de 60 dias, sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia de atraso, decisão essa confirmada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
2. Discute-se nos autos, no âmbito de análise desta Corte Superior de Justiça, se o disposto no art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se à hipótese de extinção, com fundamento no art. 267, IV do CPC/1973, de execução de sentença em Ação Civil Pública.
3. Conforme dispõe o art. 19 da Lei 4.717/1965, a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao Reexame Necessário, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal.
4. Vale ressaltar que o mencionado dispositivo tem por escopo a proteção do interesse coletivo lato sensu, impedindo o trânsito em julgado e conferindo maior segurança jurídica à sentença que concluir pela ausência das condições da ação (carência da ação) ou improcedência da demanda.
5. Observe-se, por oportuno, que o Reexame Necessário previsto no CPC/1973 incide somente nas sentenças de mérito. A Lei da Ação Popular, porém, abre espaço para a hipótese de carência de ação, buscando corrigir eventuais equívocos, neste particular, relacionados à legitimidade de ser parte e ao interesse de agir, em especial. Exceto essa hipótese, o Reexame Necessário na Ação Civil Pública, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, somente ocorrerá com a improcedência da ação.
6. Na hipótese dos autos, não há que se falar em julgamento improcedente da Ação Civil Pública; ao contrário, o que se verifica é a procedência da ação com o respectivo trânsito em julgado.
7. A proteção do interesse coletivo lato sensu já se operou em conformidade com o que determina a legislação, não sendo aplicável o disposto no art. 19 da Lei 4.717/1965 à decisão terminativa da execução, especialmente no caso dos autos, em que se verificou a ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do feito. Vale lembrar que o Reexame Necessário é instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente.
8. Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS a que se nega provimento.
(REsp n. 1.578.981/MG, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.) [ressaltado]
II – DOS FATOS E PROCESSAMENTO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S/A - USIMINAS, LIBRA TERMINAIS S/A. (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A - TERMINAL 37), ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TERMINAL PARA CONTÊINERES DA MARGEM DIREITA S/A – TECONDI) e SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S/A – TECON), para que seja declarada a ilegalidade da taxa cobrada para a liberação de contêineres aos terminais retroportuários, denominada "THC2", ou um segundo "terminal handling charge", bem como os réus condenados pela cobrança indevida em valor a ser arbitrado pelo juízo e destinado ao Fundo previsto na Lei de Ação Civil Pública (Id. 102999262 – fls. 10/23).
Segundo o Parquet, a cobrança do THC2, taxa de liberação de contêineres, pelos requeridos é indevida e abusiva, uma vez que o custo da movimentação horizontal do contêiner já é acobertado pelo THC, paga pelo importador ao armador e repassado ao terminal portuário, e não há qualquer custo adicional que legitime a cobrança pela segunda vez pelo mesmo serviço. Afirma que a inexistência de relação entre os terminais portuários e os recintos alfandegados implica incomensurável prejuízo à concorrência do mercado de armazenagem de cargas, pois, como o custo adicional do THC 2 é repassado pelos recintos alfandegados aos importadores, há tendência econômica de os importadores não mais se utilizarem da armazenagem dos recintos alfandegados e passarem a adquirir todos os serviços necessários dos próprios terminais portuários (a desestiva das cargas e o armazenamento), com efetiva impossibilidade de concorrência, porquanto os réus também prestam serviço de armazenamento. Diz que a cobrança da taxa acarreta postura anticoncorrencial e exclusão dos terminais portuários do mercado, dado que o armazenamento das cargas pelos requeridos, considerada a cobrança do THC2 dos recintos alfandegados, faz baratear o custo final do processo de alfandegamento das cargas, o que pode levar à extinção dos recintos alfandegados e o domínio do mercado pelos demandados, o que acarreta novos prejuízos aos usuários de seus serviços pela dominação do mercado. Assevera que há outro prejuízo aos consumidores que, na busca dos serviços prestados pelos recintos alfandegados e no exercício da liberdade de escolha assegurada pelo direito do consumidor, se veem compelidos a arcar com os custos adicionais da cobrança levada a efeito pelos réus.
O autor relata que a cobrança do THC2 foi objeto do Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17 junto à Secretaria de Direito Econômico (SDE), que concluiu haver violação à concorrência, nos seguintes termos: "a discriminação de serviços e/ou preços das atividades prestadas pelos terminais portuários, em desfavor dos recintos alfandegados, configura infração contra a ordem econômica na medida em que refletem, exclusivamente, estratégia para falsear a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada de cargas, na área de influência do Porto de Santos sem, contudo, apresentar quaisquer eficiências que autorizassem sua inclusão nas excepcionalidades previstas pela Lei 8.884/94". O processo foi remetido ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE para julgamento, nos termos do artigo 39 da Lei 8884/94, órgão que não havia proferido decisão final até a data do ajuizamento da ação.
A inicial foi instruída com cópia da Representação nº 1.34.012.000384/2003-49 (Id. 102999262 – fls. 24/227, Id. 102999263, Id. 103004241, Id. 103004242, Id. 103005041, Id. 103005042, Id. 103005033, Id. 103004239, Id. 103004240, Id. 102999270, Id. 102999271, Id. 102999265, Id. 102999266, Id. 103004233, Id. 103004234, Id. 103004235, Id. 101990312, Id. 101990313, Id. 101990314, Id. 101989451 - fls. 01/189).
A requeridas USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A., USIMINAS (Id. 101989452 – fls. 28/52), SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S.A. - TECON) (Id. 101989174 – fls. 05/48), LIBRA TERMINAIS S/A. (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A - TERMINAL 37), (Id. 101990321 - fls. 05/37) e ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TERMINAL PARA CONTÊINERES DA MARGEM DIREITA S/A – TECONDI) (Id. 101990321 – fls. 57/88) apresentaram contestação.
Intimada (Id. 101989451 – fl. 191 e Id. 101990321 – fl. 130), a União requereu o seu ingresso no polo passivo do feito, o acolhimento das preliminares suscitadas e a extinção do processo, sem julgamento do mérito, e, quanto à matéria de fundo, a improcedência da ação (Id. 101990321 – fls. 135/145 e Id. 101990322 – fl. 07). O pedido, na qualidade de assistente litisconsorcial, foi deferido (Id. 101990322 – fl. 07).
O CADE requereu sua admissão no processo como assistente litisconsorcial do MPF, com fundamento nos artigos 51 e 54 do CPC e artigo 89 da Lei nº 8.884/94 (Id. 101989453 - fl. 04 e Id. 101949198 – fls. 04/08). O MPF manifestou-se favoravelmente ao seu ingresso (Id. 101949198 – fls. 96/97) e as requeridas LIBRA TERMINAIS S/A. (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A. - TERMINAL 37), USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A. – USIMINAS e SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S.A. – TECON) apesentaram impugnação (Id. 101949198 – fls. 99/109). As manifestações foram desentranhadas e autuadas em apenso, nos termos do artigo 51, inciso I, do CPC/73. A impugnação ao pedido de assistência litisconsorcial, processada sob nº 0009134-43.2006.4.03.6104, foi rejeitada e admitida a inclusão do CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONOMICA – CADE, na condição de assistente litisconsorcial do autor (Id. 101949198 – fls. 116/119). Contra referida decisão foi interposto agravo retido pela ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TERMINAL TECONDI - TERMINAL PARA CONTEINERES DAMARGEM DIREITA S/A.) (Id. 101949198 – fls. 133/137) e o Agravo de Instrumento nº 0002985-73.2007.4.03.0000 (2007.03.00.002985-7) pela SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S.A. - TECON) (Id. 101949198 – fls. 139/150 e Id. 101950135 – fls. 02/11).
As partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir (Id. 101989453 – fl. 70). A apelada LIBRA TERMINAIS S/A. requereu a realização de perícia técnica, oitiva de testemunhas e juntada de documentos suplementares (Id. 101989453 – fls. 75/76). A SANTOS BRASIL S/A. pediu a produção de prova pericial nas áreas econômica e contábil e documental suplementar (Id. 101989453 – fls. 78/79). A USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINA afirmou que não tinha outras provas a produzir (Id. 101989453 – fls. 81/82). A ECOPORTO SANTOS S/A. pleiteou a produção de prova oral, documental suplementar e pericial (Id. 101989453 – fls. 113/114). A UNIÃO informou que não tinha outras provas a produzir (Id. (Id. 101989453 – fl. 122). O MPF impugnou a postulação das requeridas e pediu o julgamento antecipado da lide, dada a prescindibilidade da produção de novas provas (Id. 101989453 –fls. 127/131). O CADE manifestou o desinteresse em produzir outras provas, informou o encerramento do Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17 e apresentou cópias da decisão administrativa do CADE (Id. 101989453 – fls. 148/149).
Sobreveio a sentença que extinguiu o processo, sem resolução do mérito (Id. 101989453 – fls. 247/260).
III – DA APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL
Inicialmente, ressalta-se que sentença recorrida foi proferida em 19.12.2007 (Id. 101989453 – fl. 260), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos n.º 01 e 03/2016, do STJ):
EMENTA
- A sentença recorrida foi proferida em antes da vigência da Lei n.º 13.105/2015 (NCPC), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativo n.º 01 e 03/2016, do STJ).
IV – DAS PRELIMINARES
IV.1) DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF
A apelada LIBRA TERMINAIS S/A. (SANTOS LIBRA TERMINAIS S/A - TERMINAL 37), suscita, nas contrarrazões, a ilegitimidade do MPF para a propositura da ação por ausência de pertinência temática, ao fundamento de que a ação civil pública não pode ser utilizada para defesa de interesses individuais, ainda que em massa, em limites individualmente mensuráveis.
A preliminar deve ser rejeitada, porquanto a legitimidade do Parquet para o ajuizamento da ação tem amparo legal. Verifica-se que o MPF ajuizou a ação para: “a defesa da ordem jurídica, a proteção dos interesses difusos e coletivos, e a tutela da ordem econômica”, e regularização de práticas indevidas na atividade portuária, que prejudicam diretamente a coletividade, operadores retroportuários e usuários dos serviços de liberação de contêineres pelos terminais portuários do Porto de Santos/SP, mediante a imediata suspensão da cobrança e declaração de ilegalidade da taxa exigida para a liberação de contêineres aos terminais retroportuários, denominada "THC2" ou um segundo "terminal handling charge", bem como a condenação dos réus ao pagamento de indenização ao Fundo de Proteção dos Direitos Difusos pelos danos diretos e indiretos causados aos consumidores dos serviços prestados.
O artigo 12 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico e se encontrava em vigor na data do ajuizamento da ação (01/04/2005 – Id. 102999262 – fl. 02), conferia ao CADE a prerrogativa de requerer ao MPF a adoção de medidas judiciais para a defesa da ordem econômica e financeira, com base nas atribuições previstas no artigo 6º, inciso XIV, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75/1993, verbis:
Art. 12. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, oficiar nos processos sujeitos à apreciação do CADE. (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
Parágrafo único. O CADE poderá requerer ao Ministério Público Federal que promova a execução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidas judiciais, no exercício da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.
No mesmo sentido o artigo 47 da Lei nº. 12.529/2011, verbis:
Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
§ 1º Os prejudicados terão direito a ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo aos coautores de infração à ordem econômica que tenham celebrado acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de prática cujo cumprimento tenha sido declarado pelo Cade, os quais responderão somente pelos prejuízos causados aos prejudicados. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 3º Os signatários do acordo de leniência e do termo de compromisso de cessação de prática são responsáveis apenas pelo dano que causaram aos prejudicados, não incidindo sobre eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem econômica. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 4º Não se presume o repasse de sobrepreço nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
Registra-se que o artigo 6°, inciso XIV, alínea “b”, da LC nº 75/93, anteriormente mencionado, confere ao Ministério Público a prerrogativa de, verbis: “promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: (...) b) à ordem econômica e financeira”. [ressaltado]
In casu, o representante do MPF junto ao CADE solicitou ao Diretor-Geral da Polícia Federal a abertura do inquérito policial para apurar se os fatos configuravam ilícitos contra a ordem econômica, consistentes no abuso do poder econômico, dominação do mercado ou eliminação total ou parcial da concorrência, sem prejuízo do procedimento administrativo junto aos órgãos de defesa da concorrência (Id. 102999262 – fls. 32/38), bem como procedeu à abertura do Inquérito Civil nº 1.34.012.000384/2003-49, que instruiu esta ação. Para o Superior Tribunal de Justiça: “17. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos. 18. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade), bem como à defesa da ordem econômica, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º da lei 8.884/94 (...)” (REsp n. 677.585/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 13/2/2006, p. 679.)
A despeito de a legitimidade do autor encontrar amparo legal, cabe salientar que o Ministério Público Federal tem atribuição para atuar nas causas de competência da Justiça Federal e em que houver um interesse federal envolvido, entre os elencados no artigo 109 da Constituição (artigo 37, inciso I, da LC 75/93). In casu, há interesse da União, porquanto, de acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, é de sua competência a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. No mesmo sentido, o artigo 1ª da Lei nº 8.630/93 (Lei dos Portos) e artigo 1º da Lei nº 12.815/2013 estabelecem que cabe à União explorar diretamente ou por concessão os portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. No caso, os serviços são explorados indiretamente pelos requeridos, na qualidade de concessionários da União, o que evidencia o interesse do ente federal. Nessa acepção, a União manifestou o seu interesse no feito e requereu o seu ingresso no polo passivo (Id. 101990321 – fls. 135/145).
Por fim, registra-se que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a legitimidade ativa do MPF para: “a propositura de ações civis públicas, visando à tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis e divisíveis, quando socialmente relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada” (AREsp n. 1.325.652/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 11/11/2022.). No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.568.892/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 10/6/2022, AgInt no REsp n. 1.785.635/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/3/2021, DJe de 13/4/2021 e REsp n. 984.005/PE, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011, DJe de 26/10/2011.
IV.2) DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO
A União requer a sua exclusão da lide por ilegitimidade de parte, ao argumento de que teve suas atribuições divididas entre a Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON e o CADE pelo Decreto nº 7.738/2012 e que o último órgão deverá prosseguir no feito representado pela Procuradoria Regional Federal (Id. 101949183 – fls. 21/22).
Como mencionado, de acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, compete à União a exploração, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. No mesmo sentido, o artigo 1ª da Lei nº 8.630/93 (Lei dos Portos) e artigo 1º da Lei nº 12.815/2013 conferem-lhe a prerrogativa de explorar, diretamente ou por concessão, os portos, instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.
A controvérsia reside na ilegalidade da cobrança do SSE/THC2 pelos operadores portuários, concessionários da União. A inicial relata que o questionamento da taxa foi objeto do Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17, junto à Secretaria de Direito Econômico (SDE), que concluiu existir violação à concorrência e que, posteriormente, enviou o procedimento ao CADE para julgamento, como previsto no artigo 39 da Lei nº 8.884/94 (Id. 101990312 – fls. 196/228 e Id. 101990313 – fls. 01/16). No trâmite desta ação, a autarquia federal, no exercício de suas atribuições de prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, previstas nas Leis nº 8.884/94 e nº 12.529/11, proferiu decisão em que considerou que a cobrança da THC2 configura violação à ordem econômica. Por sua vez, o CADE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, como prevê o artigo 1º do Decreto nº 7.738/2012, órgão integrante da administração pública federal direta. Desse modo, resta claro o interesse da União.
Nada obstante, como mencionado, a apelada manifestou o interesse no feito e requereu o seu ingresso no polo passivo, com fundamento no artigo 21, XII, alíneas “d" e "f", da Constituição Federal (Id. 101990321 – fls. 135/145), o que foi deferido pelo magistrado. A pretensão de exclusão da lide é incompatível com o pedido anterior de ingresso no polo passivo, o que é vedado pelo artigo 292, § 1º, inciso I, do CPC/73, vigente à época dos fatos.
IV.3) DA EXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA IDÊNTICA
Apesar de ambas as ações tratarem de questões similares e que poderiam, eventualmente, ensejar o reconhecimento de causa impeditiva da propositura desta ação, constatam-se os seguintes óbices: ambas são ações civis públicas e a legislação de regência, qual seja, a Lei nº 7.347/85, preceitua em seu artigo 16:
"Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".
Vê-se da leitura da decisão prolatada no Resp nº 1.399.761/SP que o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso por entender que o acórdão recorrido se baseou em questões de fato e nas respectivas provas para manter a sentença de improcedência da ação e que a matéria fática não poderia ser revista na corte superior, consoante o entendimento sumulado (verbete nº 7). Destarte, aplica-se o disposto no artigo transcrito, eis que a improcedência se baseou em matéria fática, de forma que o trânsito em julgado na ação estadual não inibe o novo ajuizamento pelo Ministério Público Federal.
Nas situações em que a discussão recai sobre direitos essencialmente coletivos, o processo fica sujeito às regras do microssistema próprio das ações coletivas, que abrange, especialmente, as contidas na Lei da Ação Civil Pública, na Lei da Ação Popular e no Código de Defesa do Consumidor (como se depreende dos artigos 90 do CDC e 21 da LACP), sempre à luz da Constituição Federal. Ao se tratar de direito difuso ou coletivo propriamente dito, a coisa julgada será erga omnes, salvo se o pedido aduzido em juízo for julgado improcedente por insuficiência de provas. Em tais circunstâncias, os legitimados previstos no artigo 82 do CDC poderão repropor a ação. É que, nesses casos, a coisa julgada se produz secundum eventum probationis, ou seja, segundo o resultado da análise do conjunto probatório.
Destaque-se que, mesmo que o julgador não tenha declarado expressamente que a improcedência se deve à insuficiência das provas, se a sentença tiver sido proferida sem a totalidade das provas disponíveis à época, deve-se entender a insuficiência do conjunto probatório para o convencimento a permitir eventual repropositura da ação, consoante defende Patrícia Miranda Pizzol (In “Coisa Julgada nas ações coletivas”, disponível em https://www5.pucsp.br/tutelacoletiva/download/artigo_patricia.pdf).
Trata-se de uma interpretação em prol da defesa dos direitos transindividuais, que se sustenta em razão das características especiais da coisa julgada coletiva. Assim, a decisão proferida nas referidas ações atingirá a esfera jurídica de todos os membros da coletividade ou de um determinado grupo, conforme consta no artigo 81 do CDC, parágrafo único, I e II, porquanto a satisfação de um implicará a de todos, da mesma forma que a lesão de um também será a de toda a coletividade. É por esse motivo que se assegura a repropositura de uma mesma ação, com base em provas novas, a fim de se evitar a produção de coisa julgada oponível a toda a coletividade decorrente de um julgamento em que não se atingiu o convencimento sobre a ocorrência ou não dos fatos alegados em razão da insuficiência das provas. Sobre o tema confira-se precedente:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO À SAÚDE. PEDIDOS DE DETERMINAÇÃO, AO ENTE PÚBLICO, DA REALIZAÇÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PARA A PADRONIZAÇÃO DO EQUIPAMENTO PLEITEADO E DE EXTENSÃO DOS LIMITES DA COISA JULGADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INAPLICABILIDADE. ACÓRDÃO QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO, POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ART. 16, SEGUNDA PARTE, DA LEI N. 7.347/85.
1. Agravo interno que visa seja determinada a realização de estudos técnicos pelo ente público com o objetivo de padronização, no âmbito do SUS, do equipamento pleiteado, com reconhecimento de extensão da eficácia da sentença para além dos limites territoriais do juízo prolator.
2. O art. 16, segunda parte, da Lei federal n. 7.347/85, excepciona a disciplina jurídica da extensão dos limites da coisa julgada em sede de ação civil pública quando o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, o que é o caso dos autos.
3. Agravo interno não provido.
(STJ, AgInt no REsp n. 1.365.842/SC, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 9/3/2020, DJe de 11/3/2020.)
Por outro lado, constata-se que o CADE e a União não compuseram nenhum dos polos na ação ofertada na Justiça estadual, o que possibilita afirmar que a imutabilidade e a indiscutibilidade da coisa julgada na esfera estadual NÃO PODEM SER OPOSTAS aos que não participaram da sua produção, notadamente quando deveriam, o que alteraria, inclusive, a competência para o julgamento daquela ação, examinada por juízo absolutamente incompetente.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido, ao afirmar que: "A nulidade por incompetência absoluta do juízo e ausência de citação da executada no feito que originou o título executivo são matérias que podem e devem ser conhecidas mesmo que de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, pelo que, perfeitamente cabível sejam aduzidas, como in casu o foram, por meio de simples petição, o que configura a cognominada"exceção de pré-executividade ". (STJ - EREsp: 667002 DF 2008/0129342-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 17/06/2015, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 06/08/2015). Destarte, a ação estadual apresentada como fato impeditivo da propositura desta ação não gera a consequência alegada, uma vez que examinada por juízo absolutamente incompetente, o que afasta a formação da coisa julgada.
Por fim, admitida a exceção proposta, no sentido da presença de pressuposto processual negativo em razão da identidade de ações, nota-se que a ação litispendente à época da propositura (2006) era a ajuizada na Justiça estadual, eis que aforada APÓS a propositura da presente demanda, em 2004. Tais circunstâncias, a meu ver, ensejam a rejeição da alegação de existência de coisa julgada apta a impedir o prosseguimento desta ação civil pública.
IV.4) DA PRESENÇA DA ANTAQ NA LIDE
Como já se afirmou anteriormente, o objetivo da ação civil pública não é anular atos praticados pela ANTAQ, mas a legalidade da THC2, sob o ponto de vista de infração ao princípio da livre concorrência, matéria eminentemente, no campo administrativo, de atribuição do CADE. Em consequência, dispensável a presença da ANTAQ em qualquer dos polos desta ação.
IV.5) DO TRÂNSITO EM JULGADO NA AÇÃO PROPOSTA PELA MEGARA COM O ESCOPO DE OBTER A ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DO CADE
Não existe compatibilidade entre a presente ação e aquela indicada pelo requerente como fato que deva ser considerado no âmbito desta ação coletiva, uma vez que nestes autos não se pretende anular a decisão administrativa proferida pelo CADE. Logo, ausente identidade apta a impedir o exame das questões postas nestes autos em virtude da ação individualmente ajuizada pela requerente.
IV.6) DO JULGAMENTO DA AÇÃO PROPOSTA PELA SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A COM O ESCOPO DE OBTER A ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DO CADE
Não existe compatibilidade entre a presente ação e aquela indicada pelo requerente como fato que deva ser considerado no âmbito desta ação coletiva, uma vez que nestes autos não se pretende anular a decisão administrativa proferida pelo CADE. Logo, ausente identidade apta a impedir o exame das questões postas nestes autos em virtude da ação individualmente ajuizada pela requerente.
V – DA NULIDADE DA SENTENÇA
O processo foi extinto, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir. Segundo o magistrado, o MPF antecipou-se à decisão do CADE em processo administrativo e ajuizou a ação com idêntico objeto e instruiu com os mesmos elementos do procedimento, para formular pedido em face das mesmas empresas, processadas na esfera administrativa, com causas de pedir idênticas e acusações de infrações à ordem econômica. Considerou que a decisão do Plenário do CADE havia esvaziado o objeto desta ação civil pública e que, à vista das competências conferidas ao CADE, das penalidades aplicadas e da regra do artigo 84 da Lei nº 8.884/94, não havia justificativa para o prosseguimento da ação.
A nulidade da sentença decorre de vícios de procedimento formal (error in procedendo), pela inobservância de requisitos necessários à prática do ato, capazes de invalidar a decisão judicial, decorrentes da infração à norma processual pelo julgador. Por sua vez, a apreciação da demanda de forma equivocada, a análise das provas e aplicação do direito de forma errônea ou a interpretação desacertada da norma não caracterizam vício de integração e não acarretam a nulidade ou cassação do decisum, mas a sua reforma. Nesse sentido: "Como é cediço, o error in procedendo, ou erro de forma, é vício processual, decorrente do descompasso entre a decisão e as regras processuais, já o error in judicando, ou erro de conteúdo, é vício de fundo, em que se alega o descompasso da decisão com normas de direito material. Na primeira situação, tem-se a anulação da decisão, já na segunda, tem-se sua reforma (AgRg no REsp 1797306/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 23/05/2019)” (AgRg no REsp n. 1.977.077/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.).
A análise do magistrado decorreu da interpretação lógico-sistemática extraída do pedido e causa de pedir apresentados na inicial e foi fundamentada na Lei nº 8.884/90 e jurisprudência aplicável à espécie, bem como considerada a decisão proferida pelo Plenário do CADE no Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17. Entendeu que a pretensão do autor havia sido totalmente satisfeita pela decisão do CADE, motivo pelo qual concluiu ter havido a perda superveniente do interesse de agir. Ocorreu a aplicação do direito ao caso concreto, ainda que de forma contrária à tese defendida pelas apelantes. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça: “Os pedidos formulados na demanda devem ser interpretados pelo método lógico-sistemático, bem como a própria causa de pedir, extraindo-se da peça tudo que a parte pretende obter. Esse entendimento é aplicável à petição inicial, à contestação e aos recursos. Os argumentos da inicial do agravo de instrumento foram compatíveis com a decisão de primeiro grau agravada, sendo possível colher de suas razões o inconformismo e o interesse na reforma” (AgInt no AREsp n. 1.553.187/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 11/2/2020, DJe de 18/2/2020). Desse modo, a alegação de nulidade da sentença deve ser rejeitada.
VI - DO AGRAVO RETIDO
A apelada ECOPORTO SANTOS S/A. (nova razão social de TERMINALTECONDI - TERMINAL PARA CONTEINERES DAMARGEM DIREITA S/A.) reiterou o pedido de julgamento do agravo retido por ela interposto no incidente de Impugnação ao Pedido de Assistência Litisconsorcial nº 0009134-43.2006.4.03.6104 contra decisão que rejeitou a impugnação e admitiu a inclusão do CADE nesta ação, na condição de assistente litisconsorcial do MPF (Id 101993950 – fls. 52/59).
Registra-se que contra a mesma decisão foi interposto o Agravo de Instrumento nº 0002985-73.2007.4.03.0000 (2007.03.00.002985-7) pela apelada SANTOS BRASIL PARTICIPAÇÕES S/A. (sucessora de SANTOS BRASIL S.A. - TECON) (Id. 101950135 – fls. 02/11).
O artigo 51 do CPC/73 tratava da impugnação ao pedido de assistência e estabelecia que o incidente fosse decidido no prazo de cinco dias. De acordo com o artigo 162, § 2º, do mesmo diploma, decisão interlocutória era ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolvia questão incidente. Por sua vez, o artigo 522 previa que contra esse tipo de decisão cabia agravo, na forma retida, ou de instrumento, nos casos em que o decisum pudesse causar à parte lesão grave e de difícil reparação, verbis:
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. (Redação dada pela Lei nº 9.139, de 30.11.1995)
No caso, não foram desenvolvidos argumentos relativos à possibilidade de a decisão agravada acarretar lesão à agravante. Desse modo, ausente o perigo de dano, resta configurado o cabimento do agravo retido.
Quanto ao mérito, segundo o autor, a cobrança da THC2 causa prejuízo à relação concorrencial da atividade de armazenagem de cargas, impossibilita a concorrência, exclui os terminais portuários do mercado, com a possibilidade de extinção dos recintos alfandegados, e acarreta a dominação do mercado pelos demandados, o que causa prejuízos aos usuários de seus serviços e viola os artigos 20, incisos I a IV, e 21, incisos IV, V, X e XIV, da Lei nº 8.884/94.
O artigo 89 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, vigente à época dos fatos, conferia ao CADE a faculdade de intervir nos feitos em que se discutisse a aplicação desta lei, na qualidade de assistente. Desse modo, à vista da possibilidade legal de intervenção, o recurso deve ser desprovido.
A despeito da previsão legal que autoriza a sua admissão na lide, cabe registrar que há interesse jurídico do CADE no presente feito, porquanto, como mencionado pela autarquia, a decisão judicial proferida pode afetar diretamente a decisão administrativa e influenciar na relação jurídica administrativa existente entre o CADE e as apeladas, o que autoriza a sua admissão na qualidade de assistente litisconsorcial, como prevê o artigo 54 do CPC/73. No Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17, que tem as mesmas partes e objeto e serviu de fundamento para a presente ação, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) concluiu que a cobrança da THC2 configurava infração à ordem econômica e o procedimento foi encaminhado ao CADE para decisão por força do disposto no artigo 39 da Lei nº 8.884/94.
VII - DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO
Como mencionado, o magistrado acolheu a preliminar de ausência de interesse de agir e extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por considerar que a decisão do Plenário do CADE havia esvaziado o objeto desta ação civil pública, que tem objeto, partes, provas e causa de pedir (acusações de infrações à ordem econômica) idênticos ao procedimento administrativo, bem como entendeu que não havia justificativa para o prosseguimento da ação, à vista das competências conferidas ao CADE, das penalidades aplicadas e da regra do artigo 84 da Lei nº 8.884/94.
A aplicação de sanções administrativas pelo CADE por infrações da ordem econômica independe das medidas judiciais adotadas pelo Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, econômica e financeira, como previa o artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.884/94, que se encontrava em vigor na data do ajuizamento, inclusive para requerer a reparação civil. Nesse sentido, o artigo 19 da norma estabelecia que a aplicação de sanções por infrações à ordem econômica não excluía a punição de outros ilícitos legalmente previstos. Por sua vez, o artigo 29 conferia aos prejudicados, por si ou pelos legitimados, o direito de ajuizar ação para a defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, para a cessação de práticas violadoras à ordem econômica, bem como o recebimento de indenização pelas perdas e danos sofridos (artigo 1º, V, da Lei nº 7.347/1985), independentemente do processo administrativo, que não seria suspenso nesse caso.
Para o Superior Tribunal de Justiça, a instauração concomitante de ação civil pública e procedimento administrativo para a apuração e punição de um mesmo fato não viola o princípio do ne bis in idem, à vista da independência das esferas civil, penal e administrava. Confira-se:
RECURSO ESPECIAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. TRANSPORTADORAS DE VEÍCULOS. "CEGONHEIROS". INDÍCIOS DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E FORMAÇÃO DE CARTÉIS.
(...) 14. O Ministério Público in casu atua na defesa da ordem econômica, visando evitar os abusos, dentre os quais a cartelização do transporte de automóveis de ilegalidade manifesta.
15. "A Lei nº 8.884, de 11.6.94, transformou o Conselho Administrativo da Defesa Econômica - CADE em autarquia, dispondo ainda sobre a prevenção e repressão das infrações contra a ordem econômica, revogando grande parte da legislação anterior e tendo, por sua vez, sido parcialmente modificada.
A mencionada lei nº 7.347, incluindo no art. 1º da mesma um inciso V, que tem a seguinte redação: 'Regem-se pelas disposições desta lei... as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I- (...) V - por infração da ordem econômica.' O art. 5º, II, da mesma Lei n. 7.347, também foi modificado para nele incluir uma referência à ordem econômica e à livre concorrência.
Trata-se de ampliação do âmbito de utilização da ação civil pública que, como vimos, só pode ser usada nos casos legalmente previstos, de modo que, a partir de 1994, também se torna um instrumento para defesa de direitos individuais, difusos ou coletivos no plano econômico.
Explica-se a inovação legislativa pelas modificações sofridas pela economia brasileira, com a sua recente abertura para o capital estrangeiro, em virtude da globalização que impera no mundo inteiro.
A fim de evitar situações de dumping ou outras manobras ilegais, a ação civil pública tem a necessária dimensão, densidade e velocidade (em virtude da possibilidade de obtenção de medida liminar) para a defesa dos direitos e interesses das empresas brasileiras, uma contra as outras ou em relação às multinacionais sediadas no Brasil ou que operam no país." (in Mandado de Segurança, Hely Lopes Meirelles, 26ª Edição, atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, pg. 198/199)
16. Inexiste violação ao princípio do ne bis in idem, tendo em vista a possibilidade de instauração concomitante de ação civil pública e de processo administrativo, in casu, perante a SDE - Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Ministério da Justiça, para investigação e punição de um mesmo fato, porquanto as esferas de responsabilização civil, penal e administrativa são independentes .
17. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos.
18. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade), bem como à defesa da ordem econômica, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º da lei 8.884/94.
19. É cediço no Eg. STJ que "em ação proposta pelo Ministério Público Federal, órgão da União, somente a Justiça Federal está constitucionalmente habilitada a proferir sentença que vincule tal órgão" (CC 40.534, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17/05/04).
Ademais, o amicus curiae opina em favor de uma das partes, o que o torna um singular assistente, porque de seu parecer exsurge o êxito de uma das partes, por isso a lei o cognomina de assistente. É assistente secundum eventum litis.
20. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 677.585/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 13/2/2006, p. 679.)
In casu, o autor objetiva a declaração da ilegalidade da taxa cobrada para a liberação de contêineres aos terminais retroportuários, denominada "THC2", bem como a condenação dos réus pela cobrança indevida, em valor a ser arbitrado pelo juízo, a ser destinado ao Fundo previsto na Lei de Ação Civil Pública. Desse modo, a sentença deve ser reformada, pois, diferentemente do decidido, está evidenciado o interesse de agir do Ministério Público Federal.
