RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5003867-59.2022.4.03.6325
RELATOR: 21º Juiz Federal da 7ª TR SP
RECORRENTE: SUELI MATHEUS ARENA PASCHOAL
Advogado do(a) RECORRENTE: ALBERTO CESAR CLARO - SP183792-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRIDO: ALESSANDRA RENATA RASQUEL NORONHA - SP356604-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, GRACIENE FONTANA CRONKA - SP273541-A, LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5003867-59.2022.4.03.6325 RELATOR: 21º Juiz Federal da 7ª TR SP RECORRENTE: SUELI MATHEUS ARENA PASCHOAL Advogado do(a) RECORRENTE: ALBERTO CESAR CLARO - SP183792-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: ALESSANDRA RENATA RASQUEL NORONHA - SP356604-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, GRACIENE FONTANA CRONKA - SP273541-A, LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de recurso interposto por SUELI MATHEUS ARENA PASCHOAL em demanda contra a ré CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, cuja sentença julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e morais, em face de golpe de cartão bancário, através de fraude, conhecido como “golpe do motoboy”.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
A r. sentença foi julgada improcedente, sob o fundamento de que a instituição financeira responde por situações em tela, em razão de se cuidar de operações com falhas de segurança.
Aduz a recorrente a culpa da instituição financeira à fraude, já que a fraude fora efetivada ao longo de diversas operações, situação apta a ser aferida no controle.
É a síntese do necessário.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5003867-59.2022.4.03.6325 RELATOR: 21º Juiz Federal da 7ª TR SP RECORRENTE: SUELI MATHEUS ARENA PASCHOAL Advogado do(a) RECORRENTE: ALBERTO CESAR CLARO - SP183792-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: ALESSANDRA RENATA RASQUEL NORONHA - SP356604-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, GRACIENE FONTANA CRONKA - SP273541-A, LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Assiste parcial razão à recorrente. Das alegações, apresentadas pela recorrente, vislumbro culpa concorrente das partes na responsabilidade pelos danos materiais. Deveras, do enredo probatório coligido aos autos, denota-se que a autora fora vítima de golpe de estelionato ao ceder seu cartão de banco a terceiros meliantes – de certo, uma quadrilha com rápida agilidade operacional e tecnológica - o que possibilitou a prática das fraudes descritas nos autos, por meio de caixas eletrônicos da CEF. Por sua vez, algumas reflexões jurídicas merecem ser destacadas. Como é sabido, a responsabilidade civil encontra previsão legal nos artigos 186 e 927 do Código Civil, segundo os quais aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. Há, contudo, a necessidade, de se comprovar a conduta praticada e o nexo de causalidade, consistente no liame fático a demonstrar qual conduta foi capaz de gerar o dano sofrido. Por sua vez, as instituições financeiras devem obediência ao Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento pacífico sufragado no enunciado nº 2971 das Súmulas do E. STJ e, por isso, a responsabilidade da Caixa Econômica Federal é objetiva, por força do disposto no caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, cujo parágrafo terceiro explicita as hipóteses em que o fornecedor não responde: A teor dos fatos engendrados nos autos e o desenrolar dos prejuízos da parte autora, nota-se notável fraude e agilidade tecnológicas dos meliantes, de sorte a concretizar não só a culpa de terceiro, mas também dos autores e da ré, já que todas as movimentações foram todas realizadas em minutos após a posse dos dados do autor, desconexo das movimentações típicas do autor. Explico. Como é sabido, o mundo assiste a uma digitalização enfática dos serviços e produtos digitais, cujas facilidades amparam o bônus empresarial e financeiro – como é caso das tecnologias de compra e APP dos bancos – mas também confere uma série de acautelamentos por parte das instituições financeiras para proteção ao cliente, situação não agasalhada pela ré, como se verá. A controvérsia dos autos cinge-se, portanto, à verificação da conduta dos autores e da ré, em face das fraudes ocorridas. A vexata quaestio ao caso presente, tido como ponto controvertido, é justamente aferir se o sistema de compliance e proteção da ré (instituição financeira), de certa forma contribuíra para o evento, ao conferir tratamento de falta de segurança na prevenção e combate às fraudes. Nessa vertente, surgem duas questões para fazer frente às disposições legais referentes à responsabilidade e contenção de risco: i) houve por parte da ré desrespeito às disposições de segurança de dados pela Lei Geral de Proteção de Dados ? ii) o cometimento de fraudes realizado pelos criminosos, poderia ser evitado ou até sido limitado pela ré, a teor da legislação