Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001184-15.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: JOSÉ JOÃO DE CASTRO

Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001184-15.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: JOSÉ JOÃO DE CASTRO

Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Apelação Criminal interposta por JOSÉ JOÃO DE CASTRO contra sentença (ID. 267215822), que o condenou à pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 96 (noventa e seis) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos crimes previstos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, por duas vezes (artigo 69 do Código Penal), e no art. 158, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do Código Penal).

Na sentença, foi negado ao réu o direito de apelar em liberdade, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

A defesa do réu apelou, e em razões de apelação (ID. 267215937), pede: a) absolvição do apelante em relação aos crimes dos artigos 296 (por duas vezes) e 158, ambos do Código Penal, com base no artigo 386, V, do Código de Processo Penal; Subsidiariamente: b) mantendo-se a condenação, afastar o concurso material (artigo 69 CP) e constatar a existência de concurso formal próprio heterogêneo (artigo 70 CP) nos delitos ocorridos em 03/08/2022 e c) reforma da dosimetria da pena, levando-se em conta as circunstâncias do fato, o reconhecimento da modalidade tentada e a primariedade do réu, assim como que seja fixado o regime inicial do apelante como semiaberto ou aberto e consequente redução dos dias-multa.

A acusação apresentou contrarrazões (ID. 267215945).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do apelo defensivo (ID. 267661076).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001184-15.2022.4.03.6110

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: JOSÉ JOÃO DE CASTRO

Advogados do(a) APELANTE: GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 1. Do caso dos autos.

JOSÉ JOÃO DE CASTRO foi denunciado pelo cometimento dos crimes previstos nos artigos 296, § 1º, III, do Código Penal, por duas vezes na forma do art. 69 do Código Penal, e no art. 158, caput, do Código Penal.

 Narra a denúncia (ID. 267215728):

Acusação I

Art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

Em data inicial incerta e, quando menos, nos dias 11 de fevereiro de 2022 e 3 de agosto de 2022, em Sorocaba, SP, JOSÉ JOÃO DE CASTRO fez uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.

2. Na primeira ocasião, diante da notícia de que JOSÉ JOÃO DE CASTRO estaria se passando por policial federal no interior do condomínio Ibiti Royal Park, em Sorocaba, SP, foram captadas imagens nas quais JOSÉ JOÃO DE CASTRO utilizou uniforme completo do Departamento de Polícia Federal.

3. Na segunda ocasião, enquanto se dirigia a uma reunião mantida a seu pedido com Amanda de Cassia Araujo Guerra, funcionária pública vinculada à Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra, SP, JOSÉ JOÃO DE CASTRO tinha no banco de trás de seu veículo uma jaqueta do Departamento de Polícia Federal com as inscrições “Polícia Federal”.

4. Assim, durante o trajeto para o local da reunião, com Amanda e Gisele Pereira Gonçalves Garcia no interior do veículo, disse para Amanda que ela ainda não havia se dado conta de quem ele era, indicando sua jaqueta, quando então ela tirou uma foto sem que ele percebesse. No mesmo contexto, já durante a reunião, confirmou que seria integrante da Polícia Federal e mostrou para Amanda um distintivo da Polícia Federal, com o símbolo da instituição, no qual estava escrito “Agente”.

5. Em cumprimento a mandado de busca e apreensão judicialmente deferido, foram apreendidos no imóvel localizado na Rua Milton Leite de Oliveira, 5, lote 5, quadra F, condomínio Village Vert, Sorocaba, SP, dentre outros itens, um distintivo do Departamento de Polícia Federal, uma jaqueta da Polícia Federal, uma camiseta da Polícia Federal, e coldre de perna para acondicionamento de arma (v. ID 261763216, p. 11, 14, 16 e 17).

6. JOSÉ JOÃO DE CASTRO dizia, inclusive no âmbito familiar, ser agente de Polícia Federal há pelo menos dez ou doze anos, aproximadamente; antes disso, trabalhava como caseiro em Itanhaém, SP.

(...)

Acusação II

Art. 158 do Código Penal

No dia 3 de agosto de 2022, no município de Araçoiaba da Serra, SP, JOSÉ JOÃO DE CASTRO constrangeu alguém, mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.

2. Na ocasião, JOSÉ JOÃO DE CASTRO, contando com a intermediação de Gisele Pereira Gonçalves Garcia, marcou uma reunião e encontrou-se com Amanda de Cassia Araújo Guerra, que ocupava função na tesouraria da Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra, SP.

3. No veículo, enquanto rumavam ao local encontro (estabelecimento denominado Empório Amazônia), JOSÉ JOÃO DE CASTRO disse ser Policial Federal e mostrou uma jaqueta da instituição. Além disso, já no estabelecimento JOSÉ JOÃO DE CASTRO mostrou um distintivo da Polícia Federal, no qual constava inscrito “Agente”.

4. Nesse contexto, ele ofereceu uma “delação” a Amanda, que consistiria no recebimento de R$ 680.000,00, desde que instalasse um “chip” em um computador específico da Prefeitura de Araçoiaba da Serra (tesouraria), para que um “hacker” do Departamento de Polícia Federal acessasse todo o sistema.

5. Ainda, ameaçou Amanda aduzindo que haveria uma investigação no âmbito da Polícia Federal que a envolveria, e que teria um “dossiê” da vida dela, bem como que esta investigação seria divulgada para a mídia toda causando-lhe grande vergonha, bem como que ela poderia ser presa por desacato à autoridade.

6. Disse que, de todo modo, quando fosse revelada a investigação ele iria entrar na Prefeitura e tirar de lá todos os computadores.

7. Quando ela se mostrou reticente, dizendo que não entendia o que estava acontecendo, já que não devia nada para ninguém, JOSÉ JOÃO DE CASTRO tirou o distintivo da Polícia Federal, colocou-o sobre a mesa e disse: “eu posso te dar voz de prisão, quando a pessoa lhe mostrar esse distintivo, você não tem o que questionar.”

8. Desta forma, segundo JOSÉ JOÃO DE CASTRO, caso Amanda não fizesse o que ele exigia, poderia ser presa por “desacato”, ou mesmo que seria revelado o “dossiê” sobre sua vida e as irregularidade que ele investigava por meio da imprensa, causando-lhe grande embaraço até provar que as imputações ali contidas não eram verdadeiras. Amanda, diante da gravidade da ameaça que lhe foi dirigida, procurou imediatamente (i) seu namorado, (ii) o Prefeito de Araçoiaba da Serra e, imediatamente a seguir, (iii) o Departamento de Polícia Federal.

A exordial acusatória foi recebida em 12/09/2022 (ID. 267215730).

Após a regular instrução processual, sobreveio sentença, que julgou procedente a denúncia para condenar o réu pela prática dos crimes previstos no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, por duas vezes (artigo 69 do Código Penal), e no art. 158, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do Código Penal). A sentença foi publicada em 17/11/2022 (ID. 267215822).

2. Da materialidade. 

A materialidade do delito de fazer uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, identificadores da Polícia Federal, bem como do crime de extorsão, encontra-se comprovada nos autos por meio do Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação – Equipe sod - 02 (ID. 267214992), Termo de Apreensão nº 2883791/2022 - (ID. 267214993), Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação – Equipe sod - 01 (ID. 267215003), Termo de Apreensão nº 2878451/2022 (ID. 267215004), Termo de Apreensão nº 2991079/2022 (ID. 267215012), Informação de Polícia Judiciária nº 51/2022 (ID. 267215017), Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 18/2022 (ID. 267215167 - fls. 27/35 e 267215168 - fls. 1/40), Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 23/2022 (ID. 267215169 - fls. 18/46), bem como pelo depoimento da vítima e das testemunhas em juízo.

 Comprovada a materialidade, passo ao exame da autoria.

3. Da autoria delitiva.

De acordo com a denúncia, em data inicial incerta, entre os dias 11 de fevereiro de 2022 e 3 de agosto de 2022, José João de Castro fez uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, mais especificamente o uniforme e o distintivo da Polícia Federal. 

Consta, ainda, que José João de Castro, no dia 3 de agosto de 2022, mediante grave ameaça e com intuito de obter para si vantagem econômica indevida, constrangeu a vítima Amanda de Cassia Araújo Guerra, oferecendo uma “delação” a Amanda, que consistiria no recebimento de R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais), desde que instalasse um “chip” em um computador específico da Prefeitura de Araçoiaba da Serra (tesouraria), para que um “hacker” do Departamento de Polícia Federal acessasse todo o sistema, sob o argumento de que haveria uma investigação no âmbito da Polícia Federal que a envolveria, e que teria um “dossiê” da vida dela.

Por sua vez, a investigação policial iniciou-se com base na informação de que havia uma pessoa se passando por policial federal no Condomínio Ibiti Royal, em Sorocaba/SP. 

Foram executadas diligências no Condomínio Ibiti Royar para obter mais informações sobre o fato criminoso, tendo a confirmação de que José João de Castro realmente utilizou um uniforme da Polícia Federal. 

