Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003678-40.2020.4.03.6325

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: M. H. D. S.

Advogado do(a) RECORRENTE: ELLEN CRISTINA SE ROSA - SP125529-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003678-40.2020.4.03.6325

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: M. H. D. S.

Advogado do(a) RECORRENTE: ELLEN CRISTINA SE ROSA - SP125529-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso da parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido inicial de concessão do benefício de pensão por morte, em razão do óbito de Manoel Joaquim Rodrigues, companheiro de sua tia/guardiã.

A parte autora interpôs o presente recurso ressaltando o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, repetitivo de controvérsia (Tema repetitivo 732), é de que o menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica. Em resumo, defende a extensibilidade dos efeitos da guarda judicial a MANOEL JOAQUIM RODRIGUES, segurado falecido, porquanto ele vivia em união estável com a guardiã da Autora, desde que ela tinha cerca de um e quatro meses. Ressalta que a testemunha inclusive ao prestar suas declarações referiu-se ao Sr. Manoel (segurado falecido) como “pai da Autora”. Requer a reforma da sentença.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0003678-40.2020.4.03.6325

RELATOR: 42º Juiz Federal da 14ª TR SP

RECORRENTE: M. H. D. S.

Advogado do(a) RECORRENTE: ELLEN CRISTINA SE ROSA - SP125529-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

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V O T O

 

 

O ponto em discussão é a qualidade de dependente da autora, na qualidade de menor sob guarda, em razão do falecimento do Sr. Manoel Joaquim Rodrigues ocorrido em 10/01/2020.

A sentença julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:

“Cuida-se de demanda ajuizada sob o rito dos juizados especiais federais, movida por Marcelly Heloá da Silva, menor impúbere já qualificada e representada nos autos por sua tia Antônia Aparecida Alves da Silva, em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando o recebimento de pensão pela morte a ser instituída pelo falecimento de Manoel Joaquim Rodrigues.

A autora alega ter sido abandonada por seus genitores desde o seu nascimento e que foi criada por sua tia, que obteve a sua guarda judicial definitiva no ano de 2014. Afirma que, desde 06/2015, sua tutora passou a conviver em união estável com Manoel Joaquim Rodrigues, com quem desenvolveu e manteve laços familiares até o seu falecimento, ocorrido em 10/01/2020. Aduz que viveu sob dependência econômica de sua guardiã e de seu então companheiro - aposentado - e que, portanto, possui o direito a ser habilitada à pensão por morte em razão do falecimento deste.

[...]

O óbito de Manoel Joaquim Rodrigues e a sua condição de segurado do Regime Geral de Previdência Social estão devidamente demonstrados por meio da certidão de óbito e dos demais documentos que acompanham a petição inicial.

Resta analisar, assim, a presença dos demais requisitos.

Perante o Regime Geral de Previdência Social, para fins de concessão de benefícios, ou se é segurado, ou se é dependente de segurado (beneficiário, na dicção do artigo 16, “caput”, da Lei n.º 8.213/1991).

E a dependência deve, sempre, ser verificada na data do óbito do segurado (STJ, Súmula n.º 340). Vale dizer, se o dependente não lograr comprovar que dependia economicamente do segurado na data em que este veio a falecer, não terá direito à pensão.

Em audiência de instrução, a representante legal da autora, Antônia Aparecida Alves da Silva, afirmou que é tia do pai biológico de Marcelly, que se separou de Aparecido antes de ter a guarda da menor, que Aparecido nunca morou com a depoente, mas que ele frequentava sua casa, que ela mencionava aos outros ser esposa de Aparecido mesmo sem morarem juntos e que não morou com ele por medo, pois residiam em sua casa apenas ela e Marcelly. Disse que ela e Aparecido tinham planos de morar juntos, mas que não deu certo devido ao alcoolismo e agressividade de Aparecido. Explicou que atualmente moram apenas ela e Marcelly em sua residência, que Manoel chegou a morar com elas enquanto vivo e não pediu pensão por morte de Manoel, pois já recebe o BPC-LOAS (Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social).