VIII - DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC/73
Superadas as questões preliminares, verifica-se que a causa não se encontra em condições de imediato julgamento (artigo 515, § 3º, do CPC/73), porquanto os pedidos formulados pelas requeridas de produção de provas periciais, orais e documentais suplementares não foram apreciados pelo juiz a quo, que, após a informação da finalização do procedimento administrativo pelo CADE, decidiu extinguir o processo, sem julgamento do mérito. Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS DE MANUTENÇÃO DE CONDOMÍNIO DE FATO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DE APELAÇÃO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança de despesas de manutenção de condomínio de fato (irregular).
2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o julgamento da lide, na forma do art. 515, § 3º, do CPC/73, é admitido quando, reformada a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, a causa versar sobre questão de direito, ou de direito e fato, e estiver madura para imediata apreciação. 3. Entende-se, entrementes, que a demanda se encontra pronta para julgamento "quando instaurada a relação processual e encerrada a necessária instrução do processo, assegurado às partes o amplo direito de deduzir alegações, de requerer a produção das provas que entender necessárias para demonstrar o próprio direito material e de impugnar as teses e as provas apresentadas pela parte contrária" (REsp 1.340.800/CE, 4ª Turma, DJe de 04/12/2017).
4. Hipótese em que a demanda versa sobre questões de fato e de direito, porém não houve prévia dilação probatória a autorizar o imediato julgamento da lide pelo Tribunal, caracterizando-se, destarte, o cerceamento de defesa em desfavor da parte ré.
5. Agravo interno não provido.
(STJ, AgInt no AREsp n. 751.507/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/3/2019, DJe de 27/3/2019.)
Desse modo, em respeito aos princípios do contraditório e ampla defesa, os autos devem retornar à origem para continuidade da ação.
Por fim, quanto às questões tratadas no Memorando de Entendimentos nº 01/2021 e na Nota Técnica nº 17/2022/DEE/CADE são afetas ao mérito da demanda e caberá ao juízo de origem, após o regular processamento do feito, examiná-las juntamente com o mérito. Destarte, à vista de que este juízo nelas não se baseou para o voto ora lavrado, descabe a alegação de ofensa ao princípio da não surpresa insculpido no artigo 10 do CPC.
VIII) DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas pelas apeladas, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento ao reexame necessário e às apelações do MPF e CADE, para reformar a sentença, a fim de reconhecer o interesse de agir do MPF, bem como determinar o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento, nos termos da fundamentação.
Vencido quanto ao retorno dos autos à origem para regular processamento, passo à análise do mérito.
V O T O M É R I T O
I – DO MÉRITO
1.1) DA TAXA INCIDENTE SOBRE O SERVIÇO DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA - SSE/THC2
A chamada THC2 (Terminal Handling Charge), objeto da controvérsia, é o preço cobrado pelos terminais ou operadores portuários dos recintos alfandegados independentes para segregação e entrega de cargas nas operações de importação. É regulada por resoluções da ANTAQ, que estabelecem parâmetros a serem observados na prestação de serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volumes nos portos organizados. A norma traz os conceitos de instalação portuária, porto organizado, recintos alfandegados e dos envolvidos no processo, como a autoridade portuária, clientes ou usuários, operador portuário e transportador marítimo, bem como define os preços cobrados pela movimentação, denominados de: cesta de serviços (box rate), serviço de segregação e entrega de contêineres – SSE e taxa de movimentação no terminal (terminal handling charge - THC).
O Ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rêgo, ao tratar da cobrança pelos terminais portuários (molhados) aos recintos alfandegados (terminais secos) dos serviços de segregação e entrega de contêineres, apresenta os seguintes conceitos, extraídos da Resolução ANTAQ 2.389/2012 e suas substitutas 34/2019 e 72/2022 (TCU, Acórdão 1448/2022 – Plenário, sessão: 22/06/2022, Ata 23/2022 - Plenário):
“(a) Box Rate (cesta de serviços) - na exportação, preço cobrado pelo serviço de movimentação das cargas entre o portão do terminal portuário e o porão da embarcação; na importação, o preço cobrado pelo serviço de movimentação das cargas entre o porão da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário (caso o contrato não disponha de outra forma) (movimentação vertical e horizontal das mercadorias) . O pagamento é feito pelo armador ao terminal portuário e seu valor é fixado de forma assimétrica, uma vez que os armadores possuem um maior poder de negociação;
(b) THC (Terminal Handling Charge), parte do box rate (movimentação horizontal): na importação, os serviços de movimentação de mercadoria entre o costado do navio e a pilha no pátio do terminal; na exportação, os serviços seriam entre o portão do terminal até o costado do navio;
(c) THC-2 ou Serviço de Segregação e Entrega (SSE) - preço cobrado pelos terminais portuários aos recintos alfandegados, apenas na importação, para a movimentação de mercadorias da pilha localizada no pátio do terminal até o portão de saída, para entrega da mercadoria aos recintos alfandegados (prepostos do importador) Essa taxa somente é cobrada quando o desembaraço alfandegário é feito fora do terminal portuário”.
Segundo o Ministro, o normativo da ANTAQ possibilita a cobrança de valores adicionais ao THC, que foram apelidados de THC-2, na importação, pela movimentação de mercadoria entre a "pilha do pátio ao portão do terminal", ao fundamento de que existem custos adicionais nesse trajeto não acobertados pela THC. Desse modo, foi legitimada sua cobrança, de acordo com os incisos VI e VII do artigo 2º e artigos. 3º, 5º e 9º da Resolução 2.389/2012.
O Desembargador Andrade Neto, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no voto proferido no Agravo de Instrumento nº 2019172-06.2014.8.26.0000 (Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 15/10/2014; Data de Registro: 16/10/2014), resumiu a dinâmica da cobrança dos serviços pelo operador portuário, nos seguintes termos:
“(...) Pelo serviço de transporte vertical (transferência da carga entre o navio e as docas), o operador portuário exige o pagamento de tarifa denominada “Box Rate”, paga pelo armador que, por sua vez, pode se ressarcir dessa despesa perante o importador através da cobrança da Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge, ou THC).
Pelo serviço de transporte horizontal (segregação e entrega dos contêiner), o operador portuários cobra dos retroportos (quando estes são responsáveis pela armazenagem da carga) uma tarifa de entrega denominada THC2 que, supostamente, cobre custos relacionados à liberação dessa carga. A questão controversa reside justamente na legalidade da cobrança da THC2, ou, mais precisamente, se os serviços abrangidos pela THC2 já são remunerados através da “Box Rate” paga pelo armador (...)”.
São distintos os dois mercados na controvérsia travada entre operadores portuários e recintos retroalfandegados: o de movimentação das cargas transportadas e o de armazenagem de mercadorias em contêineres. No primeiro, relacionam-se operador portuário e armador; no segundo, operador portuário e recinto retroalfandegado.
Os serviços que são prestados pelo operador portuário referem-se ao momento de chegada das mercadorias importadas até sua entrega ao destinatário (consignatário ou importador). Pode-se argumentar que, no contrato firmado entre operador portuário e armador, este remuneraria aquele por toda a atividade desenvolvida, pois não faria sentido ao armador e ao importador que a tarefa ficasse no meio do caminho. Logo, a THC cobriria todos esses custos. Se se entender diferentemente, faria mais sentido que o operador portuário cobrasse os serviços adicionais do próprio armador, que foi contratado pelo importador para trazer os bens do exterior e fazê-los chegar até ele no Brasil. De qualquer forma, a área de operação portuária, assim como seus serviços, foram concedidos ou arrendados ao operador portuário, ou seja, este tem autorização exclusiva para operar os berços no cais do porto.
No que toca ao serviço de armazenagem, o operador portuário e o recinto retroalfandegado disputam a demanda do importador e devem fazê-lo em condições de livre concorrência.
As partes divergem quanto ao que cobrem os valores pagos pelo importador às agências marítimas e que são repassados ao operador portuário: se são todos os serviços até os destinatários (consignatário/ recinto alfandegado independente/ importador) no portão do terminal portuário ou se o serviço de segregação e entrega está excluído. Na primeira hipótese, haveria apenas o preço da THC e, na segunda hipótese, também o preço da THC2.
Para o relator do Agravo de Instrumento 2019172-06.2014.8.26.0000, que analisa a mesma questão, acima citada, a discordância reside: “justamente na legalidade da cobrança da THC2, ou, mais precisamente, se os serviços abrangidos pela THC2 já são remunerados através da “Box Rate” paga pelo armador”.
Segundo o Ministro do TCU Vital do Rego, a exigência de valores adicionais ao THC, apelidados de THC-2: “vai ao encontro do pensamento dos terminais molhados, que alegam que essa taxa remuneraria, de fato, serviços e custos adicionais não inclusos na THC quando da entrega das mercadorias aos recintos alfandegados. Por outro lado, vai de encontro ao entendimento dos recintos alfandegados, que alegam que seria uma cobrança indevida por cobrir custos e serviços que já são remunerados pelo THC, que o armador repassa aos terminais” (TCU, Acórdão 1448/2022 – Plenário, Processo 021.408/2019-0, Relator Vital do Rego, data da sessão: 22/06/2022).
1.1.1) DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONTROVÉRSIA
A atividade de exploração dos portos marítimos pela União está prevista no artigo 21, inciso XII, letra "f", da Constituição e, por força do artigo 22, inciso X, foram editadas a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e a Lei nº 12.815, de 05 de junho de 2013.
Em julho de 1989, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) instituiu a cobrança de uma taxa M-20 para a segregação e liberação de contêineres na importação para os recintos alfandegados independentes.
Em 1995, após a promulgação da Lei nº 8.630/93, a CODESP lançou programa de arrendamentos e parcerias no Porto de Santos. Após a privatização dos terminais portuários, a taxa M-20 e outras deixaram de existir. Posteriormente, foi estabelecida pelos terminais portuários a controvertida THC2 a ser paga pelos recintos alfandegados independentes a título de segregação e liberação de contêineres.
Em agosto de 1999, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) instaurou o processo administrativo nº 08012.007443/99-17, com vista a investigar a ocorrência de infração à ordem econômica na cobrança da THC2. Em 2002, o órgão entendeu configurada e remeteu os autos ao CADE. Em 27 de abril de 2005, a autarquia proferiu decisão que reconheceu que a cobrança da THC2 configurava violação à ordem econômica.
No âmbito da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), a THC2 foi objeto do processo nº 50300.00159/02. Em 17 de fevereiro de 2005, deliberou que a cobrança era legítima, pois a segregação e entrega de contêineres pelos operadores portuários aos recintos alfandegados geravam custos adicionais não cobertos pela THC, e não havia indícios de infração à ordem econômica. Interposto recurso pela MARIMEX Despachos, Transportes e Serviços Ltda., em 08 de abril de 2010, a decisão foi mantida.
Em 07 de julho de 2005, a CODESP, por ordem de sua diretoria executiva, proferiu a Decisão DIREXE nº 371/05, que fixou o valor máximo passível de ser cobrado dos recintos alfandegados em razão da segregação e entrega de contêineres.
Em 13 de fevereiro de 2012, a ANTAQ aprovou a Resolução nº 2389 e assentou, no artigo 9º, que os serviços de recebimento ou de entrega de cargas para qualquer outra modalidade de transporte, tanto dentro quanto fora dos limites do terminal portuário, não fazem parte dos serviços remunerados pela box rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso, bem como estabeleceu que caberia à autoridade portuária fixar o preço máximo cobrado pelo serviço.
A Resolução nº 2389/2012 sofreu revisão pela Resolução Normativa nº 34, de 19 de agosto de 2019, decorrente dos vícios identificados pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão 1.704/2018-TCU-Plenário (data da sessão: 25/07/2018), mas foi reiterada a legitimidade da cobrança do SSE/THC2 pelos operadores portuários. A normativa estabeleceu que os serviços não contemplados no box rate estavam sujeitos à remuneração livremente negociada, considerados os valores máximos divulgados em tabelas de preços e as condições estipuladas no contrato de arrendamento e nas normas da ANTAQ (artigo 5º).
Por fim, a Resolução ANTAQ nº 72, de 30 de março de 2022, revogou a Resolução Normativa nº 34-ANTAQ, de 2019, sem, contudo, alterar o seu conteúdo, mas apenas para adequá-la ao Decreto nº 10.139/2019. O artigo 5º trouxe a seguinte previsão: Art. 5º, § 2º A tabela de preços disporá, necessariamente, sobre os valores máximos dos serviços não contemplados na cesta de serviços ou box rate entre o porão da embarcação e o portão do terminal ou vice-e-versa, nas seguintes condições: I – as instalações portuárias divulgarão em seu sítio eletrônico e em local visível nos acessos do terminal, com antecedência mínima de trinta dias antes do início da vigência, os valores máximos dos preços, bem como a descrição detalhada dos serviços passíveis de serem cobrados perante os usuários, incluindo as normas de aplicação, franquias e isenções, se houver; II – as tabelas de preços atualizadas serão encaminhadas à ANTAQ com antecedência mínima de trinta dias da data da mudança de valores, da alteração nos descritivos dos serviços ou da inclusão, junção ou exclusão de serviços, quando ocorrer, para avaliação; e III – a ANTAQ emitirá instruções específicas para a recepção centralizada e por meio de formulário eletrônico das tabelas de preços. Permitiu a cobrança do SSE pelo serviço de colocação na pilha em pátio segregado, gerenciamento de riscos de cargas perigosas, cadastramento de empresas ou pessoas, permanência de veículos para retirada, liberação de documentos ou circulação de prepostos, remoção da carga da pilha e posicionamento da carga no veículo do importador ou do seu representante. O artigo 9º manteve a previsão de que o SSE na importação não faz parte dos serviços remunerados pela cesta de serviços ou box rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso.
1.1.2) DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS
A cobrança da THC2/SSE foi examinada pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17, que concluiu que a conduta configurava infração à ordem econômica. Para o órgão, os operadores portuários não esclareceram as razões da cobrança da taxa apenas dos seus concorrentes (recintos alfandegados sem píer de atracação) no mercado de armazenagem alfandegada de cargas, ou as razões de sua discriminação, mas somente apresentaram justificativas acerca da existência de custos associados à movimentação de contêineres e a necessidade de sua remuneração. Desse modo, sugeriu que todos os serviços de movimentação fossem consolidados em um único grupo de serviços e cobrados do armador. Confira-se, verbis (Id. 101990312 – fls. 196/228 e Id. 101990313 – fls. 01/16):
“Ante o exposto, verifica-se que a discriminação de serviços e/ou preços das atividades prestadas pelos terminais portuários, em desfavor dos recintos alfandegados, configura infração contra a ordem econômica na medida em que refletem, exclusivamente, estratégia para falsear a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada de cargas, na área de influência do Porto de Santos sem, contudo, apresentar quaisquer eficiências que autorizassem sua inclusão nas excepcionalidades previstas pela Lei 8884194.
As alegações finais apresentadas pelas Representadas em nada contribuíram para esclarecer essa questão. A Santos Brasil e a Usiminas, por exemplo, mantiveram seus argumentos que, embora naturalmente não sejam idênticos, apelam igualmente para a discussão da existência ou não de custos associados à movimentação de contêineres e pela necessidade de remuneração dos mesmos, em nada esclarecendo as razões de sua cobrança apenas dos recintos alfandegados sem píer de atracação, seus concorrentes no mercado de armazenagem alfandegada de cargas, ou, em outras palavras as razões de sua discriminação, seja ela executada através da cobrança de valores distintos pelos mesmos serviços, ou pela diferenciação de serviços prestados.
A Libra Terminais, por outro lado, também procurou afastar-se das implicações anticoncorrencias das condutas a ela imputadas, argumentando em favor de uma ampliação do mercado relevante geográfico que deveria incluir toda a região Sul e Sudeste do pais, o que é impossível conforma argumentado acima.
Assim, sugere-se que os operadores portuários abstenham-se da cobrança discriminatória de tarifas para entrega e movimentações de contêineres, em desfavor dos recintos alfandegados, estações aduaneiras interiores ou quaisquer outras empresas, suas concorrentes nos mercados downstream de armazenagem alfandegada de cargas, e que necessitem do acesso ao mar para o provimento regular de suas atividades. De maneira a operacionalizar tal recomendação, sugere-se a adoção das seguintes medidas:
a. consolidar todos serviços de movimentação de contêineres executados nas áreas dos terminais portuários em um único grupo de serviços, que deve ser cobrado dos armadores;
b. agrupar todos serviços que prestam aos armadores a título de movimentações de contêineres nas áreas dos terminais, em uma única seção de seus contratos com os armadores e tomá-la pública;
Ante o exposto, conclui-se pela remessa dos autos ao CADE, para julgamento, com sugestão de condenação dos terminais portuários ora representados por inflação à ordem econômica, consubstanciada no artigo 20, incisos I, II e IV, e/e os incisos IV e V, do artigo 21, ambos da Lei n 8.884/94 (...)”.
Segundo o órgão, no Porto de Santos existem quinze recintos alfandegados, entre os quais somente as apeladas, um total de quatro empresas, têm píer de atracação e movimentação de contêineres particulares, o que indica uma concentração e posição de domínio no mercado de serviços portuários. Relata que, à primeira vista, pode parecer que todos os segmentos que compõem a operação portuária são competitivos, contudo um exame mais detalhado da atividade de terminais revela que os operadores portuários detêm significativo poder de mercado, pois podem impor condutas anticompetitivas a seus concorrentes ou a qualquer empresa localizada à downstream de sua atividade principal, que não tenham acesso ao mar e necessitem das cargas desembarcadas pelos operadores. Enfatiza que a escolha do operador portuário, ou seja, o terminal portuário no qual determinada carga desembarcará, é feita previamente pelo armador, que detém contratos com os operadores portuários. O dono da carga não escolhe diretamente o operador portuário e fica sujeito às condições que os terminais lhe impuserem para a liberação de suas cargas.
O procedimento foi enviado ao CADE para julgamento por força da previsão contida no artigo 39 da Lei nº 8.884/94.
No dia 27 de abril de 2005, no Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17, que subsidiou esta ação, o CADE proferiu a seguinte decisão, cujo acórdão transcreve-se (Id. 101993932 – fls. 06/87):
"Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em conformidade com os votos e as notas eletrônicas, acordam a Presidente e os Conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, por unanimidade, considerar as representadas Terminal para Contêineres da Margem Direita - TECONDI, Libra Terminais S/A - Terminal 37 e Santos Brasil - Tecon, e, por maioria, a representada Usiminas (Rio Cubatão Logística Portuária Ltda), como incursas no inciso I, II e IV do artigo 20, c.c. incisos IV e V do artigo 21, todos da Lei nº 8.884/94, determinando: (i) por unanimidade, a imediata cessação, por partes das representadas, da cobrança de liberação de contêineres dos recintos alfandegados; (ii) por maioria, o pagamento de multa correspondente a 1% (um por cento) de seu faturamento bruto do ano anterior à instauração do processo, excluídos os impostos, nos termos do art. 23, I, da Lei nº 8.884/94, observando-se, quanto à Usiminas, que explora inúmeras atividades não relacionadas à atividade portuária, que a multa deverá incidir sobre o faturamento bruto referente apenas à sua atividade portuária no terminal em questão; (iii) por unanimidade, publicação, às suas expensas e sem prejuízo da multa aplicada, em meia página de jornal de grande circulação nacional, o teor da presente decisão, por dois dias seguidos e em duas semanas consecutivas, conforme o disposto no art. 24, I, da Lei nº 8.884/94; (iv) por unanimidade, aplicação, no caso de continuidade da conduta praticada ou de outra que configure infração à ordem econômica, e caso haja descumprimento das cominações enunciadas pelos itens acima, multa diária no valor de 20.000 (vinte mil) UFIR, com fulcro no art. 25 da lei nº 8.884/94; (v) por unanimidade, comprovar, perante o CADE, o cumprimento das determinações supra, no prazo de 60 (sessenta dias), a partir da publicação do acórdão da presente decisão. Foi determinado, ainda, o encaminhamento de cópia da decisão à Agencia Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça - SDE/MJ e à Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda - SEAE/MF. Vencido o Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado apenas no que tange a condenação da representada Usiminas, tendo votado por sua exclusão do polo passivo, e no que tange a dosimetria da multa aplicada às representadas, tendo votado pela condenação em multa de 1% (um por cento) do faturamento bruto, exclusivamente obtido no mercado de armazenagem alfandegada de contêineres, incluída a receita advinda da cobrança pelo serviço de segregação e entrega, no ano de 1998. Participaram do julgamento a presidente Elizabeth Maria Mercier Querido Farina e os Conselheiros Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, Ricardo Villas Bôas Cueva e Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado. Impedido o Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos. Presenta a Procuradora-Geral Maria Paula Dallari Bucci. Brasília - DF, 27 de abril de 2005, data da 346ª Sessão Ordinária de Julgamento" (Id. 101993932 – fls. 86/87).
A ementa do julgado tem a seguinte redação:
"Processo administrativo. Infração à ordem econômica. Abuso de posição dominante por parte dos terminais portuários de contêineres localizados na área de influência do porto de Santos, ao estabelecerem cobrança para liberação de contêineres (THC2 ou taxa para liberação de contêineres), em prejuízo dos recintos alfandegados independentes e dos consumidores. Ilicitude da cobrança frente às disposições da Lei 8.884/94 - condutas tipificadas. Inexistência de conflito entre a agência reguladora setorial (Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ) e o CADE. Inexistência de conflito entre regulação e aplicação da legislação antitruste. Determinação para a cessação das práticas, aplicação de multa e penalidades acessórias" (Id. 101993932 – fl. 86).
Cabe observar que, no âmbito do CADE, cabe-lhe decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei (artigo 7º, II, Lei nº 8.884/94 e artigo 9º, II, Lei nº 12.529/11). Desse modo, tem competência para examinar se a cobrança do SSE/THC2 acarreta violação à ordem econômica.
O relator para o acórdão foi o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva. A conduta examinada, à luz da Lei nº 8.884/94, explica ele, refere-se à cobrança de preço para liberação de contêineres (THC2) pelos terminais de contêineres da região da área de influência do Porto de Santos. Indica os atores envolvidos: importadores, armadores, terminais de contêineres e terminais retroportuários alfandegados (TRA). Esclarece que o CADE e a ANTAQ têm uma relação de complementaridade, em que cada um atua no seu âmbito legal (Lei nº 8.630/93 e Lei nº 10.233/01); que o CADE não é revisor de políticas públicas regulatórias, mas, ao deparar-se com situações de infração à ordem econômica, é seu dever investigar e julgar as condutas, nos termos da Lei nº 8.884/94. Declara haver dois mercados para a controvérsia deslindada: a de movimentação de cargas transportadas em contêineres e o de armazenagem de mercadorias em contêineres. No primeiro, relacionam-se operadores portuários e armadores (estes escolhem o terminal portuário para desembarque e pagam a box rate). No segundo, o da armazenagem, é feita pelos terminais portuários e pelos recintos alfandegados, que concorrem via preços e qualidade dos serviços. Afirma que o mercado de armazenagem é onde pode haver possíveis efeitos anticoncorrenciais. Descreve que o importador contrata um armador para trazer a mercadoria da origem até o porto de destino, que lhe cobra o frete e a THC (Terminal Handling Charge), que se refere aos custos de movimentação de carga em terra. O armador contrata um operador portuário para os serviços de descarregamento do navio e movimentação das cargas em terra, para os quais paga a box rate. Relata que, descarregado o navio e feita a movimentação da carga em terra, o importador pode armazená-la junto ao operador portuário ou em um recinto retroalfandegado. Nesta segunda hipótese, a liberação da carga ao recinto alfandegado, há supostamente custos que são cobertos pela THC2, remunerados ou não devidamente, os quais são postos de lado para enfrentar o tema concorrencial. Ressalta que não há relação comercial entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, mas interligação entre os mercados de movimentação de contêineres e o de armazenagem. Afirma que a armazenagem depende do acesso aos contêineres, que são disponíveis apenas depois de sua movimentação pelos operadores portuários, que têm acesso exclusivo e autorização para operar os berços no cais do porto. Diz que há dependência empresarial e sujeição entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, porque os primeiros ocupam uma posição perante os segundos que lhes permite impor as condições que bem entenderem para a entrega dos contêineres. Não existe um mercado de liberação de contêineres, não há formação regular de preços. Como há relação de dependência dos recintos alfandegados aos terminais portuários, o valor da THC2 é fixada coercitivamente. Os operadores portuários têm a capacidade de elevar os custos dos recintos alfandegados, o que consubstancia uma sujeição. Ademais, os operadores portuários detêm pouco poder de barganha junto aos armadores, o que lhes estreita a sua rentabilidade, ao passo que a armazenagem alfandegada permite maior agregação de serviços (desova de contêineres, paletização, embalagens, despacho aduaneiro, ship to door, entrega just in time etc) e, em consequência, maior rentabilidade. A verticalização das atividades dos terminais de contêineres e a maior competitividade do mercado de armazenagem possibilitam várias situações: os recintos alfandegados não são capazes de elevar seus preços unilateralmente e a cobrança da THC2 pelos operadores portuários eleva seus custos; a THC2 permite disciplinar o mercado de armazenagem, calibrar o lucro pretendido pelos terminais de contêineres; a integração vertical das atividades dos operadores portuários reduz o poder de barganha dos recintos alfandegados e permite, ao obterem informações sobre os custos de armazenagem, ajustar o valor de THC2 e maximizar a apropriação do excedente do consumidor sem excluir os recintos alfandegados. Assevera que há também indícios nos autos de que os operadores portuários poderiam utilizar o seu poder de coerção para celebrar acordos vantajosos unicamente para si e transferir custos injustificados aos recintos alfandegados. De todo o exposto, entendeu que a cobrança da taxa de liberação de contêineres pelos operadores portuários configurava infração à ordem econômica, nos termos do artigo 20, inciso I, II e IV, e artigo 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94 (Id. 101993932 – fls. 56/67).
O Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, em seu voto, reconheceu que existem custos moderadamente superiores na operação de contêineres para entrega aos terminais retroportuários. O edital de licitação estabelece que os serviços básicos remunerados pela taxa de movimentação de contêineres são compatíveis com as regras de contratos liner terms, ou seja, incluem todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem, necessários à recepção e liberação dos contêineres do costado do navio ao portão do terminal ou vice-versa. Além das razões contratuais, a ausência de formação de preço nas relações entre os operadores portuários e os terminais retroalfandegados revela problemas concorrenciais na cobrança. Os custos de transferência de contêineres para os terminais retroalfandegados devem estar incluídos na box rate a ser paga pelas empresas de navegação. No modelo de Porto Organizado, que é o brasileiro, deve haver ativa atuação regulatória do setor público. A intervenção da autoridade de defesa da concorrência opera principalmente em situações em que o vazio regulatório leva ao surgimento de problemas concorrenciais. Há problemas concorrenciais nas relações entre operadores portuários e terminais retroalfandegados. A autoridade do CADE se dá exclusivamente no plano concorrencial. Portanto, a ausência de regulação pode ensejar problemas concorrenciais, que devem ser resolvidos pelos órgãos responsáveis pela defesa da concorrência. Finaliza que a conduta das empresas pode limitar e eliminar a livre concorrência no mercado de armazenagem alfandegada e que serviços básicos, de acordo com o edital de licitação dos terminais, compreendem a segregação e entrega e, desse modo, devem ser pagos pelos armadores (Id. 101993932 – fls. 26/55):
"No presente processo, não houve alteração substancial na participação de mercado das Representadas e dos TRAs. Reconheço que as participações de mercado foram mantidas em virtude da existência deste processo. Conforme reconheceram os presidentes da Libra e da Santos Brasil, na diligência realizada no porto de Santos em dezembro de 2004, os preços cobrados pelos serviços de segregação e entrega foram contidos pela existência deste processo, ou seja, estes preços foram "regulados" por este processo. Sendo assim, no período entre 1999 e o presente, não houve liberdade irrestrita para os terminais aumentarem estes preços e , portanto, os efeitos deletérios da conduta não foram alcançados em sua potencialidade.
No entanto, conforme exposto na análise econômica, a conduta das Representadas pode limitar a livre concorrência. A não existência de um mercado de prestação de serviços de segregação e entrega impede que haja formação de preços. Sendo assim, a manutenção desta cobrança livre pode ser usada para eliminar a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada ou transferir renda do TRAs para os terminais, renda esta que poderia ser apropriada pelos consumidores (importadores) com a diminuição dos preços de armazenagem.
Considero, ainda, que os serviços básicos, conforme definidos pelo Edital de Licitação dos terminais, compreendem a segregação e entrega e devem, portanto, serem pagos pelos armadores" .
A Conselheira Elizabeth Maria Mercier Querido Farina embasou seu voto nas seguintes observações (Id. 101993932 – fls. 70/85):
a) os terminais portuários incorrem em custos para prestar serviços aos recintos alfandegados, mas esses custos não balizam a THC2. Não ficou demonstrado que o valor cobrado corresponde ao diferencial de custos provocado pela segregação e entrega imediata dos contêineres destinados a outros recintos alfandegados, não cobertos pela box rate. Não ficou demonstrado que o valor cobrado corresponde ao custo de operações físicas e administrativas necessárias para a entrega de contêineres, não cobertas pela box rate;
b) a concorrência nos mercados de movimentação de cargas e armazenagem não é suficiente para disciplinar a formação de preços da segregação e transferência de contêineres;
c) não ficou demonstrado que a integração vertical da armazenagem alfandegada é a estrutura de governança mais eficiente; há problema concorrencial nas relações entre terminais portuários e recintos alfandegados não integrados verticalmente;
d) algumas informações públicas e outras trazidas aos autos oferecem indícios sólidos de que a cobrança de THC2 constitui prática anticompetitiva e limita a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada de contêineres;
e) não ficou demonstrado que a THC2 reflete os custos associados a serviços prestados aos recintos alfandegados não integrados;
f) os terminais portuários não precisam excluir os recintos alfandegados não integrados para ter efeitos deletérios sobre o mercado de armazenagem. A disciplina da concorrência por meio do controle de um custo importante é suficiente para que o terminal portuário atinja seu objetivo;
g) a THC2 tem o efeito de criar um limite inferior para os preços praticados pelos recintos alfandegados, reduzindo a concorrência nesse mercado;
h) sem guardar proporção com os custos efetivos da movimentação de contêineres, a THC2 eleva os custos de todas as indústrias que importam insumos, reduzindo o bem-estar dos consumidores e prejudicando a competitividade da indústria brasileira.
Para o colegiado, os serviços básicos, definidos nos editais de licitação dos terminais, compreendem a segregação e entrega e devem ser pagos pelos armadores. Os terminais portuários, ao cobrarem a taxa, agem como se houvesse um terceiro mercado, o de liberação de contêineres, e praticam coerção de modo evidente, pois são monopolistas de um serviço que não pode ser trocado por qualquer outro, no momento em que recebem o contêiner, de cuja liberação dependem os recintos alfandegados para prestar o serviço de armazenagem. Concluíram que há evidente situação de sujeição dos recintos alfandegados em relação aos operadores portuários, porquanto estes têm capacidade de elevar os custos dos recintos alfandegados e impor unilateralmente os preços, sem qualquer margem de negociação por parte dos recintos alfandegados.
A cobrança foi considerada ilícita, abusiva e prejudicial à livre concorrência, visto que poderia acarretar a exclusão dos recintos alfandegados do mercado de armazenagem, tornar o suposto serviço de liberação de cargas uma fonte extra de recursos para a atividade de movimentação de contêineres ou aumentar os custos dos concorrentes, com redução de sua competitividade e aumento da participação dos próprios terminais portuários no mercado.
A despeito da decisão proferida pelo CADE, a Superintendência dos Portos já tinha reconhecido que a cobrança era abusiva e lesiva à concorrência. Na Nota Informativa nº 06/2003, o órgão, ao analisar os aspectos envolvidos na operação dos terminais de contêineres do Porto de Santos, consignou que os serviços de movimentação de cargas, desde a retirada do convés ou porões do navio até a entrega sobre o veículo transportador, seja do importador ou recinto armazenador, eram pagos pelo armador ao operador portuário, nos termos do contrato por eles firmado, e também pelo importador ao armador por meio da THC. Afirmou que os operadores portuários, ao cobrarem a tarifa, que não é exigida quando o contêiner é entregue para armazenagem no seu próprio recinto alfandegado, encarecem, dificultam e inviabilizam a prestação de serviços de armazenagem pelos concorrentes, o que gera uma verdadeira disputa pelo mercado de armazenagem. Enfatizou que os recintos alfandegados são totalmente dependentes dos operadores portuários Santos Brasil, Tecondi, Libra 35 e 37 e Usiminas/COSIPA, que detêm domínio do mercado, pois movimentam em conjunto a quase totalidade dos contêineres operados no Porto de Santos e respondem pelo controle e exploração da infraestrutura portuária existente para movimentação, e que os importadores não têm a possibilidade de escolher outros agentes operacionais. Desse modo, concluiu que não estava sendo garantido o acesso dos importadores à infraestrutura portuária, em condições isonômicas, independentemente da opção de armazenagem das cargas, seja no recinto alfandegado dos operadores ou em outros. Verbis (Id. 102999263 – fls. 30/58):
“(...) A cobrança de taxa pelos operadores portuários para entregar contêineres aos recintos alfandegados independentes não tem sustentação na configuração atual do mercado de serviços portuários, pois os serviços de movimentação das cargas, a partir da sua retirada do convés ou dos porões do navio até a entrega sobre o veiculo transportador do importador ou consignatário ou do recinto armazenador indicado no BL ou conhecimento marítimo, já são pagos pelo armador ao operador portuário, nos termos do contrato firmado entre eles.
