Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003193-14.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: DENIS NUNES

Advogado do(a) APELADO: ANTONIO JOSE MORAIS GOMES - SP217707-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003193-14.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: DENIS NUNES

Advogado do(a) APELADO: ANTONIO JOSE MORAIS GOMES - SP217707-A

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R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil pública ajuizada pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL contra DENIS NUNES em razão de suposta prática de atos de improbidade administrativa.

Narra a petição inicial que o requerido foi submetido a processo administrativo disciplinar no qual apurou-se a sua responsabilidade pelo saque indevido de quotas e rendimentos do PIS de Alberto Hekel Tavares em 16.06.2003. Afirma que “houve autorização do Réu, conforme carimbo aposto no documento (fls. 26 do processo disciplinar), de pagamento de quotas de PIS a pessoa diferente do titular da conta”. Salienta que “o Réu já foi responsabilizado por movimentações de valores em PIS e FGTS em DOIS outros processos de nº 134 e 085, não tendo em nenhum deles comparecido para prestar esclarecimentos” e que o banco teve que restituir a quantia de R$ 6.158,53. Aduz que o comportamento do funcionário não é compatível com a ética, a transparência, a honestidade e a responsabilidade esperadas de um profissional bancário. Entende que ele incorreu “em ilegalidade e contrariedade a preceitos normativos sobre a matéria e aos princípios gerais da moralidade, legalidade, imparcialidade, honestidade e lealdade, o que evidencia a subsunção dos fatos à norma dos art. 9º, inciso XI e art. 11, inc. I da Lei de Improbidade administrativa”. Pleiteia a indisponibilidade de bens e, ao final, a procedência do pedido para seja condenado “a restituir e ressarcir a quantia de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), atualizado até 22.01.2021 (...)” e “ao pagamento de multa civil e demais penalidades previstas no art. 12, da L. 8429/92, de acordo com o enquadramento verificado no curso desta demanda”.

Atribuiu à causa o valor de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), em 16.02.2021 – id 264972579.

A petição inicial foi aditada (id 264972701) após determinação do juízo (id 264972699).

DENIS NUNES apresentou contestação no id 264972716.

A petição inicial foi recebida e, no ato, decretada a indisponibilidade de bens do réu (id 264972717).

Por meio da petição de id 264972725 DENIS NUNES requereu o desbloqueio de sua conta poupança sob o fundamento de impenhorabilidade de valores inferiores a 40 (quarenta) salários mínimos.

O desbloqueio foi determinado pela decisão de id 264972845.

DENIS NUNES requereu a liberação do montante bloqueado de sua conta na Caixa Econômica Federal (id 264972849). O pedido foi atendido pela decisão de id 264972855.

O Ministério Público Federal requereu o seu ingresso na lide, assumindo a titularidade da ação (id 264972869). O pedido foi deferido consoante despacho de id 264972877.

Atendendo a pedido formulado pelo Ministério Público Federal, o juízo determinou que a Caixa Econômica Federal prossiga na titularidade da ação (id 264972936).

No id 264972939 a Caixa Econômica Federal juntou a íntegra do PAD.

Alegações finais de DENIS NUNES no id 264972958, da Caixa Econômica Federal no id 264972959 e do Ministério Público Federal no id 264972961.

Por meio da sentença de id 264972962 o pedido foi julgado totalmente improcedente. Não houve condenação em honorários advocatícios.

Apela o Ministério Público Federal (id 264972964) dizendo, em síntese, que a Lei 14.230/21 não retroage automaticamente, conforme Nota Técnica do MPF de nº 01/2021. Defende que em consideração aos princípios do tempus regit actum e da proporcionalidade, as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 “se aplica apenas aos fatos ocorridos posteriormente à sua vigência”. Argumenta que o inciso XL do art. 5º da Constituição Federal é inaplicável por fazer expressa referência a “lei penal”, o que não é o caso dos autos. Aduz estar comprovado que o apelado agiu dolosamente e causou prejuízo à Caixa Econômica Federal ao dar indevida autorização para o pagamento de quotas do PIS a pessoa diferente da titular. Entende que os atos praticados causaram prejuízo ao erário e se amoldam à figura do art. 10, caput e IX, da Lei 8.429/92.