e tecnologia atual ? A respostas dessas indagações aferirá a responsabilidade conjunta ou não da ré, pela análise do risco para facilitação ou não da fraude em apreço, fiel às disposições legais, entre essas o disposto no art. 927 e 945 do Código Civil: Para aferição de ruptura de segurança aos dados da autora, como resposta à primeira indagação, resta relevante aferir que dos fatos coligidos nos autos, entre esses o boletim de ocorrência; carta de contestação das transações bancárias fraudulentas e protocolo de contestação; bem como o extrato de sua conta bancária, em que listadas as transações bancárias realizadas no dia 06/05/2021 e 07/05/2021, em decorrência da fraude, e sobretudo o histórico de movimentação bancária do autor, em cotejo com o sistema inteligente de proteção eletrônico antifraude que a instituição financeira deve monitorar seus clientes, como exigência da segurança de sua prestação de serviço. Quanto ao segundo ponto controvertido: ii) o cometimento de fraudes realizado pelos criminosos, poderia ser evitado ou até sido limitado pela ré, a teor da legislação e tecnologia atual ? Para resposta dessa indagação, resta imprescindível aferir quais foram as fraudes cometidas, as suas circunstâncias e as providências que as partes tomaram para minorá-las. Como se nota dos fatos, a autora fora vítima de furto e prontamente a quadrilha agira para usar todos os recursos financeiros da autora e esgotar suas aplicações financeiras e reservas bancárias – como expressa o Boletim de Ocorrência, as transações impugnadas e respectivos e-mails trocados. Em face das expressivas movimentações financeiras realizadas em poucas horas no aplicativo da autora, nota-se descompasso às premissas de compliance, deveres antifraude da instituição financeira – como os devidos avisos, bem como na instituição de limite geral diário, como as advertências necessárias. Segundo apurado pelas partes, o prejuízo de fraude fora de R$ 32.997,00 (trinta e dois mil, novecentos e noventa e sete reais), caracterizada por operações sequenciais de débito/PIX e outras como o aumento de limites e pedido de empréstimo, todas realizados nos dias 05 e 06 de maio de 2021, de forma reiterada. Das provas coligidas aos autos, convenço-me da assertiva da culpa concorrente entre as partes, isto é, tanto a autora como a instituição financeira são corresponsáveis para deixar de impedir a consumação das fraudes apontadas. De parte dos autores, esses foram excessivamente ingênuos ao cair no “golpe do motoboy” e responder todas as perguntas de um desconhecido no telefone, bem como ceder os cartões a terceiro sem nenhuma identificação com a instituição financeira. De parte da instituição financeira, não se nota acautelamento de inteligência artificial para barrar transferências expressivas realizadas dentro entre poucos minutos de diferença em conta titularizada por uma idosa – vulnerável aos olhos da lei; limitação diária de valores para pessoas idosas e vulneráveis – enfim, não se visualiza protocolos de acautelamento que impeçam ou limitem a possiblidade de fraude, ativação dupla de admissibilidade de compras – providências necessárias ao compliance do banco e para impedir ou dificultar diversas fraudes que assolam a população brasileira, de sorte que a instituição financeira tem o dever de zelo e cuidado para impedir e afastar a fraude. Assim, o caso aponta para a culpa concorrente das partes, de sorte que resta factível o reconhecimento da culpa concorrente da instituição financeira, pois firmada em circunstâncias sequenciais e suspeitas, sobretudo em face do perfil do autor, idoso e já aposentado, vulnerável segundo a lei, cujos dispêndios fogem do perfil de gastos sequenciais apontados nos autos. Nesse passo, a ré deve concorrer na responsabilidade com a autora aos seus prejuízos. Uma vez que a atividade bancária, por envolver a movimentação de dinheiro, implica em riscos à segurança, conforme dispõe o Código Civil em seu art. 927, é evidente que deve haver um aparato de segurança que reduza a exposição dos correntistas a fraudes, dada a própria fragilidade do sistema de segurança e acautelamento de transações financeiras. Cuida-se de responsabilidade de ambas as partes o zelo e o cumprimento de medidas pós-contratuais que complementem as boas práticas contratuais para conferir segurança e bona fides às partes. Nesse cenário probatório, vislumbro que ambas as partes incorreram em negligência contratual ao admitirem a perpetuação do ilícito material, conduta que medeia culpa concorrente, ciente do fato de que milhares de golpes, com o mesmo “modus operandi”, ocorrem no País.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Daí a inteligência do art. 927, parágrafo único:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
(…)
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Nesse cenário, a CEF deverá responsabilizar-se por metade das transações impugnadas.