Por outro lado, tais serviços já são pagos também pelo importador ao armador, por meio do frete marítimo na modalidade 'liner terms" e da Terminal Handling Charge (THC), cobrada adicionalmente ao frete como repasse das despesas assumidas com a movimentação das cargas a partir do costado do navio até o portão do terminal portuário.
Além disso, cabe salientar que tal cobrança não é aplicada sobre os contêineres entregues para armazenamento ao recinto alfandegado do operador-arrendatário. Infere-se assim que está ocorrendo uma disputa pelo mercado de armazenagem alfandegada, pretendendo os operadores portuários, com a tarifa adicional, encarecer, dificultar ou inviabilizar a prestação dos serviços de armazenagem pelos concorrentes, que são as IPAs secas e os portos secos.
O fato significativo é que os recintos alfandegados independentes são totalmente dependentes dos operadores portuários Santos Brasil, Tecondi, Libra 35 e 37 e Usiminas/COSIPA, que detém amplo domínio de mercado, pois movimentam em conjunto quase a totalidade dos contêineres operados no Porto de Santos e respondem, na prática, pelo controle e exploração da infraestrutura portuária existente para movimentação de contêineres, não sendo possível aos importadores escolher outras opções operacionais.
Constata-se então a ocorrência de infração ao dever de garantir acesso, em condições isonômicas, a essa infra-estrutura portuária, a todos os importadores, independentemente da opção de armazenar as cargas nos recintos alfandegados dos operadores -arrendatários ou em outros recintos alfandegados.
(...)
Nessas condições, a cobrança de taxa pelos operadores portuários para entregar contêineres aos recintos alfandegados independentes é considerada indevida, pois não encontra justificativa operacional ou comercial, e deve ser examinada como indicio de infração contra a ordem econômica, representando urna disputa desleal pelo mercado d armazenagem alfandegada, conforme já sugerido no item 1 desta nota informativa”.
1.1.3) DA ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA
As requeridas convergem no sentido de que a denominada THC2 é cobrada por serviços adicionais efetivamente prestados que geram custos, que já era exigida pela CODESP antes da privatização dos portos, e que a cobrança tem amparo contratual. Contudo, não se questiona a existência e efetiva prestação do serviço e seus custos, mas a inclusão da sua remuneração na denominada box rate, paga pelo armador aos operadores portuários e ressarcida pelo importador ao armador por meio da THC.
Segundo a apelada USINAS SIDERÚRGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINAS, não há se falar em domínio do mercado ou abuso de poder econômico, porquanto detém apenas 7% dos contêineres embarcados e desembarcados no Porto de Santos. Afirma que não há concentração de oferta, mas excesso de operadores ofertantes, pois funcionam no entorno onze retroportos alfandegados, estrutura que não existe em nenhum outro porto moderno no mundo. Diz que os valores cobrados são justificados pelos custos incorridos, que a THC2 é um preço que tem como contrapartida serviços prestados aos donos da carga, que livremente decidem armazenar o contêiner em um recinto alfandegado, que repassa os custos quando os serviços são prestados diretamente aos donos da carga, que esses custos são remunerados pelos agentes demandantes dos serviços prestados (dono da carga, empresa transportadora ou recinto alfandegado), quando o contêiner é retirado do pátio de armazenagem, e que a movimentação de contêineres implica custos para o operador portuário, que não são arcados pelo armador, o qual deve ser remunerado pelo agente econômico que utiliza o serviço (Id. 101989452 – fls. 28/52).
A apelada SANTOS BRASIL S.A. – TECON assevera que a remuneração pelo serviço existe desde que foram criados os terminais retroportuários em Santos, quando o porto era administrado pela CODESP, época em que não havia reclamações, que surgiram depois da privatização que ocorreu em 1997. Afirma que o armazenamento alfandegado pode ser realizado pelos próprios portos que desembarcam o contêiner, pelos terminais retroportuários (situados nas imediações dos portos molhados) ou pelas estações aduaneiras do interior (EADI), que cobram justa remuneração pelo serviço, e que, independentemente da escolha, o destinatário final da carga tem que arcar com os custos enquanto providencia a nacionalização da mercadoria importada. Diz que, historicamente, o serviço de segregar e transferir o contêiner para outro estabelecimento sempre foi remunerado e que há previsão no contrato administrativo firmado pela SANTOS BRASIL, vencedora do leilão público, do direito de cobrar pelo serviço, que inquestionavelmente existe. Alega que não é novidade que os portos secos remuneram a atividade de entrega das mercadorias desembarcadas pelo porto molhado, fato fundamental ignorado na inicial, e que a cobrança por um serviço efetivamente prestado nada tem de irregular (Id. 101989174 – fls. 05/48).
LIBRA TERMINAIS S/A – LIBRA informa que, na importação, a movimentação vertical corresponde à remoção do contêiner do deck ou do porão do navio até o cais do terminal molhado e a horizontal compreende todos os outros deslocamentos que o contêiner requer, desde a sua descarga até a saída do terminal. Diz que os contêineres são objeto de, pelo menos, uma movimentação vertical e diferentes horizontais e que sobre cada uma podem incorrer diversas THC, de acordo com os serviços prestados no pátio do terminal, necessários à sua movimentação interna. Afirma que a THC do armador não se relaciona com o serviço de entrega de contêineres aos terminais retroportuários, que todos os serviços adicionais (separação, movimentações extras, depósito transitório na pilha etc.) não são cobertos por ela e que existem tantas THC (cobranças) quantos forem os diferentes serviços possíveis em um terminal molhado. Assevera que o contrato firmado entre os armadores e operadores portuários prevê que os serviços de armazenagem, as atividades alfandegárias e os serviços adicionais, que extravasam o binômio contratual armador –operador, são cobrados dos consignatários, conforme tabela de preço do terminal, e que todos os serviços adicionais não incluídos no contrato (movimentação, permanência no depósito transitório, transferência e liberação da carga) devem ser remunerados por quem tem proveito material. Ressalta que a atividade de operação portuária, prevista na Lei dos Portos (Lei 8.630/93), é objeto de regulação técnica específica, que prevê, genericamente, a movimentação e a armazenagem de mercadorias como integrantes da atividade (Id. 101990321 – fls. 05/37).
A requerida TECONDI - TERMINAL PARA CONTEINERES DAMARGEM DIREITA S/A narra que, entre as atividades executadas pelos terminais portuários, definidas pela Lei 8.630/93, encontra-se a armazenagem de mercadorias, atividade adicional pela qual é cobrada dos TRA uma tarifa de entrega, correspondente à contraprestação dos serviços efetivamente prestados, e estes, por sua vez, cobram do importador o valor juntamente com os custos inerentes à sua operação. Afirma que não há qualquer ilegalidade na cobrança dessa tarifa pelos terminais portuários, pois a atividade configura um negócio jurídico válido, nos termos da legislação civil em vigor. Diz que quando as mercadorias são armazenadas pelos retroportos a operação logística de retirada dos contêineres é mais complexa e acarreta custos adicionais para os terminais portuários, o que não ocorre quando a armazenagem é feita pelo próprio terminal portuário. Relata que a CODESP, na época em que operava no Porto de Santos, cobrava dos TRA a tarifa de movimentação horizontal (tarifa de capatazia), custo que era repassado aos importadores, bem como a tarifa, mesma cobrança questionada nesta ação, e que, no momento em que deixou de exigi-la, o que se deu em virtude da transferência das atividades portuárias para as pessoas jurídicas de direito privado, alguns TRA propuseram ações judiciais em que postularam a restituição dos valores pagos, mas não obtiveram qualquer êxito, pois o Poder Judiciário considerou legítima a cobrança da tarifa. Salienta que, com a modernização dos portos e a operação efetuada por pessoas jurídicas de direito privado, os serviços não mudaram, mas foi modificada a sua forma de cobrança, pois a capatazia, substituída pela THC do armador, passou a ser cobrada dos importadores pelos armadores, que repassam os valores aos terminais portuários, e a tarifa de entrega aos TRA continuou a ser cobrada pelos terminais portuários. Menciona que na administração dos terminais portuários a cobrança também foi contestada em juízo e foi objeto de outras ações judiciais, em que foi comprovada a prestação de um serviço adicional aos TRA e a consequente legitimidade da sua contraprestação. Aduz que os serviços são distintos e que, atualmente, a THC corresponde à movimentação vertical das mercadorias (estiva e desestiva), embora inclua, em menor valor, a movimentação horizontal do costado do navio ao pátio ou pilha de acondicionamento, tudo decorrente da atividade portuária, e que a tarifa de entrega está relacionada a um serviço adicional, em nível exclusivamente horizontal. Alega que a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, com base na prerrogativa que lhe é conferida pelo artigo 38 da Lei 8.884/94 emitiu parecer sobre a matéria e concluiu que os custos incorridos no atendimento aos TRA não são cobertos pela tarifa paga pelos embarcadores aos armadores (THC). Afirma que há a prestação de um serviço complementar, que enseja o direito à exigência de uma contraprestação, consubstanciada na cobrança da tarifa de entrega dos contêineres, erroneamente denominada "THC2”, e que não se pode confundir essa tarifa com a THC do armador (antiga capatazia). Assevera que a relação jurídica entre as partes é privada e que, no próprio modelo de proposta comercial que oferece aos armadores, estão claramente demonstrados os serviços que são contemplados pela THC, que não incluem a transferência de contêineres. Conclui que não há violação aos princípios da ordem econômica, nem tampouco prejuízo à livre concorrência, à iniciativa privada e aos consumidores, uma vez que a cobrança não acarretou nenhum óbice para que o mercado de armazenagem aumentasse, que, na realidade, foi estimulado, ganhou impulso e implicou a menor possibilidade de domínio, porquanto só lucra aquele que oferece o melhor serviço e satisfaz o consumidor final. Alega que não há domínio do mercado relevante por qualquer das empresas envolvidas na armazenagem, mas uma livre competição, em que se procura oferecer aos importadores melhores condições em compasso com a ordem econômica. Por fim, enfatiza que a transferência dos contêineres é um serviço adicional, efetivamente prestado, que acarreta custos, de modo que a cobrança é legitima e justificável (Id. 101990321 – fls. 57/88).
O artigo 170 da Constituição estabelece como princípio regulador da ordem econômica a livre concorrência (IV). Congruentemente, no artigo 173, parágrafo 4º, dispõe que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Referido estatuto legal são a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que abrangem os fatos até o presente sucessivamente.
Pelo regime jurídico estabelecido pelas Leis nº 8.884, de 11.06.94, e 12.529, de 30.11.11, no âmbito administrativo o CADE é órgão predominante para a jurisdição administrativa das matérias relativas à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, sobretudo no tocante à livre concorrência e abuso do poder econômico. Assim é que, no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 8.884/94 e no artigo 9º, inciso II, da Lei nº 12.529/11, está prevista sua competência para decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades fixadas em lei. Também está assentado que suas decisões não comportam revisão do Poder Executivo (art. 50, Lei nº 8.884/94 e art. 9º, §2º, Lei nº 12.529/11), bem como as disposições são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado (art. 15, Lei nº 8.884/94, e art. 31, Lei nº 12.529/11). É certo, outrossim, que a ANTAQ, Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ao tomar conhecimento de fato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo ao CADE.
O CADE concluiu que a cobrança de THC2 configura infração à ordem econômica, nos termos dos artigos 20, incisos I, II e IV, e 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94, verbis:
"Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.
§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º A parcela de mercado referida no parágrafo anterior é presumida como sendo da ordem de trinta por cento.
§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia. (Redação dada pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
VII - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa;
VIII - combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa;
IX - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
X - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
XI - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios destes com terceiros;
XII - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XIII - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XIV - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XV - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
XVI - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia;
XVII - abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa comprovada;
XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;
XIX - importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário dos códigos Antidumping e de subsídios do Gatt;
XX - interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa causa comprovada;
XXI - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;
XXII - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos de produção;
XXIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;
XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.
Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á:
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade;
II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante de alterações não substanciais;
III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis;
IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos."
Sob o ângulo estrito da livre concorrência, postulado constitucional, a decisão do CADE encontra-se estritamente dentro dos parâmetros dos artigos 2º, incisos I, II e IV, e 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94 e os correspondentes termos do artigo 36, incisos I, II, IV e parágrafo 3º, incisos III e IV, da Lei nº 12.529/11.
Esta Quarta Turma já reconheceu a validade da decisão do CADE, que entendeu que a cobrança da THC2 configurava infração à ordem econômica, nos termos dos artigos 20, incisos I, II e IV, e 21, incisos IV e V, da Lei nº 8.884/94 e os correspondentes termos do artigo 36, incisos I, II, IV e parágrafo 3º, incisos III e IV, da Lei nº 12.529/11, dada a atribuição do órgão para tratar de matérias relativas à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, sobretudo no tocante à livre concorrência e abuso do poder econômico, bem como a sua competência para examinar a cobrança da THC2/SSE. Confira-se:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CADE. EXIGIBILIDADE DA TAXA DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES (THC-2 - TERMINAL HANDLING CHARGE).
- As Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, nos seus artigos 12 e 20 respectivamente, preveem que o Ministério Público Federal oficie nos processos administrativos sujeitos à apreciação do CADE. No caso dos autos, a ação é de particular com o objetivo de anular decisão do CADE, o qual a proferiu em sede administrativa de que era parte a ECOPORTO entre outras. A relação jurídico-processual é restrita subjetivamente às partes, sem repercussão extraprocessual de natureza coletiva ou difusa a justificar a presença do Parquet Federal como custos legis, na forma do artigo 82 do CPC/83 ou o artigo 178 do CPC atual.
- Agravo retido desprovido, pois, à vista de que os fatos estão sobejamente demonstrados nos autos, prescindível qualquer outra prova, seja oral, documental ou pericial, as quais, em verdade, somente retardariam a solução da lide.
- Descabimento da remessa oficial, uma vez que a sentença foi de improcedência.
- Plena a legitimidade passiva da União, uma vez que o pedido subsidiário versou sobre a sua condenação, solidariamente com a CODESP, ao pagamento da indenização pelos danos sofridos em decorrência da decisão proferida pelo CADE.
- A recorrente alegou a juntada de documentos novos, os quais foram essenciais à persuasão do magistrado sentenciante, sem oportunidade para manifestação. Todavia, foram apresentados memoriais após a referida juntada sem qualquer manifestação a respeito, o que afasta a alegação de prejuízo ao contraditório.
- Os pontos abordados (legalidade da THC2 e determinação de devolução dos valores depositados pela apelante) estão intrinsicamente ligados à quaestio discutida nos autos e não configuram julgamento extra petita.
- A chamada THC2 (Terminal Handling Charge), objeto da controvérsia, é o preço cobrado dos recintos alfandegados independentes pelos terminais ou operadores portuários para segregação e entrega das cargas nas operações de importação. As partes divergem quanto ao que cobrem os valores pagos pelo importador às agências marítimas e que são repassados ao operador portuário: se são todos os serviços até os destinatários (consignatário/ recinto alfandegado independente/ importador) no portão do terminal portuário ou se o serviço de segregação e entrega está excluído. Na primeira hipótese, haveria apenas o preço da THC e, na segunda hipótese, também o preço da THC2.
- Fica evidente que no mercado de armazenagem competem por contratos com os importadores os operadores portuários e os recintos alfandegados e a disputa se faz pela diferenciação de serviços e pelos preços. A cobrança da THC2 dos segundos pelos primeiros possibilita a interferência nos custos dos recintos alfandegados e, em consequência, em seus preços de armazenagem, sem que haja relação jurídica ou econômica entre eles, pois os recintos alfandegados apenas devem receber os bens importados para armazená-los. Se há um serviço adicional de segregação e entrega, ele decorre de contrato firmado com o armador ou, em ultima instância, para o importador. A liberação dos contêineres é serviço público prestado pelo operador portuário, sobre o qual o recinto retroalfandegado não tem qualquer poder ou direito de negociação. Para ele o preço é fixado pelo operador portuário, numa posição de dominância e sem formação livre. Em consequência, a conclusão do Sr. Relator do processo administrativo no CADE: "A não existência de um mercado de prestação de serviços de segregação e entrega impede que haja formação de preços. Sendo assim, a manutenção dessa cobrança livre pode ser usada para eliminar a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada ou transferir renda do TRA´s para os terminais, renda esta que poderia ser apropriada pelos consumidores (importadores) com a diminuição dos preços de armazenagem" (fl.710 - vol. III).
- A decisão do CADE objeto destes autos analisou a THC2 sob a temática de infração à livre concorrência e estritamente à luz das relações entre operadores portuários e recintos alfandegados independentes. Assim, as disposições da Resolução nº 2.389, de 13.02.12, e a Decisão DIREXE nº 371, de 07.07.05, no que possibilitaram a cobrança da THC2 pelos operadores portuários dos recintos retroalfandegados não subsistem. É de ser ressaltado que a taxa M-20 ser comparada à THC2 não se mostra apropriado. Primeiramente, porque ela preexistiu à privatização do Porto de Santos. Ademais, a Lei nº 8.630/93 mudou radicalmente o regime jurídico dos portos brasileiros. Com ela a operação portuária passou a particulares, os quais, no que tange à armazenagem, devem competir livremente no mercado. A taxa M-20 foi criada em 14.07.89 pela CODESP, quando esta exercia funções ou serviços que depois foram passados à iniciativa privada. Com a privatização operada após a promulgação da Lei nº 8.630/93, as razões que a justificaram não mais existiam. Tanto é assim que seu artigo 51 determinou que as administrações dos portos organizados deveriam adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto nº 24.508, de 29.06.34, o qual dava sustentáculo à taxa M-20, e foi expressamente revogado (art. 76).
- O poder regulamentar que a Lei nº 8.630/93, a Lei nº 10.233/01 e a Lei nº 12.815/13 conferiram à CODESP e à ANTAQ é plenamente reconhecido. Porém, naquilo que afrontarem as Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, que cuidam da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ficarão sob a jurisdição administrativa do CADE.
- Preliminares rejeitadas, agravo retido desprovido, remessa oficial não conhecida e apelações da parte autora e da União desprovida.
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2086311 - 0020121-87.2005.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, julgado em 07/12/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/03/2018)
Destaca-se, ainda:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COBRANÇA DA "TAXA" DE LIBERAÇÃO DE CONTÊINERES POR TERMINAL PORTUÁRIO. SUSPENSÃO DA COBRANÇA. DECISÃO ADMINISTRATIVA DO CADE. INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DA DECISÃO DO CADE. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
1. A proibição de cobrança da "taxa" para a retirada de contêineres e segregação de mercadorias de terminais portuários, decorreu de decisão fundamentada do Conselho Administrativo de Defesa da Ordem Econômica, em devido processo legal, com amplo exercício do direito de defesa e contraditório, sendo apurada a ocorrência de infração de natureza econômica com lesão à livre concorrência, não estando demonstrada a existência de plausibilidade jurídica para efeito de antecipação de tutela em agravo de instrumento. A decisão impetrada, embora expressamente afirme não existir nada de ilegal na decisão do CADE, defere a continuidade da cobrança, que havia sido suspensa administrativamente, mediante depósito judicial, para garantir as atividades operacionais da agravante, de então. Todavia, mesmo tendo natureza meramente cautelar, o que apura é que o depósito judicial, primeiramente, não serve ao fim de garantir as atividades operacionais da agravante, pois permanecem os valores indisponíveis, de modo que a providência apenas garante a percepção imediata dos recursos, caso seja a decisão de mérito favorável à cobrança da aludida "taxa".
2. Ocorre, porém, que a cautela concedida contraria a decisão administrativa, extraída através do devido processo legal, em que todos os envolvidos exerceram o direito de ampla defesa e contraditório, e no qual houve, inclusive, vistorias no local para a amparar a conclusão técnica de infração à ordem econômica. Tanto assim que não chegou a decisão impetrada a afirmar que houve ilegalidade seja no procedimento, seja na própria conclusão. Afirmou, é certo, a existência de certa divergência, sem considerar, porém, que a tônica da decisão do CADE não focou, estritamente, a questão da existência de serviço ou custo adicional, mas o fato, mais relevante, de que a cobrança era efetuada quando destinados os contêineres ou mercadorias a empresas concorrentes, na área de armazenagem alfandegária, e não quando destinados diretamente aos importadores. Sobrepujou, pois, a verificação de que a "taxa" era utilizada com o propósito preponderante de prejudicar a livre concorrência, produzindo custos a outras empresas com atuação no mesmo setor econômico da então agravante, o que autorizava a suspensão de sua cobrança.
3. Tem-se, pois, que a plausibilidade jurídica a ser considerada, por mais relevante, não é a da cautela que, na prática, continua a onerar aqueles que, segundo o CADE, sofrem os efeitos da prática da infração à livre concorrência, mas a que decorre da decisão administrativa fundamentada, extraída de processo que, como ressaltado nos autos, analisou por anos a fio a situação concreta antes de alcançar a conclusão definitiva da controvérsia.
10. Mandado de segurança concedido para cassar a decisão proferida pela autoridade impetrada até o pronunciamento ulterior da 4ª Turma.
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 269145 - 0040730-58.2005.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em 25/11/2009, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/12/2009 PÁGINA: 33)
A cobrança do SSE/THC2 pelos serviços de segregação e entrega das mercadorias importadas do recinto retroalfandegado tem o condão de distorcer ou desequilibrar esse mercado. O Sr. Relator do processo administrativo no CADE, no seu voto, torna explícito tal entendimento (Id. 101993932 – fl. 49):
"No mercado de movimentação de contêineres os terminais portuários competem para fornecer melhores serviços e preços às companhias de navegação. Os armadores são, em geral, empresas de grande porte e com grande poder de negociação. Portanto, para realizar bons contratos, os OP's devem oferecer as melhores condições possíveis à seus clientes. Embora a operação portuária tenha uma estrutura oligopolista, com pequeno número de operadores e grandes barreiras a entrada, é inegável que esses competem duramente para atrair as principais linhas de navegação.
No mercado de armazenagem alfandegada de mercadorias transportadas por contêineres, disputa-se para obter contratos junto aos importadores. A concorrência dá-se por preços e por serviços, sendo que a oferta de atividades adicionais, tais como a desova de contêineres e distribuição das mercadorias para diferentes destinos, pode ser um importante fator na competição. Este é um mercado competitivo, sendo que a participação de mercado é dada pela capacidade de diferenciação dos serviços e pelos preços oferecidos.
Embora distintos, esses dois mercados são conectados pelo fato de que a armazenagem depende do acesso a esses contêineres, que são disponíveis apenas depois de sua movimentação pelo operadores portuários, que têm acesso exclusivo e autorização para operar os berços no cais do porto. A natureza dessa conexão é a questão central deste PA.
A relação estabelecida entre os atores que operam no mercado de movimentação de contêineres e no mercado de armazenagem alfandegada no Porto de Santos caracteriza-se como uma relação econômica vertical, sendo que naquele mercado atuam exclusivamente os OP's e, neste, além dos OP's, atuam os TRA's. esta é uma relação peculiar, uma vez que não há um mercado de liberação de contêineres"(Id. 101993932 – fl. 46).
"No mercado de armazenagem alfandegada de contêineres os OP's comportam-se como monopolistas de fato e, não, de direito - já que não possuem direito de propriedade sobre os contêineres, detentores de um "insumo essencial" à atividade de armazenagem alfandegada; os TRA's não podem escolher em qual OP retirar a carga. Daí resulta um poder de mercado que é exercido pelos OP's, pois tem condições de estabelecer preços que não estão necessariamente relacionados com os custos para a entrega dos contêineres aos TRA's" (Id. 101993932 – fl. 48).
"Pode se afirmar, então, que (i) é possível aos operadores portuários elevarem os custos da armazenagem alfandegada realizada pelos terminais recintos alfandegados e, (ii) que o incentivo para o exercício de tal manobra reside no fato de que seu custo é praticamente nulo e o retorno esperado é significativo, podendo resultar no aumento do market-share e dos lucros dos operadores portuários no mercado de armazenagem alfandegada. Outro fator que encoraja tal estratégia é que os operadores portuários têm como clientes as empresas de navegação que têm um grande poder de mercado, portanto, as margens na atividade de movimentação de contêineres são baixas. Comparativamente, o mercado de armazenagem é mais lucrativo, já que não tem clientes com o mesmo poder de mercado dos armadores. Isto posto, seria economicamente irracional para uma empresa que disponha dessa capacidade e desses incentivos preterir uma estratégia que lhe é claramente favorável e que aumenta seus lucros de forma sustentável a longo prazo.
Pelos argumentos expostos, fica claro que há possibilidade de que os OP's venham a exercer de forma abusiva seu poder de mercado sobre os TRA's no mercado relevante de armazenagem alfandegada, baseados em sua posição no mercado de movimentação de contêineres. Para evitar que isto redunde em perda de bem-estar social é que a regulação se faz necessária. E, sendo a formação de preços uma tarefa fulcral à regulação, esta deve, a fortiori, acompanhar a formação de preços de uma atividade controversa - a cobrança pelo serviço de segregação e entrega - sobre a qual pesam dúvidas a respeito de sua legitimidade. No caso em tela, não há a formação de preço entre os OP's e os TRA's, que sirva como base para a referida cobrança. Daí a importância de que as agências que atuam na regulação tradicional e os órgãos de defesa da concorrência atuem concertadamente no mesmo setor, porque da mesma forma que não compete ao antitruste a função de regular, o fato de um setor ser alvo de uma regulação específica não o exime da observância da legislação antitruste" .[ressaltado]
Fica evidente que no mercado de armazenagem competem por contratos com os importadores os operadores portuários e os recintos alfandegados e a disputa se faz pela diferenciação de serviços e pelos preços. A cobrança da THC2 dos segundos pelos primeiros possibilita a interferência nos custos dos recintos alfandegados e, em consequência, em seus preços de armazenagem, sem que haja relação jurídica ou econômica entre eles, pois os recintos alfandegados apenas devem receber os bens importados para armazená-los. Se há um serviço adicional de segregação e entrega, ele decorre de contrato firmado com o armador ou, em última instância, para o importador. A liberação dos contêineres é serviço público prestado pelo operador portuário, sobre o qual o recinto retroalfandegado não tem qualquer poder ou direito de negociação. Para ele o preço é fixado pelo operador portuário, numa posição de dominância e sem formação livre. Em consequência, a conclusão do Sr. Relator do processo administrativo no CADE (Id. 101993932 – fl. 53):
"A não existência de um mercado de prestação de serviços de segregação e entrega impede que haja formação de preços. Sendo assim, a manutenção dessa cobrança livre pode ser usada para eliminar a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada ou transferir renda do TRA´s para os terminais, renda esta que poderia ser apropriada pelos consumidores (importadores) com a diminuição dos preços de armazenagem".
O CADE tem condenado empresas por abuso de posição dominante no mercado, decorrente da abusividade na cobrança da taxa Terminal Handling Charge 2 (THC2), também chamada de serviço de segregação e entrega (SSE), por infração à ordem econômica, nos termos do artigo 37, incisos, I, II, IV e §3º, incisos III, IV e X, da Lei nº 12.529/2011, aplicado multas pela prática da conduta anticompetitiva, determinado às representadas que se abstenham de exigir a cobrança de serviços já abrangidos na box rate (e remunerados pela Terminal Handling Charge), bem como concedido medida preventiva para determinar que os operadores portuários se abstenham de exigir a cobrança dos recintos alfandegados independentes. Destacam-se, nesse sentido: Processo Administrativo nº 08700.005499/2015-51, julgado em, 03/02/2021, Recurso Voluntário nº 08700.001984/2020-12, julgado em 17/06/2020, Recurso Voluntário nº 08700.004935/2020-31, julgado em 03/02/2021, Recurso Voluntário nº 08700.004943/2020-88, julgado em 18/11/2021.
O plenário do Tribunal de Contas da União, na sessão ocorrida em 22/06/2022, considerou parcialmente procedente a denúncia do TC Processo 015.453/2020-0 e reconheceu o desvio de finalidade da Resolução ANTAQ 72/2022, que permitiu a cobrança da taxa de serviço de segregação e entrega dos recintos alfandegários independentes pelos terminais portuários, praticado com fim diverso do previsto no artigo 20, inciso II, alínea "b", e art. 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001 e em afronta ao artigo 36, incisos I e IV, da Lei 12.529/2011 e ao artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019. O Acórdão 1448/2022 – Plenário foi proferido, nos seguintes termos:
“VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de denúncia acerca da possível ausência de Análise de Impacto Regulatório (AIR) no processo de revisão da Resolução 2.389/2012 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), de indícios de irregularidades nas fases preparatórias e procedimentais de Audiência Pública prévia ao rito de modificação dessa norma, bem como de ilegalidade no estabelecimento da taxa denominada Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE);
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões exposta pelo relator, em:
9.1. conhecer da presente denúncia e das denúncias objetos dos TC Processo 012.249/2019-0 e TC Processo 015.453/2020-0, apensados a estes autos, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 34 e 235, do Regimento Interno/TCU e no art. 103, § 1º da Resolução TCU 259/2014, para:
9.1.1 no mérito, considerar parcialmente procedentes as denúncias do presente processo e do TC Processo 012.249/2019-0;
9.1.2. no mérito, considerar procedente a denúncia do TC Processo 015.453/2020-0, em face do desvio de finalidade do ato de expedição da Resolução Antaq 72/2022, normativo que permite a cobrança da taxa de serviço de segregação e entrega dos recintos alfandegários independentes pelos terminais portuários, praticado com um fim diverso do previsto no artigo 20, inciso II, alínea "b" e art. 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001 e em afronta ao artigo 36, incisos I e IV da Lei 12.529/2011 e ao artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019;
9.2. indeferir os requerimentos de medidas cautelares formulados pelos denunciantes deste processo e dos TC Processo 012.249/2019-0 e TC Processo 015.453/2020-0 (apensos) , tendo em vista a inexistência dos pressupostos necessários para sua adoção;
9.3. determinar à Antaq que, no prazo de 30 (trinta) dias, anule todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que dizem respeito à possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE) em face do desvio de finalidade consubstanciado na afronta ao que estabelece o artigo 36, incisos I e IV da Lei 12.529/2011, artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, bem como o artigo 20, inciso II, alínea "b" e artigo 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001;
9.4. com fundamento no art. 276 do Regimento Interno do TCU e no Poder Geral de Cautela, determinar, cautelarmente, a suspensão dos efeitos de todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que dizem respeito à possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE) em face do desvio de finalidade consubstanciado na afronta ao que estabelece o artigo 36, incisos I e IV da Lei 12.529/2011, artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, bem como o artigo 20, inciso II, alínea "b" e artigo 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001;
9.5. dar ciência à Antaq de que a ausência de Análise de Impacto Regulatório (AIR) previamente à Audiência Pública 4/2018, identificada no processo de revisão da Resolução 2.389/2012-Antaq (processo 50300.000381/2008-86 da Antaq) , está em desacordo com a recomendação feita mediante item 9.1.1 do Acórdão 240/2015-TCU-Plenário e com o Guia Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR) da Casa Civil da Presidência da República, além de não se coadunar com a legislação atualmente em vigor, considerando o disposto no art. 6º da Lei 13.848, de 25 de junho de 2019;
9.6. levantar o sigilo que recai sobre as peças destes autos e dos TC Processo 012.249/2019-0 e TC Processo 015.453/2020-0, à exceção daquelas que contenham informação pessoal dos denunciantes, nos termos do art. 236, caput e § 1º do RITCU c/c arts. 104, § 1º, e 108, parágrafo único, da Resolução-TCU 259/2014;
9.7. indeferir o pedido de ingresso como interessada ou como amicus curiae da Associação de Usuários de Portos da Bahia, sem prejuízo de lhe franquear vista e cópia dos autos, à exceção das peças sigilosas;
9.8. autorizar o monitoramento do subitem 9.3 desta decisão pela unidade técnica responsável;
9.9. encaminhar cópia deste acórdão aos denunciantes (TC Processo 021.408/2019-0, Processo 012.249/2019-0 e TC Processo 015.453/2020-0) e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) ; e
9.10. arquivar o presente processo, com fundamento no art. 169, inciso III, do Regimento Interno do Tribunal.
10. Ata n° 23/2022 – Plenário.
11. Data da Sessão: 22/6/2022 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1448-23/22-P.
13. Especificação do quórum:
13.1. Ministros presentes: Ana Arraes (Presidente), Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Bruno Dantas, Vital do Rêgo (Relator) e Antonio Anastasia.