A Caixa Econômica Federal opôs embargos de declaração (id 264972965), os quais foram rejeitados pela decisão de id 264972966.

Apelação da Caixa Econômica Federal no id 264972970 alegando ser irretroativa as modificações provocadas pela Lei 14.230/2021. Aduz ser patente o dolo do réu, que autorizou indevidamente o saque de cotas do PIS a pessoa diversa de seu titular. Sustenta que “A despeito de não constar a transferência ou o destino dos valores sacados, ou outra maneira formal de rastreamento do valor, o pagamento de tal montante se deu em favor do apelado, único interessado no saque indevido”. Diz ter suportado prejuízo na medida em que obrigada a repor a quantia subtraída, de forma que configurado o ilícito do art. 10, caput e inciso IX, da Lei 8.429/92.

Contrarrazões no id 264972975.

Processado o recurso, subiram os autos a esta E. Corte.

Parecer do Ministério Público Federal no id 265710761 pelo provimento dos recursos.

Os autos vieram a mim redistribuídos por sorteio, em razão de criação da unidade judiciária, em 11.09.2023.

É o relatório.

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR):

Cuida-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela Caixa Econômica Federal contra sentença que julgou improcedente a ação civil de improbidade administrativa.

 

Preliminarmente: dispositivos da Lei 8.429/92 com eficácia suspensa ou modificada pela medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em razão das alterações promovidas pela Lei 14.230/21.

De bom grado preconizar que, em razão de medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em 27/12/2022, pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encontram-se com eficácia suspensa os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.230/21:

Art. 1º, § 8º: Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

Art. 12, § 1º:  A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.

Art. 12, § 10: Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Art. 17-B, § 3º: Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.

Art. 21, § 4º: A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

Ademais, também na ADI 7236/DF, foi deferida medida cautelar para conferir interpretação conforme ao art. 23-C, da LIA, “no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa”.

A decisão emanada da ADI 7236/DF, no que for pertinente, será adotada no presente voto.

 

Das alterações procedimentais da Lei 8.429/92 pela Lei 14.230/21 e o princípio “tempus regit actum”.

Sabe-se que a nova versão da LIA, além de modificar o direito material, traz importantes alterações de natureza processual, como, por exemplo, a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público, a eliminação da defesa prévia ou preliminar, o aumento do prazo de contestação para 30 (trinta) dias, a possibilidade do acordo de não-persecução civil etc.

Todavia, em se adotando o rito comum (antigo rito ordinário) às ações por improbidade (art. 17 da LIA), aplicável o princípio “tempus regit actum”, nos termos do art. 14 do CPC, segundo o qual a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Portanto, são válidos os atos processuais consumados sob a regência da versão antecedente da Lei 8.429/92.

Ademais, especificamente no que tange ao acordo de não-persecução civil, pode ser apresentado também na fase de execução da sentença, nos termos do art. 17-B, § 4º, da mencionada lei, desde que o Ministério Público entenda presentes os requisitos legais para o benefício.

Assim, ficam repelidas as alegações de nulidade processual em razão das alterações procedimentais decorrentes da Lei 14.230/2021, eis que não violam o princípio do “devido processo legal” ou da “ampla defesa”, insculpidos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.

 

Prolegômenos da Lei 8.429/92 e das alterações promovidas pela Lei 14.230/21.

Em vista da matéria tratada nestes autos, cumpre estabelecer algumas premissas jurídicas da ação por improbidade administrativa, regulada pela Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.230/2021.

O tema conta com substrato constitucional, em especial nos parágrafos 4º e 5º do art. 37 da Carga Magna, que prescrevem a punição dos atos de improbidade contra a Administração Pública, “in verbis”:

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Conforme se verifica, nossa Carta Constitucional assinala o caráter civil das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa, o que deve ser harmonizado com o disposto no art. 17-D da Lei 8.429/92 (acrescido pela Lei 14.230/2021), quando este diz que ação de improbidade “não constitui ação civil”:

Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneo.