Consta do inquérito policial, que, no dia 03 de agosto de 2022, Amanda de Cássia Araújo Guerra, tesoureira da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP, compareceu na Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba/SP, informando que, por volta das 12h49m, recebeu uma ligação de Gisele, irmã do prefeito de Capela do Alto e sua conhecida, que a chamou para uma conversa. Disse que Gisele passou na prefeitura e veio acompanhada de um homem chamado João. Foram até o Empório Amazônia, também em Araçoiaba/SP. Já dentro do referido estabelecimento, João mostrou um distintivo da Polícia Federal, no qual estava escrito "Agente", e, nesse momento, ofereceu uma "delação" para a declarante, no sentido de que ela recebesse o valor de R$ 680 mil reais desde que inserisse no computador da Prefeitura de Araçoiaba um "chip", sob a alegação que haveria uma investigação envolvendo todo mundo da Prefeitura, que havia um dossiê que envolvia a própria Amanda. Informou tudo o ocorrido ao seu namorado, José Roberto Mendes, Guarda Municipal, e ao Prefeito de Araçoiaba, José Carlos de Quevedo Júnior.

Diante dessas circunstâncias, houve busca e apreensão nos endereços de José João de Castro e foram apreendidos símbolos da Polícia Federal (jaqueta e distintivo).

Em sua defesa, o apelante aduz que mantinha amizade íntima com o agente da Polícia Federal, Ricardo, que inclusive frequenta sua casa, e embora fosse lotado na cidade de Santos/SP, comumente fazia averiguações em outras cidades, tanto que, por descuido deixou seus pertences no domicílio do recorrente, que apenas os guardou para quando visse novamente seu amigo.

Além disso, a defesa sustenta que o depoimento da vítima, Sra. Amanda, foi completamente divergente do trazido pela Sra. Gisele, com menções a chip que não foram entregues, dossiê que foi visto por uma e não por outra, etc.

Sustenta, ainda, que todos os depoimentos apontaram no mesmo sentido, que não houve em momento algum qualquer tipo de ameaça do apelante em relação a qualquer um dos ouvidos por este Juízo, muito menos para obtenção de qualquer benefício financeiro.

Aduz, ainda, que não foi juntada no processo nenhuma prova que apontasse no sentido de que houve extorsão, nenhuma prova que houve exigência de dinheiro, nenhuma filmagem ou gravação que apontasse no sentido de que o réu exigiu algo da Sra. Amanda ou da Sra. Gisele, tanto que esta era amiga daquela, e foi justamente quem marcou o encontro.

A autoria delitiva e o dolo, de igual modo, restaram amplamente demonstrados pelos documentos carreados nos autos e pela oitiva de testemunhas. 

Vejamos.

Em sede judicial, a vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, servidora pública municipal, disse que uns dias atrás a Gisele lhe enviou uma mensagem perguntando se ela era responsável pela tesouraria. Respondeu que sim e disse se ela precisasse de alguma ajuda, que às vezes acontece de alguns arquivos não baixarem. Gisele falou que não, mas que iria até a prefeitura para a depoente dar uma olhada no processo. Falou que no dia que aconteceu o fato, que achava que era o dia três, Gisele ligou-lhe perguntando se poderia encontrá-la de noite, mas respondeu que não, vez que de noite faz faculdade e não teria como. A depoente falou que não tinha saído para almoçar, se quisesse poderia vir naquele momento.  Gisele disse que iria pessoalmente, que a pegaria no serviço. Quando a depoente saiu, Gisele foi lhe encontrar e a levou no carro, ocasião em que havia uma pessoa. Relatou que trabalhou na loja do irmão da Gisele, que é o atual prefeito da cidade de Capela do Alto/SP, que tinha um círculo de amizade com ela. Que entrou no carro, que ficou meio desconfortável. Quando estavam quase chegando no lugar, ele falou para Gisele, aquele que se apresentou como João: "Ela não percebeu quem eu sou". "você não viu a minha jaqueta?". Relatou que a jaqueta estava no banco de trás do carro, momento que tirou uma foto e perguntou o que estava acontecendo. Gisele e João falaram para a depoente ficar calma, que precisariam conversar. João disse que era da Polícia Federal, que sua família toda era. Ao chegarem ao Empório Amazônia, João disse que era da Polícia Federal, que a prefeitura estava passando por uma investigação, que ele tinha um dossiê da sua vida (da depoente). Que a Gisele falou que ele tinha mesmo, ela tinha visto tudo.  Que a depoente falou que não devia nada, que não tinha medo, que para ela era indiferente. Nesse momento, ele (João) deu um grito, tirou o distintivo, bateu na mesa, disse que poderia lhe dar ordem de prisão, apontou o dedo dizendo que ela nunca deveria falar daquela forma com um oficial da Polícia Federal. Atestou que no distintivo estava escrito agente. Que ficou confusa. Que Gisele falou: “você já pensou seu nome na mídia?”, “eu sei que você não deve nada” e “ele tem um dossiê inteiro da sua vida toda”. Que João disse que, quando fossem lá, ele chegaria com sua equipe, retirariam todos os computadores e todo mundo seria preso, que a depoente seria presa, mas indagava que não tinha nada a ver. Gritou que não tinha medo, momento em que ele se alterava com ela. Em um determinado momento, disse que queria seu pai naquele local, ele deu risada.  Disse que não devia nada e pediu para chamar seu pai. Que João perguntou se ela era a detentora das duas "chaves jotas", dando a entender que ele sabia muito bem do processo da tesouraria. Que respondeu que não, que não tinha e que não fica, momento que ele parou e falou: "Pô Gisele, você falou que ela tinha as duas, ela não tem." Gisele disse: "calma". Falou que mais uma vez, tentou ir embora. Que João disse que ela precisaria de colocar um chip e a levaria para conhecer a sede da Polícia Federal. Que a Gisele disse que conhecia toda a família dele. Que João disse que ela estava participando de uma delação premiada e ganharia R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais), que precisaria de colocar um chip no computador da prefeitura, que um homem de nome Roberto copiaria tudo que estava fazendo de errado. Que respondeu que não queria o dinheiro. Que Gisele confirmou que viu o dossiê com o nome dela. Com muito custo, conseguiu levantar e foram embora. Confirmou que logo no começo, ele bateu o distintivo na mesa e gritou que poderia prendê-la. Dentro do carro tocou seu celular e a depoente perguntou para ele se poderia atender. Ele disse: "lógico, você acha que está falando com quem? Você acha que seu telefone não está grampeado? Eu sou Policial Federal."  Que João falou que ela poderia conhecer a sede da Polícia Federal onde ele trabalhava, que era um coisa direita. Ele lhe disse: "Não abre a boca, não fale nada para ninguém. Você vai ligar para a Gisele, eu vou trazer o chip e você vai colocar. Eu estou te dando esse crédito porque a Gisele disse que você é uma pessoa direita." Que desceu do carro e mandou uma mensagem para seu namorado falando para ele a esperar na prefeitura. Disse que na verdade não acreditava em ninguém mais. Foi até o carro do seu namorado, chamaram e falaram tudo ao prefeito. Que o prefeito ligou para o Danilo Balas, Agente, contou o relatado e foi dito para eles irem à Polícia Federal. Foram para a Polícia Federal por duas vezes. Na segunda vez, queriam confirmar o nome do Roberto Restum. Que a informação das chaves é informação sigilosa e interna no âmbito da Prefeitura, nem o prefeito sabe direito. Confirmou que a jaqueta que viu, foi a que tirou a foto e estava escrito "Polícia Federal". Que João não estava uniformizado, a jaqueta ele não tirou do carro e o distintivo ele apresentou depois. Que nenhum momento foi apresentado o chip para ela. Confirmou que encontrou com Gisele na porta da Prefeitura e que eles a levaram de volta à Prefeitura. Relatou que o carro era um Peugeot, prata. Disse que no local da conversa não tinha ninguém, ficava olhando, queria pedir socorro para alguém, mas não tinha ninguém. Tinha só o carro deles (IDs. 267215806 e 267215807).