13.2. Ministros-Substitutos convocados: Augusto Sherman Cavalcanti e Marcos Bemquerer Costa.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira”. [ressaltado]
O Relator menciona em seu voto que o Tribunal de Contas da União, ao analisar a Resolução 2.389/2012 (Acórdão 1704/2018-TCU-Plenário), identificou os problemas, abaixo discriminados, que maculavam sua legitimidade, e determinou à ANTAQ que procedesse à revisão da regulamentação da THC2/SSE, como meio de harmonizar e arbitrar os conflitos de interesse entre terminais portuários e recintos alfandegados independentes, bem como elaborasse e publicasse as composições de custo dos serviços prestados, para permitir o exame da pertinência da THC2 e a ocorrência de abuso em sua cobrança:
“(a) assimetria de conceitos, no conceito de THC, entre serviços que compõem as operações de exportação e de importação (na exportação, a THC engloba a movimentação de cargas desde o portão do terminal até o costado da embarcação; mas, no sentido da importação, a referida taxa alcança o movimento desde o costado da embarcação até a pilha de armazenagem do terminal, excluindo da THC a movimentação de contêineres da pilha até a entrega no portão do terminal) ;
(b) ausência de avaliação da adequação do preço praticado de SSE;
(c) ausência de referência a qualquer mecanismo regulatório para coibir eventual uso abusivo do poder de mercado pelos operadores portuários frente aos recintos alfandegados no âmbito da cobrança das atividades de SSE;
(d) retirada de instrumento regulatório do art. 5º que limitaria a prática de preços abusivos pelos operadores portuários que cobrassem SSE dos recintos alfandegados independentes (preço-teto aos serviços não abrangidos pelo box rate) ;
(e) ineficácia, por sua condição de mera faculdade, do único instrumento regulatório restante que solucionaria o conflito no setor e estabelecido no parágrafo único do art. 9º (adoção de teto de preços, "quando for o caso")”.
Afirma que a ANTAQ, em virtude do decidido, colocou em revisão a Resolução 2.389/2012, inclusive com realização de audiência pública, e deliberou pela edição da Resolução 34/2019. Contudo, não houve alteração da opção regulatória da autarquia no novo normativo, que apresenta, em essência, os mesmos mecanismos regulatórios inseridos na resolução anterior, qual seja, a manutenção da cobrança do SSE, conceituado no artigo 2º, inciso IX, e artigo 6º, § 1º, por serviços não remunerados pela box rate e THC (artigo 9º), com a previsão de que deve ser objeto de livre negociação entre os terminais portuários e os recintos alfandegados (artigo 5º) e com análise pontual de abusividade de preço (artigo 5º, § 1º, e parágrafo único do artigo 9º). Informa que a Resolução 34/2019 foi revogada pela Resolução 72/2022, atualizada apenas quanto aos aspectos formais, mas sem alteração material, ampliação de escopo ou criação de novas obrigações, apenas para adequações redacionais e atualizações de nomenclaturas, em cumprimento ao Decreto 10.139/2019, que determinou a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decretos.
Explica que, atualmente, apenas o operador portuário (que está ao lado do navio e a quem cabe retirar a carga da embarcação e colocar no pátio) e o recinto alfandegado/instalação portuária alfandegada (que opera na zona secundária ou em área interna ao porto - terminal seco) podem armazenar a carga até o completo desembaraço aduaneiro. Diz que o dono da carga escolhe aquele que fará o desembaraço da mercadoria e o armador, mas não escolhe o terminal ou operador portuário que a recebe, pois cabe ao dono do navio decidir o ponto em que fará o desembarque dos produtos que transporta. Destaca que o fluxo da movimentação da carga na importação está descrito nos artigos 7º, § 1º, e 9º da Resolução ANTAQ 72/2022, assim como nas normativas anteriores, das quais se pode extrair que, se o operador portuário prestar o serviço alfandegário, toda a movimentação horizontal (THC) ficará incluída no "box rate", mas se o importador (dono da carga) escolher um recinto alfandegado independente (concorrente do operador), a ANTAQ permite a cobrança do SSE para que o terminal faça a entrega da carga ao recinto seco (RAI).
Conclui que a cobrança permite ao operador portuário aumentar os custos de seu concorrente, que são repassados ao dono da carga, quando o terminal não for escolhido para armazenagem, valor que, ao final, acarreta o aumento do preço dos produtos e insumos importados e é repassado ao consumidor final, cobrança que não é exigida por nenhum outro país. Ressalta que os fatos demonstram que o SSE sempre existiu e está incluída na THC e que a denominação THC2 decorre exatamente da possibilidade de cobrança do valor em duplicidade:
“(...) a permissão para cobrança de SSE se traduz na possibilidade de o operador portuário aumentar os custos de seu concorrente (RAI), custos estes que serão repassados ao dono da carga, sempre que o terminal não for "escolhido" para receber pela armazenagem. Automaticamente, por conclusão lógica, quem paga essa conta é o consumidor final, aumentando-se assim os custos dos produtos em nosso país.
Exatamente por esse motivo não há registro de cobrança de taxa idêntica em sistema portuário de nenhum outro país. Afinal, não há como expressar quais ganhos em termos econômicos, logísticos e concorrenciais serão alcançados incentivando o operador portuário a "equilibrar" o mercado mediante a imposição de um custo ao seu rival com incentivo claro à ineficiência operacional do porto (maior uso da área contígua aos navios para armazenagem), bem como do aumento do valor dos produtos e insumos importados para o consumidor final.
(...)
Aliás, as evidências sugerem que haveria até mais uma etapa na exportação não contemplada na importação que é o deslocamento horizontal da carga do portão até a pilha (uso de carretas pelo operador portuário) para armazenagem antes do embarque desta no navio. Na importação o movimento sob responsabilidade do terminal termina na pilha e não no portão, ou seja, o deslocamento da pilha até a saída é feito com o veículo do dono da carga ou de quem vai retirá-la.
Acerca dessa diferença não encontrei qualquer explicação ou motivação válida por parte da Antaq para tal assimetria.
Os fatos demonstram que a parcela SSE sempre existiu e está incluída na THC. O nome THC-2 decorre exatamente da analogia de possibilidade de cobrança em duplicidade de algo já pago pelo dono da carga via armador (THC) quando é o concorrente do terminal que busca a carga para armazenar (...)”.
Acerca do pagamento de SSE aos terminais pelos RAI, o Ministro do TCU afirma que esses recintos secos sequer podem escolher em qual terminal irão buscar a carga do importador, porquanto quem decide onde o navio vai atracar e escolhe o operador portuário é o armador e não o dono da carga. Acentua que o "equilíbrio" do mercado concorrencial sequer consegue se efetivar, dado que o recinto alfandegado independente não tem como recorrer a outro "fornecedor". Salienta que não existe contrato entre o terminal portuário e o recinto alfandegado (RAI) nas operações de importação e que o terminal recebe o valor da "box rate" direto do armador, que repassa ao importador esse custo e, no final das contas, quem paga por essa taxa é o consumidor. Enfatiza que os operadores portuários arbitram a taxa como lhes convêm, nos seguintes termos:
“(...) Não fosse isso o bastante, não há desembarque de mercadoria se um operador portuário não retira a carga do navio e a coloca em seu terminal. Ele está na área molhada. Não à toa, os operadores portuários vêm arbitrando essa taxa da maneira como lhes convém.
À título de exemplo, os dados indicam diferentes valores de cobrança da SSE ao longo do país e até mesmo dentro de um mesmo porto. Segundo dados do Acórdão 1704/2018-TCU-Plenário, há terminais em Santos que cobram mais de R$ 300,00 pelos serviços de THC 2. Na mesma época da pesquisa de preços, em Itajaí (SC) , a APM Terminais chegava a cobrar R$ 726,00 por contêiner e a Portonave R$ 331,00.
Há notícias de que os valores atingem mais de mil reais por contêiner em alguns portos. A depender da demanda, os valores também podem oscilar. As evidências dos autos mostram que em meados de 2020, um operador portuário em Santos informou que passaria a cobrar R$ 783,00 pela SSE, mas que no período de 3/4/2020 até 30/6/2020 o preço permaneceria em R$ 399,00 (peça 1 do TC Processo 015.453/2020-0)(...)” .
Quanto à infração da ordem econômica, assevera que o dono da carga e o recinto seco não têm a opção de escolher o operador portuário e, assim, ficam sujeitos às tarifas cobradas. Acrescenta que os terminais portuários molhados ostentam posição dominante em relação aos recintos alfandegados secos, pois podem alterar as condições de mercado e impor, por meio da cobrança do SSE, um custo artificial para o seu concorrente, verbis:
(5) o dono da carga e o recinto seco não podem escolher o operador portuário e ficam à mercê das tarifas cobradas por estes terminais; (6) a SSE resulta na imposição de custo artificial de um concorrente dominante para seu rival.
“(...) Diante do que expus, resta avaliar se os terminais portuários estariam em posição dominante nessa cadeia de importação de cargas pela via portuária. Segundo o parágrafo 2º do art. 36 da Lei 12.529/2011, uma das circunstâncias em que se presume haver posição dominante é sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateralmente ou coordenadamente as condições de mercado.
Por tudo o que foi descrito, está claro que os terminais molhados estão em posição dominante em relação aos recintos alfandegados secos.
Nos termos do mesmo art. 36, atos que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência (inciso I) , e/ou permitam o exercício de forma abusiva da posição dominante (inciso IV) , constituem infração à ordem econômica.
(...)
Nesse contexto aqui descrito, assinalo que a cobrança de SSE dos recintos alfandegados independentes pelos operadores portuários constitui infração da ordem econômica ao menos pelos seguintes motivos: (1) o recinto seco é concorrente direto do recinto molhado; (2) o recinto molhado recebe pela movimentação horizontal da carga mediante tarifa denominada THC em contrato firmado com o armador; (3) caso o terminal não seja escolhido pelo dono da carga para nacionalizar a mercadoria, ele a entrega ao recinto seco mediante cobrança de SSE; caso seja escolhido, não há SSE; (4) a SSE é uma taxa cobrada por uma serviço que existe tanto na importação quanto exportação, mas somente tem custos devidos quando as cargas chegam ao país; (5) o dono da carga e o recinto seco não podem escolher o operador portuário e ficam à mercê das tarifas cobradas por estes terminais; (6) a SSE resulta na imposição de custo artificial de um concorrente dominante para seu rival.
Vejam que a norma dispõe que o prejuízo ou abuso nem sequer precisa ter se consumado. Se as circunstâncias tiverem probabilidade de produzir os efeitos danosos ali descritos, já se caracterizaria a infração da ordem econômica. Por esse motivo, o Cade vem se posicionado contra a cobrança da referida taxa. (...)”.
Para o Ministro, a edição da resolução, que permitiu a cobrança do SSE, não se coaduna com as atribuições da ANTAQ definidas no artigo 20, III, “b”, da Lei nº 10.233/2001, que estabelece como objetivos da agência regular ou supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, com vistas a: “a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas; b) harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações que configurem competição imperfeita ou infração da ordem econômica”. Entende que a Resolução 72/2022 também não se coaduna com o que dispõe o artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, segundo o qual é dever da administração pública e entidades a ela vinculadas, no exercício de regulamentação, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a criar, indevidamente, reserva de mercado ao favorecer grupo econômico ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes.
O Relator cita o estudo da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE do Ministério da Economia), Parecer 34/2019, que reconheceu que o caso estava classificado como de bandeira vermelha, pois a permissão para cobrança do SSE/THC2 trazia caráter anticompetitivo à Resolução Normativa ANTAQ 34/2009, e existiam fortes indícios da presença de abuso regulatório que acarreta distorção concorrencial, com efeitos prejudiciais ao bem-estar do consumidor, que o levou a concluir que, a despeito de qualquer análise de impacto regulatório que venha a ser realizada, a cobrança do SSE não é legítima, na medida em que obstaculiza a competitividade do serviço de armazenagem da operação portuária de importação e acarreta infração à ordem econômica. Salienta que, num cenário extremo, há alto risco de o player da posição dominante excluir os recintos alfandegados secos do mercado e até mesmo criar barreiras à entrada de novos concorrentes. Pontua, com relação às providências citadas no sentido de controlar a abusividade dos preços e evitar distorções, que o desvio de finalidade do ato de expedição da resolução, que permitiu a cobrança do valor, persistirá, porquanto praticado com um fim diverso do previsto em lei, e que apenas haveria possibilidade de sua convalidação, caso contivesse somente vício de forma ou motivação, em condições que não acarretassem lesão ao interesse público e prejuízos a terceiros. Enfatiza que o Tribunal concedeu à agência a oportunidade de revisar a regulamentação concernente à cobrança do SSE/THC2, de modo a adequá-la ao arcabouço jurídico correspondente nos limites da atuação prevista na Lei nº 10.233/2001 (subitens 9.1.1 e 9.1.2 do Acórdão 1704/2018-TCU-Plenário). Conclui que não há respaldo legal para opção regulatória que instituiu a cobrança da THC2 e que, embora não haja nenhuma relação contratual entre o terminal portuário e o recinto alfandegado, o primeiro consegue impor ao segundo o pagamento de um valor referente à THC2 de maneira cogente, sem que haja qualquer interesse público associado. Desse modo, propôs fosse determinado à ANTAQ que anulasse todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que tratam da possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE) em face do desvio de finalidade, consubstanciado na afronta ao artigo 36, incisos I e IV, da Lei 12.529/2011, artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, artigo 20, inciso II, alínea "b", e artigo 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001.
Cabe registrar que o artigo 71, inciso IX, da Constituição Federal e artigo 45 da Lei nº 8.442/92 conferem ao Tribunal de Contas da União, caso constatada ilegalidade, a prerrogativa de fixar prazo para que o órgão público adote providências necessárias ao cumprimento da lei. Por sua vez, a Súmula 347 do STF prescreve que: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”. No julgamento do MS nº 25.888/DF, ocorrido em 22/08/2023, a corte constitucional confirmou a recepção e compatibilidade do verbete com a ordem constitucional de 1988.
No julgamento da denúncia, a corte de contas reconheceu o desvio de finalidade do ato de expedição da Resolução ANTAQ 72/2022, normativo que permite a cobrança da taxa de serviço de segregação e entrega dos recintos alfandegários independentes pelos terminais portuários, porquanto praticado com um fim diverso do previsto no artigo 20, inciso II, alínea "b", e artigo 27, inciso IV, da Lei 10.233/2001 e em afronta ao artigo 36, incisos I e IV, da Lei 12.529/2011 e ao artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019. Desse modo, amparado no artigo 71, inciso IX, da CF, determinou à agência que, no prazo de trinta dias, anulasse todos os dispositivos do normativo que tratassem da cobrança, bem como suspendeu, cautelarmente, os seus efeitos.
Descabe a alegação de que o TCU impôs obrigação de não fazer aos terminais portuários em procedimento sigiloso, que se desenvolveu sem a presença das empresas interessadas, porquanto as determinações foram direcionadas exclusivamente à ANTAQ, considerado que a denúncia tinha como objetivo verificar a ilegalidade no estabelecimento pela agência da taxa denominada serviço de segregação e entrega de contêineres (SSE) e não a cobrança em si.
A denúncia é um procedimento que envolve apenas as partes interessadas e tramita de forma sigilosa no TCU por expressa determinação legal, razão pela qual as recorridas não foram intimadas a participar do procedimento administrativo. Os artigos 53 e 55, caput, da Lei nº 8.442/92 preveem que a denúncia deve tramitar de forma sigilosa até decisão definitiva sobre a matéria. Confira-se:
Art. 53. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.
§ 1° (Vetado)
§ 2° (Vetado)
§ 3º A denúncia será apurada em caráter sigiloso, até que se comprove a sua procedência, e somente poderá ser arquivada após efetuadas as diligências pertinentes, mediante despacho fundamentado do responsável.
§ 4º Reunidas as provas que indiquem a existência de irregularidade ou ilegalidade, serão públicos os demais atos do processo, assegurando-se aos acusados a oportunidade de ampla defesa.
Art. 54. O denunciante poderá requerer ao Tribunal de Contas da União certidão dos despachos e dos fatos apurados, a qual deverá ser fornecida no prazo máximo de quinze dias, a contar do recebimento do pedido, desde que o respectivo processo de apuração tenha sido concluído ou arquivado.
Parágrafo único. Decorrido o prazo de noventa dias, a contar do recebimento da denúncia, será obrigatoriamente fornecida a certidão de que trata este artigo, ainda que não estejam concluídas as investigações.
Art. 55. No resguardo dos direitos e garantias individuais, o Tribunal dará tratamento sigiloso às denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria.
§ 1° Ao decidir, caberá ao Tribunal manter ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia. (Expressão suspensa pela Resolução SF nº 16, de 2006)
§ 2° O denunciante não se sujeitará a qualquer sanção administrativa, cível ou penal, em decorrência da denúncia, salvo em caso de comprovada má-fé.
§ 3º Ao decidir, caberá ao Tribunal manter o sigilo do objeto e da autoria da denúncia quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (Incluído pela Lei nº 13.866, de 2019)
Na mesma acepção, os artigos 234 e 236 do Regimento Interno do TCU e artigos 104 e 108 da Resolução-TCU nº 259/2014:
Art. 234. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.
§ 1º. (Revogado) (Resolução-TCU nº 339, de 29/06/2022, BTCU Deliberações nº 123/2022, de 06/07/2022)
§ 2º. A denúncia que preencha os requisitos de admissibilidade será apurada em caráter sigiloso, até que se comprove a sua procedência, e somente poderá ser arquivada após efetuadas as diligências pertinentes, mediante despacho fundamentado do relator.
§ 3º. Reunidas as provas que indiquem a existência de irregularidade ou ilegalidade, serão públicos os demais atos do processo, observado o disposto no art. 236, assegurandose aos acusados oportunidade de ampla defesa.
§ 4º. Os processos concernentes a denúncia observarão, no que couber, os procedimentos prescritos nos arts. 250 a 252.
Art. 236. No resguardo dos direitos e garantias individuais, o Tribunal dará tratamento sigiloso às denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria.
§ 1º. Salvo expressa manifestação em contrário, o processo de denúncia tornarseá público após a decisão definitiva sobre a matéria.
§ 2º. O denunciante não se sujeitará a nenhuma sanção administrativa, cível ou penal em decorrência da denúncia, salvo em caso de comprovada máfé.
Art. 104. Tratando-se de denúncia, serão adotadas, de imediato, pelo setor em que der entrada, as providências cabíveis com vistas à preservação do sigilo, nos termos do art. 236 do Regimento Interno e de normas específicas.
§1º A fim de resguardar o sigilo e a proteção do denunciante, o documento original da denúncia, bem como qualquer outro documento no qual conste sua identificação, serão juntados ao processo como peças sujeitas a sigilo, classificadas quanto à confidencialidade como informação pessoal, nos termos da Lei 12.527/2011, tendo por grupo de acesso o auditor designado para instrução, o diretor e o secretário da unidade técnica competente, o relator, seu chefe de gabinete e o(s) assessor(es) por ele indicado(s), bem como o membro do Ministério Público que houver atuado no processo, seu chefe de gabinete e eventual(is) assessor(es) indicado(s), além do presidente do Tribunal, e delas não se concederá vista ou cópia durante o período de vigência da restrição, salvo nas hipóteses previstas em lei. (NR) (Resolução-TCU nº 292, de 21/2/2018, DOU de 23/2/2018)
§ 2º A unidade competente providenciará cópia do documento original, devendo tarjar quaisquer sinais que possam identificar o denunciante, tais como logotipos, timbres, nome, assinatura, endereço e qualificação profissional. (NR)(Resolução-TCU nº 323, de 9/12/2020)
§3º A hipótese de restrição de acesso estabelecida no §1º deste artigo não se aplica caso seja comprovada má-fé do denunciante. (AC) (Resolução-TCU nº 292, de 21/2/2018, DOU de 23/2/2018)
Art. 108. Após a decisão definitiva no processo de denúncia, inclusive no caso de conversão em TCE, a unidade técnica adotará as providências com vistas à alteração do grau de confidencialidade do processo para "público", salvo se houver expressa manifestação do Tribunal em contrário.
Parágrafo único. A reclassificação do processo de denúncia como "público", após a decisão definitiva, não alcança as peças que contenham a identificação do denunciante, as quais permanecem classificadas como informação pessoal, nos termos da Lei 12.527/2011, e delas não se concederá vista ou cópia durante o prazo de vigência da restrição, salvo nas hipóteses legais. (AC) (Resolução-TCU nº 292, de 21/2/2018, DOU de 23/2/2018)
Por ocasião do julgamento, a corte decidiu levantar o sigilo que recaiu sobre as peças dos autos, à exceção das que contivessem informação pessoal dos denunciantes, nos termos do artigo 236, caput e § 1º, do RITCU c/c artigos 104, § 1º, e 108, parágrafo único, da Resolução-TCU 259/2014.
Como as próprias apeladas mencionam, o pedido de reexame está pendente de decisão, de modo que prevalece o entendimento firmado pela corte de contas.
Quanto à alegação de que a decisão é incapaz de alterar a mansa e pacífica jurisprudência e violou a coisa julgada, cabe salientar que a esfera administrativa tem autonomia e é independente da civil e criminal. Nessa acepção:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DO DECRETO-LEI N. 201/1967. TRANCAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO EVIDENCIADAS. CRIME SOCIETÁRIO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA, CÍVEL E CRIMINAL. RECURSO DESPROVIDO.
(...) 5. Nos termos do pacífico entendimento desta Corte, o inquérito policial não é pressuposto para a propositura da ação penal, por ser peça meramente informativa, sendo dispensável diante da existência de elementos suficientes de convicção para fundamentar a denúncia, como no caso, no qual a denúncia foi baseada no resultado de auditoria especial realizada por técnicos do Tribunal de Contas estadual.
6. A jurisprudência desta Corte é no sentido da autonomia e independência das esferas civil, penal e administrativa, razão pela qual a improcedência de demanda ajuizada na esfera administrativa, não vincula ação penal instaurada em desfavor do paciente.
7. A existência de decisão administrativa do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco referente aos mesmos fatos não impede a deflagração da persecução criminal, tampouco enseja o seu trancamento, diante da autonomia e independência entre as esferas administrativa, civil e penal. Nos termos da manifestação da acusação, "não se trata de apenas de realizar o serviço, mas de ser beneficiado por termo aditivo ilegalmente confeccionado, de forma que os pedidos não necessariamente correspondem ao valor recebido".
Além disso, a posterior manifestação do Tribunal de Contas não afastou a ocorrência de lesão ao erário e de irregularidades no contrato de engenharia e no seu posterior aditivo, que fora confeccionado 19 dias após a contratação original.
8. Recurso desprovido.
(STJ, RHC n. 102.919/PE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 30/4/2019.)
HABEAS CORPUS. ARTS. 256 E 258 DO CÓDIGO PENAL - CP. DESABAMENTO QUALIFICADO PELO EVENTO MORTE. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CONFIGURADA. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO NÃO EXAURIENTE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL. MERA FACULDADE DO MAGISTRADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 93 DO CPP. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CIVIL E CRIMINAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...) 3. O sobrestamento da ação penal para aguardar solução na seara cível acontecerá obrigatoriamente apenas em caso de controvérsia séria e fundada sobre o estado civil das pessoas (art. 92 do CPP).
Em se tratando de questão diversa, mesmo que de difícil solução, tem-se apenas suspensão facultativa, cuja conveniência deve ser avaliada pelo Juízo criminal, o que se evidencia pela expressão poderá suspender constante no art. 93 do CPP.
"A jurisprudência desta Corte é no sentido da autonomia e independência das esferas civil, penal e administrativa, razão porque eventual improcedência de demanda ajuizada na esfera civil ou de procedimento administrativo instaurado não vincula ação penal instaurada em desfavor do agente" (HC 306.865/AM, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 18/10/2017).
4. "A jurisprudência dos Tribunais Superiores possui entendimento de que a decisão que recebe a denúncia possui natureza jurídica de interlocutória simples, não necessitando fundamentação exauriente por parte do Magistrado quanto aos motivos do seu recebimento.
Trata-se de declaração positiva do juiz, no sentido de que estão presentes os requisitos fundamentais do artigo 41 e ausentes quaisquer hipóteses do artigo 395, ambos do CPP" (AgRg no RHC 121.340/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 27/5/2020) 5. Em resumo, constatado que a denúncia atende aos requisitos do art. 41 do CPP, bem como a adequação de fundamentação não exauriente para seu recebimento, não se identifica flagrante ilegalidade que justifique o trancamento prematuro da ação penal. Também não se identifica flagrante ilegalidade no indeferimento do pedido de sobrestamento da ação penal, porquanto a medida é mera faculdade do magistrado, conforme dispõe o art. 93 do CPP, havendo, ademais, remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ acerca da independência das instâncias penal e cível.
6. Habeas Corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 503.954/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 26/6/2020.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO NO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS INSUFICIENTES. REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...) 3. Não impede a persecução criminal decisão do Tribunal de Contas Estadual, no âmbito do julgamento de processo administrativo, que reconhece não ter o paciente participado diretamente da irregularidade material apurada, pela independência entre as esferas penal e administrativa.
4. Descrevendo claramente a denúncia que o paciente sabia que os documentos utilizados para solicitação dos pagamentos eram inidôneos e que nos autos da aludida ação penal há depoimento do então acusado alegando que o paciente tinha pleno conhecimento daquela prática com suporte probatório inicial, tem-se condição de aptidão à inicial acusatória.
5. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 269.452/RN, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 5/4/2016.)
As recorridas informam que a ANTAQ, com interveniência do Ministério da Infraestrutura, reconheceu que a cobrança não é, por si só, abusiva e que tal verificação deve ocorrer no caso concreto, bem como a competência do CADE para legislar sobre a matéria.
Verifica-se que o CADE e a ANTAQ, com a interveniência do Ministério da Infraestrutura, firmaram, em 17/06/2021, o Memorando de Entendimentos nº 01/2021, pelo qual se comprometeram a envidar esforços de cooperação e atuação de maneira integrada para estabelecer procedimentos para a análise de indícios de abusividade e infrações à ordem econômica na cobrança do serviço de segregação e entrega- SSE. As partes fixaram os seguintes entendimentos conjuntos (Id. 272858183):
“2.1.1. nos termos da Resolução Normativa ANTAQ 34, de 2019 e à luz da jurisprudência consolidada do CADE, a cobrança pelo SSE não configura, por si só, um ato ilícito;
2.1.2. Conforme entendimento consolidado na jurisprudência do CADE e, também, consignado na Resolução Normativa ANTAQ 34, de 2019, ainda que se reconheça que a cobrança do SSE não seja considerada, por si só, um ato ilícito, em determinadas circunstâncias pode se revelar abusiva, quando verificada, por exemplo: (i) a abusividade dos valores, (ii) o caráter discriminatório e não isonômico, (iii) a falta de racionalidade econômica para a cobrança, (iv) a cobrança em duplicidade por rubricas já abrangidas pela box rate, pelo SSE e/ou remuneradas pela Terminal Handling Charge (THC), (v) a cobrança por serviço sem a efetiva contraprestação, dentre outras.
2.1.3. Caso a cobrança do SSE no caso concreto se mostre abusiva e com potencial de gerar os efeitos previstos nos incisos I a IV, do art. 36, da Lei nº. 12.529, de 2011, seja pelo preço ou pelas condições sob as quais é cobrada, configurando infração à ordem econômica, o CADE deverá atuar, sem prejuízo das competências da ANTAQ no caso.
2.1.4. O CADE, ao identificar irregularidades na cobrança de SSE, formulará consulta prévia à ANTAQ sobre a existência de abusividade, que deverá encaminhar resposta em até 90 (noventa) dias.
2.1.5. Caso a ANTAQ não responda no prazo previsto na cláusula anterior, o CADE dará sequência à apuração objeto da consulta”.
O documento foi assinado pelo Presidente do Conselho Administrativo da Defesa Econômica, Superintendente-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Diretor-Geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários e Ministro da Infraestrutura. Por sua vez, participaram do julgamento, que resultou na imediata cessação da cobrança, os membros do conselho e seu presidente.
É certo que o acordo firmado pelo presidente e superintendente do CADE não tem o condão de afastar a decisão tomada pelo colegiado do conselho, considerada a competência do plenário do Tribunal, composto pelo presidente e seis conselheiros, de decidir sobre a existência de infração à ordem econômica, aplicar as penalidades legais concernentes e ordenar providências que conduzam à sua cessação, como estabelece o artigo 18 do Regimento Interno do CADE. A jurisprudência tem aplicado, no caso de decisões antagônicas que decidam sobre a mesma questão, o princípio da colegialidade e reconhecido a prevalência da decisão coletiva por refletir a convicção do colegiado e ser dotada de maior aprofundamento. Confira-se:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. RECURSO MANEJADO PELO JUÍZO SUSCITANTE QUE NÃO É PARTE FORMAL DA LIDE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CARÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. DOIS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA SUSCITADOS PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELO MESMO JUÍZO E LASTREADOS NA MESMA DECISÃO DECLINATÓRIA. DUAS DECISÕES ANTAGÔNICAS PROFERIDAS NESTA CORTE: DECISÃO MONOCRÁTICA DECLARANDO, EM UM DOS INCIDENTES, A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO; E POSTERIOR JULGAMENTO COLEGIADO NO OUTRO INCIDENTE DEFININDO A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA OU DE PRECLUSÃO. COGNIÇÃO INCOMPLETA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. PREVALÊNCIA, NO CASO, DA DECISÃO COLEGIADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONHECIDOS. ESCLARECIMENTOS PRESTADOS DE OFÍCIO PARA AFASTAR A DIVERGÊNCIA.
(EDcl no CC n. 141.037/SP, relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 14/12/2016, DJe de 6/2/2017.)
PROCESSO CIVIL. DIREITO AUTORAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PROGRAMAS DE COMPUTADOR. CONTRADIÇÃO ENTRE VOTO CONDUTOR DO RECURSO ESPECIAL E NOTAS TAQUIGRÁFICAS. PREVALÊNCIA DA DECISÃO DO ÓRGÃO COLEGIADO. ART. 103, PARÁGRAFO PRIMEIRO DO RISTJ.
1. O art. 103, § 1º, do RISTJ, preconiza que, havendo contradição entre o voto do relator e as notas taquigráficas, essas têm primazia, uma vez que refletem a convicção da Turma, que é o juiz natural do processo, sendo certo que a função do relator, tradicionalmente, é de processar o recurso ou a ação de competência originária do tribunal, bem como prepará-los para julgamento pelo órgão colegiado, como forma de racionalização do serviço, atuando mediante delegação do órgão fracionário do qual faz parte.
2. Na sessão de julgamento realizada em 25/8/2009, as notas taquigráficas foram claras quanto a se tratar o caso de mera quantificação do dano, o qual, consoante unanimemente acordaram todos os Ministros então presentes, seria devido nos termos da sentença, que foi explicitada pelo eminente Relator quando da conclusão dos debates: "Condenar a ré a indenizar as autoras por perdas e danos em valor arbitrado em dez vezes o valor de mercado de cada programa utilizado ilicitamente".
3. O voto do Relator, no entanto, foi no sentido de dar parcial provimento ao recurso para "condenar a recorrida ao pagamento do preço correspondente a cada programa utilizado ilegalmente nos moldes acima estabelecidos", concluindo pelo afastamento da indenização em perdas e danos.
4. Ante a manifesta contradição, deve prevalecer a solução revelada nas notas taquigráficas, a fim de restabelecer os parâmetros fixados na sentença, consoante unanimemente decidido pelo colegiado.
5. "A pena pecuniária imposta ao infrator não se encontra restrita ao valor de mercado dos programas apreendidos. Inteligência do art. 102 da Lei 9.610/98 - 'sem prejuízo da indenização cabível.' - na fixação do valor da indenização pela prática da contrafação". (REsp 1.136.676 - RS, Rel. Min. Nancy Andrighi) 6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para dar provimento ao recurso especial.
(EDcl nos EDcl no REsp n. 991.721/PR, relator Ministro Raul Araújo, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/6/2012, DJe de 5/9/2012.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRECATÓRIO/RPV. JUROS DE MORA ENTRE A DATA DE LIQUIDAÇÃO E A DE EXPEDIÇÃO. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INDICAÇÃO DE DECISÃO MONOCRÁTICA CONTRÁRIA AO PRECEDENTE INDICADO. ALEGAÇÃO INFUNDADA E DISSOCIADA DO TEMA RECURSAL. PREVALÊNCIA DA DECISÃO COLEGIADA SOBRE A MONOCRÁTICA. RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL NÃO OBSTA JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. Inviável análise de dispositivo constitucional em sede de recurso especial, sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.
2. A decisão monocrática apontada não trata do tema discutido no recurso especial, estando dele dissociada. Ademais, não impera sobre acórdão proferido em recurso especial repetitivo.
3. O reconhecimento de repercussão geral do tema não impede o julgamento do recurso especial. Precedentes.
4. Decisão mantida.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.505.764/RS, relatora Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 5/4/2016, DJe de 13/4/2016.)