Quando o citado § 4º do art. 37 diz que os atos de improbidade serão punidos, na forma da lei, “sem prejuízo da ação penal cabível”, está assinalando a natureza civil da punição, daí porque não cabe transpor de modo irrestrito os princípios do Direito Penal para as ações por improbidade, como se tivessem uma só natureza.

Devemos restringir, portanto, o alcance do art. 17-D, apenas no sentido de reconhecer que a ação por improbidade não se confunde com a ação civil pública (Lei 7.347/85) ou a ação popular (Lei 4.717/65), no que diz respeito ao controle de legalidade de políticas públicas ou proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Todavia, isso não retira dos atos de improbidade o seu caráter de “ato civil qualificado”, como assinalado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 843.989/PR.

Noutro giro, norma infraconstitucional não tem o poder de afastar a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, por imposição do § 5º do art. 37 da Constituição Federal.

 

Da exigência de dolo específico para a configuração da improbidade administrativa.

Passando ao catálogo legal dos atos de improbidade, cumpre assinalar que a Lei 8.429/92 reconhece três subgrupos de atos ímprobos, respectivamente, no art. 9º (obtenção de vantagens indevidas, sem danos ao Erário), art. 10 (atos que causam danos ao patrimônio público) e art. 11 (ações ou omissões que violam os princípios e preceitos básicos da Administração Pública).

Quanto aos atos do art. 10, no que tange ao elemento subjetivo do tipo ímprobo, admitia-se, na redação original, tanto a modalidade “dolosa” como a “culposa” para as ações e omissões ali enumeradas.

Por seu turno, as condutas dos arts. 9º e 11 exigiam “dolo específico” ou “dolo genérico” para a subsunção ao tipo legal.

Todavia, isso veio a ser modificado pela Lei 14.230/21, a qual estabeleceu que todas as condutas ali tipificadas (art. 9º, 10 e 11) são reconhecidas apenas na forma de dolo específico.

Surge, aqui, a necessidade de analisar o direito intertemporal, para verificar se as novas disposições da LIA retroagem para alcançar as ações que se encontravam na fase de conhecimento ou em fase de execução.

A respeito disso, também no RE 843.989/PR, ao tratar do Tema 1199 da Repercussão Geral, o Pretório Excelso, embora reconhecendo a validade da modificação legislativa, adotou o entendimento de que não há retroatividade em relação às condenações transitadas em julgado e execuções em curso, haja vista que a nova lei não se convolou em “anistia geral”. Veja-se a respectiva ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".

(ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022)

Destarte, devem reger-se pela nova lei as ações em tramitação, ressalvadas as condenações transitadas em julgado, de modo a se exigir o “dolo específico” para a configuração de atos de improbidade administrativa, em qualquer modalidade (art. 9º, 10 e 11 da LIA).

Permanecem hígidas, deste modo, as sentenças condenatórias transitadas em julgado até a data da publicação da Lei 14.230/21 (DOU 26.10.2021), bem como as execuções de sentença que estejam em curso.

No mesmo sentido, se manifestou a colenda Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em recente pronunciamento, nos embargos de declaração e agravos interpostos no RESP 1.305.753/MG (j. em 24/10/2023; DJE 26/10/2023), “in litteris”:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO TEMA N. 1.199/STF. NECESSIDADE DE ENVIO AO ÓRGÃO JULGADOR PARA EVENTUAL JUÍZO DE CONFORMIDADE. PRECEDENTES.

1. A controvérsia presente nos autos, originariamente, diz respeito à prática de ato de improbidade administrativa.

2. O STF, no julgamento do Tema n. 1.199, sob o regime da repercussão geral, consignou a necessidade da configuração do elemento subjetivo doloso para a caracterização dos atos de improbidade administrativa em geral, destacando que as condenações ainda não transitadas em julgado, com base na prática de condutas culposas ou sem afirmação expressa do dolo, sejam reapreciadas pelas instâncias de origem, a fim de que haja a identificação ou não de dolo do agente.