Em juízo, a testemunha Gisele Pereira Gonçalves, corretora de imóveis, disse que foi chamada pelo senhor João para que fosse vender um imóvel. Que conhecia ele de lugar nenhum. Não conhecia a família dele, em nenhum momento conheceu, disse que fez confusão com o nome da filha.  Que foi até o imóvel para conhecê-lo, que ficava no Village Vert. Fez a avaliação do imóvel e de todo o processo. Que João viu seu sobrenome no carro, quando ele perguntou se ela tinha parentesco com Perícles Gonçalves, que é prefeito em Capela do Alto/SP, dizendo que sim, que são irmãos. Ele disse que era da Polícia Federal, que alguns municípios estavam sendo investigados e contou ali uma história. Que ele não estava com uniforme da Polícia Federal. Que na sala tinha algo que indicava que ele realmente trabalhava na Polícia Federal. Que João veio com a abordagem e falou que estava sendo feita uma operação, e que seu irmão (da depoente) estava sendo investigado e que ela (depoente) estava sendo apontada com uma das cabeças de lavagem de dinheiro. Disse que isso a "chocou", que chorou na frente dele, porque ficou muito assustada. Que ele mostrou uma foto dela com seu irmão almoçando juntos. Disse que travou sua mente. Que em nenhum momento ele a coagiu. Que estava muito tranquila, que não devia nada, que queria acreditar que seu irmão também não. Que saiu dali e foi correndo até a prefeitura de Capela do Alto. Falou com seu irmão. Que a princípio ele (réu) falou: "Olha é totalmente arbitrário isso que estou falando para a senhora. Eu conheci agora a senhora. Eu acabei de conhecer a senhora e tal. Vi que a senhora trabalha, é honesta e não tem... mas se a senhora quiser comentar com seu irmão, pontuando que isso é totalmente ao contrário do que a polícia trabalha, que não podia estar falando aquilo para a senhora. Só que é assim: é sabido que vai haver uma ação que vai começar em Sorocaba e vai se estender para o interior." Afirmou que ele disse bem sério. Que não acreditava que esse homem não fosse da Polícia Federal, tamanha era a seriedade dele, não desconfiando em nenhum momento. Que seu irmão falou para ela ficar em paz. Relatou que estava focada numa primeira venda de imóvel de alto padrão, ficando muito feliz. Que a matrícula estava no nome da esposa, no nome de uma mulher na verdade. Que houve pressão psicológica. Que ele comentava que "a casa ia cair", que iriam chegar à casa dela, que a Polícia Federal iria fazer busca e apreensão, que a depoente estava sendo apontada como uma das principais, que faz todo o esquema com seu irmão. Que João perguntou se ela (depoente) conhecia alguém que trabalhava lá na prefeitura, respondendo que conhecia Amanda Guerra, mas que ela (Amanda) não era do financeiro. Ele falou que tinha uma pessoa sendo apontada lá, mostrando uma foto de aplicativo, de rede social, e ela confirmou que era Amanda Guerra. Que o réu não lhe mostrou nenhum dossiê ou documento. Nesse mesmo dia, mandou uma mensagem para Amanda perguntando se ela estava trabalhando na prefeitura de Araçoiaba. Que disse para o réu que acha impossível Amanda estar envolvida em algum tipo de coisa. Ele disse que envolvida pode até ser que ela não estivesse, mas ela está sendo apontada em um esquemão que vai ter em Araçoiaba, ficando preocupada.  Falou pelo WhatsApp que precisa falar Amanda. Marcaram para o rapaz levar a família para ver a casa.  Ao chegar, tinha umas coisas no carro do seu João, roupa, distintivo e botina. Ele falou: "A senhora me desculpa o jeito, é que eu cheguei de madrugada, estava numa operação". Que João falou para a depoente ligar para sua amiga (Amanda). Ele deixou claro que não poderia ser falado, que isso era de dentro da polícia, que isso não poderia abrir de jeito nenhum. Que ligou para Amanda, perguntou se ela estava no horário do almoço, respondendo que estava. Marcaram para Araçoiaba e foram no carro dele. Que a Amanda viu as roupas da Polícia e o distintivo. Que a Amanda questionou ele, como ela poderia saber que ele era policial federal. Estava com muita fome e foi buscar algo para comer. Na hora que chegou, ele perguntou para Amanda que ponto ela não tinha entendido, que aquilo era uma operação sigilosa, que ela precisava ajudar a Polícia Federal a "desencapar", que havia alguns "fios soltos", se ela estava disposta a ajudar. Que a Amanda ficou muito nervosa e a depoente também estava nervosa, mas não podia transparecer. Em nenhum momento ele deixou demonstrar, que ele não era um policial federal. Que no dia que os policiais chegaram em sua casa, seu esposo leu que era uma denúncia da Amanda, que o homem era o senhor João (que estava vendendo a casa) e que não estava conseguindo falar com ele. Relatou que seu trauma é um trauma psicológico do que foi feito, da forma como os policiais entraram na sua casa, é uma invasão. Que eles entraram e levaram sua imobiliária toda, como seus computadores e notebook. Achava que é uma das coisas que culminou, ser parente, irmã do prefeito e ter contato nas prefeituras, tanto de Araçoiaba quanto de Capela do Alto, vez que mora em Araçoiaba e seu irmão em Capela do Alto. Disse que junto com Amanda fazem parte de um grupo de mulheres que estudam juntas uma vez por mês. Confirmou que no dia, falava bem do seu João para Amanda, pois ele era um policial federal que estava sendo amigo dela e de Amanda, querendo ajudá-las. Disse que no dia tinha saído muito cedo de casa, não tinha comido nada, e foi pegar alguma coisa para comer. Quando voltou, viu Amanda perguntando para ele, como saber se ele era policial federal. Que João falou que ponto da história ela (Amanda) não tinha entendido, que aquilo era totalmente arbitrário o que ele estava fazendo, que ele corria o risco até de ser expulso da corporação, da equipe dele. Que ele comentou que uma pessoa de uma prefeitura ajudou-o, e a Polícia Federal bonificava a pessoa por ter cooperado com esse processo. Que não se lembrava do valor, mas parece que foi um valor próximo de seiscentos mil reais. Que Amanda estava muito assustada. Ressalvou que estava nervosa, mas estava tranquila em relação a ele, vez que nenhum momento acreditou que ele não pudesse ser um policial. Relatou que, pode ser que Amanda tenha dito que não precisava do dinheiro que João ofereceu. Que Amanda estava muito nervosa, dizia que era muita coisa na cabeça dela, que ela queria ir embora. Foi como se ele tivesse jogado uma bomba nuclear no colo dela. Ele falou a mesma coisa para Amanda: "você vai ser jogada na fogueira, no esquemão. Eles vão tirar o corpo fora e você será apontada como a culpada de todo o processo, de todo o esquemão que estava sendo montado." Confirmou que escutou o senhor João falando para Amanda colocar um chip no computador da prefeitura. Ele explicou para Amanda que seria necessário que ela instalasse um mecanismo para que a Polícia Federal conseguisse (inaudível), que mostraria que Amanda não tinha nada a ver com o esquemão.  Que essa situação cominou para Amanda querer ir embora, que precisava voltar a trabalhar, que não tinha nada com isso, que não precisava disso e queria ir embora. Que tentou acalmar Amanda, que ele estava tentado ajudá-las. Que a Amanda ficou muito nervosa. Que ficou nervosa pela reação de Amanda e tranquila por aquele homem ser um "enviado" de Deus. Que mandou um texto enorme para a Amanda. Relatou que ele era um "enviado" de Deus, que ele estava tentando ajudá-las por coisas que não deviam. Quando comentou com seu irmão, ele disse que estava tendo um "zum, zum, zum" na política que realmente iria acontecer alguma coisa na prefeitura de Sorocaba, mas que era para ela (depoente) ficar tranquila. Que disse para Amanda ficar tranquila e em paz, vez que elas não deviam nada. Que ele comentou alguma coisa de senhas, se Amanda tinha as senhas, ela falou que não, que dependia de outras pessoas. Disse que depois de deixarem Amanda na prefeitura, voltaram para Araçoiaba e foram ver o imóvel que ele estava pegando no negócio. Tudo comercialmente falando, acabou o assunto e morreu ali. Ele não comentou mais nada e a depoente também não, pois estava com o coração muito pesaroso. Que naquela tarde ficou quase que fechado o negócio para que fosse dada a sequência no outro dia, mas perderam totalmente o contato. Informou que naquele dia seu carro ficou na casa que estava sendo vendida (casa do réu). Que a reunião com a Amanda foi muito rápida, não demorou vinte minutos no estabelecimento. Que a depoente ligou para Amanda dizendo que era uma coisa séria, que ela precisava ouvir e não comentou com Amanda por telefone, sobre do que se tratava, por conta do réu asseverar que era sigilo policial. Confirmou que mandou mensagens para Amanda, foi no primeiro dia em que ele a abordou. Que João lhe falou para dizer para a sua amiga (Amanda), para ela ficar tranquila, que ele iria fazer o máximo por elas lá, que se pudesse, iria tirar o dossiê que incrimina Amanda, porque tinha visto que elas eram duas "laranjas”, sendo que no outro dia de manhã mandou essa mensagem para Amanda. Comentou, equivocadamente, que se for a filha dele que faz o curso com a depoente, ela é uma pessoa muito séria e honesta, que não era a mesma pessoa. Disse que essa parte (que a filha dele não pega propina, que a teria alertado), colocou para Amanda ficar mais tranquila, porque isso não aconteceu, vez que não é a mesma pessoa, somente colocou para o fim tranquilizar a Amanda. Fez a colocação com a moça, mas não tem nada a ver um caso com o outro, totalmente fora do contexto (ID. 267215807 e  267215808, 267215809 267215810 e 267215811).