Já a testemunha arrolada pela autora, de nome Diego de Andrade, relatou que conheceu a família de Marcelly pois costumavam frequentar os estabelecimentos comerciais no bairro onde moram, que o pai da autora era muito conhecido na região, que era alcoólico contumaz e que acabava tendo seus pertences furtados ou era encontrado caído nas imediações. Explicou que esses casos aconteciam na época em que caia o pagamento, que já presenciou Manoel sendo roubado e era algo comum de ocorrer, que quando presenciava isso ligava para Antônia, que conseguiu o contato dela pois ela passou seu contato para pessoas que frequentavam a região com o intuito de ser avisada quando Manoel fosse encontrado sob intoxicação alcoólica. Disse que quando Manoel não estava alcoolizado era um pai e marido muito amoroso e que tinha muito orgulho da filha. Afirmou que essa situação durou até o falecimento de Manoel, que o encontrou várias vezes saindo do bar, que não chegou a frequentar a casa da família da autora e que as pessoas da região central o conheciam devido ao fato de ser pessoa que se alcoolizava com habitualidade. Mencionou que os usuários de drogas da região sabiam que quando o pai da autora estava na região alcoolizado era porque estava com dinheiro e o roubava, que ele já foi agredido por esses drogaditos e que isso era uma situação muito triste de presenciar. Reiterou ter presenciado Manoel e Antônia com a filha, que o pai da autora tinha orgulho da filha e mencionou que os filhos do casamento anterior só o procuravam em época de pagamento. Citou que Manoel, Antônia e Marcelly eram uma família muito bonita quando ele não se alcoolizava e que o pai da autora tinha a esperança de que ela o cuidasse em sua vetustez. Alegou que na época a autora tinha de um a dois anos, que ela andava de mãos dadas com o pai pela região central da cidade, que não conhece Aparecido e que na época que conheceu a família Antônia, esta já mantinha relacionamento amoroso com Manoel. Informou que era sempre Antônia quem buscava Manoel de taxi quando ele estava alcoolizado, que algumas vezes ela não possuía dinheiro para pagar o taxi e pedia emprestado para pessoas conhecidas na região, que já emprestou dinheiro duas vezes para que Antônia pagasse o taxi para levar Manoel até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) quando estava machucado e que essa era uma situação difícil, pois ele ficava agressivo quando bebia em demasia. Disse que já presenciou Antônia mencionar que iria internar Manoel e que ele ficava nervoso nesses momentos, que o depoente acompanhou Marcelly até o falecimento de seu pai, enfatizando que nesse período Manoel sempre teve muito orgulho da filha e esposa e afirmou que ele criava menor como um pai. Explicou que acha que Manoel era o provedor da família, pois em época de pagamento ele comprava roupas, brinquedos e doces para Marcelly, que presenciou uma vez Manoel com um dos filhos do casamento anterior e que o pai da autora relatou às pessoas próximas do local que os filhos do casamento anterior só o procuravam em época de pagamento, isso com o semblante triste.

Muito embora os depoimentos prestados sob o crivo do contraditório indiquem que a menor e o falecido mantivessem relação familiar como se fossem pai e filha biológicos, há de se ter em mente que a dependência previdenciária na condição de menor sob guarda de fato (do nascimento até a decisão judicial que colocou a menor sob tutela de sua tia, em 2014) e, na sequência, sob tutela (a partir da decisão do juízo de família, a partir de 2014) é anterior à união estável estabelecida entre Antônia Aparecida Alves da Silva e Manoel Joaquim Rodrigues, a partir de 06/2015.

Não bastasse isso, o Regime de Seguridade Social, no qual a Previdência se insere, é regido, dentre outros princípios constitucionais expressos, pelo da seletividade (CF/1988, artigo 194, III) e, em respeito a tal princípio, é lícito ao legislador estabelecer requisitos à concessão de benefício, desde que o faça por texto expresso de lei.

O artigo 16, I e § 2º, da Lei n.º 8.213/1991, é taxativo ao relacionar quais são os dependentes do segurado do Regime Geral de Previdência Social, motivo este pelo qual é vedada a concessão de pensão por morte a pessoa que sequer se enquadra na condição de “menor sob guarda” e “menor tutelada” de segurado.

Não há sequer lacuna da lei a ser preenchida por analogia. 

O que existe sim é previsão legal para o pagamento de pensão por morte a menor tutelado [e, também, a menor que não esteja sob guarda circunstancial, conforme entendimento jurisprudencial firmado em repercussão geral de mérito (STJ, 1ªS., REsp 1.411.258/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 11/10/2017, Tema n.º 772, DJe 21/02/2018)] por equiparação ao filho menor de de 21 (vinte e um) anos de idade e/ou maior inválido.

O artigo 33, “caput” e § 3º, da Lei n.º 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - não possui o elastério defendido pela autora a ponto de conferir a condição de dependente de segurados àqueles que não estejam elencados no rol taxativo do artigo 16 da Lei n.º 8.213/1991, sob pena de malferimento aos princípios constitucionais da seletividade e custeio (CF/1988, artigos 194, III e 195, § 5º).

Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado:

“(...). O regime jurídico do direito previdenciário é estatutário, não se admitindo o emprego da analogia para a criação de benefícios não previstos na lei. Não há, no rol de dependentes estabelecido na lei previdenciária, lacuna a ser colmatada por tal instrumento de vivificação do Direito: houve uma opção política feita pelo legislador de inclusão - e, por consequência, de exclusão - de determinados indivíduos no rol de possíveis beneficiários do RGPS, considerando-se, para tanto, a maior ou menor proximidade do parentesco havido entre o segurado e o indivíduo incluído ou excluído. As equiparações, portanto, quando juridicamente possíveis, devem estar previstas na própria legislação, tal como ocorre com as figuras do ‘enteado’ e do ‘menor tutelado’, ambas legalmente equiparadas a ‘filho’ nos termos do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91. Não desconheço que a jurisprudência, atenta especialmente ao quanto estabelecido, pelo próprio legislador, no art. 33, § 3º, do ECA, ampliou o rol do art. 16, § 2º, da Lei n. 8.213/91, incluindo nele o ‘menor sob guarda judicial’, condicionando-se, nesse caso, o direito ao benefício previdenciário de pensão por morte à comprovação de que, além da guarda judicial, havia relação de dependência econômica entre o menor e o falecido segurado. Essa ampliação jurisprudencial do elenco de possíveis dependentes nem de longe representa criação de ‘Direito novo’ por meio da analogia, sendo, em verdade, mera interpretação sistêmica de normas de mesma hierarquia (art. 16, § 2º, da LB e art. 33, § 3º, do ECA), inspirada, ademais, em princípios constitucionais que recomendam a proteção integral e o tratamento prioritário ao menor (CF/88, art. 227). De toda sorte, o entendimento da jurisprudência acima sintetizado em nada beneficia o autor, pois não havia entre ele e o falecido segurado o vínculo jurídico da guarda judicial, e tampouco convivência em um mesmo endereço que pudesse levar, ‘in extremis’, a se cogitar de uma ‘guarda à brasileira’, ou seja, do cumprimento informal pelo ‘de cujus’ dos deveres de sustento, educação, zelo e proteção ordinariamente confiados pela lei aos pais do menor. Por fim, digo que não se confundem as relações jurídicas estabelecidas no âmbito do Direito de Família com as relações de Direito Previdenciário. Nas primeiras, o direito à prestação de alimentos pode ser estabelecido reciprocamente entre qualquer ‘ascendente’ (pai, avô, bisavô etc) e qualquer ‘descendente’ (filho, neto, bisneto etc), porque assim está previsto no art. 1696 do Código Civil. Nas relações previdenciárias, por sua vez, rege o direito ao benefício o quanto estatuído, em rol taxativo, no art. 16 da Lei n. 8.213/91. Este dispositivo legal, no elenco de possíveis beneficiários, preferiu a espécie ‘filho’ ao gênero ‘descendente’, excluindo-se, então, todos os descendentes destoantes da espécie prestigiada (netos, bisnetos e que tais), ainda quando existente dependência econômica deles para com o falecido segurado. (...).” (TR-JEF-SP, 9ª Turma, Relatora Juíza Federal Alessandra de Medeiros Nogueira Reis, Processo 5011807-16.2022.4.03.6183, julgado em 14/07/2023, votação unânime, DJEN de 19/07/2023).

Em suma: a obrigação de prestar assistência material, intelectual e moral não se estende a terceiro não investido na condição de tutor ou guardião judicial (ECA, artigo 33, “caput” e § 3º), daí por que não há se falar, na hipótese versada nos autos, de relação de dependência para fins previdenciários entre a autora e o companheiro de sua tutora judicial." (destaquei)

 

Compartilho do entendimento do juiz sentenciante, não há como se reconhecer a relação de dependência para fins previdenciários entre a autora e o companheiro de sua tutora judicial.

Não se desconhece a existência do Tema 1271/STF, com repercussão geral, em que se discute “se a retirada da criança e do adolescente sob guarda do rol de beneficiários, na qualidade de dependentes do segurado do Regime Geral de Previdência Social, violou os princípios da igualdade, proibição do retrocesso e da proteção integral das crianças e dos adolescentes”, ocorre que, no caso em tela, a autora não estava sob guarda do segurado falecido. 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora, mantendo integralmente a sentença.

Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da causa, devidos pela parte recorrente vencida. Na hipótese, enquanto a parte for beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. TEMA 1271/STF. NÃO ESTAVA SOB GUARDA DO SEGURADO FALECIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte.

2. No caso em análise, a autora não estava sob guarda do segurado falecido, que era companheiro da sua guardiã.

3. Recurso do autor a que se dá provimento. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.