3. Foram definidas pela Suprema Corte as seguintes teses sobre a aplicação da Lei n. 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei n. 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa - é IRRETROATIVA, em virtude do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei n. 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei n. 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

4. Hipótese em que, a princípio, houve condenação pela prática do ato de improbidade administrativa sem a indicação do dolo do agente.

5. Cumpre ao órgão prolator do acórdão ora recorrido avaliar se a situação descrita nos autos enseja a retratação do julgado, para que adote as providências que foram definidas pela Suprema Corte no item "3" do Tema n. 1.199. Precedentes: EDcl no AgInt nos EAREsp n. 1.625.988/SE, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 1º/2/2023, DJe de 10/2/2023; PET nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.123.605/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 15/12/2022, DJe de 19/12/2022; EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.706.946/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 19/12/2022.

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para tornar sem efeito as decisões anteriores e encaminhar os autos ao órgão julgador para a realização de eventual juízo de retratação.

(EDcl nos EDcl no AgInt no RE nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.305.753/MG, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.)

 

Das regras sobre prescrição na LIA com a nova redação da Lei 14.230/21.

Outro sensível ponto, decorrente das alterações promovidas na LIA pela Lei 14.230/21, é a forma de contar a prescrição, uma vez que o dispositivo anterior previa, grosso modo, a prescrição quinquenal, contada (i) a partir do encerramento do mandato, emprego público ou ocupação de cargo comissionado; (ii) da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.

Em se tratando de cargo efetivo ou emprego público, o prazo prescricional era o de lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público (no caso dos servidores federais, prazo quinquenal, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei 8.112/90).

Vale transcrever a antiga redação do art. 23:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - Até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - Dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - Até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei (incluído pela Lei n. 13.019/2014).

Em sua nova redação, o caput art. 23 da LIA passou a dispor que a prescrição se regula pelo prazo de oito (anos), sujeito às suspensões e interrupções previstas nos parágrafos 1º a 8º, inclusive trazendo novos benefícios como a prescrição intercorrente (§ 4º) e a contagem pela metade do prazo interrompido (§ 5º):

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.

[...]

§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.

Ademais, o exercício de mandato, cargo em comissão ou função de confiança não mais constitui motivo de suspensão do prazo prescricional, que deflagará sempre a partir da ocorrência de conduta exauriente ou do término da infração de caráter permanente, mantenha-se em exercício ou não o agente público.

Conforme se verifica, as novas regras tendem a ser mais benéficas para os acusados da prática de atos de improbidade, tornando necessária, uma vez mais, a análise do direito intertemporal.

Quanto a isso, o Supremo Tribunal Federal, também no RE 843.989/PR (acima transcrito), definiu que as novas regras de prescrição serão aplicáveis somente aos atos praticados após a data da publicação da Lei 14.230/21: “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.

Este entendimento foi integralmente acompanhado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos embargos de declaração e agravos interpostos no RESP 1.305.753/MG (ementa também transcrita).

Portanto, somente ficam subsumidas às novas regras prescricionais as condutas ocorridas ou cessadas a partir de 26 de outubro de 2021, quando se deu a publicação da Lei 14.230/2021.

Em sendo assim, em matéria de prescrição, o presente caso ainda se submete aos ditames da antiga redação do art. 23 da LIA.

 

Do caso concreto. Prescrição. Consumação reconhecida pela decisão de id 264972717.

A Caixa Econômica Federal pleiteia em sua apelação que “seja o presente Recurso de Apelação recebido e provido, para reformar a r. sentença recorrida, ante a não ocorrência da prescrição, determinando-se o regular andamento ao feito”.

No entanto, conforme já exposto pela decisão de id 264972717, que recebeu a petição inicial, a prescrição do direito de punir por ato de improbidade administrativa já foi consumada.