O caso presente denota o necessário distinguishment de outros julgados, como o RESp n. 1.633.785/SP, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, porquanto factível aqui espécie de compliance e o cumprimento de medidas tecnológicas que limitem a fraude, premissas não seguidas pela instituição financeira, justamente por se cuidar de idosos hipervulneráveis.
Não se denota, de outro lado, pleito de dano moral. A conduta da ré não implica menoscabo ao direito de personalidade da autora, de sorte que a instituição financeira não compactuou com afronta à dignidade da autora, ao ser recebida e atendida nas agências bancárias, situação que desnatura a ocorrência do dano moral.
Ausente, pois, danos morais, à míngua de ofensa aos direitos da personalidade da autora.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da ré (CEF) para limitar sua responsabilidade à metade dos prejuízos incorridos pelo autor R$ 32.997,00 (trinta e dois mil, novecentos e noventa e sete reais), o que corresponde ao valor de R$ 16.498,5 (dezesseis mil; quatrocentos e noventa e oito reais), acrescidos de juros de mora e correção monetária em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, bem como afastar a condenação em danos morais.
É o voto.
Respeitosamente, divirjo dos eminentes Pares, uma vez que se trata de ação ajuizada por pessoa idosa e que à época dos fatos possuía 66 anos de idade. Além disso, foram realizadas muitas operações destoantes de sua movimentação em curtíssimo período.
Assim, entendo que à hipótese fática se amolda àquele do REsp. 2.052.228/DF, em que se reconheceu a responsabilidade objetiva da instituição financeira que não verifica e aprova transações atípicas. De fato, no caso, em apenas um dia e em operações consecutivas, conforme se infere do id 279359145, quase todo o saldo da conta da autora foi sacado, sem que qualquer alerta de segurança fosse disparado pela CEF.
Portanto, entendo que, em face de sua responsabilidade objetiva, o recurso da parte autora há de ser provido e os pedidos julgados procedentes.
Isso porque, além da prova do prejuízo material, é inegável a aflição suportada pela parte autora com a subtração de todas as economias, o que supera, em muito, o mero aborrecimento.
Por isso, voto por dar provimento ao recurso da autora para condenar a CEF a ressarcir todo o prejuízo material suportado, bem como a pagar indenização, que fixo em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), pelo dano moral suportado.
Correção monetária sobre o dano material a partir dos saques e juros moratórios a partir da citação. Quanto aos danos morais, correção monetária e juros moratórios contados a partir do décimo quinto dia do trânsito em julgado. Encargos e forma de cálculos conforme previsto no Manual de Cálculos da Justiça Federal.
É como voto.
E M E N T A
FRAUDE EM OPERAÇÕES DE CARTÃO. NEGLIGÊNCIA DO CORRENTISTA. PARCIAL CULPA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. IDOSA VULNERÁVEIS. LIMITAÇÃO DE TRANSAÇÕES.CULPA CONCORRENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 945 DO CÓDIGO CIVIL