A testemunha José Carlos de Quevedo Júnior, prefeito de Araçoiaba da Serra/SP, em sede judicial, confirmou que no dia 03/08/2022 foi procurado em seu gabinete por uma funcionária de nome Amanda, que já ocupava o cargo de tesoureira em outras gestões anteriores. Que foi contatado pelo Mendes, o Mendes é o comandante da Guarda Municipal de Araçoiaba da Serra, marido de Amanda. O Mendes disse que ele (Mendes) e a Amanda precisavam conversar com ele (depoente) urgente e perguntou se poderia ir até o seu gabinete. Na viatura estava o Mendes dirigindo e a Amanda no banco do carona. Entrou no carro e a Amanda lhe relatou a situação, que uma pessoa de nome Gisele, que seria uma amiga, teria feito contato. Que a Amanda foi conversar com Gisele e uma outra pessoa que se identificou como Policial Federal, informando que tinha um dossiê contra ela (Amanda) e até contra a pessoa do depoente, e que estava convidando ela para participar de uma "delação premiada". Que caso ela se sujeitasse ao que ele pretendia, ela receberia uma quantia em dinheiro, e caso não se sujeitasse seria presa, teria sua vida pessoal e profissional abaladas por isso. Que Amanda chegou na prefeitura extremamente nervosa, muito preocupada, chorando, estarrecida com a situação e perguntando o que fariam. Que essa pessoa se apresentou como policial federal, mostrou jaqueta da polícia, coagiu ela, constrangeu ela, de forma veemente, dizendo que iria prendê-la, que a "casa iria cair" para todo mundo, aquela conversa que malandro fala. Que foram orientados a irem até a Delegacia da polícia Federal em Sorocaba/SP e lá relataram toda a situação para o Delegado titular. Confirmou que chegou a ligar para o deputado estadual Danilo Balas, que é Agente da polícia Federal afastado, que disse que aquilo não tinha nada a ver com a Polícia Federal, a Polícia Federal não trabalha assim, muito pelo contrário. Que Danilo o orientou a fazer contato com o Delegado em Sorocaba e relataram todos os fatos. Informou que Amanda disse que a condição para ela participar da delação premiada para não ser presa ou constrangida, seria instalar nos computadores da prefeitura, na tesouraria, um pen drive, um chip para gravar conversas, informações de cunho relevante da municipalidade. Que a condição para aceitar ou participar da empreitada seria a instalação de suposto chip, um dispositivo no equipamento eletrônico da prefeitura (IDs. 267215811 e 267215812).

Em juízo, a testemunha Inácio Carlos Marchette, confirmou que, em fevereiro de 2022, compareceu na Polícia Federal, por uma abordagem feita pelo réu. Que o réu mora em frente a sua casa, o abordou em uma sexta-feira, no final do dia, dizendo que tinha visto seu rosto nos computadores da Polícia Federal e que havia uma dívida em seu nome no valor de sessenta milhões de reais. Que o réu contatou toda uma história relativa a essa dívida , que nada acontecia sem passar pelas mãos dele, e que era para ficar tranquilo, vez que ele iria resolver essa situação. Que depois dessa ocasião o réu não o procurou mais. Antes dessa ocasião o réu tinha conversado com ele (depoente) uma única vez, essa foi a segunda vez. A primeira vez foi ele contando a história de como tinha comprado a casa, da forma como ele conseguiu entrar no condomínio, que ele se apresentou como Agente Federal, foi esse o termo usado. Nunca viu o acusado com roupa, arma, distintivo ligando-o à Polícia Federal. Não teve contato com o restante da família dele. Que o réu não pediu nenhum valor para ele na segunda conversa, para tirá-lo da investigação, que apenas disse que tinha essa dívida, mas que era para ele (depoente) ficar tranquilo que ele (réu) iria resolver (ID. 267215812).

Em juízo, a testemunha Noelio Carvalho de Góes, vigilante de condomínio Ibiti Royal, disse que a primeira vez que viu o réu foi no condomínio. Relatou que estava fazendo um atendimento, quando, de repente, houve um barulho na frente, pequenas discussões. Que o senhor João tinha parado o veículo na administração e um prestador de serviços estava vindo com um tambor, colidindo o carrinho com o carro dele (réu), e acabou gerando um desentendimento. Que foi até o local, perguntou se estava tudo bem entre eles, o réu respondeu que estava tudo bem, mas o prestador acabou batendo no carro dele e era um carro da Polícia Federal, que gerava uma ocorrência, era uma situação um pouco burocrática. Que era um Corolla vermelho, mas a placa não pegou. Que falou que o réu usava João como codinome e não como José João de Castro. Que o réu abriu a porta do carro, pegou uma pistola, uma arma, colocou na cintura e tal. Ele se identificou, como policial da Polícia Federal. Ele estava usando uniforme da Polícia Federal. Que deu-se a entender, pelo uniforme e tudo mais, que ele era um Agente Federal, mas o comportamento dele naquele momento gerou algumas dúvidas para eles, principalmente para o gestor de segurança do Ibiti. Que filmou uma conversa com o réu. Que o rapaz saiu com o material e foi resolvida essa situação nesse dia, achava que foi em uma sexta-feira. Quando foi na segunda-feira, às 8hs35min, estava fazendo uma ronda de rotina, passou na residência dele (réu). Que estava com uma câmera portátil, qualquer situação ou pessoa que gere suspeita podem fazer esse tipo de gravação. Que conversou com o réu e ele disse para o depoente: "você ficou sabendo o que aconteceu hoje cedo?", respondendo que não sabia o que tinha acontecido. O réu disse que houve uma operação naquele dia cedo, uma operação da Polícia Federal. Que o depoente disse que era impossível, que chegou às seis e dez. Que o réu mostrou alguns nomes no celular dele, de algumas pessoas que residem no condomínio. Que nesse dia o réu não estava uniformizado. Que nesse dia entraram no assunto de porte de armas. Que o réu perguntou se eles, da segurança, tinham interesse em tirar porte de arma, vez que como sendo ele um agente federal, haveria a possibilidade de facilitar alguns pontos para esses profissionais terem um porte de arma. Que ele sacou uma pistola. Que o réu informou se acertarem a documentação, poderiam passar armas como essas que fazem operações, que há apreensões de arma e que fazem novas documentações. Que no dia onze ele passou pela portaria trajado, ele iria fazer uma operação em Valinhos. Que nesse dia ele (réu) estava bem uniformizado (IDs. 267215813 e 267215814).

Em seu interrogatório judicial, o réu disse que conheceu Gisele através de uma corretagem de imóveis, sendo que ela apareceu na sua porta dizendo que era corretora de imóveis e sabia que ele tinha uma propriedade para vender. Nesse momento Gisele lhe pediu cinco mil reais emprestado, respondendo que era construtor, que não tinha dinheiro, que o dinheiro é usado para construção. Que Gisele começou a relatar que precisava de dinheiro, que tinha um irmão que era prefeito e teria tirado um cara que seria um testa de ferro dele e ela começou a relatar toda a vida do prefeito. Disse para Gisele que conhecia um cara da Polícia Federal, se fosse verdade tudo o que ela estava dizendo, o irmão dela seria preso. Disse que conhece o amigo dele, há mais de vinte anos, e se chamava Ricardo Batista (agente da Polícia Federal de Santos).  Que Gisele era uma atriz, não é uma corretora. Relatou que Gisele levou uma senhora, suposta interessada na compra da casa, mas achava que aquela pessoa não a compraria. Disse que no fundo Gisela estava armando para dar um golpe na venda da casa, momento que desistiu da venda da casa. Que Gisele falou que tinha uma amiga que trabalhava na prefeitura, de nome Amanda, que precisa ver se conseguia desviar alguma coisa lá da prefeitura. Foram até a prefeitura e Gisele chamou a Amanda, que entrou no carro, e dirigiram até um quiosque na beira da Raposo. Chegando lá, ela viu uma farda da Polícia Federal dentro do seu carro, que Ricardo tinha deixado, que inclusive vestiu essa farda dentro do Ibiti, era uma blusa da Polícia Federal, inclusive o segurança viu, era um dia que estava muito frio e colocou mesmo essa blusa. Chegaram nesse quiosque e elas pediram dois sucos. Que Gisele disse para Amanda se ela não tinha nada para eles ganharem um dinheiro. Amanda respondeu: "você é louca de falar isso perto desse cara, ele é policial federal." Que Gisele disse para Amanda que ele não era policial federal, que aquilo era de um amigo dele, policial federal em Santos/SP. Gisele disse: ele não é hacker? Que ele respondeu que policial não é hacker. Para encurtar o assunto, Gisele informou que Amanda trabalha no financeiro, mas não se lembrava da cidade, que era uma cidadezinha perto de Sorocaba. Que levantou, foi até o balcão, disse para deixar que ele pagaria o suco. Quando entraram dentro do carro, voltaram para a prefeitura dessa cidadezinha que não se recordava o nome, não é Araçoiaba da Serra, é outra cidade, deixaram a Amanda. Que a Amanda disse que o namorado dela é Guarda Municipal. Que virou para Gisele e falou que ela disse demais, que essa menina (Amanda) iria caguetá-la para a Polícia Federal.  Que perguntou para Gisele se ela gostaria de passar um cheque dele de vinte mil reais para trinta dias, depois ela cobriria o cheque.  Informou que no celular de Gisele tinha uma foto do seu cheque.  Que Gisele perguntou se ele emprestaria e ele disse que sim. No dia seguinte encontrou o pedreiro dela (Gisele) e contou a situação, e o pedreiro disse para ele não emprestar cheque para Gisele, que ela tinha acabado com o nome dele, que ela tinha sujado o nome dele, que ela tinha estourado todos os cheques dele e não pagou nenhum. Que o pedreiro confirmou que ela era assim, mas não podia falar nada porque eles eram donos da cidade, se ele falasse não pegaria mais nenhum tipo de serviço. No outro dia Gisele chegou e falou para venderem a casa, respondendo que não iria mais vender a casa e muito menos emprestar folha de cheque, momento que ela perguntou o porquê. Que disse porque ela tinha estourado todas as folhas de cheque do pedreiro. Que Gisele não acreditava que o pedreiro tinha dito isto. Que confirmou que o pedreiro tinha disto aquilo e mostrou todos os cheques devolvidos, que ela tinha passado para agiota.  Relatou que esse encontro que teve com Amanda e Gisele não foi em Araçoiaba, foi em um quiosque que tem na beira da Raposo. Depois que desce, tem um radar no lado direito, tem um quiosquizinho bem escondidinho, inclusive ela se apresentou para ele dizendo que aquele quiosque era dos parentes dela. Disse que foi buscar Amanda numa cidadezinha antes, em Araçoiaba da Serra. Disse que foi encontrar Amanda em um Peugeot 208, cor prata. Que achava que tinha alguma conversa por mensagem com Gisele sobre cheque. Que, como ficou sabendo no outro dia, não emprestou a folha de cheque, mas ela tirou foto do cheque, do celular dela. Que nunca falou para Amanda sobre delação premiada. Afirmou que ela não é tão inocente, ela trabalha na prefeitura, para cair numa dessa que ele é policial federal. Declarou que tem cinquenta e oito anos, se fosse policial federal já estaria aposentado nessa altura do campeonato. Negou que tivesse se apresentado como policial federal para o vigilante Noelio, tendo este comentando com outro vigilante que não ia com a sua cara. Disse que o vigilante o odeia, porque ele ganharia a comissão junto com outra pessoa da venda da casa que ele (réu) comprou, atrapalhando a comissão dele, que ele (Noelio) tinha um cliente para essa casa. Disse que nunca teve arma de fogo, que andava com um celular, com capa de couro, que fazia bastante volume, que costumam usar em Minas, veio da roça, então usava, não tinha vergonha. Disse que em nenhum momento tentou extorquir alguém. Afirmou que é natural do Paraná, não é de Minas, faz construção em Minas. Que nunca andou armado no condomínio. Disse que vestiu a blusa da polícia federal várias vezes, vez quer era uma blusa de frio muito gostosa. Que pediu ao Ricardo a blusa para ele, mas Ricardo respondeu que não podia, vez que a blusa era da corporação. Informou que, caso fosse pego com a blusa, relatasse que a blusa era dele (Ricardo). Que no dia que a Polícia Federal o prendeu, falou que o equipamento era do Ricardo. Informou à delegada que o Ricardo tinha acabado de mandar um áudio para ele no celular, perguntando se ela queria ouvir o áudio. Confessou que usou a blusa, mas nunca imaginou que criaria um transtorno tão grande desse. Que em nenhum momento usou isso para causar danos em alguém. Que ninguém lhe deu dinheiro e não pediu dinheiro para ninguém. Declarou que nunca conversou com Inácio, não sabe nem quem é, ele é seu vizinho de frente, vê ele saindo de carro (Ids. 267215814 e 267215816).