Nada obstante, de acordo com o artigo 19, incisos VII, do RI do TCU, o presidente do CADE tem a prerrogativa de assinar compromissos e acordos, desde que aprovados pelo plenário do tribunal. In casu, o memorando de entendimentos não foi submetido ao órgão colegiado, de modo que não tem força para afastar a decisão do conselho. Cabe registrar que notícia veiculada no portal eletrônico do Estadão, UOL e Datamar News informa que a conselheira Lenisa Prado solicitou a anulação do documento e que alguns conselheiros entendiam que o então presidente, ao assinar o memorando, havia aberto mão da competência do CADE e tentado influenciar os demais a votarem de uma forma que não era a decidida pela maioria. Lenisa Prado afirmou na ocasião que: “A forma como foi feita, sem participação deste tribunal que somente tomou conhecimento dos seus termos com a publicação na imprensa, causa indubitável insegurança jurídica às atividades do conselho. O memorando tem o real objetivo de tentar impor artificialmente uma determinada orientação a ser seguida em julgamentos futuros" (Conselheiros querem anular memorando firmado com Antaq sobre cobrança de taxa portuária - Estadão (estadao.com.br), https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/09/01/conselheiros-do-cade-querem-anular-memorando-firmado-sobre-taxa-portuaria.htm e Conselheiros querem anular memorando firmado com Antaq sobre cobrança de taxa portuária - DatamarNews).
Em decorrência do Acórdão 1448/2022 – Plenário TCU, foi editada a Resolução ANTAQ nº 84, de 28 de julho de 2022, para suspender cautelarmente os efeitos do disposto no inciso IX do artigo 2º, no § 1º do artigo 7º e no caput e parágrafo único do artigo 9º, todos da Resolução-ANTAQ nº 72, de 30 de março de 2022.
A Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (ABRATEC), em litisconsórcio com a Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), impetrou mandado de segurança coletivo no Supremo Tribunal Federal (MS 38673/DF), com pedido de tutela de urgência, contra o ato do Tribunal de Contas da União (TCU). Consulta efetuada nos sistemas de acompanhamento processual da corte demonstra que o pedido de desistência foi homologado em 16/02/2023 e o processo transitou em julgado em 24/03/2023.
Verifica-se que foram deferidas por juízos federais tutelas antecipadas para restabelecer a exigência do SSE/THC2, ao fundamento de que o Acórdão 1.448/2022 do TCU teria violado o direito ao contraditório e a ampla defesa e desrespeitado a Súmula Vinculante nº 3 do STF, porquanto os interessados (terminais portuários) não participaram do procedimento, que tramitou em sigilo. Contudo, as decisões não analisaram o mérito da cobrança ou o teor do acórdão do TCU.
O Juízo da 1ª Vara Federal em Paranaguá/PR deferiu, no dia 05/08/2022, o pedido de tutela antecipada formulado pela TCP - TERMINAL DE CONTEINERES DE PARANAGUA S/A (nº 5001637-05.2022.4.04.7008/PR), para restabelecer a exigência do denominado SSE (serviço de segregação e entrega de contêineres) e impedir a ANTAQ e UNIÃO de impor qualquer sanção decorrente da sua cobrança. A decisão foi fundamentada, exclusivamente, na violação dos direitos ao contraditório e a ampla defesa e o desrespeito à Súmula Vinculante nº 3 do STF, uma vez que os terminais portuários não foram chamados a participar do processo, na condição de interessados e afetados pela medida, bem como, por ter tramitado em sigilo, não estava enquadrado nas hipóteses previstas na CF, até a prolação do acórdão do TCU, que determinou a suspensão dos dispositivos da Resolução ANTAQ nº 72/2022, em violação ao princípio da publicidade e ao artigo 3º, II, da Lei 9.748/1999 e à própria Constituição Federal, sem análise dos aspectos técnicos relacionados à cobrança do SSE/THC2. Contra referida decisão foi interposto o Agravo de Instrumento nº 5041058-74.2022.4.04.0000/PR pela UNIÃO e o pedido de efeito suspensivo negado, baseado no fato de que os argumentos técnicos tratados pelo Acórdão 1.448/2022-TCU não integraram os fundamentos da decisão agravada. Na sessão de julgamento ocorrida em 16/08/2023, a 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu não conhecer do recurso.
Na Ação nº 5071316-47.2022.4.02.5101/RJ, ajuizada pela ICTSI RIO TERMINAL 1 S.A. contra a UNIÃO FEDERAL e da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS – ANTAQ, o Juízo da 29ª Vara Federal no Rio de Janeiro deferiu a tutela antecipada antecedente para determinar a suspensão dos efeitos do Acórdão nº 1448/2022 TCU – Plenário, da decisão administrativa da ANTAQ prevista no Acórdão 409-2022 e da Resolução ANTAQ nº 84/2022 e autorizar o restabelecimento imediato da cobrança pelos serviços prestados de segregação e entrega de contêineres – SSE/THC2. Para o magistrado, o sigilo das denúncias deixou de ser regra, somente pode ser aplicado de forma fundamentada, com exposição dos motivos de sua imprescindibilidade e não se coaduna com o disposto no § 3º do artigo 55 da Lei Orgânica do TCU e com o entendimento adotado pelo STF na Súmula Vinculante nº 3. Concluiu ter havido violação aos princípios da publicidade, do contraditório e da ampla defesa, porquanto o Processo nº 015.453/2020-0 do TCU tramitou indevidamente em sigilo até decisão final. Contra referida decisão foi interposto pela União o Agravo de Instrumento nº 5015856-52.2022.4.02.0000/RJ.
O Juízo da 29ª Vara Federal no Rio de Janeiro deferiu a tutela antecipada na Ação nº 5084347-37.2022.4.02.5101/RJ, proposta pela MULTI-RIO OPERAÇÕES PORTUÁRIAS S.A. em face da UNIÃO FEDERAL e AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS – ANTAQ para determinar: “a suspensão dos efeitos do Acórdão nº 1448/2022 – TCU – Plenário, da decisão administrativa da ANTAQ prevista no seu Acórdão 409-2022 e da Resolução ANTAQ nº 84/2022, sendo consequentemente afastada a proibição de cobrança pela prestação dos serviços de segregação e entrega de contêineres – SSE/THC2”. Contra referida decisão foi interposto pela União o Agravo de Instrumento nº 5000938-09.2023.4.02.0000. Na sessão ocorrida em 04/07/2023, a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento ao recurso para reformar a decisão agravada por reconhecer que o TCU havia observado o disposto no artigo 5º, XXXVIII, da CRFB/88, o previsto na Lei nº 12.527/2017 e o assentado no artigo 53, § 3º, da Lei nº 8.443/1992 e não ter sido demonstrada a violação das normas que tratam do sigilo. O pedido de desistência dos embargos de declaração opostos pela TERMINAL MULTI-RIO OPERAÇÕES PORTUÁRIAS S/A. foi homologado e o processo transitou em julgado em 05/09/2023. Posteriormente, o magistrado a quo proferiu sentença, em 07/08/2023, integrada pela decisão de 22/11/2023, para julgar improcedente o pedido por ter reconhecido a inexistência de qualquer vício apto a afastar o Acórdão 1.448/2022 - TCU – Plenário, o Acórdão nº 409/2022-ANTAQ e a Resolução ANTAQ nº 84/2022, visto que editados para atribuir efetivo acatamento à ordem do TCU, bem como que as requeridas tinham agido em conformidade com o texto legal e não haviam cometido qualquer ilegalidade.
Outras decisões indeferiram o pedido de tutela por considerar que a ANTAQ apenas havia atendido a determinação da corte de contas e que o questionamento do acórdão do TCU é matéria de competência originária do Supremo Tribunal Federal.
Na Tutela Antecipada Antecedente nº 1050708-85.2022.4.01.3400, ajuizada pela BRASIL TERMINAL PORTUARIO S.A. em desfavor da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIARIOS – ANTAQ, o Juízo da 1ª Vara Federal Cível na SJDF indeferiu a tutela provisória, que tinha como objetivo suspender os efeitos do ato da ANTAQ (Acórdão n° 409/2022) e restabelecer o direito da autora de cobrar remuneração pela prestação do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE) na zona de influência do Porto de Santos. Para o magistrado, a deliberação da autarquia atendeu a determinação do TCU, que considerou procedente a denúncia do TC 015.453/2020-0, e o afastamento do acórdão da corte de contas importaria em sustação dos efeitos de ato sujeito a mandado de segurança de competência originária do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, d, CF/88).
O Juízo da 8ª Vara Federal na SJDF, na Ação nº 1053693-27.2022.4.01.3400, ajuizada pela TECON SUAPE S/A contra a UNIÃO e ANTAQ, com o objetivo de anular a Resolução Antaq nº 84/2022, que suspendeu a cobrança do serviço de segregação e entrega de contêineres (SSE) em razão da decisão proferida pelo TCU no Acórdão nº 1.448/2022-Plenário, negou a tutela de urgência e indeferiu a inicial em relação ao pedido de reconhecimento da legalidade da cobrança do serviço de segregação e entrega de contêineres (SSE). Contra referida decisão foi interposto recurso e a decisão agravada mantida.
A TV V – TERMINAL DE VILA VELHA S.A ajuizou Tutela Antecipada Antecedente (1055097-16.2022.4.01.3400) em face da UNIÃO e ANTAQ, com o objetivo de restabelecer a cobrança do SSE, bem como determinar às requeridas que se abstenham de qualquer sancionamento pela continuidade da cobrança, e o Juízo da 1ª Vara Federal Cível na SJDF indeferiu o pedido de tutela provisória. Para o magistrado, a deliberação da ANTAQ se deu em cumprimento à determinação do TCU e o afastamento do acórdão do TCU é ato sujeito a mandado de segurança de competência originária do STF.
O Ministro do TCU João Augusto Ribeiro Nardes proferiu decisão no Processo nº 021.408/2019-0, em 10/08/2022, para conhecer do recurso interposto pela ANTAQ, suspender os efeitos dos subitens 9.1, 9.1.2 e 9.3 do Acórdão 1448/2022-TCU-Plenário e conceder somente efeito devolutivo ao subitem 9.4. Na sessão ocorrida, em 25/01/2023, o pedido de ingresso da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (ABRATEC) e da Associação dos Usuários dos Portos da Bahia (USUPORT) como amicus curiae foi deferido (Acórdão de Relação 78/2023-Plenário). Em 27/09/2023, a Santos Brasil Participações S/A, a Associação Brasileira dos Usuários dos Portos de Transportes e da Logística e a Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) foram admitidas como amicus curiae e o pedido de ingresso formulado pela Marimex Despachos Transportes e Serviços Ltda. foi indeferido (Acórdão nº 1981/2023 – TCU – Plenário). Os embargos de declaração opostos pela Marimex Despachos Transportes e Serviços Ltda. não foram conhecidos (Acórdão nº 2284/2023).
Relativamente à atribuição de efeito suspensivo ao recurso de reexame apresentado, cabe mencionar que o parágrafo único do artigo 286 do RI do TCU estabelece que: “Ao pedido de reexame aplicamse as disposições do caput e dos parágrafos do art. 285”. Por sua vez, o artigo 285 prevê o cabimento do recurso, com efeito suspensivo automático.
Por fim, conforme comunicado publicado no sítio eletrônico do Ministério da Economia, em 02/02/2022, a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia (SEPEC/ME) divulgou, em 31/01/2022, análise realizada no âmbito do programa Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (FIARC) acerca da cobrança do serviço de segregação e entrega (SSE) – também conhecido como Terminal Handling Charge 2 /THC 2 – na movimentação de contêineres em terminais portuários, em que concluiu que: “a cobrança permite ao terminal portuário usar seu poder de mercado para criar artificialmente custos para seus concorrentes no mercado de armazenagem alfandegada, prejudicando a concorrência e elevando os custos do setor. Isso porque esses últimos não têm poder de optar pelo terminal portuário que deve lhe passar a carga a ser armazenada, já que a escolha é feita pelas companhias que realizam o transporte aquaviário de longo curso – os armadores”. A SEAE classificou a Resolução Normativa ANTAQ nº 34/2019 como Bandeira Vermelha, que corresponde à identificação de ato normativo com caráter anticompetitivo, em razão da verificação de fortes indícios de presença de abuso regulatório que acarretem distorção concorrencial. Por fim, recomendou à autarquia que altere a resolução, para que todos os custos relativos à movimentação vertical e horizontal sejam incluídos nos preços praticados junto aos armadores (box rate e THC, no que couber), ou, alternativamente, adote regime de regulação ex ante, do tipo tarifa-teto ou semelhante, a todas as cobranças obrigatórias (SSE/THC2, taxa de escaneamento etc.) aplicadas aos donos da carga ou seus prepostos (Fonte: Ministério da Economia identifica abuso regulatório na cobrança do Serviço de Segregação e Entrega em terminais portuários — Português (Brasil) (www.gov.br).).
Consideradas tais premissas, as decisões, estudos e pareceres administrativos, bem como respeitadas as competências legais da ANTAQ (Leis nº 8.884/94, Lei nº 10.233/01 e Lei nº 12.529/11), as normas infralegais que, direta ou indiretamente, ofenderem a ordem econômica, sobretudo a livre concorrência, não devem prevalecer.
Restou demonstrado pela decisão do CADE, acórdão do TCU, nota técnica da Superintendência dos Portos e os estudos realizados pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (SEAE), que existe uma sujeição entre os operadores portuários e seus concorrentes (recintos alfandegados independentes), visto que aqueles ocupam posição em que conseguem impor condições para a entrega de contêineres, como a cobrança da THC2, fixada coercitivamente e sem livre negociação, e têm capacidade de elevar os custos dos recintos alfandegados independentes, o que encarece, dificulta e inviabiliza a prestação de serviços de armazenagem pelos concorrentes e gera uma verdadeira disputa pelo mercado de armazenagem. Ademais, a taxa não é cobrada quando o contêiner é armazenado nos recintos alfandegados dos próprios operadores portuários, mas apenas quando entregue aos recintos independentes. Como enfatizado, os requeridos detêm o domínio do mercado, porquanto movimentam praticamente a totalidade dos contêineres operados no Porto de Santos, respondem pelo controle e exploração da infraestrutura portuária existente para movimentação e ostentam posição dominante, em que podem alterar as condições de mercado e impor, por meio da cobrança do SSE/ THC2, um custo artificial para os seus concorrentes, que não podem recorrer a outro fornecedor dos serviços, situação que, num cenário extremo, como salientado pelo TCU, pode acarretar a exclusão dos recintos alfandegados secos do mercado e até mesmo criar barreiras à entrada de novos concorrentes. A prática retira dos importadores a possibilidade de escolha de outras opções de operação, uma vez que o dono da carga elege aquele que fará o desembaraço da mercadoria e o armador, mas não tem o poder de optar pelo terminal portuário que a recebe, visto que cabe ao armador decidir o ponto em que fará o desembarque dos produtos que transporta.
As decisões do CADE e TCU, a nota técnica da Superintendência de Portos e o estudo realizado pela SDE e SEAE analisaram a THC2 sob a temática de infração à livre concorrência e estritamente à luz das relações entre operadores portuários e recintos alfandegados independentes. Verifica-se, outrossim, que a cobrança não tem amparo legal e tem por objetivo remunerar serviços que já são pagos pelo armador ao operador portuário e ressarcidos àquele pelo importador.
Cabe salientar que a Resolução Normativa ANTAQ nº 34/2019, bem como as sucessivas normativas, que fundamentou a cobrança, foi classificada pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) como ato normativo com caráter anticompetitivo, dada a existência de fortes indícios de presença de abuso regulatório que acarretam distorção concorrencial. Para o TCU, a normativa não se coaduna com o que dispõe o artigo 4º, inciso I, da Lei 13.847/2019, segundo o qual é dever da administração pública e entidades a ela vinculadas, no exercício de regulamentação, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a criar, indevidamente, reserva de mercado ao favorecer grupo econômico ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes. Desse modo, determinou à ANTAQ que anulasse todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que tratam da possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE).
A Resolução nº 2.389 da ANTAQ, na sua redação original, tratava da relação jurídica existente entre o importador e armador, armador e operador portuário e o cliente/usuário do terminal e o operador portuário. Estabelecia, nos artigos 3º a 5º, que o operador portuário realizava o serviço de movimentação das cargas entre o portão do terminal portuário e o porão da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas pelo prazo contratado entre empresa de navegação e operador portuário, no caso da exportação, ou entre o porão da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário no caso da importação, e para tanto seria remunerado, na condição de contratado da empresa de navegação (armador), mediante remuneração livremente negociada, prevista em contrato de prestação de serviço ou divulgada em tabela de preços e serviços (cesta de serviços – box rate). Por sua vez, previa que o armador (empresa de navegação) poderia cobrar do importador a taxa de movimentação no terminal THC, para fins de ressarcimento dos serviços pagos ao operador portuário de movimentação de cargas entre o portão do terminal portuário e o costado da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas pelo prazo contratado entre empresa de navegação e operador portuário, no caso da exportação. Contudo, a normativa não estabelecia relação jurídica entre os recintos alfandegados independentes e os operadores portuários. Nesse sentido, como esclarecido pelo CADE, não há relação comercial entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, mas interligação entre os mercados de movimentação de contêineres e o de armazenagem, bem como não existe contrato entre o terminal portuário e o recinto alfandegado (RAI) nas operações de importação, como salientado pelos ministros do TCU.
É preciso salientar que a cobrança questionada decorre de período compreendido entre 22/11/1997 a 28/11/2003 (Id. 103004241 – fls. 71/98), data da autuação do inquérito civil, e a normativa foi editada somente no ano de 2012.
Como visto, a despeito da inexistência de relação jurídica entre o operador portuário e o recinto alfandegado, aquele cobra deste valores para a liberação dos contêineres, sem base legal ou mediante livre negociação. Deve-se salientar ainda o caráter coercitivo da cobrança, dado que o primeiro consegue impor ao segundo o pagamento do valor de maneira cogente, o que o faz ostentar posição dominante sobre a concorrência. Ademais, inobstante a denominação equivocada de taxa, trata-se, na verdade, de preço, que, por sua natureza, deve ter natureza facultativa.
As conclusões do CADE e do TCU, a nota técnica da Superintendência de Portos e os estudos realizados pela SDE e SEAE convergem no sentido de que a THC2/SSE, cobrada pelos operadores portuários dos recintos alfandegados independentes, tem sido exigida por serviços que são custeados pela box rate/THC, que é paga pelo armador ao operador portuário e ressarcida pelo importador por meio da THC. Nessa acepção, segundo os Ministros do TCU, o edital de licitação dos terminais estabelece que os serviços básicos remunerados pela taxa de movimentação de contêineres são compatíveis com as regras de contratos liner terms, ou seja, incluem todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem, necessários à recepção e liberação dos contêineres do costado do navio ao portão do terminal ou vice-versa. Assim, como os serviços básicos compreendem a segregação e entrega, concluem que os custos de transferência de contêineres para os terminais retroalfandegados devem estar incluídos na box rate a ser paga pelas empresas de navegação (armadores). Segundo o colegiado, os fatos demonstram que a THC2/SSE sempre existiu, está incluída na THC e que a denominação (THC2) decorre exatamente da possibilidade de cobrança do valor em duplicidade. Na mesma linha de entendimento, para a Superintendência dos Portos, os serviços de movimentação de cargas, desde a retirada do convés ou porões do navio até o local que vier a ser designado para a entrega ao importador, são pagos pelo armador ao operador portuário quando o contrata para realizar a movimentação dos contêineres, nos termos do contrato por eles firmado, e também pelo importador ao armador por meio da THC. Assim, conclui-se que os serviços cobrados por meio da THC2 estão incluídos na taxa box rate, paga pelo armador aos operadores portuários, que obtêm o ressarcimento do valor dos importadores mediante a cobrança da THC.
Desse modo, com amparo nas decisões do CADE e TCU, nota técnica da Superintendência de Portos, bem como nos estudos realizados pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE) da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia (SEPEC/ME), conclui-se que a cobrança coercitiva da THC2 pelos requeridos configura infração à ordem econômica, circunstância que independe de culpa, pela dominação do mercado e exercício abusivo de posição sua dominante mediante alteração de regras e imposição de condições para a entrega de contêineres, como a cobrança da THC2. Ressalta-se que a cobrança não é exigida quando o contêiner é entregue para armazenagem nos recintos alfandegados dos próprios operadores portuários, é fixada coercitivamente e sem livre negociação, tem capacidade de elevar os custos dos recintos alfandegados independentes, o que encarece, dificulta e inviabiliza a prestação de serviços de armazenagem pelos concorrentes e gera uma verdadeira disputa pelo mercado de armazenagem, prática que pode acarretar a exclusão dos recintos alfandegados secos do mercado e até mesmo criar barreiras à entrada de novos concorrentes, condutas previstas no artigo 20, incisos II e IV, e artigo 21, incisos IV, V, X, XIV, da Lei nº 8.884/94.
Acrescenta-se que a exigência da taxa THC2/SSE para liberação dos contêineres também é ilegal e abusiva, uma vez que não encontra amparo legal ou contratual e objetiva a remuneração de serviços que são pagos pelos armadores aos requeridos por meio da tarifa denominada box rate. Nesse sentido, além das decisões, estudos e pareceres administrativos mencionados, os parágrafos sexto e sétimo da cláusula vigésima do contrato de arrendamento para exploração do terminal de contêineres – TECON 1 - CONTRATO PRES/60.97, estabelecem, verbis (Id. 103004241 – fls. 71/98):
“Paragrafo Sexto
A TCM deve ser compatível com as regras dos Contratos de frete sob a condição “liner terms”, ou seja, incluídos todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem necessários à recepção e liberação dos contêineres do acostado do navio ao portão do Terminal, ou vice-versa.
Parágrafo Sétimo
As taxas dos demais serviços serão negociadas entre a ARRENDETÁRIA e os clientes/usuários do TECON-1”.
As apeladas mencionam que, nos contratos celebrados entre operadores portuários e armadores, há previsão de que os serviços de armazenagem na importação, as atividades alfandegárias e os serviços adicionais, que extravasam o binômio contratual armador –operador, devem ser cobrados dos consignatários ou de seus representantes, conforme a tabela de preços do terminal. Contudo, tais instrumentos vinculam e obrigam apenas as partes contratantes, mas não os recintos alfandegados independentes.
Cabe esclarecer que, de acordo com o artigo 2º do anexo da Resolução nº 2389 - ANTAQ, são considerados clientes ou usuários os importadores, exportadores, consignatários ou empresas de navegação e recintos alfandegados os locais declarados pela autoridade aduaneira competente, na zona primária ou na zona secundária, em que ocorrem a movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias procedentes do exterior. Desse modo, como pontuado pelo TCU, todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem estão incluídos na THC, paga pelo importador ao armador, ou na box rate, paga pelas empresas de navegação (armadores) ao operador portuário, e os demais serviços devem ser negociados e cobrados dos importadores e não dos recintos alfandegados independentes (terminal retroportuário alfandegado).
As resoluções da ANTAQ, que embasam a cobrança, violam o artigo 20, inciso II, “b”, da Lei 10.233/2001, pois possibilitam situações que configuram competição imperfeita ou infração da ordem econômica, bem como o artigo 27, inciso IV, porquanto não garantem o acesso e uso dos importadores à infraestrutura portuária em condições isonômicas, independentemente da opção de armazenagem das cargas, seja no recinto alfandegado dos operadores ou independentes, não asseguram os direitos dos usuários e não fomentam a competição entre os operadores.
A decisão do CADE, o acórdão do TCU, a nota técnica da Superintendência de Portos e o estudo realizado pela SEPEC/ME analisaram a THC2 sob a temática de infração à livre concorrência e estritamente à luz das relações entre operadores portuários e recintos alfandegados independentes. Assim, as disposições das resoluções da ANTAQ e as Decisões DIREXE nº 371.2005 e nº 50.2006, expedidas pela CODESP, no que possibilitaram a cobrança da THC2 pelos operadores portuários dos recintos retroalfandegados, considerada violadora da ordem econômica, ilegal e abusiva, não podem subsistir.
Ressalta-se que a comparação da taxa M-20 à THC2 não se mostra apropriada. Primeiramente, porque ela preexistiu à privatização do Porto de Santos. Ademais, a Lei nº 8.630/93 mudou radicalmente o regime jurídico dos portos brasileiros. Com ela a operação portuária passou a particulares, os quais, no que tange à armazenagem, devem competir livremente no mercado. A taxa M-20 foi criada, em 14.07.89, pela CODESP, quando exercia funções ou serviços que depois foram passados à iniciativa privada. Com a privatização operada após a promulgação da Lei nº 8.630/93, as razões que a justificaram não mais existiam. Tanto é assim que seu artigo 51 determinou que as administrações dos portos organizados deveriam adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto nº 24.508, de 29.06.34, o qual dava sustentáculo à taxa M-20, e foi expressamente revogado (artigo 76).
Cabe salientar que, nos precedentes citados pelas apeladas, diferentemente do alegado, o mérito da cobrança não foi examinado pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Verifica-se que, no julgamento do RESP nº 419.141, a corte superior considerou válida a exigibilidade da taxa M-20, criada pela Resolução 136/89, cobrança distinta da discutida nesta ação.
No RESP nº 1.399.761/SP, o tribunal superior reconheceu o não cabimento da pretensão de declaração da ilegalidade da fixação de alíquotas da taxa de armazenagem portuária por portaria ministerial (e não da sua cobrança).
No julgamento do AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.441.228/SP, o STJ não reconheceu o alegado vício de negativa de prestação jurisdicional e de ofensa aos artigos 489 e 1.022 do CPC, considerou que a solução da controvérsia extrapolava a estreita via do recurso especial, pois eventual violação aos dispositivos indicados seria reflexa e não direta, visto que seria imprescindível a análise da resolução da ANTAQ, ato normativo que não se enquadra no conceito de lei federal, bem como asseverou que o exame da aplicação indevida da multa pela oposição dos embargos de declaração pelo caráter não protelatório estava inviabilizada pela Súmula 7/STJ.
Na decisão proferida no ARESP nº 1537395/DF, o Ministro relator reconheceu não ter ocorrido ofensa ao artigo 1.022 do CPC, na medida em que o tribunal de origem havia dirimido as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia, salientou que o julgamento desfavorável ao interesse da parte não pode ser confundido com negativa de prestação jurisdicional e que a alegada violação aos artigos 15 e 20 da Lei n. 8.884/1994 não foi objeto da apelação interposta, de maneira que a questão não foi devolvida à segunda instância. Relativamente à controvérsia, admitiu a inexistência de violação à competência do CADE ou a impossibilidade de anulação de sua decisão por prevalecer a competência da ANTAQ, com a regulamentação que lhe é inerente, que autoriza a incidência da THC2, bem como não haver qualquer impedimento ao conhecimento da matéria pelo Poder Judiciário. Refutou a alegação de que a Resolução ANTAQ nº 2.389/2012 teria usurpado a competência do CADE ou o condão de anular a decisão da autarquia, vez que apenas estabelece, no âmbito de seu poder regulamentar, parâmetros a serem observados na prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volumes. Salientou que o afastamento da decisão do CADE: “fundamentou-se nos motivos anteriormente expostos, sendo que a referida norma legal foi utilizada como reforço argumentativo no sentido da legitimidade da cobrança da Taxa de Segregação e Entrega”. Reconheceu a possibilidade de cobrança da THC2 antes de 2012, pois não está justificada apenas na normativa da autarquia. Concluiu que a corte regional solucionou a controvérsia a partir da análise da resolução da ANTAQ e que o exame da insurgência depende da análise da norma infralegal, o que não é cabível no âmbito do recurso especial, a teor do disposto no artigo 105, III, a, da CF, e nos termos da jurisprudência, bem como que a alteração das conclusões adotadas pela origem, a fim de reconhecer a ocorrência de infração à ordem econômica, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
No julgamento do RESP 1.774.301/SP, o STJ não reconheceu a violação ao artigo 1.022 do CPC, porquanto o tribunal de origem havia dirimido as questões que lhe foram submetidas e solucionado integralmente a controvérsia, com a aplicação do direito que entendeu cabível à espécie. Salientou que a discussão acerca da afronta ao artigo 50 da Lei nº 8.884/1994 não havia sido objeto da apelação interposta, pelo que a questão não foi devolvida à segunda instância. Concluiu que a alteração das conclusões da corte de origem, a fim de verificar a ocorrência de infração à ordem econômica, exigiria novo exame probatório, o que é vedado em recurso especial, conforme o enunciado da Súmula 7/STJ, e que a corte regional havia solucionado a contenda concernente à competência do CADE por meio da valoração da Resolução ANTAQ nº 2.389/2012 e que o exame da insurgência dependia do exame da norma, o que não é cabível, a teor do artigo 105, III, a, da CF.
O Ministro Relator não conheceu do AREsp nº 1.554.488/SP, ao argumento de que rever as conclusões do acórdão para rejeitar a alegação da recorrente, acerca da necessidade de apresentação dos contratos para procedência do crédito cobrado, demandaria, necessariamente, o reexame de circunstâncias fáticas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula nº 7 do STJ.
Por fim, no julgamento do ARE 1286157/SP, o Ministro relator do STF negou seguimento ao recurso por considerar que, para ultrapassar o entendimento do tribunal de origem, seria necessário analisar a questão à luz da interpretação dada à legislação infraconstitucional pertinente e reexaminar fatos e provas, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário (Súmula 279), considerado que eventual afronta ao texto constitucional seria indireta ou reflexa.
É preciso enfatizar que o poder regulamentar que a Lei nº 8.630/93, a Lei nº 10.233/01 e a Lei nº 12.815/13 conferiram à CODESP e à ANTAQ é plenamente reconhecido. Porém, naquilo que afrontarem as Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, que cuidam da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, devem ser rechaçados. Desse modo, as sentenças e acórdãos proferidos e noticiados pelas apeladas, que fundamentaram a cobrança com base na competência regulatória da ANTAQ e suas resoluções, não interferem nesse entendimento pelos motivos indicados.
À vista do reconhecimento da ilegalidade da cobrança pelos fundamentos mencionados, as sentenças e acórdãos proferidos e noticiados pelas apeladas, que fundamentaram a cobrança com base na competência regulatória da ANTAQ e suas resoluções, não interferem nesse entendimento.
Anote-se que os efeitos das decisões judiciais e acórdãos favoráveis às requeridas, com trânsito em julgado, não alcançam o autor desta ação, porquanto: “(...) 6. A coisa julgada "inter partes" é a regra em nosso sistema processual, inspirado nas garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 7. No sistema processual brasileiro, ninguém poderá ser atingido pelos efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que se lhe tenha sido garantida efetiva participação, mediante o devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa. 8. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a sentença não poderá prejudicar terceiro, em razão dos limites subjetivos da eficácia da coisa julgada. Precedentes específicos do STJ acerca da questão. (...)" (STJ, REsp n. 1.766.261/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 24/5/2021.).
Por fim, discordo da determinação de suspensão imediata da cobrança por considerar inoportuno, nesse momento, conceder uma tutela dessa natureza em face do tempo decorrido e da inexistência de requerimento, considerado que a parte será surpreendida com a medida, o que viola o artigo 10 do CPC, bem como que o acórdão tem o condão de produzir efeitos imediatos, vez que eventuais recursos excepcionais não são dotados de efeito suspensivo.
1.2) DOS DANOS MORAIS COLETIVOS
O cabimento de indenização por dano moral coletivo está previsto no artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal e decorre das disposições contidas nos artigos 1º e 3º da Lei nº 7.347/85:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990)
V - por infração da ordem econômica; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
VI - à ordem urbanística. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. (Incluído pela Lei nº 12.966, de 2014)
VIII – ao patrimônio público e social.
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
O artigo 47 da Lei nº 12.529/2011 garante aos prejudicados, pelo MPF, seu legitimado, ajuizar ação para obter a cessação das práticas que configurem infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, verbis:
Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
§ 1º Os prejudicados terão direito a ressarcimento em dobro pelos prejuízos sofridos em razão de infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, sem prejuízo das sanções aplicadas nas esferas administrativa e penal. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo aos coautores de infração à ordem econômica que tenham celebrado acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação de prática cujo cumprimento tenha sido declarado pelo Cade, os quais responderão somente pelos prejuízos causados aos prejudicados. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 3º Os signatários do acordo de leniência e do termo de compromisso de cessação de prática são responsáveis apenas pelo dano que causaram aos prejudicados, não incidindo sobre eles responsabilidade solidária pelos danos causados pelos demais autores da infração à ordem econômica. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
§ 4º Não se presume o repasse de sobrepreço nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36 desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar. (Incluído pela Lei nº 14.470,de 2022)
A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, na ação civil pública, pelos ilícitos concorrenciais e práticas de infração à ordem econômica. Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. CONDUTAS ANTICOMPETITIVAS. INFRAÇÃO CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. LEI N. 12.529/2011. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. NÃO RECONHECIMENTO DO CARTEL PELO CADE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DA CONDUTA CAUSADORA DOS DANOS ALEGADOS. ART. 206, § 3º, V, do CC/2002.
1. A CF/1988 prevê que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (§ 4º do art. 170) e determina, no art. 174, que "o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento".
2. A Lei n. 12.529/2011 disciplina a estrutura jurídica do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dispondo rol exemplificativo das infrações contra a ordem econômica (art. 36), suas respectivas penalidades e os instrumentos de persecução administrativa em face dos agentes infringentes.
3. O cartel é conduta anticoncorrencial, definindo-se como um acordo implícito ou explícito entre agentes econômicos que atuam num mesmo mercado com o objetivo principal de eliminar a concorrência e obter para si vantagens econômicas que lhes garantam aumento de poder de mercado e maiores lucros.