À época dos fatos, o art. 23 da Lei 8.429/92, ao regular a prescrição, assim preceituava:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei.

Os supostos atos ímprobos imputados a DENIS NUNES foram praticados em 13.06.2003. Em 04 de junho de 2007 iniciou-se o procedimento administrativo disciplinar (fls. 1 do id 264972940), que se encerrou em 08 de agosto de 2008 (fls. 7 do id 264972945).

Apesar do encerramento do processo administrativo disciplinar no ano de 2008, a presente ação de improbidade administrativa somente foi ajuizada em 17.02.2021, ou seja, praticamente 13 (treze) anos depois.

Assim, tal como decidido pela eminente magistrada em 31.05.2021, “já ocorreu a prescrição com relação à prática dos atos de improbidade, restando, somente, o pedido de ressarcimento ao erário, formulado na inicial”.

Remanesce, contudo, o direito ao ressarcimento, por se tratar de matéria imprescritível consoante estabelecido no § 5º do art. 37 da CF.

 

Ressarcimento do dano. Existência de prejuízo.

A Lei 8.429/92, ao prever as penas aplicadas aos agentes ímprobos que violarem o seu art. 10, assim dispôs:

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; - grifo e destaque inexistentes no original.

Ao que se observa da lei, o ressarcimento do erário é sempre devido, uma vez que o bem público é indisponível.

Tanto é assim que o dever de ressarcir está relacionado à existência de prejuízo e não ao de uma causa ilícita. Neste sentido, Calil Simão explica que “A ilicitude é importante para configurar a improbidade administrativa e legitimar o pedido com base nas infrações previstas na LIA, mas o pressuposto da tutela de ressarcimento é a existência de dano, que tanto pode originar de ato ilícito como lícito” (Improbidade Administrativa, 3ª Edição, Jhmizuno, pág. 762).

Ademais, no tempo em que praticado o ato ilegal (2003) vigorava o art. 5º da LIA com a seguinte redação:

Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

O ressarcimento dos cofres públicos é o mínimo que o Estado e a sociedade exigem, anotam Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto na obra coletiva Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa (RT, 9ª edição, pág. 192).

Os mesmos autores, invocando precedente do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.019.555/SP), ponderam que “o ressarcimento dos danos não seria precisamente uma pena, mas uma obrigação decorrente do dever de reparar, o que leva à necessidade, em princípio, de cumulação desta obrigação com algumas das penas legalmente previstas: “(...) Caracterizado o ato de improbidade administrativa, o ressarcimento ao erário constitui o mais elementar consectário jurídico, não se equiparando a uma sanção em sentido estrito (...)” – obra e página citadas.

Outrossim, o próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu, em sede de recursos repetitivos, que ainda que reconhecida a prescrição do direito de aplicar as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, a ação deve prosseguir no que tange ao ressarcimento. A propósito é a tese referente ao Tema 1089:

Tema 1089: Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92.

Pois bem, no caso dos autos entendeu o juízo a quo que as provas existentes eram insuficientes para caracterizar atos de improbidade e, assim, julgou improcedente o pedido de ressarcimento.

Em que pese a notável fundamentação desenvolvida na sentença, tenho que a situação narrada na peça inaugural encontra-se devidamente comprovada.

Os documentos carreados aos autos comprovam o saque de quotas e rendimentos do PIS nº 103.95701.49-7 de titularidade de Alberto Hekel Tavares. Também mostram que não foi o titular da conta quem pediu ou autorizou o saque, o qual, foi realizado em São Paulo, na agência da Vila Maria, enquanto o titular da conta residia no Rio de Janeiro (fls. 18 do id 264972940).

A autorização do saque foi emitida por DENIS NUNES, conforme carimbo inserto no documento de pagamento, e ocorreu em desconformidade às normas internas do Banco, notadamente o MNFP 037, item 3.2.1.1.