As circunstâncias da ação delituosa, aliadas aos depoimentos das testemunhas, demonstram que o acusado se apresentava como agente da Polícia Federal, bem como, de forma livre e consciente, fez uso indevido de símbolos e identificadores da Polícia Federal, dando ensejo à configuração do delito descrito no art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

Com efeito, conforme consta do Termo de Apreensão nºs 2883791/2022 e 2878451/2022 (Ids. 267214993 e 267215004), foram encontrados em poder do réu os seguintes objetos: a) uma jaqueta preta com os símbolos da Polícia Federal; b) um distintivo de agente da Polícia Federal, nº 681-SP; c) uma camiseta polo preta com os símbolos da Polícia Federal; d) um coldre externo preto + cinto tático preto; d) uma touca balaclava preta; e) um coldre preto de tornozelo; f) um coldre de perna, cor preta e g) (uma) placa metálica, constando o nome de "José João de Castro”, o emblema da Polícia Federal, com data de dezembro de 2021, parabenizando pelo curso tático operacional da Polícia Federal, guardada num case envolto em tecido azul.

Além disso, em sede inquisitiva, foram ouvidas Flávia Romano de Castro e Ivone Romano de Castro, filha e esposa de José João Castro, informando ter conhecimento que o réu trabalhava como agente da Polícia Federal (ID. 267214866 - fls. 9/13 e 14):

Termo de Declaração de Flávia Romano de Castro 

(...)

Que há uns dez anos seu pai diz que é agente de polícia federal; Que antes de ser agente ele e sua mãe eram caseiros de uma casa de Itanhaém; Que ficaram caseiros por aproximadamente 15 anos, não sabendo informar a quem pertencia essa casa; Que pese seu pai falar que era agente, nunca o viu em sua casa portanto arma de fogo, jaleco ou colete alusivo à PF.

(...)

Termo de Declaração de Ivone Romano de Castro

(...)

Que José atualmente é agente de polícia federal; Que José tornou-se agente há uns 12 anos aproximadamente; Que não sabe informar se José fez Academia Nacional de Polícia; Que José sempre sugeriu que trabalhava em alguma delegacia da polícia federal na baixada santista; Que antes de morar em Sorocaba há uns 2 anos, morava em São Vicente-SP; Que José demonstrava que a função de agente era o seu único trabalho e fonte de renda. Que José nunca esteve em sua residência em São Vicente ou em Sorocaba em viatura ostensiva; Que nunca viu José portando jaqueta ou qualquer roupa alusiva à polícia federal. Também nunca o viu com coldre ou arma de fogo; Que antes de José ser policial federal, ele era caseiro junto com a declarante de uma residência em São Vicente. Indaga como foi essa migração para a PF, informe que num certo momento, do nada, José surgiu em casa em São Vicente falando que tornara policial federal.

Da mesma forma, foi ouvida, em sede policial, Aline Cristiane de Lima, a qual mantinha um relacionamento extraconjugal com o réu, disse (ID. 267214867 - fls. 3/5):

 (...)

Que há um ano e meio passou a se relacionar com José, o qual sempre disse que era divorciado, mostrando-lhe um documento nesse sentido;

(...)

Que José desde que a declarante começou a se relacionar com ele dizia que era agente de polícia federal, trabalhando na delegacia de Sorocaba e na Barra Funda em São Paulo; Que em várias vezes ligou para José e este disse que estava em operação, ou conduzindo preso para o IML, etc. Chegou a ver na residência colete e camiseta de José alusivo à Polícia Federal. Que não chegou a vê-lo com arma de fogo ou coldre.

Por sua vez, consta do Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 18/2022, as seguintes informações (ID. 267215167 – fl. 29 e 267215168 - fls. 11/15):

(...)

Trata-se de jaqueta preta com o símbolo da Polícia Federal, encontrada no banco traseiro do veículo Peugeot de placas RIS1F24, que estava estacionado na garagem da residência. Eis uma imagem do objeto:

(...)

Ressalte-se que:

1) o símbolo existente na jaqueta é, de fato, o da Polícia Federal;

2) a jaqueta foi localizada no banco traseiro do veículo Peugeot de JOSÉ JOÃO DE CASTRO, nos termos do Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação da Equipe SOD 02 (fls. 02 – item 3), corroborando o depoimento da vítima AMANDA DE CASSIA ARAUJO GUERRA prestado no Termo de Depoimento nº 2861134/2022, que foi juntado aos autos.

(...)

Apesar do próprio preso JOSE JOÃO DE CASTRO ter declarado que o distintivo pertence ao APF RICARDO DE ALMEIDA BATISTA, foram expedidos os ofícios 3026875/2022 – DPF/SOD/SP e 3026964/2022 – DPF/SOD/SP, respectivamente à Associação dos Servidores da Polícia Federal SP – ANSEF e ao Sindicato dos Servidores da Polícia Federal em São Paulo (SINPF), para identificação do policial federal que adquiriu o distintivo de código “681 SP”.

Em resposta, as entidades sindicais informaram que o distintivo com esse código não foi vendido por elas, o que não surpreende haja vista que esse objeto pode ter sido adquirido em representações sindicais em qualquer Estado do país, inclusive na loja existente dentro das dependências da própria Academia Nacional de Polícia – ANP.

Importante lembrar o teor da Informação de Polícia Judiciária nº 51/2022- UIP/DPF/SOD/SP, que trouxe imagens do investigado utilizando, no dia 11 de fevereiro de 2022, em áreas públicas do Condomínio Residencial Ibiti Royal Park, não apenas esse distintivo, mas também a polo da Polícia Federal e o coldre de perna analisados, respectivamente, nos itens 07 e 08 do presente documento, além da foto do local onde estes foram encontrados:

(...)

Por fim, cumpre lembrar que o preso JOSÉ JOÃO DE CASTRO declarou em seu interrogatório que tanto o distintivo como o uniforme e jaqueta da Polícia Federal, pertencem ao APF RICARDO DE ALMEIDA BATISTA.

(...)

Trata-se de camiseta polo de cor preta contendo o brasão da Polícia Federal, a bandeira nacional na manga esquerda e a inscrição “Polícia Federal” nas costas, aprendida dentro de armário no quarto utilizado pelo investigado;

Consoante já mencionado no item anterior, a Informação de Polícia Judiciária nº 51/2022-UIP/DPF/SOD/SP trouxe imagens do investigado utilizando esse uniforme no dia 11 de fevereiro de 2022 em áreas públicas do Condomínio Residencial Ibiti Royal Park, bem como uma foto do local onde ele foi encontrado no quarto onde ele dormia.

Consta, ainda, do Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 19/2022, as seguintes informações (ID. 267215168 - fl. 44):

Trata-se de placa metálica contendo o brasão da Polícia Federal, o nome de JOSÉ JOÃO DE CASTRO, e os seguintes dizeres: “NOSSOS PARABÉNS!! POIS NÃO EXISTEM CONQUISTAS FÁCEIS, SÃO AS ESTRADAS SINUOSAS QUE NOS LEVAM AO CAMINHO CERTO. DOS AMIGOS DO CURSO TÁTICO OPERACIONAL DA POLÍCIA FEDERAL. DEZEMBRO 2021.”