4. O art. 47 da Lei n. 12.529/2011 (art. 47) garante aos titulares de direitos violados por ilícito concorrencial o ajuizamento da ação para que cessem as práticas de infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização pelos danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
5. No âmbito da obrigação contratual, o termo inicial da prescrição é o momento da lesão ao direito, da qual decorre a pretensão, conforme o art. 189 do CC/2002, que consagrou a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio.
6. Nos casos de responsabilidade extracontratual, compreende-se que, ao ser conferida primazia à segurança jurídica, considerar o momento da lesão como termo inicial da prescrição tende a ser extremamente injusto, acabando por punir a vítima por negligência que pode ser apenas aparente, uma vez que eventual inércia do prejudicado pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano. Nessas circunstâncias, o evento que marca o início da contagem do prazo prescritivo é a ciência do fato ilícito.
7. No caso dos autos, cuida-se de responsabilidade extracontratual, tendo a ação de indenização se fundado na prática de condutas abusivas pela ré, que teria se valido, juntamente com outras empresas do setor citrícola, de atos anticoncorrenciais no mercado de compra de caixas de laranja, controlando os preços, impondo ao autor prejuízos financeiros e sua exclusão do setor.
8. Na hipótese, as condutas consideradas abusivas não foram caracterizadas como formação de cartel pelo CADE, autoridade responsável pelo processo administrativo, tendo sido firmado Termo de Cessação de Conduta como condição de suspensão do processo instaurado, posteriormente extinto, haja vista o cumprimento das obrigações estipuladas no documento.
9. Verificada a inexistência de decisão do CADE sobre a formação de cartel, o prazo prescricional é o estabelecido no art. 206, § 3º, V, do CC/2002 - três anos -, e o termo inicial de sua contagem é a data da ciência do fato danoso - no caso dos autos, o momento da celebração dos contratos.
10. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.971.316/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 14/12/2022.) [ressaltado]
O dano moral coletivo: “compreendido como o resultado de lesão à esfera extrapatrimonial de determinada comunidade, dá-se quando a conduta agride, de modo ilegal ou intolerável, os valores normativos fundamentais da sociedade em si considerada, a provocar repulsa e indignação na consciência coletiva (arts. 1º da Lei n. 7.347/1985; 6º, VI, do CDC e 944 do CC, bem como Enunciado n. 456 da V Jornada de Direito Civil)” (STJ, (AgInt no AREsp 1413621/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2020, DJe 11/05/2020). Não está restrito à violação na esfera individual e caracteriza-se pela: “lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa" (REsp 1.397.870/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/12/2014).
Consoante entendimento jurisprudencial, diferentemente do dano moral individual, não há necessidade de demonstração de dor, sofrimento, abalo psicológico ou prejuízo concreto, porquanto sua configuração decorre da prática de conduta ilícita violadora de direitos de caráter extrapatrimonial da coletividade:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS COLETIVOS. DISPONIBILIZAÇÃO NO MERCADO DE LEITE IMPRÓPRIO PARA O CONSUMIDOR. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. Os danos morais coletivos configuram-se na própria prática ilícita, dispensam a prova de efetivo dano ou sofrimento da sociedade e se baseiam na responsabilidade de natureza objetiva, na qual é desnecessária a comprovação de culpa ou de dolo do agente lesivo.
3. Esta Corte já se manifestou no sentido de que o atentado aos interesses dos consumidores que seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade gera dano coletivo, como ocorre no presente caso, dada a comprovada comercialização de leite com vício de qualidade.
4. Agravo interno não provido.
(STJ, AgInt no AREsp 1343283/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/02/2020, DJe 19/02/2020) [ressaltado]
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral.
Precedentes.
2. Independentemente do número de pessoas concretamente atingidas pela lesão em certo período, o dano moral coletivo deve ser ignóbil e significativo, afetando de forma inescusável e intolerável os valores e interesses coletivos fundamentais.
3. O dano moral coletivo é essencialmente transindividual, de natureza coletiva típica, tendo como destinação os interesses difusos e coletivos, não se compatibilizando com a tutela de direitos individuais homogêneos.
4. A condenação em danos morais coletivos tem natureza eminentemente sancionatória, com parcela pecuniária arbitrada em prol de um fundo criado pelo art. 13 da LACP - fluid recovery - , ao passo que os danos morais individuais homogêneos, em que os valores destinam-se às vítimas, buscam uma condenação genérica, seguindo para posterior liquidação prevista nos arts. 97 a 100 do CDC.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ, REsp 1610821/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 26/02/2021) [ressaltado]
Destaque-se, ademais, a importante finalidade pedagógica da indenização a inibir novas violações. Nesse sentido, destaque-se trecho de julgados proferidos no Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ALIENAÇÃO DE TERRENOS A CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA EM LOTEAMENTO IRREGULAR. PUBLICIDADE ENGANOSA. ORDENAMENTO URBANÍSTICO E DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. CONCEPÇÃO OBJETIVA DO DANO EXTRAPATRIMONIAL TRANSINDIVIDUAL.
1. O dano moral coletivo caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por finalidade prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter, em favor da comunidade, o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor (função compensatória indireta).
2. Tal categoria de dano moral - que não se confunde com a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de tutela de direitos individuais homogêneos - é aferível in re ipsa, pois dimana da lesão em si a "interesses essencialmente coletivos" (interesses difusos ou coletivos stricto sensu) que "atinja um alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo primordial de valores sociais" (REsp 1.473.846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21.02.2017, DJe 24.02.2017), revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo à integridade psicofísica da coletividade.
3. No presente caso, a pretensão reparatória de dano moral coletivo, deduzida pelo Ministério Público estadual na ação civil pública, tem por causas de pedir a alienação de terrenos em loteamento irregular (ante a violação de normas de uso e ocupação do solo) e a veiculação de publicidade enganosa a consumidores de baixa renda, que teriam sido submetidos a condições precárias de moradia.
4. As instâncias ordinárias reconheceram a ilicitude da conduta dos réus, que, utilizando-se de ardil e omitindo informações relevantes para os consumidores/adquirentes, anunciaram a venda de terrenos em loteamento irregular - com precárias condições urbanísticas - como se o empreendimento tivesse sido aprovado pela municipalidade e devidamente registrado no cartório imobiliário competente; nada obstante, o pedido de indenização por dano moral coletivo foi julgado improcedente.
5. No afã de resguardar os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha dos consumidores - protegendo-os, de forma efetiva, contra métodos desleais e práticas comerciais abusivas -, o CDC procedeu à criminalização das condutas relacionadas à fraude em oferta e à publicidade abusiva ou enganosa (artigos 66 e 67), tipos penais de mera conduta voltados à proteção do valor ético-jurídico encartado no princípio constitucional da dignidade humana, conformador do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, que não se coaduna com a permanência de profundas desigualdades, tal como a existente entre o fornecedor e a parte vulnerável no mercado de consumo.
6. Nesse contexto, afigura-se evidente o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões.
7. Outrossim, verifica-se que o comportamento dos demandados também pode ter violado o objeto jurídico protegido pelos tipos penais descritos na Lei 6.766/1979 (que dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos), qual seja: o respeito ao ordenamento urbanístico e, por conseguinte, a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, valor ético social - intergeracional e fundamental - consagrado pela Constituição de 1988 (artigo 225), que é vulnerado, de forma grave, pela prática do loteamento irregular (ou clandestino).
(...) 10. Recurso especial provido para, reconhecendo o cabimento do dano moral coletivo, arbitrar a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), com a incidência de juros de mora desde o evento danoso.
(REsp 1539056/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 18/05/2021) [ressaltado]
No caso dos autos, a conduta ilegal das apeladas de cobrança coercitiva e sem livre negociação da THC2 a seus concorrentes, decorrente de serviços que são custeados pela box rate/THC paga pelo armador, com elevação dos custos dos recintos alfandegados independentes e o risco de sua exclusão do mercado portuário, considerado ainda que a prática acarreta aumento do valor dos produtos e insumos importados para o consumidor final, é passível de ressarcimento. Comprovado o nexo de causalidade com o dano moral provocado ao direito à livre concorrência e do consumidor, bem como a necessidade de repressão ao abuso do poder econômico, dúvida não há de que é devida a indenização pleiteada, na forma disposta no artigo 1º da Lei nº 7.347/85.
O valor da indenização deve ser fixado de forma proporcional à gravidade dos fatos, com observância dos princípios da equidade e razoabilidade, e levar em consideração o interesse jurídico lesado e o proveito econômico obtido com a conduta ilícita. Nesse sentido, destacam-se:
“A quantificação do dano moral coletivo reclama o exame das peculiaridades de cada caso concreto, observando-se a relevância do interesse transindividual lesado, a gravidade e a repercussão da lesão, a situação econômica do ofensor, o proveito obtido com a conduta ilícita, o grau da culpa ou do dolo (se presente), a verificação da reincidência e o grau de reprovabilidade social (MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 163-165). O quantum não deve destoar, contudo, dos postulados da equidade e da razoabilidade nem olvidar os fins almejados pelo sistema jurídico com a tutela dos interesses injustamente violados.(
Suprimidas as circunstâncias específicas da lesão a direitos individuais de conteúdo extrapatrimonial, revela-se possível o emprego do método bifásico para a quantificação do dano moral coletivo a fim de garantir o arbitramento equitativo da quantia indenizatória, valorados o interesse jurídico lesado e as circunstâncias do caso.
(STJ, REsp 1539056/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 18/05/2021) [ressaltado]
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PROGRAMA TELEVISIVO. TRANSMISSÃO DE REPORTAGEM INVERÍDICA (CONHECIDA COMO "A FARSA DO PCC"). AMEAÇA DE MORTE POR FALSOS INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EFETIVO TEMOR CAUSADO NAS VÍTIMAS E NA POPULAÇÃO. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. ACTUAL MALICE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO EQUITATIVO PELO JUIZ. MÉTODO BIFÁSICO. VALORIZAÇÃO DO INTERESSE JURÍDICO LESADO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO.
(...) 7. Na espécie, não se trata de mera notícia inverídica, mas de ardil manifesto e rasteiro dos recorrentes, que, ao transmitirem reportagem sabidamente falsa, acabaram incidindo em gravame ainda pior: percutiram o temor na sociedade, mais precisamente nas pessoas destacadas na entrevista, com ameaça de suas próprias vidas, o que ensejou intenso abalo moral no recorrido, sendo que o arbitramento do dano extrapatrimonial em R$ 250 mil, tendo em vista o critério bifásico, mostrou-se razoável.
8. O método bifásico, como parâmetro para a aferição da indenização por danos morais, atende às exigências de um arbitramento equitativo, pois, além de minimizar eventuais arbitrariedades, evitando a adoção de critérios unicamente subjetivos pelo julgador, afasta a tarifação do dano, trazendo um ponto de equilíbrio pelo qual se consegue alcançar razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, bem como estabelecer montante que melhor corresponda às peculiaridades do caso.
9. Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização é arbitrado tendo-se em conta o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos).
10 . Na segunda fase, ajusta-se o valor às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes), procedendo-se à fixação definitiva da indenização, por meio de arbitramento equitativo pelo juiz.
11. Recurso especial não provido.
(STJ, REsp 1473393/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 23/11/2016)
Quanto ao valor, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, a indenização por dano moral tem duplo conteúdo: sancionatório e compensatório. No caso dos autos, o autor não quantificou na inicial o quantum indenizatório pleiteado e requereu fosse arbitrado pelo juízo. Assim, considerada a extensão do dano, o volume da movimentação de cargas (363.000 contêineres/por ano), a média dos valores cobrados por contêiner entre outubro e novembro de 2001 (R$ 98,89 - Id. 101990312 – fl. 206), o período em que perdurou a exigência (desde 22/11/1997) e o número de operadores portuários demandados (Id. 103004239 – fl. 40, Id. 102999265 – fls. 196/19 e Id. 102999265 – fls. 211/240), fixo o montante em R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), que deverão ser pagos solidariamente pelas rés, devidamente corrigido, valor que atende aos requisitos anteriormente mencionados por ser proporcional à gravidade e à extensão dos prejuízos causados, bem como aos princípios da razoabilidade e equidade.
A correção monetária incide a partir desta data (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça) e deve ser atualizada pela taxa SELIC, que contém na sua composição correção monetária e juros, como previsto o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução CJF nº 658/20. Os juros moratórios incidirão a partir da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça).
A condenação à indenização por danos morais coletivos ou sociais: “deve ser dirigida para a coletividade prejudicada pela ofensa ou ao fundo de reparação de bens lesados (art. 13 da LACP)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 430). Assim, a indenização a ser paga pelos réus deve ser destinada ao Fundo de Proteção de Direitos Difusos, como requerido na exordial, nos termos do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, regulamentado pelo Decreto n.º 1.306, de 09/11/94, porquanto refere-se aos interesses difusos tutelados na lide. Transcreve-se o dispositivo:
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
§ 1º. Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária.
II) DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento ao reexame necessário e às apelações do MPF e CADE para reformar a sentença e, nos termos do artigo 515, § 3º, do CPC/73, julgo procedente o pedido inicial, a fim de reconhecer a ilegalidade da cobrança da denominada THC2/SSE, bem como condenar solidariamente os requeridos ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 4.000.000,00, devidamente corrigido, nos termos da fundamentação.
É como voto.
VOTO VISTA
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:
Pedi vista dos autos para melhor análise da discussão ora travada e, feito isso, peço vênia para divergir parcialmente do E. Relator.
De fato, a sentença que extinguiu o processo com base na carência da ação deve ser reformada.
Isso porque a conclusão pela inexistência de interesse processual do MPF para propor ação civil pública em razão do julgamento de questão idêntica em processo administrativo pelo CADE viola os princípios da independência das esferas civil, penal e administrativa, e da inafastabilidade da jurisdição, vigentes no ordenamento jurídico pátrio.
Especificamente com relação às infrações à ordem econômica, o princípio da independência encontrava-se previsto no art. 29 da Lei n. 8.884/1994, vigente quando do ajuizamento da ação: “Os prejudicados, por si ou pelos legitimados do art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.”
Com efeito, a decisão do órgão administrativo em nada impede ou substitui o reconhecimento judicial da (i)legalidade da tarifa de segregação e entrega de contêineres e a reparação civil dos danos coletivos pretendidos pelo autor, sob pena de ofensa ao preceito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, o que não se pode admitir.
Nesse sentido, já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça em caso análogo:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL DECORRENTE DE DANOS PROVOCADOS AO MEIO AMBIENTE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que não havia interesse de agir na presente Ação, que busca a reparação civil decorrente de danos provocados ao meio ambiente, uma vez que houve transação penal e adoção de medidas na esfera administrativa. 2. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que a responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal. Assim, devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos. Nesse sentido: AgRg no AREsp 293.036/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 11.6.2015; AgRg no AREsp 749.755/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 10.12.2015; AgRg no REsp 1.287.013/PI, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 22.3.2012; REsp 860.591/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 4.5.2010. 3. Além disso, impera o entendimento de que eventuais punições na esfera administrativa não impedem o prosseguimento de Ação que busca a responsabilização civil pelos danos provocados, ante a independência das instâncias penal, civil e administrativa. A propósito: AgRg no REsp 1.519.722/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25.8.2015; EDcl no RHC 33.075/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 4.8.2015. 4. Recurso Especial provido. (STJ – REsp n. 1.407.649/CE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, j. 19/04/2016, DJe 27/05/2016)
Ademais, é de se registrar que a autarquia, recentemente, em conjunto com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), emitiu o Memorando de Entendimentos n. 01/2021, no qual se reconhece que “a cobrança pelo SSE não configura, por si só, um ato ilícito” (cláusula 2.1.1.) e que “ainda que se reconheça que a cobrança do SSE não seja considerada, por si só, um ato ilícito, em determinadas circunstâncias pode se revelar abusiva, quando verificada, por exemplo: (i) a abusividade dos valores, (ii) o caráter discriminatório e não isonômico, (iii) a falta de racionalidade econômica para a cobrança, (iv) a cobrança em duplicidade por rubricas já abrangidas pela box rate, pelo SSE e/ou remuneradas pela Terminal Handling Charge (THC), (v) a cobrança por serviço sem a efetiva contraprestação, dentre outras.” (2.1.2.).
A disposição em sentido contrário ao decidido no processo administrativo n. 08012.007443/99-17 e a divergência de entendimento entre tais órgãos e o TCU, que, no Acórdão n. 1448/2022 – Plenário, determinou à ANTAQ a anulação de “todos os dispositivos da Resolução 72/2022 que dizem respeito à possibilidade de cobrança do serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE) em face do desvio de finalidade”, indica que não há consenso administrativo sobre a questão.
Portanto, evidente a subsistência da necessidade e utilidade do pronunciamento judicial acerca da matéria, pelo que acompanho o E. Relator para reformar a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito.
Igualmente, acompanho as razões deduzidas em seu voto para afastar as preliminares suscitadas em contrarrazões recursais, constantes do item IV, ou seja, a ilegitimidade do MPF, da União e da ANTAQ; e a existência de coisa julgada material em razão do julgamento de ação civil pública idêntica pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem como de ações individuais visando à anulação da decisão proferida pelo CADE sobre a matéria discutida.
Divirjo, contudo, quanto à preliminar de cerceamento de defesa.
As rés-apeladas, operadoras portuárias responsáveis pela cobrança da SSE/THC-2, postularam a produção de prova pericial, oral e documental suplementar a fim de demonstrar que os valores da tarifa estão de acordo com os serviços efetivamente prestados e os custos deles advindos (ID 101989453, f. 75-76, 78-79 e 113-114).
Considerando, porém, que a matéria em discussão é eminentemente de direito, entendo pela desnecessidade de abertura da fase instrutória nos autos, uma vez que a análise da legalidade ou ilegalidade da tarifa depende tão somente da análise da legislação de regência e das provas documentais já produzidas. Neste ponto, vale observar que a Nota Informativa n. 06/2003 da ANTAQ, constante de f. 30-58 do ID 102999263, foi elaborada após a análise, pela área técnica daquela agência, dos contratos de concessão dos serviços portuários celebrados entre as rés e a CODESP e a verificação in loco dos procedimentos adotados por elas para averiguar a existência de custos e serviços adicionais efetivos que justifiquem a cobrança da SSE/THC-2 aos terminais retroportuários – justamente os fatos que se pretendem demonstrar com as provas requeridas.
Registre-se que o art. 443, I, do Código de Processo Civil prevê que “O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: (...) I - já provados por documento ou confissão da parte”, e o art. 370, parágrafo único, da lei processual, dispõe que “O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”
Nesse caso, não há que se falar em cerceamento de defesa, consoante pacífica jurisprudência:
PROCESSO CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. OMISSÃO. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRAZO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATUAÇÃO EXCEPCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. PRECEDENTES. PROVIMENTO NEGADO. 1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC/1973 (atual art. 1.022 do CPC/2015), pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, segundo se depreende da análise do acórdão recorrido. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa ao dispositivo de lei invocado. 2. É pacífico o entendimento desta Corte de Justiça de que não há cerceamento de defesa quando o magistrado indefere a produção de provas que considera protelatórias ou inúteis, porquanto analisou a controvérsia e formou sua convicção à luz das provas já existentes. Sendo assim, incide no presente caso a Súmula 7 do STJ, segundo a qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 3. Da mesma forma, tendo o Tribunal de origem, com base nos fatos e provas dos autos, concluído que ficou demonstrada a omissão na implementação de políticas públicas relacionadas à prevenção e ao combate à dengue e que a multa foi fixada em montante razoável, a inversão do julgado demandaria necessariamente o revolvimento de fatos e provas dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ. 4. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte de que cabe ao Poder Judiciário determinar à administração pública a adoção de medidas que viabilizem políticas públicas, sendo sua atuação excepcional consequência da omissão da administração. Incidência da Súmula 83/STJ. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp n. 1.054.588/RJ, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, 1ª Turma, j. 28/8/2023, DJe 30/8/2023)
TRIBUTÁRIO. IRPF. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DE COMPLEMENTAÇÃO DE PERÍCIA. NÃO OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. REGULARIDADE DA INTIMAÇÃO. DECRETO N. 70.235/1972. REGULARIDADE DA CDA. DEPÓSITOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADOS. OMISSÃO DE RECEITA. PRESUNÇÃO LEGAL. ART. 42 DA LEI N 9.430/1996 VIGÊNCIA. CONSTITUCIONALIDADE ATESTADA PELO STF. TRANSFERÊNCIA DE DADOS SUJEITOS A SIGILO AO FISCO. RESERVA DE JURISDIÇÃO. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM FUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. MULTA APLICADA NO PATAMAR DE 225%. FUNDAMENTO LEGAL. ART. 44, I, §§ 1º E 2º, DA LEI N. 9.430/1996. ENQUADRAMENTO LEGAL DA CONDUTA. SÚMULA N. 7/STJ. I - Na origem, trata-se de embargos à execução fiscal que tem por objeto o lançamento de ofício de Imposto de Renda Pessoa Física, no valor de R$ 291.469,16 (duzentos e noventa e um mil, quatrocentos e sessenta e nove reais e dezesseis centavos) e multa de 225%, relativos a rendimentos não declarados no ano-calendário de 1998, exercício de 1999, consistentes em depósitos bancários com origem não comprovada em conta de titularidade do embargante. Na sentença, os embargos foram julgados parcialmente procedentes, para determinar a redução da multa de mora de 225% para 100%. Interpostas apelações por ambas as partes, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, deu-se provimento ao recurso da União - para restabelecer a multa no patamar aplicado administrativamente, isto é, 225% - e negou-se provimento ao recurso do particular. II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que não há cerceamento de defesa quanto o julgador, reputando válidas e suficientes as provas apresentas, indefere de maneira fundamentada o pedido de produção de novas provas formulado pela parte. Precedentes. Nesse contexto, afastar a premissa adotada pela Corte de origem, quanto à irrelevância da complementação da perícia e a suficiência das provas produzidas, demandaria necessário incurso no contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado pelo enunciado da Súmula n. 7 do STJ. (...) XII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido, nos termos da fundamentação. (STJ – REsp n. 1.825.390/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, j. 8/11/2022, DJe 14/11/2022)
Assim, divirjo parcialmente do E. Relator tão somente para afastar a preliminar de cerceamento de defesa, entendendo pela possibilidade de julgamento do mérito nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do Código de Processo Civil.
Acolhida a divergência acima fundamentada, acompanho, em parte, o Eminente Relator no mérito, pelas razões a seguir alinhavadas.
A controvérsia nos autos diz sobre a legitimidade da cobrança de tarifa de segregação e entrega de contêineres (SSE), ou Terminal Handling Charge 2 (THC-2), pelos operadores portuários, terminais portuários ou terminais “molhados”, ora apelados, dos terminais retro portuários alfandegados (TRA), recintos alfandegados ou terminais “secos” que atuam no Porto Organizado de Santos.
Distinguem-se tais agentes essencialmente pelo fato de que, enquanto aqueles obtiveram, por licitação, a concessão da União Federal para executar a operação portuária (movimentação e armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, nos termos do art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 8.630/1993, vigente à época) e exercem suas atividades na área do porto organizado, dispondo de instalações como ancoradouros, docas, cais, pontes, piers de atracação e acostagem (daí a denominação terminais “molhados”), além de armazéns e vias de circulação interna (inciso IV), os últimos têm a permissão da autoridade aduaneira apenas para realizar a armazenagem de carga durante o seu desembaraço para entrada ou saída do território nacional. Suas instalações localizam-se, em regra, nas imediações do porto organizado, e não detém estrutura própria para receber embarcações e realizar carga ou descarga de mercadorias, nem a autorização do Poder Público para tal.
Visto que os operadores portuários também exploram a atividade de armazenagem alfandegada de carga, ao receberem a mercadoria embarcada, dois caminhos são possíveis até a sua entrega ao importador (dono da carga) após o desembaraço, a depender do terminal contratado para armazená-la: a atracação e descarga do navio no porto organizado, e a sua transferência para a área de armazenagem do próprio operador, onde a carga aguardará sua nacionalização para entrega ao importador; ou a atracação e descarga do navio no porto organizado e a separação e transferência dos contêineres para recinto alfandegado independente, que armazenará a carga até a conclusão do processo aduaneiro e a entrega ao dono. A atividade de descarga do navio e colocação dos contêineres em terra constitui a movimentação vertical da mercadoria, enquanto a transferência desta do cais, deck ou outro local onde tenha sido descarregada até a área de armazenagem ou o portão do terminal é denominada movimentação horizontal.
A discussão precípua nos autos é se o serviço de segregação e entrega dos contêineres ao TRA contratado pelo importador integra os serviços remunerados pela box rate (tarifa básica) ou pela Terminal Handling Charge (THC), pagas ao operador portuário pelo armador (transportador da mercadoria), importador, exportador ou consignatário, ou se demandam serviços e custos que excedem aqueles pelos quais o operador já recebeu, a autorizar a cobrança de nova tarifa (a SSE ou THC-2). Ainda, se essa cobrança pelo operador portuário em face dos recintos alfandegados não constitui conduta anticoncorrencial, visto que eles competem no mercado de armazenagem alfandegada de cargas.
Pois bem. A fim de dirimir a controvérsia, faz-se necessário definir, a princípio, os serviços que compõem a box rate ou THC supra indicadas.
Como se evidencia dos autos, tais tarifas correspondem à taxa de capatazia cobrada pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), que explorava as atividades no Porto de Santos antes da privatização do serviço portuário levada a efeito pela Lei n. 8.630/1993. O Decreto n. 24.508/1934, que dispunha sobre os serviços prestados pelas administrações dos portos organizados e uniformizava as taxas portuárias, assim a definia:
Art. 8º "Capatazias" é o serviço de movimentação de mercadorias, realizado por pessoal da administração do porto, compreendendo:
I - Quando em relação à importação:
a) a descarga para o cais, das mercadorias tomadas no convés das embarcações;
b) o transpor dessas mercadorias até o armazém ou local designado pela administração do porto, para seu depósito, inclusive o necessário empilhamento;
c) abertura dos volumes e manipulação das mercadorias para a conferência aduaneira, inclusive o reacondicionamento, no caso de mercadorias importadas do estrangeiro;
d) o desempilhamento, transporte e entrega das mercadorias nas portas, ou portões dos armazéns, alpendres, ou pátios onde tiverem sido depositadas, ou junto dos vagões em que tenham de ser carregadas, nas linhas do porto.
II - Quando em relação à exportação:
a) o recebimento das mercadorias nas portas, ou portões dos armazéns, alpendres, ou pátios da faixa interna do cais designados pela administração do porto, ou junto a vagões que as tenham transportado nas linhas do mesmo porto, até essa faixa interna do cais;
b) transporte das mercadorias desde o local do seu recebimento, até junto da embarcação em que tiverem de ser carregadas;
c) o carregamento das mercadorias, desde o cais, até ao convés da embarcação.
A Lei n. 8.630/1993, sob a qual se deram os fatos ora discutidos, igualmente a conceituava em seu art. 57, § 3º, I:
Art. 57. (...)
§ 3° Considera-se:
I - Capatazia: a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário;
Portanto, o serviço de capatazia abrangia a totalidade das movimentações da carga no terminal portuário – verticais ou horizontais –, da descarga do navio até a sua entrega junto aos portões dos locais onde deveriam ser depositadas ou do transporte contratado para carregá-las, inclusive seu empilhamento, desempilhamento, abertura dos volumes e manipulação para conferência aduaneira.
Quanto à remuneração desses serviços sob a égide da nova legislação, que revogou o antigo Decreto, o art. 51 da Lei dispôs que “As administrações dos portos organizados devem adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto n° 24.508, de 29 de junho de 1934, e suas alterações.”
Não obstante, segundo a Nota Informativa 06/2003, da Superintendência de Portos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (ID 102999263, f. 30-58), apenas o Contratos de Arrendamento para Movimentação e Armazenagem de Contêineres PRES/69.97 (ID 103004241, f. 71-), celebrado pela CODESP (Autoridade Portuária de Santos) com a Santos Brasil após a licitação para concessão da exploração do serviço portuário, estabeleceu uma tabela de valores máximos para a remuneração dos serviços básicos prestados pela operadora, denominada “Taxa” de Movimentação de Contêineres – TMC, devida pelos proprietários ou consignatários da carga, que inclui “todos os serviços básicos de movimentação e armazenagem necessários à recepção e liberação dos contêineres do costado do navio ao portão do terminal, ou vice-versa”, vigente nos 36 primeiros meses do contrato (cláusula vigésima, parágrafos quinto a sétimo – f. 84).
Os contratos firmados com as demais concessionárias (11.95, 48.98 e 28.98, f. 67, ID 102999263) eram omissos quanto à regulação de tarifas e serviços, indicando um regime de livre fixação de preços que, após a vigência da tabela prevista no contrato retro citado, passou a vigorar para todos os terminais (f. 39-40, ID retro).
Foi nesse cenário que os terminais portuários passaram a cobrar a tarifa SSE/THC-2, a título de segregação e entrega de contêineres, dos recintos alfandegados contratados pelos importadores para armazenagem de carga, ensejando a instauração, após denúncias dos TRAs, do processo administrativo n. 08012.007443/99-17, pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), que o remeteu ao CADE após verificar indícios da ocorrência de infração à ordem econômica. Em 27/04/2005, a autarquia federal proferiu a decisão acostada às f. 153-216 do ID 101989453, assim ementada (f. 215):
Processo administrativo. Infração à ordem econômica. Abuso de posição dominante por parte dos terminais portuários de contêineres localizados na área de influência do porto de Santos, ao estabelecerem cobrança para liberação de contêineres (THC2 ou taxa para liberação de contêineres), em prejuízo dos recintos alfandegados independentes e dos consumidores. Ilicitude da cobrança frente às disposições da Lei n° 8.884/94 - condutas tipificadas. Inexistência de conflito entre a agência reguladora setorial (Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ) e o CADE. Inexistência de conflito entre regulação e aplicação da legislação antitruste. Determinação para a cessação das práticas, aplicação de multa e penalidades acessórias.
Na ocasião, concluiu-se, nos termos do voto proferido pelo Relator para acórdão, o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, e à luz de análise técnica realizada pela ANTAQ, que o serviço cobrado sob a rubrica THC-2 estava abrangido pela THC/TMC paga pelo armador, importando em dupla cobrança em desfavor dos recintos alfandegados. Veja-se (f. 207-208):
Para analisar essa segunda alegação, ou seja, que, ao entregar a carga para os recintos alfandegados, as representadas incorrem em custos maiores do que teriam ao armazenar a carga em seu próprio terminal, não há como desconsiderar a análise técnica empreendida pela ANTAQ, ainda que o processo sobre a mesma questão esteja ainda pendente de recurso interposto perante aquela agência.
Os técnicos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ realizaram três visitas ao porto de Santos e, como resultado, elaboraram a Nota Informativa n°06/2003 da Gerência Geral de Gestão Operacional da Superintendência dos Portos daquela agência, juntada aos autos as fls. 2597/2625. Conforme consta às fls. 2597, a referida nota é “um pronunciamento técnico sobre a cobrança do taxa THC2 pelos terminais de contêineres do Porto de Santos, e tem a finalidade de sugerir à Diretoria do ANTAQ parâmetros preliminares para a regulação da exploração dos serviços de movimentação de contêineres nos portos brasileiros.”
Para definir exatamente quais serviços são remunerados pele taxa THC, a ANTAQ consultou diversos armadores e agências de navegação marítima, que representam os armadores junto aos portos ou terminais portuários, e concluiu "com base nas definições e respostas apresentadas, [...] que a THC – Terminal Handling Charge é equivalente à antiga Capatazia e abrange,(...) na importação, todos os serviços de movimentação das cargas a partir do costado do navio até o portão do terminal portuário, incluindo a sua armazenagem e custódia até o momento da entrega, bem como a respectiva entrega sobre o veículo transportador do importador ou consignatário ou do recinto armazenador (...)” (fls. 2616 - grifo meu).
De acordo com o setor técnico da ANTAQ, a “taxa” – na verdade, preço, por não se tratar de tributo – cobrada pelos operadores portuários dos recintos alfandegados independentes não encontra nenhuma justificativa, seja ela operacional ou comercial e representa apenas uma disputa desleal pelo mercado de armazenagem alfandegada.
Sobre os custos incorridos pelos operadores portuários, a análise técnica da Antaq, acolhida pela Procuradoria-Geral daquela Agência, descreveu detalhadamente os procedimentos de descarregamento e carregamento de contêineres do navio pelos operadores portuários no Porto de Santos e conclui que “em todos os terminais de contêineres do Porto de Santos, as rotinas operacionais de descarga de contêineres do navio com entrega aos recintos alfandegados independentes não acarretam prestação de serviços adicionais ou incidência de custos adicionais para os operadores portuários, mas sim prestação de serviços e incidência de custos sempre menores ou, no máximo, equivalentes, comparativamente às rotinas de descarga com entrega dos recintos alfandegados dos operadores-arrendatários, razão pela qual a cobrança em exame é considerada indevida.” (fls. 2620 - grifo meu).
