Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034800-45.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: EDUARDO GONZAGA OLIVEIRA DE NATAL, MARIA NATASHA ARTESE NATAL

Advogados do(a) APELANTE: EDUARDO GONZAGA OLIVEIRA DE NATAL - SP138152-A, JOSE FREDERICO CIMINO MANSSUR - SP194746-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034800-45.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: EDUARDO GONZAGA OLIVEIRA DE NATAL, MARIA NATASHA ARTESE NATAL

Advogado do(a) APELANTE: JOSE FREDERICO CIMINO MANSSUR - SP194746-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Apelação interposta por Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal e outro contra sentença que, em sede de mandado de segurança, denegou a ordem e julgou improcedente o pedido que objetivava afastar a incidência do imposto de renda pessoa física – IRPF sobre o ganho de capital obtido na alienação de imóvel residencial, em razão de isenção prevista no artigo 39 da Lei nº 11.196/2005 (Id 270365024).

 

Aduzem (Id 279791090) que:

 

a) artigo 39 da Lei nº 11.196/2005 estabelece que o ganho proveniente na venda de imóvel residencial é isento do pagamento do imposto de renda, desde que no prazo de 180 dias o valor da venda seja aplicado na aquisição de outro imóvel residencial e que o contribuinte não tenha usufruído do benefício nos últimos cinco anos;

 

b) o artigo 2º, §11, da Instrução Normativa SRF nº 599/2005 impossibilitava a fruição da isenção nos casos de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo de imóvel residencial já possuído pelo alienante, foi alterado pela IN RFB n. º 2070/2022;

 

c) o Código Tributário Nacional, com "status" de lei complementar, estabelece em seu artigo 111, inciso III, que a legislação tributária se interpreta literalmente quando disponha sobre dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias;

 

d) com a edição da IN SRF nº 599/2005 produzir norma inovadora, a Receita Federal violou o princípio da legalidade tributária, vulnerando a hierarquia das normas, insculpida nos artigos 97 e 176 do CTN;

 

Em contrarrazões (Id 270365141), a União requer o desprovimento do recurso.

 

O parecer ministerial é no sentido de que seja dado prosseguimento ao feito (Id 270665879).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5034800-45.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: EDUARDO GONZAGA OLIVEIRA DE NATAL, MARIA NATASHA ARTESE NATAL

Advogado do(a) APELANTE: JOSE FREDERICO CIMINO MANSSUR - SP194746-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

I - Dos fatos

 

Mandado de segurança impetrado por Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal e outro contra ato praticado pelo Delegado da Receita Federal da Delegacia de Pessoas Físicas da Receita Federal do Brasil (DERPF), com vista ao reconhecimento do direito à isenção do imposto de renda incidente sobre o ganho de capital decorrente da alienação de imóvel e em relação à parte utilizada para a quitação do financiamento de outro imóvel residencial.

 

Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito:

 

a) em 25.03.2020, os impetrantes firmaram contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal, para a aquisição do imóvel residencial situado na Capital do Estado de São Paulo, na Rua Jorge Americano, nº 243, 21º andar, Edifício Duo Alto da Lapa, matrícula nº 129.166 do 10º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo/SP (Id 270364559);

 

b) conforme contrato, o valor total de aquisição do imóvel foi de R$ 4.050.000,00, sendo que R$ 2.050.000,00 foram pagos com recursos próprios e o valor residual de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) objeto de financiamento com a CEF (Id 270364559);

 

c) em 04.10.2021, os impetrantes venderam imóvel de sua propriedade, situado na Capital do Estado de São Paulo, na Carlos Weber, n° 757, unidade 101, Lapa, registrado no 10° Registro de Imóveis de São Paulo sob matrícula de n° 110.622, com o recebimento do valor de R$ 1.860.000,00 (Id 270364562)

 

d) parte do produto da venda do imóvel (R$ 1.341,263,21) foi utilizado na amortização do débito oriundo do financiamento realizado junto à Caixa Econômica Federal para a quitação do apartamento localizado na Rua Jorge Americano, nº 243 (Id 270364563 e 270364564).

 

II – Do IRPF sobre ganho de capital

 

Sobre o tema da isenção de imposto de renda o artigo 39 da Lei n° 11.196/2005 assim dispõe, verbis:

 

Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País.     

§ 1º No caso de venda de mais de 1 (um) imóvel, o prazo referido neste artigo será contado a partir da data de celebração do contrato relativo à 1ª (primeira) operação.

§ 2º A aplicação parcial do produto da venda implicará tributação do ganho proporcionalmente ao valor da parcela não aplicada.

§ 3º No caso de aquisição de mais de um imóvel, a isenção de que trata este artigo aplicar-se-á ao ganho de capital correspondente apenas à parcela empregada na aquisição de imóveis residenciais.

§ 4º A inobservância das condições estabelecidas neste artigo importará em exigência do imposto com base no ganho de capital, acrescido de:

I - juros de mora, calculados a partir do 2º (segundo) mês subseqüente ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido; e

II - multa, de mora ou de ofício, calculada a partir do 2º (segundo) mês seguinte ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido, se o imposto não for pago até 30 (trinta) dias após o prazo de que trata o caput deste artigo.

§ 5º O contribuinte somente poderá usufruir do benefício de que trata este artigo 1 (uma) vez a cada 5 (cinco) anos.