O dolo também se faz presente, uma vez que não se está diante de um bancário inexperiente; ao contrário, DENIS NUNES exercia o cargo de gerente, o que mostra o seu conhecimento e experiência a respeito dos procedimentos bancários.

Não bastasse, a bancária Katia Caldas de Araújo Pereira, quando ouvida perante a comissão disciplinar, disse conhecer os procedimentos e documentos necessários para a liberação de FGTS e de PIS e que poderia “dizer com certeza que a Ag. Vila Maria foi dividida em antes de Dênis e depois de Dênis. Antes todas as coisas sem problema e documentações em ordem e depois do Dênis as coisas foram feitas de forma irregular” – fls. 27 do id 264972683.

Portanto, tenho que o fato ilícito apontado, qual seja, o saque indevido de quotas de PIS de cliente, foi realizado por DENIS NUNES, o qual, inclusive, teve o seu contrato de trabalho rescindido por justa causa (fls. 12 do id 264972944).

Trata-se de conduta que se amolda à perfeição ao estatuído no art. 10, VI e XI, da Lei 8.429/92:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

(...)

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

(...)

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

Uma operação financeira pode ser definida como um conjunto de atividades e processos que envolvem gestão dos recursos financeiros de uma organização. De uma forma bastante simples, é um ato econômico onde o possuidor de capital transfere este para uma outra pessoa.

O ato realizado por DENIS NUNES, assim, enquadra-se como operação financeira, pois houve a transferência de numerário mantido em instituição financeira para outra pessoa.

De outro lado, o inciso VI supracitado prevê duas situações autônomas, quais sejam, realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea. Consequentemente, a conduta do apelado se adequa à primeira parte do dispositivo, porquanto efetuou a liberação de numerário referente ao PIS em descompasso com os regulamentos da instituição.

Apesar de o PIS não ser uma verba pública em seu sentido estrito, não há ampla disponibilidade de seu numerário por parte do titular da conta. Isso porque o PIS é um fundo de participação constituído por depósitos realizados por empregados e por empregadores e administrados pela Caixa Econômica Federal (LC 07/70). O empregado apenas não tem plena liberalidade sobre o dinheiro, cujo acesso se faz em condições específicas previstas em lei ou outros regulamentos do Poder Executivo.

Tenho, com isso, que a liberação indevidamente de cotas do PIS se amolda à conduta típica.

Portanto, uma vez causado prejuízo à instituição financeira, surge o dever legal de promover o ressarcimento.

A Caixa Econômica Federal apurou o prejuízo em R$ 8.791,39 (oito mil, setecentos e noventa e um reais e trinta e nove centavos) em 31.08.2008, conforme se verificar da notificação de cobrança juntada às fls. 15 do id 264972945. Consistia no valor referente ao saque de R$ 4.299,78 (quatro mil, duzentos e noventa e nove reais e setenta e oito centavos) efetuado em 13.06.2003, devidamente atualizado para aquela data.

Face ao insucesso da cobrança extrajudicial, o montante foi corrigido na data do ajuizamento da ação (16.02.2021) para R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos).

Ausente impugnação sobre o montante, torno-o definitivo. Assim, condeno o apelado a efetuar o ressarcimento integral do dano suportado pela Caixa Econômica Federal, no montante de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), atualizado até 16.02.2021, o qual deverá ser acrescido de juros moratórios e corrigido monetariamente nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal.

Considerando que a parte autora saiu vencedora no tocante ao pleito principal (ressarcimento dos prejuízos que lhes foram causados) e a vedação à "reformatio in pejus", tenho que somente o réu deve suportar os ônus da sucumbência, pelo que fica condenado ao reembolso das despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação.

 

Dispositivo.

Em face do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO às apelações para condenar DENIS NUNES a efetuar o ressarcimento da quantia de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), nos moldes supra.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE PUNIR. PREJUÍZO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. DEVER DE RESSARCIR.