A nota informativa da ANTAQ deixa claro que a movimentação das cargas do costado do navio até o portão do terminal portuário, incluinda entrega da mercadoria, já é paga pelo armador ao operador portuário nos termos do contrato firmado entre eles. O armador repassa então essa despesa para o importador por meio da THC que inclui toda a movimentação da carga entre o costado do navio e o portão do terminal. Além disso, não existe qualquer serviço adicional prestado pelo operador portuário aos recintos alfandegados independentes, do que aqueles prestados na entrega das cargas diretamente ao importador ou ao recinto alfandegado do próprio operador portuário. E, por fim, o setor técnico da ANTAQ sustenta que, mesmo a admitir-se a existência de um serviço adicional, ele não deveria ser cobrado dos recintos alfandegados independentes mas sim do armador, pois é ele que contrata os serviços de movimentação das cargas, incluindo a respectiva entrega.
É oportuno lembrar que a identificação dos serviços de capatazia com a THC é também afirmada no parecer da Tendências Consultoria Integrada, acostado às fls. 1.410/1.464. [grifei]
À luz dos elementos constantes dos autos, tenho que a conclusão alcançada pelo CADE se mostra acertada.
De fato, além de estar embasada em análises realizadas in loco pelos técnicos da ANTAQ acerca dos procedimentos adotados em cada um dos terminais portuários para transferência da carga para os recintos alfandegados e para seus próprios locais de armazenagem, não identificando serviços ou custos para o operador portuário além dos já incluídos na box rate/THC, tal conclusão é compatível com o conceito do serviço de capatazia definido pela legislação então vigente.
Ora, se a taxa de capatazia remunerava os serviços de movimentação horizontal e manuseio da carga até a entrega no portão do terminal ou no transporte contratado pelo importador, entre os quais a segregação (manuseio) da carga de acordo com o seu proprietário, no momento da liberação, é um contrassenso afirmar que a separação para a transferência dos contêineres a um recinto alfandegado seria um serviço não remunerado pela THC.
O que se depreende da análise realizada pela ANTAQ e demais elementos nos autos é que tal operação sempre irá ocorrer: seja no momento da descarga do navio, com a segregação e a entrega dos contêineres ao transporte do recinto alfandegado, seja no momento da liberação ao importador, após os trâmites aduaneiros, quando forem armazenados pelo próprio operador. Não se vislumbra, portanto, um aumento de custos ou de serviços prestados pelo terminal portuário que já não sejam próprios de sua atividade econômica, apenas uma antecipação do momento em que tais serviços ocorreriam, encerrando a guarda e a responsabilidade do operador sobre a carga importada com a entrega ao terceiro contratado pelo dono, e não com a liberação aduaneira diretamente para este.
A Nota Informativa 06/2003 da ANTAQ explicita de forma inequívoca tal situação, ao descrever as rotinas de descarga, separação e transferência dos contêineres e concluir, em cada uma delas, pela ocorrência de custos equivalentes e até inferiores nos casos de armazenagem por recinto alfandegado independente, além de procedimentos burocráticos semelhantes, em relação à armazenagem pelo próprio terminal portuário (f. 33-35, ID 102999263):
A Operação no Terminal de Contêineres Santos Brasil
(...)
Verifica-se então que a realização da rotina 1 envolve menor utilização de equipamentos e instalações do operador portuário e, também, menor distância de transporte das cargas, o que faz pressupor a alocação de menor quantidade de serviços e, também, a incidência de menores custos, comparativamente à rotina 2. Assim, a prestação de serviços e a incidência de custos para o operador portuário, nas rotinas operacionais de descarga dos contêineres do navio com entrega aos recintos alfandegados independentes são, no máximo, equivalentes e, normalmente, menores do que na rotina de descarga com entrega ao recinto do operador portuário.
Todas as rotinas de entrega/recepção de contêineres, seja para os recintos alfandegados independentes ou para o recinto alfandegado do operador portuário, envolvem transferência de responsabilidade, através da Guia de Movimentação de Contêineres de Importação (GMCI).
A Operação nos Terminais de Contêineres LIBRA 35 e 37
(...)
Verifica-se então que as rotinas de descarga dos contêineres com entrega ao recinto armazenador do operador portuário envolvem maior utilização de equipamentos e instalações e, também, maior distância de transporte das cargas, o que faz pressupor a alocação de maior quantidade de serviços e, também, a incidência de maiores custos para o operador portuário, comparativamente às rotinas de descarga com entrega aos recintos alfandegados independentes.
Todas as rotinas de entrega/recepção de contêineres, seja para os recintos alfandegados independentes ou para o recinto alfandegado do operador portuário, envolvem transferência de responsabilidade através de Guia de Movimentação de Contêineres de lmportação (GMCI).
A Operação no Terminal de Contêineres TECONDI
(...)
Verifica-se então que as rotinas de descarga dos contêineres com entrega tanto ao recinto armazenador do operador portuário como aos recintos alfandegados independentes envolvem utilização de equipamentos e instalações e, também, distância de transporte das cargas, em quantidades que podem ser consideradas equivalentes, o que faz pressupor alocação de serviços e, também, incidência de custos para o operador portuário em quantidades equivalentes.
Ambas as rotinas de entrega/recepção de contêineres, seja para os recintos alfandegados independentes ou para o recinto alfandegado do operador portuário, envolvem transferência de responsabilidade, através da Guia de Movimentação de Contêineres de lmportação (GMCI).
Soma-se ainda o fato de que inexiste contrato ou relação jurídica de qualquer natureza que legitime tal cobrança pelos terminais portuários em face dos recintos alfandegados. Ora, se o TRA foi contratado pelo importador para armazenar as mercadorias durante o desembaraço aduaneiro, eventuais custos acrescidos ao terminal portuário por força da opção exercida pelo dono da carga deveriam ser cobrados deste, que é o beneficiário final dos serviços prestados pelo operador – tanto que é ele quem paga a THC ao armador, que apenas a repassa ao operador de sua escolha.
Quanto à cobrança ensejar conduta anticoncorrencial pelos terminais portuários, a questão foi assim tratada na decisão proferida pelo CADE, nos termos do voto proferido pelo Conselheiro Relator para acórdão (f. 209, ID 101989453):
Já se viu que não há relação comercial entre os terminais portuários e os recintos alfandegados, mas sim uma interligação entre os mercados de movimentação de contêineres e o de armazenagem (...).
Para entender a natureza dessa conexão, vale citar o parecer do Prof. Calixto Salomão Filho (fls. 2.527 a 2.559, itens 3.12 e 3.13), que entende como de dependência empresarial a relação de sujeição existente entre os terminais portuários e os recintos alfandegados independentes: “Uma vez que o contêiner é descarregado em um terminal portuário, o recinto alfandegado não tem alternativa senão reivindicar o contêiner desse terminal. Além de inexistir a possibilidade de escolha do terminal portuário, é absolutamente inviável – por representar um custo excessivo e um problema logístico adicional – redirecionar o contêiner descarregado a outro terminal. Ainda que isso fosse viável, de pouco ou nada adiantaria, pois o recinto alfandegado continuaria a depender do terminal portuário para redirecionar o contêiner. Em suma, o terminal portuário ocupa uma posição perante o recinto alfandegado que lhe permite impor as condições que bem entender para a entrega de contêineres. Pouco importa a participação no mercado que o terminal detenha, pois não é aí que se origina seu poder face ao recinto alfandegado. Esse poder origina-se, sim, em uma relação de fato entre eles, pela qual o último precisa receber o contêiner detido pelo primeiro.
Claro está que, ao cobrar a taxa de liberação de contêineres dos recintos alfandegados, os terminais portuários agem como se houvesse um terceiro mercado, o de liberação de contêineres. Inexistindo esse mercado, não há formação regular de preços, que só ocorreria caso houvesse livre negociação entre as partes envolvidas. Como há relação de dependência dos recintos alfandegados aos terminais portuários, estes se valem de coerção para fixar o valor da THC2.
A coerção é evidente ao se verificar que os operadores portuários são, de fato, monopolistas de um insumo essencial ou de um bem infungível, que não pode ser trocado por qualquer outro, no momento em que recebem o contêiner, de cuja liberação dependem os recintos alfandegados para prestar o serviço de armazenagem. [grifei]
Ao final do julgamento, os Conselheiros daquela autarquia concluíram pela prática, pelas rés, das condutas previstas no art. 20, I, II e IV, e art. 21, IV, V, X e XIV da Lei n. 8.884/1994, in verbis:
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; (...)
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; (...)
IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
E, neste ponto, entendo ser igualmente inafastável a conclusão alcançada naquele julgamento pela autarquia federal.
De fato, é incontestável a dependência existente entre o serviço no qual competem os terminais portuários e os recintos alfandegados – armazenagem de carga – e o serviço público prestado apenas por aqueles – a operação portuária que, por incluir a descarga de mercadorias das embarcações, necessariamente precede a sua guarda.
Nesse quadro, a desproporcionalidade entre o poder dos terminais portuários de intervir no mercado de armazenagem em relação aos recintos alfandegados se evidencia, seja pela instituição de tarifa a ser paga exclusivamente por seus concorrentes diretos, aumentando seus custos de funcionamento, seja pela imposição de quaisquer outros limites e entraves para entrega dos contêineres que, como já extensamente explanado, é serviço que integra as atividades essenciais dos operadores, remuneradas pela THC.
Vale observar que a Lei n. 8.884/1994 era expressa quanto à desnecessidade de que as condutas anticoncorrenciais efetivamente causem prejuízo à livre iniciativa, bastando a possibilidade de que tal efeito ocorra, conforme o caput do art. 20, retro transcrito. E, quanto a isso, a dependência entre os mercados de movimentação e de armazenagem de carga permite concluir que, sim, a cobrança da THC-2 é apta a distorcer a concorrência nesse segundo mercado, na medida em que acresce aos recintos alfandegados um custo inexistente para os terminais portuários, obrigando-os a aumentar seus preços e tornando o serviço prestado pelos próprios operadores mais barato e, consequentemente, mais vantajoso aos importadores.
Diante disso, entendo que eventual discussão sobre a efetiva dominação do mercado de armazenagem de carga pelas ora rés como resultado da cobrança da THC-2 torna-se inócua, não influenciando na conclusão pela sua ilegalidade.
Tal entendimento, aliás, já foi adotado por esta 4ª Turma quando do julgamento da Apelação Cível n. 0020121-87.2005.4.03.6100/SP, no bojo de processo pelo qual a Ecoporto Santos pretendia a anulação da decisão administrativa proferida pelo CADE. O acórdão ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CADE. EXIGIBILIDADE DA TAXA DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES (THC-2 - TERMINAL HANDLING CHARGE). - As Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, nos seus artigos 12 e 20 respectivamente, preveem que o Ministério Público Federal oficie nos processos administrativos sujeitos à apreciação do CADE. No caso dos autos, a ação é de particular com o objetivo de anular decisão do CADE, o qual a proferiu em sede administrativa de que era parte a ECOPORTO entre outras. A relação jurídico-processual é restrita subjetivamente às partes, sem repercussão extraprocessual de natureza coletiva ou difusa a justificar a presença do Parquet Federal como custos legis, na forma do artigo 82 do CPC/83 ou o artigo 178 do CPC atual. - Agravo retido desprovido, pois, à vista de que os fatos estão sobejamente demonstrados nos autos, prescindível qualquer outra prova, seja oral, documental ou pericial, as quais, em verdade, somente retardariam a solução da lide. - Descabimento da remessa oficial, uma vez que a sentença foi de improcedência. - Plena a legitimidade passiva da União, uma vez que o pedido subsidiário versou sobre a sua condenação, solidariamente com a CODESP, ao pagamento da indenização pelos danos sofridos em decorrência da decisão proferida pelo CADE. - A recorrente alegou a juntada de documentos novos, os quais foram essenciais à persuasão do magistrado sentenciante, sem oportunidade para manifestação. Todavia, foram apresentados memoriais após a referida juntada sem qualquer manifestação a respeito, o que afasta a alegação de prejuízo ao contraditório. - Os pontos abordados (legalidade da THC2 e determinação de devolução dos valores depositados pela apelante) estão intrinsicamente ligados à quaestio discutida nos autos e não configuram julgamento extra petita. - A chamada THC2 (Terminal Handling Charge), objeto da controvérsia, é o preço cobrado dos recintos alfandegados independentes pelos terminais ou operadores portuários para segregação e entrega das cargas nas operações de importação. As partes divergem quanto ao que cobrem os valores pagos pelo importador às agências marítimas e que são repassados ao operador portuário: se são todos os serviços até os destinatários (consignatário/ recinto alfandegado independente/ importador) no portão do terminal portuário ou se o serviço de segregação e entrega está excluído. Na primeira hipótese, haveria apenas o preço da THC e, na segunda hipótese, também o preço da THC2. - Fica evidente que no mercado de armazenagem competem por contratos com os importadores os operadores portuários e os recintos alfandegados e a disputa se faz pela diferenciação de serviços e pelos preços. A cobrança da THC2 dos segundos pelos primeiros possibilita a interferência nos custos dos recintos alfandegados e, em consequência, em seus preços de armazenagem, sem que haja relação jurídica ou econômica entre eles, pois os recintos alfandegados apenas devem receber os bens importados para armazená-los. Se há um serviço adicional de segregação e entrega, ele decorre de contrato firmado com o armador ou, em ultima instância, para o importador. A liberação dos contêineres é serviço público prestado pelo operador portuário, sobre o qual o recinto retroalfandegado não tem qualquer poder ou direito de negociação. Para ele o preço é fixado pelo operador portuário, numa posição de dominância e sem formação livre. Em consequência, a conclusão do Sr. Relator do processo administrativo no CADE: "A não existência de um mercado de prestação de serviços de segregação e entrega impede que haja formação de preços. Sendo assim, a manutenção dessa cobrança livre pode ser usada para eliminar a concorrência no mercado de armazenagem alfandegada ou transferir renda do TRA´s para os terminais, renda esta que poderia ser apropriada pelos consumidores (importadores) com a diminuição dos preços de armazenagem" (fl.710 - vol. III). - A decisão do CADE objeto destes autos analisou a THC2 sob a temática de infração à livre concorrência e estritamente à luz das relações entre operadores portuários e recintos alfandegados independentes. Assim, as disposições da Resolução nº 2.389, de 13.02.12, e a Decisão DIREXE nº 371, de 07.07.05, no que possibilitaram a cobrança da THC2 pelos operadores portuários dos recintos retroalfandegados não subsistem. É de ser ressaltado que a taxa M-20 ser comparada à THC2 não se mostra apropriado. Primeiramente, porque ela preexistiu à privatização do Porto de Santos. Ademais, a Lei nº 8.630/93 mudou radicalmente o regime jurídico dos portos brasileiros. Com ela a operação portuária passou a particulares, os quais, no que tange à armazenagem, devem competir livremente no mercado. A taxa M-20 foi criada em 14.07.89 pela CODESP, quando esta exercia funções ou serviços que depois foram passados à iniciativa privada. Com a privatização operada após a promulgação da Lei nº 8.630/93, as razões que a justificaram não mais existiam. Tanto é assim que seu artigo 51 determinou que as administrações dos portos organizados deveriam adotar estruturas de tarifas adequadas aos respectivos sistemas operacionais, em substituição ao modelo tarifário previsto no Decreto nº 24.508, de 29.06.34, o qual dava sustentáculo à taxa M-20, e foi expressamente revogado (art. 76). - O poder regulamentar que a Lei nº 8.630/93, a Lei nº 10.233/01 e a Lei nº 12.815/13 conferiram à CODESP e à ANTAQ é plenamente reconhecido. Porém, naquilo que afrontarem as Leis nº 8.884/94 e 12.529/11, que cuidam da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, ficarão sob a jurisdição administrativa do CADE. - Preliminares rejeitadas, agravo retido desprovido, remessa oficial não conhecida e apelações da parte autora e da União desprovida. (TRF3, 4ª Turma, ApCiv 0020121-87.2005.4.03.6100, Rel. Des. Federal ANDRÉ NABARRETE, j. 07/12/2017, e-DJF3 06/03/2018)
Registro, ainda, que o fato de a ANTAQ autorizar a cobrança da THC-2 desde a edição da Resolução 2.389/2012 (sucedida pelas Resoluções 34/2019 e 72/2022) não afasta a ilegalidade ora reconhecida nem macula, de modo algum, a decisão proferida pelo CADE no exercício de suas atribuições. Ora, ainda que a agência reguladora tenha posteriormente reconhecido a possibilidade da cobrança, fato é que a conclusão pela inexistência de serviços extras e custos adicionais que justifiquem a instituição da THC-2 foi baseada em análise in loco realizada por seus próprios técnicos na área do porto organizado de Santos.
Aliás, igualmente entendeu o Tribunal de Contas da União (TCU) em julgamento realizado em 22/06/2022[1], ao analisar denúncias sobre irregularidades no processo de revisão da referida Resolução, quando determinou a anulação, pela agência, dos dispositivos que autorizavam a cobrança da THC-2 pelos operadores portuários, por verificar desvio das finalidades previstas nos arts. 20, II, “b” e 27, IV, da Lei n. 10.233/2001[2] e violação aos arts. 36, I e IV, da Lei n. 12.529/2011 (correspondente ao art. 20 da Lei n. 8.884/1994) e 4º, I, da Lei n. 13.874/2019[3] (Lei da Liberdade Econômica).
No voto condutor do acórdão, o Ministro Relator Vital do Rêgo deixou consignado que os fatos apurados naquele feito evidenciam que “a SSE não está associada a um serviço específico, as atividades desse serviço existem mas já estão contempladas na THC. A cobrança dessa taxa serve para que o operador portuário oferte diferentes preços em situações distintas, a depender da possibilidade de ele receber pela armazenagem ou não. (...) a permissão para cobrança do SSE/THC 2, particularmente no atual formato, traz caráter anticompetitivo à Resolução Normativa ANTAQ 34/2009, sendo verificados fortes indícios de presença de abuso regulatório que acarreta distorção concorrencial, nos termos do inciso I, art. 18 da Instrução Normativa (IN) SEAE nº 97, de 2 de outubro de 2020, com respectivos efeitos esperados prejudiciais ao bem-estar do consumidor. (grifos acrescidos) Esse mesmo estudo me levou a concluir que, a despeito de qualquer análise de impacto regulatório que venha a ser realizada, o resultado será sempre o mesmo: a cobrança da SSE não é legítima na medida em que obstaculiza a competitividade do serviço de armazenagem da operação portuária de importação e acarreta infração à ordem econômica.” [grifei].
Tal decisão foi objeto de mandado de segurança coletivo impetrado pela Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres no Supremo Tribunal Federal (MS 38.673/DF), o qual teve o pedido de tutela de urgência para a suspensão dos efeitos daquele acórdão negado. Após, a impetrante requereu a desistência da ação, homologada pelo Ministro Relator Dias Toffoli, de modo que a decisão do TCU subsiste.
Diante do exposto, deve ser acolhido o pedido de declaração de ilegalidade da cobrança de tarifa de segregação e entrega de contêineres, a THC-2/SSE (ou qualquer outra denominação), pelos operadores portuários em face dos recintos alfandegados independentes, com a suspensão imediata da referida cobrança, sob pena de multa diária, nos termos do art. 11 da Lei n. 7.347/1985.
Quanto ao pedido de “condenação em valor arbitrado pelo Juízo, considerando-se os vultosos valores já arrecadados, decorrentes do auferimento indevido da cobrança por longo período de tempo, a ser destinado ao Fundo previsto na Lei de Ação Civil Pública” (f. 23, ID 102999262), porém, tenho que não deve ser acolhido.
Como se sabe, em matéria de proteção de interesses difusos e coletivos, o Superior Tribunal de Justiça entende que o dano moral é presumido ou in re ipsa, ou seja, configura-se a partir da ocorrência do fato apto a causar lesão extrapatrimonial a tais interesses, independentemente da prova do efetivo prejuízo. Tal entendimento, porém, não afasta a possibilidade de se verificar se o fato é, objetivamente, passível de ocasionar danos dessa natureza. Nesse sentido, veja-se o seguinte acórdão da Corte Especial:
CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE JOGO DE BINGO. VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE MORAL DOS CONSUMIDORES. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZAÇÃO IN RE IPSA. SÚMULA 168/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS. 1. É remansosa a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos e de aspectos de ordem subjetiva. O referido dano será decorrente do próprio fato apontado como violador dos direitos coletivos e difusos, por essência, de natureza extrapatrimonial, sendo o fato, por si mesmo, passível de avaliação objetiva quanto a ter ou não aptidão para caracterizar o prejuízo moral coletivo, este sim nitidamente subjetivo e insindicável. 2. O dano moral coletivo somente se configurará se houver grave ofensa à moralidade pública, objetivamente considerada, causando lesão a valores fundamentais da sociedade e transbordando da tolerabilidade. A violação aos interesses transindividuais deve ocorrer de maneira inescusável e injusta, percebida dentro de uma apreciação predominantemente objetiva, de modo a não trivializar, banalizar a configuração do aludido dano moral coletivo. 3. A tese jurídica, trazida no acórdão ora embargado, de que o dano moral coletivo se configura in re ipsa, está em conformidade com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o que leva à incidência da Súmula 168/STJ. 4. Os arestos cotejados, analisando hipóteses fáticas distintas, adotaram o mesmo raciocínio jurídico, ora reconhecendo, ora afastando o dano moral coletivo, entendendo ser este aferível in re ipsa, e independer de prova do efetivo prejuízo concreto ou abalo moral. O paradigma adota a mesma inteligência do aresto ora hostilizado, exigindo uma violação qualificada ao ordenamento jurídico, de maneira que o evento danoso deve ser reprovável, intolerável e extravasar os limites do individualismo, atingindo valores coletivos e difusos primordiais. Assim, não há dissenso pretoriano entre ambos os arestos. 5. Embargos de divergência não conhecidos. (EREsp n. 1.342.846/RS, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Corte Especial, j. 16/06/2021, DJe 03/08/2021)
Na espécie, não obstante a conduta das rés caracterize infração à ordem econômica, sendo, portanto, passível de repressão nas searas administrativa e judiciária, não verifico a ocorrência de violação “inescusável e injusta” a interesses transindividuais a ensejar a condenação por dano moral coletivo. Isso considerando que a ANTAQ e a CODESP admitem a incidência da THC-2 ao menos desde 2005 (Decisão DIREXE n. 371/2005) e a matéria é reconhecidamente controvertida entre os órgãos administrativos (CADE e ANTAQ) e judiciais desde o início da cobrança, há mais de 20 anos, tendo sido proferidas decisões divergentes nesse período pelos mais diversos órgãos e tribunais.
Nesse caso, entendo ser escusável a conduta das operadoras portuárias em manter a cobrança da tarifa com base nos atos da agência regulatória do setor – dotados de presunção de legalidade e legitimidade – e da autoridade portuária competente, sob pena de puni-las pela incapacidade do Poder Público de, em duas décadas, alcançar um consenso quanto a matéria de extrema relevância para o setor portuário.
Na ausência de grave ofensa à moralidade pública e a valores fundamentais da sociedade, o reconhecimento do dano moral coletivo importaria em efetiva banalização do instituto, tornando-se somente mais um custo para as sociedades empresárias a ser repassado aos consumidores. Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VEICULAÇÃO DE ANÚNCIO COMERCIAL. PROPAGANDA ENGANOSA. DANOS MORAIS COLETIVOS. DESCABIMENTO. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SUMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. É remansosa a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos e de aspectos de ordem subjetiva. O referido dano será decorrente do próprio fato apontado como violador dos direitos coletivos e difusos, por essência, de natureza extrapatrimonial, sendo o fato, por si mesmo, passível de avaliação objetiva quanto a ter ou não aptidão para caracterizar o prejuízo moral coletivo, este sim nitidamente subjetivo e insindicável. 2. O dano moral coletivo somente se configurará se houver grave ofensa à moralidade pública, objetivamente considerada, causando lesão a valores fundamentais da sociedade e transbordando da tolerabilidade. A violação aos interesses transindividuais deve ocorrer de maneira inescusável e injusta, percebida dentro de uma apreciação predominantemente objetiva, de modo a não trivializar, banalizar a configuração do aludido dano moral coletivo. 3. O acórdão estadual está em sintonia com a jurisprudência do STJ (EREsp 1.342.846/RS, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Corte Especial, j. em 16/6/2021, DJe de 3/8/2021). Portanto, o apelo nobre encontra óbice na Súmula 83/STJ, aplicável tanto pela alínea a quanto pela alínea c do permissivo constitucional. 4. O eg. Tribunal a quo, soberano na análise do acervo fático-probatório carreado aos autos, concluiu que "a veiculação da propaganda (que pelo que consta nos autos ocorreu somente uma vez), apesar de ilegal, não foi capaz de gerar prejuízo ou abalo a imagem ou a moral da coletividade". 5. A modificação de tais entendimentos lançados no v. acórdão recorrido, como ora postulada, demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp n. 1.330.516/RN, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 17/4/2023, DJe 3/5/2023)
RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE AÉREO. DEVER DE INFORMAÇÃO. FORMULÁRIO ESCRITO. INEXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA AO TEMPO DA PROPOSITURA DA AÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. DANOS MORAIS COLETIVOS. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. É inviável o ajuizamento de ação civil pública para condenar certa companhia aérea a cumprir o dever de informar os passageiros acerca de atrasos e cancelamentos de vôos, seguindo forma única e detalhada, sem levar em conta a generalidade de casos e sem amparo em norma específica, apenas com suporte no dever geral de prestar informações contido no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor. 2. A condenação em reparar o dano moral coletivo visa punir e inibir a injusta lesão da esfera moral de uma coletividade, preservando, em ultima ratio, seus valores primordiais. Assim, o reconhecimento de dano moral coletivo deve se limitar às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização, tornando-se, somente, mais um custo para as sociedades empresárias, a ser repassado aos consumidores. 3. No caso concreto, não restou configurada a grave ofensa à moralidade pública a ensejar o reconhecimento da ocorrência de dano moral coletivo. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp n. 1.303.014/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, j. 18/12/2014, DJe 26/05/2015)
Ante o exposto, divirjo parcialmente do E. Relator a fim reformar a sentença recorrida e, com fulcro no art. 1.013, § 3º, I, do CPC, resolver o mérito e julgar parcialmente procedentes os pedidos para declarar a ilegalidade da cobrança de tarifa de segregação e entrega de contêineres, (THC-2/SSE ou qualquer outra denominação), pelos operadores portuários em face dos recintos alfandegados independentes, determinando a suspensão imediata da referida cobrança a partir da intimação do presente acórdão, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do art. 11 da Lei n. 7.347/1985.
Sem honorários (art. 18 da Lei n. 7.347/1985).
É como voto.
[1] Acórdão 1448/2022 – PLENÁRIO.
[2] Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário: (...)
II – regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a: (...)
b) harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações que configurem competição imperfeita, práticas anticompetitivas ou formação de estruturas cartelizadas que constituam infração da ordem econômica.
Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação: (...)
IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores;
[3] Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:
I - criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003277-84.2004.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: USINAS SIDERURGICAS DE MINAS GERAIS S.A. - USIMINAS, LIBRA TERMINAIS S.A., ECOPORTO SANTOS S.A., NUMERAL 80 PARTICIPACOES S/A, SANTOS BRASIL PARTICIPACOES S.A., UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: FERNANDA GOMES DE SOUSA COELHO - SP304891, JOSE INACIO GONZAGA FRANCESCHINI - SP28711, LUDMYLLA SCALIA LIMA - DF37743, SANDRA GOMES ESTEVES - SP130641
Advogados do(a) APELADO: DAVID AZULAY - RJ176637-A, HENRIQUE OSWALDO MOTTA - SP179034-A, MARINA XAVIER BRUNO DE SOUZA - RJ104204
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A
Advogados do(a) APELADO: DECIO DE PROENCA - SP52629-A, FERNANDO NASCIMENTO BURATTINI - SP78983-A, JOSE CARLOS DA ANUNCIACAO - SP131142, MARISA APARECIDA ZANARDI - SP145412-A, MAURICIO WAKUKAWA JUNIOR - SP183918, ROBERTA CRISTINA ROSSA - SP109929
Advogados do(a) APELADO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON - SP103560-A, RONALDO VASCONCELOS - SP220344
OUTROS PARTICIPANTES:
AMICUS CURIAE: ASSOCIACAO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTEINERES DE USO PUBLICO - ABRATEC
ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: CELSO CORDEIRO DE ALMEIDA E SILVA - SP161995-A
ADVOGADO do(a) AMICUS CURIAE: SAULO VINICIUS DE ALCANTARA - SP215228-A
V O T O - V I S T A
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:
Pedi vista dos autos, após o voto do e. Relator, Desembargador Federal ANDRE NABARRETE, no trato da questão referente à cobrança do THC-2.
Sua Excelência rejeitou as preliminares arguidas pelas apeladas, negou provimento ao agravo retido interposto pela empresa ECOPORTO SANTOS S/A, deu parcial provimento ao reexame necessário e às apelações do MPF e do CADE, para reformar a sentença, a fim de reconhecer o interesse de agir do MPF, bem como determinar o retorno dos autos à origem para regular prosseguimento do feito.
A sentença de primeiro grau extinguiu o feito sem resolução de seu mérito, a teor do art. 267, VI, do CPC, sob o fundamento de que, tendo sido examinadas pelo CADE as mesmas infrações objeto do processo judicial, e aplicadas as penalidades previstas em lei, a consequência é a falta de interesse superveniente na medida em que se materializou o título judicial executivo aparelhado para execução imediata.
Entendo que é plenamente aplicável ao feito, o art. 515, § 3º, do CPC/73, que deve reger o sistema recursal em análise, verbis:
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa vedar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.
Essa exatamente a situação dos autos. A quantidade de provas acostadas aos autos, e a legislação de regência são absolutamente suficientes para decisão da matéria, mais ainda considerando a recente decisão sufragada pelo C. STJ, reconhecendo a legalidade da cobrança da indigitada tarifa.
Essa sentença, no entretanto, não se sustenta, diante da cláusula prevista no art. 5º, XXXV, da CF.
Fosse assim, certo que, qualquer decisão administrativa sancionatória, em relação à qual as partes manifestaram insurgência e impugnação, passariam ao largo do Poder Judiciário.
Aliás, nem precisaríamos ter Poder Judiciário. Bastaria a instalação de um contencioso administrativo, como o Francês, por exemplo, com grau de definitividade de suas decisões, impedindo a atuação do Poder Judiciário.
Todo o denso arcabouço probatório encontra-se nos autos, sendo absolutamente desnecessária a realização de outras provas, como periciais, documentais, testemunhais.
A questão única aqui debatida é se há foros de legalidade na exigência da THC2, quando da movimentação de cargas no Porto de Santos.
Tempos atrás, examinando autos de Agravo de Instrumento considerei que a decisão do MM. Juízo recorrido deveria ser mantida, mesmo porque a matéria seria devolvida à Corte para análise com mais detença, das questões ali debatidas, quando do julgamento da Apelação.
Efetivamente, melhor analisando o arcabouço probatório, e conhecendo a situação das movimentações de cargas no Porto de Santos, convenci-me do desacerto da decisão anteriormente proferida.
Tanto assim, que julguei perante esta mesma E. 4ª Turma a Apelação Cível nº 0014995-56.2005.4.03.6100, Acórdão esse que veio a ser conhecido e julgado pelo C. STJ, no REsp 1.774.301-SP, sob relatoria do e. Min. SERGIO KUKINA, tendo sido adotado, naquela E. Corte, na íntegra, os fundamentos aqui lançados, para afinal conhecer parcialmente do recurso do CADE, para nessa extensão, negar-lhe provimento, mesma disposição em relação ao recurso da MARIMEX.
Nesse v. Acórdão, publicado em 08/09/2022, S. Exa. adotou como fundamento de decidir, em sua extensão, todas as considerações lançadas no voto que proferi, e que mais adiante, “permissa vênia” de meus ilustres pares, farei transcrever.
Mas, um dos aspectos que me preocuparam nessa questão, ora em julgamento, foi a atuação exorbitante e abusiva do Tribunal de Contas da União - TCU, que baseado em denúncia anônima, subserviente dos regramentos legais, instaurou procedimento administrativo, no qual foram subtraídos dos diretamente interessados o contraditório e a ampla defesa, infringindo, numa penada o art. 5º, incisos LV e XXXIII, da CF.
O TCU acabou de criar um processo sancionador, sigiloso, secreto, no qual as informações que atingem os direitos dos interessados lhe são subtraídas. A confidencialidade, utilizada nesse procedimento absolutamente nulo do TCU, é acessível exclusivamente para os membros e servidores daquele órgão, cujo papel é exatamente auxiliar o Poder Legislativo.
A matéria aqui tratada não envolve dinheiros públicos, e sequer poderia desatar a atuação daquela Corte de Contas, que deve subserviência ao Poder Judiciário, e não vice-versa.
Portanto, absolutamente nula a decisão, e quaisquer decisões nesse sentido emanadas do TCU são aqui expressamente desconsideradas, mesmo porque, cada um dos atores provedores de funções estatais específicas, hão de respeitar seu círculo de atuação, não indo além do que lhe é legal e constitucionalmente permitido.