Foram obtidas imagens feitas nas áreas comuns do condomínio Ibiti Royal Park, em Sorocaba, que mostram José João de Castro usando uniforme da Polícia Federal, no dia 11 de fevereiro de 2022 (ID. 267214867 - fls. 13/14).

Em conversa via whatsapp, entre o réu e a testemunha Gisele Pereira, observa-se que João mandou a foto de uma pistola Glock, bem como de um distintivo da Polícia Federal (ID. 267215169 - fl. 25).

Por fim, consta a foto tirada pela vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, da jaqueta da Polícia Federal que o réu lhe mostrou no carro (IDs. 267214867 - fl. 16 e 267215169 - fl. 62).

Da análise dos autos, nota-se que, embora o acusado tenha tentado construir uma versão de que o uniforme da Polícia Federal que ele usou, pertencia ao seu amigo Ricardo Batista (agente da Polícia Federal de Santos), tal versão não foi confirmada no decorrer da instrução criminal, restando isolada do conjunto probatório.

Nota-se, assim, que o acusado não apresentou qualquer justificativa plausível para usar um uniforme da Polícia e trazer consigo um distintivo da Polícia Federal, de sorte que tal versão apresentada é desprovida de qualquer suporte probatório.  

A defesa não trouxe aos autos contraprovas aptas a desconstituírem as provas amealhadas pela acusação, não havendo credibilidade a versão apresentada pelo acusado, em Juízo, nos moldes do artigo 156 do Código de Processo Penal.

Aliás, o crime em questão é de mera conduta, sendo suficiente, para sua caracterização, o uso indevido das marcas, logotipos, siglas ou outros símbolos identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, mostrando-se desnecessária a demonstração de dolo específico, bem como de ocorrência de prejuízo a terceiros.

Logo, não merece reparos a conclusão do juízo a quo, nesse mesmo sentido, in verbis (ID. 267215822 - fl. 14):

De todo modo, ainda que o uniforme e o distintivo pertencessem ao Agente Ricardo Batista, tal fato não autorizaria e nem legitimaria seu uso de forma ostensiva pelo acusado, uma vez que não é policial federal e não poderia assim se identificar perante terceiros.

(...)

Outrossim, a vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, servidora pública municipal de Araçoiaba da Serra/SP, bem como os depoentes Gisele Pereira Gonçalves, corretora de imóveis, Inácio Carlos Marchette, morador na casa da frente da casa do réu, e Noelio Carvalho de Góes, vigilante do condomínio, confirmaram que o réu se identificou como Agente da Polícia Federal.

Do mesmo modo, restou evidenciado que o acusado constrangeu Amanda, mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.

No caso, estão presentes as elementares do tipo penal em comento, a saber: a) constranger alguém (a tesoureira da Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra/SP -  Amanda de Cássia Araújo Guerra), b) mediante grave ameaça e c) com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica.

Conforme narrativa harmônica da vítima (Amanda) e das testemunhas Gisele, Inácio e Noelio, o réu apresentou-se como agente da Polícia Federal, usando ou mostrando o uniforme e o distintivo do Departamento de Polícia Federal.

Ao examinar minuciosamente os autos, observo que o acusado José João de Castro identificou-se à tesoureira da Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra/SP, como agente da Polícia Federal, tendo em vista que, na data dos fatos, estava com uma jaqueta do Departamento da Polícia Federal no banco de trás do carro, bem como mostrou um distintivo da referida corporação federal, conforme atesta o Termo de Apreensão nºs 2883791/2022 (ID. 267214993), de sorte a transmitir maior confiabilidade ao seu disfarce.

Na hipótese dos autos, o conjunto probatório juntado autoriza a conclusão de que o fato de o acusado José João de Castro ao apresentar-se como policial federal perante a tesoureira Amanda de Cássia Araújo Guerra, ameaçando-a a tomar determinado comportamento, ou seja, a colocar um chip no computador da prefeitura, a fim de demonstrar que ela não estava no esquema de corrupção da Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra/SP e, que, inclusive, participaria de uma delação premiada e ganharia o valor de R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais), sob o fundamento de que a prefeitura estava passando por uma investigação da Polícia Federal e que tinha um dossiê da vida da Amanda, consiste meio capaz de causar intimidação, de modo a caracterizar a consumação do núcleo do tipo constranger, bem como a conduta praticada pelo réu, harmonicamente relatada pela testemunha Gisele e pela vítima Amanda, materializa a grave ameaça. 

No que se refere à vantagem econômica indevida buscada pelo réu, constitui no desvio de recursos públicos por meio da invasão do sistema informatizado da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP, como bem ressaltou a acusação, em sede de contrarrazões (ID. 267215945 - fls. 7/8):

(...)

Da mesma forma, foi comprovada a extorsão, sendo que JOSÉ JOÃO DE CASTRO buscava auferir vantagem financeira, uma vez que, tendo conhecimento de que os computadores da tesouraria municipal ficavam com as duas chaves que liberavam as assinaturas para pagamento de despesas nas contas da prefeitura (confirmado pelo depoimento da vítima), era a partir de lá que necessitava inserir comando (“chip”) nos equipamentos de informática para ter acesso às contas e demais sistemas municipais, podendo sequestrá-los (ransomware) ou comandá-los de forma remota, desviando para si ou para terceiros valores do erário municipal, ou ainda, de todo modo obter algum valor em decorrência de sua ação para sustentar seu modo de vida, que é em princípio incompatível com seus ganhos lícitos conforme apurado pelo Departamento de Polícia Federal (nesse sentido, o depoimento em juízo da testemunha Gisele aponta que apenas a residência que ela intermediaria a venda (e ele, ressalte-se, residia em outro condomínio de alto padrão com sua família) era avaliada em cerca de dois milhões e quinhentos mil reais, embora fosse oferecida à venda por valor menor).

Importante destacar que os depoimentos da vítima (Amanda de Cássia Araújo Guerra) e das testemunhas Gisele Pereira Gonçalves e Inácio Carlos Marchette, em sede judicial, foram uníssonos e harmônicos, acerca da intimidação por parte do réu.

Inácio Carlos Marchette (testemunha) relatou que foi abordado pelo réu, dizendo que tinha visto seu rosto nos computadores da Polícia Federal, que havia uma dívida em seu nome no valor de sessenta milhões de reais, mas que era para ficar tranquilo, tendo em vista que ele iria resolver toda a situação.

Amanda de Cássia Araújo Guerra (vítima) relatou que durante o encontro que teve com réu, ele informou que a prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP estava passando por uma investigação pela Polícia Federal, que ele tinha um dossiê da sua vida, inclusive, ameaçando-a de prisão.

Gisele Pereira Gonçalves (testemunha), pessoa que intermediou o encontro entre o réu e a Amanda, afirmou que João falou que estava sendo feita uma operação na Polícia Federal, e que seu irmão (Prefeito de Capela do Alto/SP) estava sendo investigado e que ela estava sendo apontada com uma das cabeças de lavagem de dinheiro.

O modus operandi adotado pelo réu se resumiu em apresentar-se como policial federal e intimidar a vítima, afirmando que tinha um dossiê acerca de sua vida, mas especificamente que estava sendo investigada pela Polícia Federal e poderia ser presa, caso não colaborasse com a polícia, no sentido de inserir um chip no computador da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP.

Corroborando com tais informações, transcrevo parte da conversa entre Gisele e Amanda (ID. 267215169 - fls. 20/23) e entre o réu e Gisele  (ID. 267215169 - fls. 24/46):

Gisele, no dia 12/07/2022, entra em contato com Amanda, a pedido de João, perguntando se ela sabe quem está de chefe da tesouraria da Prefeitura.

Gisele – Amandinha.

Gisele- tudo bem.

Gisele- você sabe quem está chefe da tesouraria da prefeitura? Amore.

Gisele – diga que é você. 

Amanda- oie.

Amanda- um minuto.

Amanda - Simmmm Amooor.

Gisele- verdade que você está na tesouraria.

Amanda – sim.

Amanda – rs. 4 anos já.

Gisele- ai glória depois vou aí.

Amanda- venha sim.

Amanda- o que precisar pode me falar.

Gisele- vê se consegue me ajudar.

Amanda- pode falar aqui se quiser

Amanda- eu vejo para você.

Amanda- vou levar para analisar junto comigo.

Após essa primeira conversa não foram encontradas novas mensagens até o dia 05/08/2022 quando, novamente, Gisele entra em contato, provavelmente, depois do encontro com a vítima juntamente com João.

Gisele- Ótima dia!! Amandinha... fique tranquila, o João conseguiu tirar seu dossiê da documentação lá.

Gisele- não fique assustada.

Gisele- A filha dele faz os cursos quânticos comigo que alertou sobre toda essa história que estão buscando.

Gisele- Depois marcamos nos duas aqui em casa para eu te contar tudo como foi... mas sossega seu coração, você mostrou a retidão que eu disse desde o princípio para eles.

Amanda- Gi eu quero distância.

Gisele- Sim.. eu tive que conversar com o irmão acredita para mostrar que nós não devíamos nada também.. e não fazemos parte de corruptos... o que ele queria não daria nada pois ele viu sua retidão.. era pegar os políticos aqui, e eu disse que você nunca aceitaria isso.. mas eles insistiram eu fiz para eles verem e sem te falar nada pois eu vejo sua alma amore.