 – Em razão de medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em 27/12/2022, pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encontram-se com eficácia suspensa os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.230/21: art. 1º, §8º, art. 12, §§ 1º e 10, art. 17-B, §3º e art. 21, §4º. Ademais, também na ADI 7236/DF, foi deferida medida cautelar para conferir interpretação conforme ao art. 23-C, da LIA.

 – Em se adotando o rito comum (antigo rito ordinário) às ações por improbidade (art. 17 da LIA), aplicável o princípio “tempus regit actum”, nos termos do art. 14 do CPC, segundo o qual a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Portanto, são válidos os atos processuais consumados sob a regência da versão antecedente da Lei 8.429/92.

 – A Carta Constitucional pátria assinala o caráter civil das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa, o que deve ser harmonizado com o disposto no art. 17-D da Lei 8.429/92 (acrescido pela Lei 14.230/2021), restringindo-o apenas no sentido de reconhecer que a ação por improbidade não se confunde com a ação civil pública (Lei 7.347/85) ou a ação popular (Lei 4.717/65), no que diz respeito ao controle de legalidade de políticas públicas ou proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

– A Lei 8.429/92 reconhece três subgrupos de atos ímprobos, respectivamente, no art. 9º (obtenção de vantagens indevidas, sem danos ao Erário), art. 10 (atos que causam danos ao patrimônio público) e art. 11 (ações ou omissões que violam os princípios e preceitos básicos da Administração Pública). Nos termos do quanto decidido no Tema 1199 da Repercussão Geral, devem reger-se pela nova lei as ações em tramitação, ressalvadas as condenações transitadas em julgado, de modo a se exigir o “dolo específico” para a configuração de atos de improbidade administrativa, em qualquer modalidade (art. 9º, 10 e 11 da LIA). Permanecem hígidas, deste modo, as sentenças condenatórias transitadas em julgado até a data da publicação da Lei 14.230/21 (DOU 26.10.2021), bem como as execuções de sentença que estejam em curso.

– O Supremo Tribunal Federal fixou tese de repercussão geral, vinculada ao Tema 1199, reconhecendo, dentre outros pontos, que “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021, é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Caso em que a prescrição, regulada pelo art. 23, II, da Lei 8.429/92, foi declarada na decisão que recebeu a petição inicial. Os fatos remontam ao ano de 2003 e o procedimento administrativo foi iniciado em junho/2007 e encerrado em agosto do ano seguinte. Contudo, a ação por improbidade administrativa foi ajuizada apenas em 17.02.2021, quando há muito prescrito o direito de punir.

– De acordo com o art. 12 da Lei 8.429/92 o ressarcimento ao erário é independente das sanções cabíveis nos casos de improbidade administrativa. O art. 5º da mesma lei, com a redação à época vigente, dispunha que “Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”.

– Prescrito o direito de ação em relação às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, mas comprovado o dano causado ao erário, a obrigação de ressarcir o prejuízo causado remanesce e é imprescritível. Tema 1089 STJ.

– Os documentos carreados aos autos comprovam que o apelado efetuou ou autorizou o saque de quotas de PIS de titular que não fez solicitação. O titular da conta reside no município do Rio de Janeiro e o saque foi realizado de forma indevida na agência da Vila Maria, em São Paulo.

– Como gerente de agência da instituição financeira, o apelado tinha conhecimento das regras e normas a serem cumpridas na realização do saque, o que evidencia o seu dolo.

– O montante do prejuízo, apurado para a data do ajuizamento da ação, alcançou a quantia de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos). Ausente impugnação, o valor tornou-se incontroverso.

- Considerando que a parte autora saiu vencedora no tocante ao pleito principal (ressarcimento dos prejuízos que lhes foram causados) e a vedação à "reformatio in pejus", tenho que somente o réu deve suportar os ônus da sucumbência, pelo que fica condenado ao reembolso das despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação.

– Apelações parcialmente providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, DEU PARCIAL PROVIMENTO às apelações para condenar DENIS NUNES a efetuar o ressarcimento da quantia de R$ 22.858,84 (vinte e dois mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e quatro centavos), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.