Feitas tais considerações, importante destacar que, em relação ao CADE, seu próprio DEPARTAMENTO DE ESTUDOS afirmou que cobrar SSE/THC2 é lícito e justificável. Essa conclusão foi levada a conhecimento uma semana após a decisão do TCU (!) ter considerado ilegal a cobrança e fixado prazo de 30 dias para que a ANTAQ, reveja o normativo que permite essa cobrança.
Ou seja, suprime-se como num passe de mágica a competência administrativa de uma Agência Reguladora, como se estudos sérios não tivessem sido realizados, e como se a coisa pública, externalizada nas decisões específicas de uma Agência que regula um setor específico do mercado, precisasse passar um ofício de concordância entre todos os órgãos públicos existentes neste País.
Nesse sentido o controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas da União, no caso específico das Agências Federais, vincula-se à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, devendo a Corte de Contas examinar, na lição do Prof. Ives Gandra Martins: “a legalidade, legitimidade e economicidade, são, os parâmetros da execução orçamentária, cabendo rígida fiscalização de tais pressupostos, na operacionalidade das proposições aprovadas pelo Congresso” (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, vol. 4, pg. 6).
Demais disso, acresça-se um fato inusitado: os terminais portuários não foram chamados a participar do processo do TCU, que gerou o Acórdão 1.448/2022, sendo-lhes obstados exercerem o contraditório e a ampla defesa. Sequer uma intimação foi realizada para ciência do processo decorrente de uma “denúncia”.
Mas, a mesma situação seria inadmissível se este Tribunal, sem possibilitar a ampla defesa, o contraditório com os recursos inerentes a tais mecanismos, simplesmente, trouxesse a conhecimento público o Acórdão, sem que às partes fosse dado conhecimento do feito em julgamento, e exercerem com efetividade o direito que constitucionalmente lhes é reservado, quer em processos judiciais, quer em processos administrativos.
Nesse sentido, sendo a ANTAQ uma Agência com importante grau de especialização, regulando setor específico da economia brasileira, dispõe Ela de competência específica para o desenvolvimento da sua área de atuação, razão pela qual dotou-a o legislador de tríplice autonomia: administrativa, técnica e financeira, que não deve ser desprezada e tampouco amesquinhada, por qualquer dos atores sociais.
O caso merece uma reflexão mais apurada, longe das paixões dos interessados nessa guerra entre terminais secos e terminais molhados.
Aqui o Judiciário julga os fatos como são na realidade, e a eles aplica o melhor direito, sem qualquer injunção política de quem quer que seja e mais, de forma absolutamente independente e transparente.
Quanto ao CADE, é certo que a área técnica (Departamento de Estudos do CADE) defendeu que cobrar o SSDE/THC2 é “lícito” e “justificável”, em longuíssimo parecer de 188 páginas, chegando a afirmar que essa postura do CADE, de proibir a cobrança, “pode desincentivar importantes investimentos no setor”.
Na verdade, a livre concorrência está sendo obstada por posição dominante de parte dos usuários dos terminais secos, vez que os terminais molhados têm outros custos para movimentação das cargas.
Em relação às ações elencadas pelo e. Relator, importante frisar que a seguir farei o destaque de decisões que confirmam a legalidade da cobrança da taxa que ora se discute. Vejamos:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DO CADE. VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. NORMA INFRALEGAL. ANÁLISE. NÃO CABIMENTO NA SENDA DO ESPECIAL APELO. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos da sedimentada jurisprudência deste Superior Tribunal, tendo a instância de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, tal como se verifica no caso em exame, não há falar em negativa de prestação jurisdicional.
2. Desde que decida a matéria questionada com fundamentação suficiente para lhe amparar a conclusão, desonera-se o Tribunal de examinar todos os artigos de lei invocados no recurso, tornando-se, nessa medida, dispensável a análise dos dispositivos que, embora para a parte pareçam significativos, para o julgador restaram superados pelas razões de decidir.
3. A matéria amparada nos dispositivos legais apontados nas razões do especial não foi objeto da apelação interposta na origem, não tendo sido, portanto, devolvida a questão à segunda instância.
Trata-se, em verdade, de inovação recursal promovida nos aclaratórios opostos após a manutenção da sentença pelo Tribunal a quo. Dessarte, ante a falta do necessário prequestionamento, incide o óbice da Súmula 211/STJ.
4. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, a fim de se aferir a ocorrência de infração à ordem econômica na espécie, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório existente nos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. Nessa mesma linha de compreensão: AgRg no AREsp 635.762/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/3/2015, DJe 6/4/2015.
5. A Corte regional solucionou a contenda relativa à competência do CADE por meio de valoração da Resolução ANTAQ n. 2.389/2012, sendo certo que, no ponto, o exame da insurgência não prescinde da análise da referida norma infralegal, cujo intento não se afigura cabível no vinculado âmbito do apelo nobre, a teor do art. 105, III, a, da CF.
Nesse sentido, em caso análogo ao presente: AgInt no AREsp 1.537.395/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/9/2022, DJe 8/9/2022.
6. Recurso especial do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DE MARIMEX. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. NORMA INFRALEGAL. ANÁLISE. NÃO CABIMENTO NA SENDA DO ESPECIAL APELO. MODIFICAÇÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Nos termos da sedimentada jurisprudência deste Superior Tribunal, tendo a instância de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, tal como se verifica no caso em exame, não há falar em negativa de prestação jurisdicional.
2. Desde que decida a matéria questionada com fundamentação suficiente para lhe amparar a conclusão, desonera-se o Tribunal de examinar todos os artigos de lei invocados no recurso, tornando-se, nessa medida, dispensável a análise dos dispositivos que, embora para a parte pareçam significativos, para o julgador restaram superados pelas razões de decidir.
3. Conforme iterativa jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, ainda que a alegada contrariedade à lei federal surja no julgamento do acórdão recorrido, é indispensável a oposição de embargos de declaração para que o Tribunal de origem se manifeste sobre a questão, sob pena de restar desatendido o requisito do prequestionamento. Incidência da Súmula 282/STF.
4. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, a fim de se aferir a ocorrência de infração à ordem econômica na espécie, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório existente nos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. Nessa mesma linha de compreensão: AgRg no AREsp 635.762/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/3/2015, DJe 6/4/2015.
5. A Corte regional solucionou a contenda relativa à competência do CADE por meio da valoração da Resolução ANTAQ n. 2.389/2012, sendo certo que, no ponto, o exame da insurgência não prescinde da análise da referida norma infralegal, cujo intento não se afigura cabível no vinculado âmbito do apelo nobre, a teor do art. 105, III, a, da CF.
Nesse sentido, em caso análogo ao presente: AgInt no AREsp 1.537.395/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 5/9/2022, DJe 8/9/2022.
6. Recurso especial de Marimex Despachos Transportes e Serviços Ltda. parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.774.301/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 11/4/2023, DJe de 17/4/2023)
“DECISÃO
RECURSO ESPECIAL Nº 1.399.761 -SP (2013/0278828-1)
DECISÃO
Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da CF) interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TARIFA DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTEINERES – THC2 - NÃO CONFIGURAÇÃO DE OFENSA Á LIVRE CONCORRÊNCIA, Á ORDEM ECONÔMICA E AOS CONSUMIDORES - R. SENTENÇA MANTIDA.
(...)
A parte recorrente sustenta, em Recurso Especial, violação do art. 20, I, II e IV; 21, IV e V; 23, I, da Lei 8.884/1994; 946 do Código Civil e da Lei sob o argumento de que a Tarifa de Armazenagem denominada THC2 configura lesão à livre concorrência.
É o relatório.
Decido.
Os autos foram recebidos neste Gabinete em 31.8.2015.
A irresignação não merece prosperar.
Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, se reportando ao entendimento adotado pelo Juízo de piso, entendeu que a cobrança da tarifa em discussão (THC2) decorre de uma nova etapa de trabalho, que requer a disponibilização de maquinário, mão de obra e tempo extra. Estabeleceu, outrossim, que tal taxa não é uma inovação, porquanto já cobrada anteriormente pela CODESP e, ainda, que existe fiscalização de forma a coibir possíveis práticas lesivas à livre concorrência (fls. 2380-2385/e-STJ).
Nota-se que todas as conclusões do Tribunal de origem derivam de esmerada análise do contexto fático-probatório, razão pela qual o acolhimento da pretensão recursal é obstado pela Súmula 7/STJ.
Ademais, a legalidade da fixação de alíquotas da Taxa de Armazenagem Portuária por meio de portaria ministerial já foi reconhecida por esse Superior Tribunal de Justiça, por via de consequência, é incabível a pretensão da parte recorrente de obter a declaração de sua ilegalidade.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO TAXA DE ARMAZENAGEM PORTUÁRIA POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO POR PORTARIA.
Legalidade da fixação de alíquotas da Taxa de Armazenagem Portuária por meio de portaria ministerial, eis que se trata de preço público. Precedentes.
3. Recurso especial provido.
(REsp 868.978/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 13/02/2008, p. 152)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL. TAP. PREÇO PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA.
1. "É legítima a fixação por meio de portaria ministerial da Taxa de Armazenagem Portuária, sem que isso represente qualquer ofensa ao princípio da legalidade". Precedente: REsp 115.783/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU 13.12.04.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 808.439/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 346)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. TAP. PREÇO PÚBLICO.
JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA. AUSÊNCIA DE PEÇA OBRIGATÓRIA. PROCURAÇÃO DA AGRAVADA.
- Conforme entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, é legítima a fixação da "Taxa de Armazenagem Portuária" por meio de portaria ministerial, haja vista a não-ocorrência de qualquer afronta ao princípio da legalidade.
- A procuração outorgada ao(s) advogado(s) da parte agravada é peça obrigatória na formação do instrumento de agravo.
- Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 395.440/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 13/02/2006, p. 723).
Por tudo isso, nego provimento ao Recurso Especial.”
(REsp n. 1.399.761, Ministro Herman Benjamin, DJe de 06/11/2015)
Em decorrência da privatização, passaram a existir dois tipos de agentes- operadores portuários: os que possuem terminal próprio, sendo esse arrendamento decorrente de licitação e outros que executam suas atividades no cais público. São autorizatários, e essa autorização é concedida pela Autoridade Portuária.
A diferença entre ambos é que esses operadores portuários privados, assinaram contratos com assunção de obrigações, mas também de direitos, entre os quais se inclui o direito de promover a cobrança de qualquer serviço prestado diretamente a terceiros, podendo, ainda nos termos da Lei nº 8.630/93, art. 3º, § 1º, proceder a um ajuste de preços em relação aos serviços prestados, nos termos do que disciplina o CAP - Conselho da Autoridade Portuária.
E tal situação jamais poderia significar, abuso de poder de mercado.
A situação do porto de Santos é ímpar, eis que se adotou um modelo especial de gestão portuária, tudo nos termos da Lei nº 8.630/93, baseado nos melhores modelos internacionais de portos, cuja eficácia e eficiência de procedimentos, movimentam de forma importantíssima a economia, que é o modelo de PORTO PROPRIETÁRIO (LAND LORD).
No porto de Santos, bem como em vários portos como Rotherdam (totalmente automatizado e operado por robôs), Xangai (o mais importante do mundo, com 3.600km de extensão), também conhecido como Yangshan, Singapura etc., a denominada Autoridade Portuária tem a propriedade da área do porto e de toda a sua infraestrutura: ancoradouro, docas, cais, pontes, piers de atracação e acostagem, armazéns e vias de circulação interna, infraestrutura de proteção e acessos aquaviários ao porto, como guias-correntes, quebra-mares, eclusas, canais etc.
Essa Autoridade Portuária, cumprindo o disposto no art. 175, ”caput”, da CF e seu parágrafo único, licitou essa prestação de serviços, e nos termos da Lei arrendou as áreas que contribuem para o aprimoramento das operações portuárias.
Com a edição da mencionada Lei nº 8.630/93, os serviços, tanto os de bordo (estiva), como os de terra (capatazia), passaram a ser cobrados com uma tarifa única, que na linguagem dos fretes oceânicos se denomina THC, e no Brasil tem a mesma significância da TMC - Taxa de Movimentação e Containers, que evidentemente não se constituem em taxa, mas sim preço público, tarifa, estabelecendo os contratos de arrendamento, que sim, poderia ocorrer a cobrança por serviços complementares, que poderiam ser livremente negociados entre a arrendatária e os usuários do TECON, segundo a Clausula 20ª, § 7º.
E como se dá essa movimentação especial de cargas?
Nesse sentido, importante ressaltar que o r. voto do e. Ministro SERGIO KUKINA referenciou trecho de nosso voto, trazido a julgamento nesta E. Turma, que concluiu pela ausência de violação à ordem econômica, sendo de se destacar o seguinte excerto:
“Quando o navio atraca no Porto, num determinado berço de atracação, inicia-se, no que pertine à parte comercial, a descarga desse navio pelo operador portuário escolhido.
Assim as cargas conteinerizadas são movimentadas horizontalmente, isto é tiradas dos porões do navio que se encontra no cais e depositadas em pilhas de contêineres (stacking área), não estando incluída nessa movimentação - cais-pilha - qualquer outro serviço já cobrado via THC, dos proprietários pelos armadores.
Ocorre que para que sejam esses contêineres retirados, segregados da pilha e movimentados, a pedido os interessados, os RA's e os EADI'S- Estações Aduaneiras do Interior, os operadores portuários exercem atividades não previstas na tarifa básica, razão pela qual, sob fiscalização da CODESP exigem por essa segregação e movimentação dos contêineres a THC-2, que evidentemente carreiam para os Operadores custos extraordinários.
Ressalto que a atividade desenvolvida pela autora da ação é evidentemente um serviço público, havendo acirrada concorrência entre portos brasileiros, impondo a cada operador o desenvolvimento de trabalho de manutenção de equipamento, rapidez no desembarque das mercadorias e pessoal suficiente para tornar interessante importar por aquela entrada no território nacional.
No caso do poder concedente, o certo é que estando a CODESP a fiscalizar e fixar valores para esse serviço complementar, não é dado ao CADE efetivamente, como alinhavado pela recorrente autora imiscuir-se em setor concedido, ignorando fortemente a atuação da agencia reguladora-ANTAQ.
Aliás, quer a CODESP quer a União Federal chamadas a compor a lide, na inicial, afirmaram que não tem pretensão resistida ao autor, posto concordarem com a exigência dessa tarifa complementar.
A atividade portuária é devidamente regulamentada, desde a época da propositura da ação (lei nº 8.630/93) passando pela Lei nº 10.233/2001, que criou a ANTAQ e a nova lei de portos 12.815/2013.
Evidente que não sendo essa segregação e movimentação de contêineres prevista dentro do contrato de arrendamento como serviço básico de movimentação (horizontal) deve ser cobrado daqueles que dele se beneficiam, pena de sufragar-se o enriquecimento sem causa.
Demais disso, frise-se que a Santos Brasil, conforme parecer do Prof. Mario Luiz Possas, "no mercado relevante de armazenagem de contêineres desembarcados no Porto de Santos tem-se mantido relativamente estável em torno do patamar de 20%, pouco abaixo ou acima, nos últimos três anos (da data do parecer maio de 2004) ainda que tenha aumentado em anos anteriores-mesmo porque, a Santos Brasil, diferentemente das RA's, só entrou neste mercado em 1998. Essa persistência, em lugar de um aumento continuado, do market share, é em si mesma um indício importante a ser levado em conta, uma vez que, caso as taxas cobradas para liberação de contêineres tivessem de fato um impacto anticompetitivo significativo de mercado, como suposto pela SDE e pelos RA's,... seria de se esperar algum efeito positivo recente sobre essa participação" ( fls. 295).
Aliás, o próprio CADE reconhece que há um serviço de entrega de contêineres ao TRA's e que essa atividade impõe custos para sua execução; reconhece também que tais serviços são cobrados dos proprietários ou consignatários. Ora ou é cobrado dos TRA's ou cobrado dos proprietários ou consignatários. Um exclui o outro, exatamente porque são diversos os fundamentos e as razões da exigência da tarifa questionada.
Laborou em equivoco o voto do e. Relator do CADE (fls.124) ao afirmar que há diferença fundamental entre a tarifa cobrada pela CODESP pela segregação e entrega e a cobrança dos terminais portuários privados.
Afirma o i. Relator que no caso da CODESP a cobrança estava fundamentada em dispositivos legais (Dec 24.511/34) e que houve aquiescência do poder público responsável pela outorga do serviço portuário para a cobrança dessa tarifa, o que configuraria excludente de ilicitude concorrencial, segundo a teoria do "State Action Doctrine".
Nada mais inexato, eis que mencionada doutrina, como, aliás, expendido no próprio voto, identifica dois critérios para a determinação se a regulamentação confere ou não imunidade à aplicação do direito antitruste:
- Que a decisão ou a regulamentação seja expedida em consequência de uma política claramente expressa e definida de substituição da competição por regulamentação;
- Haja supervisão do cumprimento das obrigações impostas pela regulamentação.
A própria Lei dos Portos prevê a existência do contrato de concessão, através do qual surge a autoridade portuária (Administração do Porto, no caso a CODESP), a existência de um Conselho de Autoridade Portuária, que detém dentre outras a competência de baixar o regulamento de exploração, zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência, homologar valores das tarifas portuárias, estimular a competitividade (art. 30 e incisos), competindo ainda a esse colegiado estabelecer normas visando o aumento da produtividade e a redução dos custos das operações portuárias, especialmente as de contêineres e dos sistema roll-on-roll-off.
Ora, se há lei determinando normas de atuação inclusive quanto a tarifas e defesa de concorrência pela Autoridade Portuária, se existe uma agencia reguladora, legalmente competente para promover os estudos de demanda de transporte aquaviário e de atividades portuárias, segundo a regra da Lei nº 12.815/2013, com expressa previsão no art. 27, inciso II, de promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, em confronto com os custos e benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados, não tem o mínimo sentido que outro órgão federal se imiscua no contrato de concessão e na atuação do operador portuário para ditar regras que os órgãos encarregados da disciplina da atividade informam e reiteram ser legal.
Seria o caso então de extinguir ou revogar a competência da Agencia reguladora- ANTAQ, e mesmo da autoridade portuária CODESP.
Mas a lei qualificou ambas como responsável pela fixação das tarifas e a sadia concorrência e a atuação dessas Sociedades de Propósitos Específicos, devem atuar com presteza e eficiência.
Em suma o ato do CADE foi abusivo, relevando notar que a própria Secretaria de Direito Econômico-SDE manifestou-se favoravelmente à cobrança do THC-2. Anote-se que as sanções impostas pelo CADE não podem subsistir pois não houve qualquer prejuízo à livre concorrência; não ocorreu dominação de mercado, como pretende a ré; não se configurou segundo as provas dos autos, qualquer abuso de posição dominante; não houve qualquer empecilho ao acesso de novas empresas ao mercado ; e também não se criou qualquer dificuldade ao funcionamento ou desenvolvimento de empresa concorrente dos serviços realizados pela autora apelante, eis que aumentou em muito o número de recintos alfandegados, desde a privatização dos portos, a demonstrar o interesse financeiro no desenvolvimento de tal serviço público. Sequer se observa potencial lesividade à concorrência ou dominação de mercado.
Por fim, a CODESP exarou decisão DIREXE nº 371.2005, estabelecendo o preço máximo a ser praticado pelos Terminais Portuários para os serviços de segregação e entrega de contêineres, afastando uma das situações trazidas no acórdão do CADE.
Atualmente em vigor a Resolução ANTAQ 2389/2012 que estabelece parâmetros regulatórios a serem observados na prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres e volume, em instalação de uso público, nos portos organizados, que estabelece a distinção entre os serviços incluídos no box rate e os demais como o de segregação e entrega de contêineres, demandados ou requisitados por clientes ou usuários.”
Pelas razões todas elencadas, entendo que o MPF não andou bem com a propositura da presente ação, pois não há falar-se em defesa da ordem jurídica, eis que todos os atores estão realizando suas atividades absolutamente dentro dos regramentos legais; não há ordem econômica a ser tutelada, eis que não há ofensa sequer reflexa à ordem econômica como se depreende das razões supra deduzidas.
Na verdade, faltou ao MPF um pouco mais de conhecimento e de análise das situações de ocorrência no Porto de Santos diante da ordem constitucional e dos regramentos infraconstitucionais, antes da propositura da ação.
Sequer os direitos perseguidos, envolvendo os interesses jurídico-social das partes, são indisponíveis, eis que há regramento permanente e suficiente para enfrentamento de todas as questões portuárias, não sendo aceitável, que denúncia envolvendo interesses subalternos ao interesse público e manifestações de entidades de trabalhadores, seja suficiente para acionar o Poder Judiciário, sem nenhuma outra consideração mais assertiva e estudada.
Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial, tida por interposta, bem como aos recursos do CADE e do MINISTERIO PÚBLICO FEDERAL, para julgar IMPROCEDENTE A AÇÃO, declarando a legalidade da cobrança da taxa, conhecida pela sigla THC-2, nos termos da fundamentação.
Em relação à União Federal, acompanho o relator. Na ação anteriormente proposta, a União Federal alegou ausência de pretensão resistida, pois concordava com a cobrança da tarifa em disputa, pedindo para figurar ao lado do autor da ação. Porém, nesta, pediu para ingressar no polo passivo da ação, razão pela qual neste sentir, acompanho o Relator. Rejeito ainda a alegação de nulidade da sentença, acompanhando o e. Relator, pelos fundamentos alinhavados, nesse aspecto.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 19 DA LEI Nº 4.717/65. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. REJEITADA. LEGITIMIDADE DA UNIÃO. INTERESSE NO FEITO. NULIDADE DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE PROCEDIMENTO FORMAL. AGRAVO RETIDO. INCLUSÃO DO CADE NA LIDE. ASSISTENTE LITISCONSORCIAL. POSSIBILIDADE LEGAL DE INTERVENÇÃO. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PELO CADE. LEI Nº 8.884/94. INSTAURAÇÃO CONCOMITANTE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS. TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO EM ACP. DECISÃO BASEADA EM MATÉRIA FÁTICA. CADE E UNIÃO NÃO COMPUSERAM A LIDE. POSSIBILIDADE DE NOVO AJUIZAMENTO. LITISPENDÊNCIA DA AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA ESTADUAL. INOCORRÊNCIA.
- Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65). Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a sentença que extinguir a ação civil pública por ausência de interesse de agir está sujeita ao reexame necessário. Precedente.
- O artigo 12 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico e se encontrava em vigor na data do ajuizamento da ação (01/04/2005), conferia ao CADE a prerrogativa de requerer ao MPF a adoção de medidas judiciais para a defesa da ordem econômica e financeira, com base nas atribuições previstas no artigo 6º, inciso XIV, alínea “b”, da Lei Complementar nº 75/1993. No mesmo sentido o artigo 47 da Lei nº. 12.529/2011.
- Registra-se que o artigo 6°, inciso XIV, alínea “b”, da LC nº 75/93 confere ao Ministério Público a prerrogativa de, verbis: “promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: (...) b) à ordem econômica e financeira” [ressaltado].
- Para o Superior Tribunal de Justiça: “17. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos. 18. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade), bem como à defesa da ordem econômica, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º da lei 8.884/94 (...)” (REsp n. 677.585/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/12/2005, DJ de 13/2/2006, p. 679).
- A despeito de a legitimidade do autor encontrar amparo legal, cabe salientar que o Ministério Público Federal tem atribuição para atuar nas causas de competência da Justiça Federal e em que houver um interesse federal envolvido, entre os elencados no artigo 109 da Constituição (artigo 37, inciso I, da LC 75/93). In casu, há interesse da União, porquanto, de acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, é de sua competência a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. No mesmo sentido, o artigo 1ª da Lei nº 8.630/93 (Lei dos Portos) e artigo 1º da Lei nº 12.815/2013 estabelecem que cabe à União explorar diretamente ou por concessão os portos e instalações portuárias e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. No caso, os serviços são explorados indiretamente pelos requeridos, na qualidade de concessionários da União, o que evidencia o interesse do ente federal.
- Registra-se que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a legitimidade ativa do MPF para: “a propositura de ações civis públicas, visando à tutela de direitos individuais homogêneos, mesmo que disponíveis e divisíveis, quando socialmente relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada” (AREsp n. 1.325.652/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 11/11/2022.). No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.568.892/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 10/6/2022, AgInt no REsp n. 1.785.635/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/3/2021, DJe de 13/4/2021 e REsp n. 984.005/PE, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011, DJe de 26/10/2011.
- De acordo com o artigo 21, inciso XII, da Constituição Federal, compete à União a exploração, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, dos portos marítimos. Por sua vez, o CADE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, como prevê o artigo 1º do Decreto nº 7.738/2012, órgão integrante da administração pública federal direta. Desse modo, resta claro o interesse da União.
- A União manifestou o interesse no feito e requereu o seu ingresso no polo passivo, com fundamento no artigo 21, XII, alíneas “d" e "f", da Constituição Federal (Id. 101990321 – fls. 135/145), o que foi deferido pelo magistrado. A pretensão de exclusão da lide é incompatível com o pedido anterior de ingresso no polo passivo, o que é vedado pelo artigo 292, § 1º, inciso I, do CPC/73, vigente à época dos fatos.
- Quanto à existência de trânsito em julgado de sentença proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em ação civil pública idêntica, apesar de ambas as ações tratarem de questões similares e que poderiam, eventualmente, ensejar o reconhecimento de causa impeditiva da propositura desta ação, constatam-se os seguintes óbices: ambas são ações civis públicas e a legislação de regência, qual seja, a Lei nº 7.347/85, preceitua em seu artigo 16: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".
- Nas situações em que a discussão recai sobre direitos essencialmente coletivos, o processo fica sujeito às regras do microssistema próprio das ações coletivas, que abrange, especialmente, as contidas na Lei da Ação Civil Pública, na Lei da Ação Popular e no Código de Defesa do Consumidor (como se depreende dos artigos 90 do CDC e 21 da LACP), sempre à luz da Constituição Federal. Ao se tratar de direito difuso ou coletivo propriamente dito, a coisa julgada será erga omnes, salvo se o pedido aduzido em juízo for julgado improcedente por insuficiência de provas. Em tais circunstâncias, os legitimados previstos no artigo 82 do CDC poderão repropor a ação.
- Destaque-se que, mesmo que o julgador não tenha declarado expressamente que a improcedência se deve à insuficiência das provas, se a sentença tiver sido proferida sem a totalidade das provas disponíveis à época, deve-se entender a insuficiência do conjunto probatório para o convencimento a permitir eventual repropositura da ação. Trata-se de uma interpretação em prol da defesa dos direitos transindividuais, que se sustenta em razão das características especiais da coisa julgada coletiva. Assim, a decisão proferida nas referidas ações atingirá a esfera jurídica de todos os membros da coletividade ou de um determinado grupo, conforme consta no artigo 81 do CDC, parágrafo único, I e II, porquanto a satisfação de um implicará a de todos, da mesma forma que a lesão de um também será a de toda a coletividade. É por esse motivo que se assegura a repropositura de uma mesma ação, com base em provas novas, a fim de se evitar a produção de coisa julgada oponível a toda a coletividade decorrente de um julgamento em que não se atingiu o convencimento sobre a ocorrência ou não dos fatos alegados em razão da insuficiência das provas. Precedente.
- Constata-se que o CADE e a União não compuseram nenhum dos polos na ação ofertada na Justiça estadual, o que possibilita afirmar que a imutabilidade e a indiscutibilidade da coisa julgada na esfera estadual NÃO PODEM SER OPOSTAS aos que não participaram da sua produção, notadamente quando deveriam, o que alteraria, inclusive, a competência para o julgamento daquela ação, examinada por juízo absolutamente incompetente. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no mesmo sentido, ao afirmar que: "A nulidade por incompetência absoluta do juízo e ausência de citação da executada no feito que originou o título executivo são matérias que podem e devem ser conhecidas mesmo que de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, pelo que, perfeitamente cabível sejam aduzidas, como in casu o foram, por meio de simples petição, o que configura a cognominada"exceção de pré-executividade ". (STJ - EREsp: 667002 DF 2008/0129342-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 17/06/2015, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 06/08/2015). Destarte, a ação estadual apresentada como fato impeditivo da propositura desta ação não gera a consequência alegada, uma vez que examinada por juízo absolutamente incompetente, o que afasta a formação da coisa julgada.
- A nulidade da sentença decorre de vícios de procedimento formal (error in procedendo), pela inobservância de requisitos necessários à prática do ato, capazes de invalidar a decisão judicial, decorrentes da infração à norma processual pelo julgador. Por sua vez, a apreciação da demanda de forma equivocada, a análise das provas e aplicação do direito de forma errônea ou a interpretação desacertada da norma não caracterizam vício de integração e não acarretam a nulidade ou cassação do decisum, mas a sua reforma. Nesse sentido: "Como é cediço, o error in procedendo, ou erro de forma, é vício processual, decorrente do descompasso entre a decisão e as regras processuais, já o error in judicando, ou erro de conteúdo, é vício de fundo, em que se alega o descompasso da decisão com normas de direito material. Na primeira situação, tem-se a anulação da decisão, já na segunda, tem-se sua reforma (AgRg no REsp 1797306/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 23/05/2019)” (AgRg no REsp n. 1.977.077/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022.).
- A análise do magistrado decorreu da interpretação lógico-sistemática extraída do pedido e causa de pedir apresentados na inicial e foi fundamentada na Lei nº 8.884/90 e jurisprudência aplicável à espécie, bem como considerada a decisão proferida pelo Plenário do CADE no Processo Administrativo n° 08012.007443/99-17. Entendeu que a pretensão do autor havia sido totalmente satisfeita pela decisão do CADE, motivo pelo qual concluiu ter havido a perda superveniente do interesse de agir. Ocorreu a aplicação do direito ao caso concreto, ainda que de forma contrária à tese defendida pelas apelantes. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça: “Os pedidos formulados na demanda devem ser interpretados pelo método lógico-sistemático, bem como a própria causa de pedir, extraindo-se da peça tudo que a parte pretende obter. Esse entendimento é aplicável à petição inicial, à contestação e aos recursos. Os argumentos da inicial do agravo de instrumento foram compatíveis com a decisão de primeiro grau agravada, sendo possível colher de suas razões o inconformismo e o interesse na reforma” (AgInt no AREsp n. 1.553.187/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 11/2/2020, DJe de 18/2/2020). .
- O artigo 89 da Lei nº 8.884/94, que dispunha sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, vigente à época dos fatos, conferia ao CADE a faculdade de intervir nos feitos em que se discutisse a aplicação desta lei, na qualidade de assistente. Ademais, há interesse jurídico do CADE no presente feito, porquanto, como mencionado pela autarquia, a decisão judicial proferida pode afetar diretamente a decisão administrativa e influenciar na relação jurídica administrativa existente entre o CADE e as apeladas, o que autoriza a sua admissão na qualidade de assistente litisconsorcial, como prevê o artigo 54 do CPC/73.
- A aplicação de sanções administrativas pelo CADE por infrações da ordem econômica independe das medidas judiciais adotadas pelo Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, econômica e financeira, como previa o artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.884/94, que se encontrava em vigor na data do ajuizamento, inclusive para requerer a reparação civil. Nesse sentido, o artigo 19 da norma estabelecia que a aplicação de sanções por infrações à ordem econômica não excluía a punição de outros ilícitos legalmente previstos. Por sua vez, o artigo 29 conferia aos prejudicados, por si ou pelos legitimados, o direito de ajuizar ação para a defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, para a cessação de práticas violadoras à ordem econômica, bem como o recebimento de indenização pelas perdas e danos sofridos (artigo 1º, V, da Lei nº 7.347/1985), independentemente do processo administrativo, que não seria suspenso nesse caso. Para o Superior Tribunal de Justiça, a instauração concomitante de ação civil pública e procedimento administrativo para a apuração e punição de um mesmo fato não viola o princípio do ne bis in idem, à vista da independência das esferas civil, penal e administrava. Precedente.
- Verifica-se que a causa se encontra em condições de imediato julgamento (artigo 515, § 3º, do CPC/73).
- A exigência da taxa THC2/SSE para liberação dos contêineres é ilegal e abusiva, uma vez que não encontra amparo legal ou contratual e objetiva a remuneração de serviços que são pagos pelos armadores aos requeridos por meio da tarifa denominada box rate.
- As resoluções da ANTAQ, que embasam a cobrança, violam o artigo 20, inciso II, “b”, da Lei 10.233/2001, pois possibilitam situações que configuram competição imperfeita ou infração da ordem econômica, bem como o artigo 27, inciso IV, porquanto não garantem o acesso e uso dos importadores à infraestrutura portuária em condições isonômicas, independentemente da opção de armazenagem das cargas, seja no recinto alfandegado dos operadores ou independentes, não asseguram os direitos dos usuários e não fomentam a competição entre os operadores.
- Não há que falar em dano moral coletivo, eis que este depende da ofensa a interesses legítimos, valores e patrimônio ideal de uma coletividade que devam ser protegidos, o que não ocorreu na hipótese.
- Agravo retido desprovido. Sentença reformada nos termos do artigo 515, § 3º, do CPC/73 para julgar parcialmente procedente o pedido inicial, a fim de reconhecer a ilegalidade da cobrança da denominada THC2 e determinar a suspensão imediata da referida cobrança a partir da intimação do presente acórdão.