(...)

1) Não foram encontradas mensagens relacionadas ao ora apurado, porém foi identificada uma ligação, via WhatsApp Business, no mesmo dia em que Gisele comenta com João ter falado com seu irmão a respeito das supostas investigações.

(...)

João- Bom dia, tudo bem com você amiga.

João- você vai levar o cliente em Sorocaba hje.

João- Estou em operação chego lá as 10 horas tá

João- ok. Obrigado

Gisele- ok, vou marcar a hora sim.

João- vce conhece a tesoureira da prefeitura aí

Gisele- Se conheço alguém lá dentro da tesouraria??? Aqui

João- A chefe.

João- ou chefe.

Gisele- peraí por ver se ela é ainda.

João – blz.

Gisele- João é ela mesma, é minha amiga de jornada de feminismo.

Gisele- o que você precisa.

João- Vamos falar no pessoal, dar para ganhar moeda, se ela for do truque.

Gisele- ela é caxias.

(...)

João – caxias não fecha.

Gisele- fala o que tenho que fazer derrepente.

(...)

João- preciso do tesoureiro.

Gisele- é ela.

Gisele- Amanda Guerra.

3) Na sequência, um pouco mais tarde, João envia áudio com o seguinte teor: “Oi Gisele. Tudo bem? Deixa eu te falar. Foi um pessoal da Federal lá na imobiliária. Acho que qué, se não me engano, o nome da imobiliária. Alguma coisa assim. Tá? Só pra te avisar aí que já tão mexendo os pauzinhos” .

4) Ao qual Gisele responde: “O João...é...então, meu irmão acabou de me ligar e ele tá muito tranquilo. Ele falou: deixa correr pelos meios legais porque eu não devo nada e tenho como provar que eu não devo nada. Acabou de me ligar.”

5) Mais tarde, João responde dizendo que está descendo para baixada pois haverá operação na madrugada seguinte: “Oi Gisele. Boa noite. Tudo bem? Fique tranquila. Eu tô descendo pra baixada que eu vou dormir lá embaixo que vai ter operação de madrugada no Vale do Ribeira. Mas a operação termina às nove, creio que às 10h eu tô de volta em Sorocaba. Tá bom? Bom descanso pra você.”

6) Ainda no mesmo dia, João manda mais mensagens, aparentemente, tentando convencer Gisele a participar do esquema do qual ele já teria conversado com ela de manhã e novamente fala que participará de operação: “...E eu gosto de contar dinheiro e eu acho que eu gostei de você porque você fala a mesma língua minha. Não gosto de “neguinho” muito certinho...não sei o que...num faz meu jeito isso daí não.”(12/07/2022 às 21:41:06 UTC +0).

“Mas eu creio que eu vou ganhar muito dinheiro com você e você vai ganhar comigo. Vamo...vamo amadurecendo...e eu quero ter uma reunião com você a respeito daquilo que a gente tava conversando de manhã.” (12/07/2022 às 21:44:33 UTC +0) “...a operação começa às cinco da manhã. Nove horas, geralmente nove horas tem que encerrar tudo. Mas nove horas eu já quero tá em casa. Então cê pode...depois das nove horas você pode ir qualquer hora.” (12/07/2022 às 21:49:18 UTC +0)

7) No dia 13/07/2022, João reclama por ter recebido uma ligação de um homem chamado Rodrigo e no final fala de “ter que chamar todo mundo”, dando a entender de chamar a polícia. E fala também de levar todo mundo para a delegacia: “O Gisele, boa noite. Tudo bem? O Gisele, o que tá acontecendo que o Rodrigo ligou aqui pra mim falando que você falou pra ele que ele tinha arrumado um cara pra pegar seu irmão. Nem conhecia esse cara Gisele, nem conhecia. Não sei nem quem é esse cara. Não sei quem é esse cara, não sei quem é você. Tô conhecendo agora. Não pode ter esses leva e traz aí não, o Gisele. Isso aí é ruim. Seu irmão não tem nada a ver com o cara, o cara não tem nada a ver comigo, não tem nada a ver com você. Inclusive a semana que vem eu vou intimar seu irmão. Tem nada a ver. A negociação da casa é uma coisa, é...a gente é outra. Tem que...vocês tem que se entender aí porque senão vai ficar ruim, o Gisele. Senão vou chamar todo mundo. Entendeu? Eu não quero fazer isso não. Então não pode haver essas...esses negócios aí não Gisele. Vê aí. Tenta resolver essa situação aí pra não ter que todo mundo parar na delegacia.”

8) No que Gisele responde: “Ai o Rodrigo é doido, o...o...João. O Rodrigo é doido porque como você me...me contou essas histórias toda do meu irmão aí...e eu falei pra ele...falei: O Rodrigo você sabia que eu era irmã...sabe que eu sou irmã do prefeito e...e viu, porque ficou muito estranho né? Ficou parecendo que...que foi tudo cartinha marcada pra mim ir até aí... Entendeu? E, sei lá. Bom, mas o Rodrigo é doido. Eu to passando uns perrengue aí. Eu peguei uns cheques dele. Troquei pra ele...”

9) Gisele continua: “Eu é que não quero nada disso, cara. Eu...eu tô...eu só...cê viu? Eu só falei pra você o que eu faço. Eu só trabalho cara. Eu só trabalho, ralo. Gosto de dinheiro? Gosto. Trabalho pra isso. Ralo pra isso. Você entendeu? E aí desde que eu...eu...o...o Rodrigo eu aluguei a casa pra ele. Tava indo bonitinho. Agora tem dois meses que esse homem não me paga o aluguel. Aí fomos, troquei o cheque. Ajudei. Dei um impulso. Peguei um dinheiro pra mim? Peguei. Mas a minha parte eu já paguei boa parte e tenho mais dezessete mil pra pagar. Já to levantando esses dezessete pra pagar. E a parte dele até agora... e ele vai enrolando, empurrando com a barriga. E sujando meu nome cara. Sujando meu nome...” (13/07/2022 às 21:48:07 UTC+0)

“E você é um cara legal. Gostei também de você, como você mesmo falou pra mim, de graça. É, o que eu puder te ajudar eu vou te ajudar. Agora...é...eu falei pra ele o que eu pensei e podia até ter falado pra você a hora que a gente se vesse pessoalmente como a gente vai marcar pra gente sentar e conversar pra ver com questão aqui da...da prefeitura.” (13/07/2022 às 21:49:05 UTC+0)

10) João responde dizendo não ser da índole dele essas coisas até em razão da profissão dele. Novamente, ao que parece, dando a entender ser policial. Fala também de levar todo mundo e fazer uma acareação: “Ó Gisele, num é da minha índole esses tipos de coisa. Até pela minha profissão. Então não curto muito esse negócio, nem compartilho isso daí. Mas tenta resolver entre vocês aí pra não ficar um negócio muito chato. Tá bom? Tenta resolver entre vocês aí da melhor maneira possível. Num sei o que que aconteceu, deixou de acontecer. Conheci esse cara igual conheci você. Pra mim tô meio que andando. Entendeu? Então, é chato, eu...num...num gosto muito disso não. Eu prefiro levar todo mundo assim ó, faz uma acareação...e aí? Quem tá mentindo? Quem não tá? Num...num creio que tem que chegar nesse ponto não. Acho que não precisa. Dá pra vocês resolver isso na rua.”

(...)

12) No dia 27/07/2022, após mensagens de Gisele novamente dizendo que está em dificuldade financeira, João encaminha áudio com o seguinte teor: “vamo contar um dinheiro Gisele. Vamo contar uma grana aí. Vamo contar uma grana. Falar pra você, tô com três dias em operação...nem vagabundo tem dinheiro. Cê acredita? Nem os vagabundo tão com dinheiro. Até os vagabundo tá duro.”

13) Ainda no mesmo dia, João encaminha outro áudio dizendo que está indo para Santos pois tem operação no dia seguinte: “Combinado Gisele. Um abraço, uma boa noite e um bom descanso...Mandar a localização pra você ver aonde eu to. Você vai falar: esse cara é doido. To chegando de Curitiba...vou pra Santos, durmo...acordo amanhã, operação. Termina as 8h. E eu meto marcha pra Sorocaba pra nós se encontrar mais tarde.”

(...)

1) No dia 01/08/2022 João envia mensagem em que diz estar ocupado no momento por estar “campanando uma situação com um colega, novamente sugerindo estar em atividade policial: “O Gisele, eu to com um compromisso de uns quarenta minuto. Será que você consegue esperar? Se você não conseguir não tem pobrema. Aí nóis marca pra amanhã. Mas eu queria...a gente trocar uma ideia. É que eu...lembra que eu falei pro cê que eu vim fazer um local aqui. Que eu to com um colega aqui e a gente tá campanando uma situação. Ainda vou ficar uns quarenta minutos. Se você ficar até mais tarde um pouquinho quando eu desocupar daqui eu te chamo. Senão tranquilo, tranquilo. Eu encontro com você amanhã.”

2) Após Gisele dizer que no período da manhã do dia seguinte estará ocupada, mais uma vez João diz que participará de operação: “Combinadíssimo. De manhã pra mim também não dá. Amanhã eu tenho operação de manhã. Depois das quatorze hora eu to livre. É só cê falar pra mim que eu vou pra lá. Tá bom? E desculpa o nosso desencontro hoje né.”