[destaquei]

 

De acordo com a norma, está isento do imposto de renda sobre o ganho de capital na alienação de imóvel residencial o contribuinte que aplique, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o produto da venda na aquisição de imóvel para fim residencial dentro do país. Para tanto, exige-se a aplicação dos recursos obtidos com a venda na aquisição ou quitação, parcial ou total, do preço de imóvel já adquirido pelo contribuinte, inclusive quitando financiamento habitacional, independentemente de o negócio jurídico ser anterior ou posterior à venda.

 

Posteriormente, a fim de regulamentar referida regra, a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa n° 599/2005 que assim dispunha, à época dos fatos, verbis:

 

Art. 2º Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição, em seu nome, de imóveis residenciais localizados no País.

(...)

§ 9º Considera-se imóvel residencial a unidade construída em zona urbana ou rural para fins residenciais, segundo as normas disciplinadoras das edificações da localidade em que se situar.

(...)

§ 11. O disposto neste artigo não se aplica, dentre outros:

I - à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante;

II - à venda ou aquisição de terreno;

III - à aquisição somente de vaga de garagem ou de boxe de estacionamento.

[destaquei]

 

Vê-se que a instrução normativa extrapolou seu limite regulamentador ao afastar a isenção no caso de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo de imóvel residencial já possuído pelo alienante, em desrespeito ao princípio da legalidade, pois é descabida a criação mediante instrução normativa de restrição não prevista em lei.

 

O Superior Tribunal de Justiça analisou a questão e entendeu que é ilegal a restrição imposta pela norma regulamentadora, verbis:

 

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. GANHO DE CAPITAL. VENDA DE IMÓVEL RESIDENCIAL. ART. 39 DA LEI 11.196/2005. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É entendimento desta Corte Superior que a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, o débito remanescente de aquisição de imóvel residencial já possuído pelo alienante, sendo ilegal a restrição estabelecida no art. 2o, § 11 da IN-SRF 599/2005. Precedentes: REsp. 1.668.268/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe 13.3.2018; REsp. 1.726.884/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 21.11.2018.

2. Agravo Interno da Fazenda Nacional a que se nega provimento.

(AgInt no REsp n. 1.612.183/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 29.04.2019, destaquei).

 

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. ART. 39 DA LEI 11.196/2005. IN/SRF 599/2005.

- No julgamento do Recurso Especial 1.469.478/SC, a Segunda Turma do STJ entendeu que a isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel prevista no art. 39, da Lei 11.196/2005 se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante. Firmada a compreensão de que a restrição perpetrada pela Instrução Normativa/SRF 599/2005 é ilegal.

- Recurso Especial não provido.

(REsp n. 1.726.884/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 24.04.2018, destaquei).

 

Assim, não há óbice legal à aplicação do produto da venda de imóvel residencial pertencente à pessoa física na amortização de dívida oriunda da aquisição a prazo de outro imóvel.

 

No caso, os impetrantes utilizaram parte do produto da venda do apartamento sito na Rua Carlos Weber, n° 757 (Id 270364562) na amortização do contrato de financiamento junto à Caixa Econômica Federal (Id 270364559), trazendo aos autos os comprovantes de transferência do valor de R$ 1.341,263,21 à instituição financeira (Id 270364563 e 270364564).

 

Desse modo, é de se reconhecer o direito à aplicação da isenção do IRPF, razão pela qual a sentença deve ser reformada.

 

Por fim, saliente-se que as questões relativas aos artigos 97, inciso VI, 106, 111, inciso III, e 176 do CTN e 2º da IN 2070/2022 não têm condão de alterar esse entendimento pelos motivos já apontados.

 

III - Do dispositivo

 

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e conceder a ordem para determinar o afastamento da incidência do imposto de renda pessoa física – IRPF sobre o ganho de capital obtido na alienação de imóvel residencial, nos termos do artigo 39 da Lei nº 11.196/2005. Sem honorários, na forma do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09. Custas ex vi legis.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IR SOBRE GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. ARTIGO 39 DA LEI N. º 11.196/2005. ISENÇÃO.  APLICAÇÃO DO PRODUTO DA VENDA NA AMORTIZAÇÃO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO.  POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA.

- De acordo com o artigo 39 da Lei n° 11.196/2005, está isento do imposto de renda sobre o ganho de capital na alienação de imóvel residencial o alienante que aplique, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o produto da venda na aquisição de imóvel para fim residencial dentro do país. Para tanto, exige-se a aplicação dos recursos obtidos com a venda na aquisição ou quitação, parcial ou total, do preço de imóvel já adquirido pelo contribuinte, inclusive quitando financiamento habitacional, independentemente de o negócio jurídico ser anterior ou posterior à venda.

- A Instrução Normativa n.° 599/2005 extrapolou seu limite regulamentador ao afastar a isenção no caso de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo de imóvel residencial já possuído pelo alienante, em desrespeito ao princípio da legalidade, pois é descabida a criação mediante instrução normativa de restrição não prevista em lei.

- Comprovado o aproveitamento do produto da alienação do bem na aquisição do novo imóvel, deve ser afastada a incidência do IRPF.

- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para reformar a sentença e conceder a ordem para determinar o afastamento da incidência do imposto de renda pessoa física, IRPF sobre o ganho de capital obtido na alienação de imóvel residencial, nos termos do artigo 39 da Lei nº 11.196/2005. Sem honorários, na forma do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09. Custas ex vi legis, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. WILSON ZAUHY (em férias) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.