3) No dia 02/08/2022 João diz para Gisele procurar outro comprador e ela responde novamente dizendo estar em dificuldades financeiras: “É, eu já to cavucando aqui rapaz. É que eu ando tão sem cabeça rapaz. Sabe o que que é cê matar um leão por dia atrás de...de grana. Fechando negocinho picadinho pa pegar três, dois, um...ai cara. Vou falar pro cê. É pra acabar com o pique de Goiás inteiro. Mas no pouco Deus não falta. E...eu to com uns B.O.zão grande agora pro dia trinta. Preciso de grana, preciso urgente.

4) Ao que João responde dizendo que quer se encontrar com ela e quer falar de “quem sabe fazer um outro bem bolado”: “Ah, cê sabe que eu sou bom de negócio. Não tem frescura comigo não. Acha alguém aí que tem uma merreca , uns carro, algumas coisa aí...nós vamo pra cima. Pode ir aí que...aqui cê sabe que não tem frescura não. Dependo de você. To em Sorocaba o dia todo. Hoje eu to de folga. Qualquer coisa eu vou até você. Só cê me mandar a localização. Mas de qualquer forma me chama mais tarde. Eu quero falar com você. Quem sabe nós faz um outro bem bolado.”

Gisele e João combinam de se encontrar no Empório Amazônia: “Fala João. Ó, eu to chegando em Araçoiaba agora. É...to por aqui. Quer aparecer por aqui...aqui no posto...no trevo aqui? A gente toma um café aqui. Ou vamo lá no empório Amazônia ali na Raposo. Lá é bom também. Eu gosto de tomar um café lá.”

6) No dia 03/08/2022, Gisele envia áudio em que fala de João falar com “a amiga lá” sem especificar quem seria: “Não, eu sei João. Tranquilo. Eu vou só aqui então falar com os meninos aqui e deixar alinhadinho com eles...aí depois até pra mim poder conversar com cê pro cê falar com a amiga lá. Né? E...e aí eu já vou lá pra casa. Tá bom”

Aliás, no dia 29 de agosto de 2022, o Prefeito de Capela do Alto/SP, Péricles Gonçalves (Irmão de Gisele), em sede policial, informou acerca da investigação da Polícia Federal que envolveria as Prefeituras de Capela de Alto e de Araçoiaba da Serra (ID. 267215167 - fl. 26):

Respondeu, resumidamente, que, em meados deste ano, foi procurado na Prefeitura Municipal por sua irmã GISELE, que lhe disse ter recebido a informação de que havia uma investigação da Polícia Federal que envolveria as Prefeituras de Capela de Alto e de Araçoiaba da Serra. Afirmou que ela estava nervosa na oportunidade, mas a acalmou dizendo que não tinha interesse de conversar com o policial federal extraoficialmente.

Ante o acima exposto, evidente que a materialidade e a autoria do delito de extorsão estão sobejamente demonstradas, sendo inverossímil a alegação da defesa no sentido de que há divergências nos depoimentos da Sra. Amanda e da Sra. Gisele, bem como não foi juntado no feito nenhuma prova que apontasse no sentido de que houve extorsão ou exigência de dinheiro.

O dolo é evidenciado pelas circunstâncias, notadamente o comportamento do acusado no momento dos fatos, especialmente a afirmação que era agente da Polícia Federal e que as Prefeituras de Capela de Alto (prefeito era irmão de Gisele) e de Araçoiaba da Serra (Amanda como tesoureira) estavam sendo investigadas por corrupção, tendo, inclusive, um dossiê contra a vítima.

Por outro lado, o crime de extorsão não se exige, para a inteira realização do tipo, a obtenção da vantagem econômica indevida, que, na verdade, configura o exaurimento da ação delituosa, bastando a intenção.

Portanto, o réu constrangeu Amanda a inserir um dispositivo eletrônico no computador da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP, mediante grave ameaça, mas o crime não se consumou por circunstância alheia à sua vontade, na medida em que a vítima procurou o Prefeito Municipal da cidade e eles vieram imediatamente à Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba.

Em verdade, a conduta do réu se amolda à perfeição na figura do crime de extorsão tentado.

Conclui-se, desse modo, que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo de José João de Castro como incurso no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 158, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

4. Dosimetria da pena.

a. Do crime do art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

A defesa requer a reforma da dosimetria da pena para patamares inferiores aos ora fixados, levando-se em conta as circunstâncias do fato, o reconhecimento da modalidade tentada bem como a primariedade do réu.

1ª fase.

O Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, conforme a seguir (ID. 267215822 - fls. 15/16):

Quanto à culpabilidade do réu, observo que há elementos concretos que justifiquem a exasperação da pena-base em razão da alta reprovabilidade de sua conduta. Com efeito, viu-se que o acusado fazia uso ostensivo de marcas da Polícia Federal, instituição permanente de segurança pública, no condomínio residencial Ibiti, inclusive gerando temor em pessoas próximas ao inventar fatos desabonadores que sabia constar de banco oficial de dados a ele supostamente acessível. Em outra ocasião, o réu fez uso de distintivo, batendo na mesa diante da vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, com tom intimidador.

Na análise dos antecedentes (ID 262481894-262481898 e ID 26583577), constata-se que, além destes autos e de autos arquivados, há os seguintes registros criminais em nome do réu:

i) inquérito policial n. 5004969-82.2022.4.03.6110, 2ª Vara Federal de Sorocaba/SP, crime: Extorsão, situação: flagranteado (vinculado a estes autos);

ii) termo circunstanciado n. 0007133-57.23021.8.26.0266, Vara do Juizado Especial Civel e Criminal da comarca de Itanhaém/SP. Natureza: artigo 64, §2º, da Lei de Contravenções Penais. Data do fato: 24/09/20212, Concessão de transação penal - art. 76 da Lei n. 9.099/1995 : 10/12/2012; Trânsito em julgado da transação: 07/01/2013; e 

iii) processo criminal n. 1500507-30.2020.8.26.0536, 1ª Vara Criminal da comarca de São Vicente/SP, Data do fato: 12/02/2020, Natureza: artigo 171, caput, do Código Penal. Prisão em flagrante: 12/02/2020, Liberdade Provisória sem fiança e alvará de soltura cumprido: 13/02/2020. Denúncia oferecida pelo artigo  171, , três vezes, 71, caput c/c artigo 14, II, todos do Código Penal: 19/05/2022. caput Denúncia recebida:25/02/2022.

Assim, não é o caso de exasperação da pena-base por maus antecedentes (STJ, enunciado 444).

Não há informações dignas de nota acerca da conduta social do réu. Em relação à sua personalidade, anoto que não há elementos que a prejudicam. O motivo e as circunstâncias do crime são inerentes à espécie. Quanto às consequências, a principal implicação do delito praticado é o prejuízo à fé pública, inerente à espécie. Assim, não é o caso de exasperação da pena-base. Não há que se falar em comportamento da vítima.

À vista dessas considerações, fixo a pena-base acima do mínimo legal, isto é, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, decorrente do acréscimo da fração de 1/8 sobre o intervalo legal das penas cominadas.

No caso, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime não extrapolam o comum em crimes dessa natureza. Não há nos autos elementos disponíveis para que se avalie a conduta social do réu, bem como a sua personalidade. E não há que se falar em comportamento da vítima. 

Não há maus antecedentes. 

A culpabilidade do réu se mostrou exacerbada por força do uso ostensivo de marcas da Polícia Federal, instituição permanente de segurança pública, no condomínio residencial Ibiti, gerando temor na vítima ao inventar fatos desabonadores (dossiê contra a vítima), por supostamente trabalhar na Polícia Federal.

Nessa ordem de ideias, mantenho a pena-base acima do mínimo legal, qual seja, para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

 2ª fase.

Na segunda fase, não houve atenuantes.

O juízo a quo não reconheceu a atenuante da confissão nos seguintes termos (ID. 267215822 - fl. 16):

Ausente a circunstância atenuante da confissão. No contexto, embora tenha dito em seu interrogatório judicial que usou várias vezes a blusa porque era "gostosa", negou ter utilizado o vestuário completo e o distintivo da Polícia Federal (STJ, enunciado 545).

No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a incidência da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, independe se a confissão foi integral, parcial, qualificada, meramente voluntária, condicionada, extrajudicial ou posteriormente retratada, especialmente quando utilizada para fundamentar a condenação.

E, na hipótese dos autos, em sede judicial, o réu confessou que vestiu a blusa da polícia federal por várias vezes, e que seria hipócrita se dissesse que não. 

Assim, com fulcro no art. 65, III, "d", do Código Penal, reconheço, de ofício, a incidência da atenuante da confissão.

Por sua vez, mantenho a agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal, tendo restou evidenciado que a utilização do distintivo e da jaqueta da Polícia Federal assegurou ou, no mínimo, facilitou a execução do delito de extorsão contra a vítima Amanda.

Assim, na segunda fase da dosimetria incidem a agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal e a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal) de modo que se compensam.

Portanto, resta fixada a pena intermediária em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

3ª fase. 

Na terceira fase, não incidem causas de diminuição e de aumento de pena.

Prosseguindo no cálculo da pena, o Magistrado de primeira instância incidiu a regra do art. 69 do Código Penal, reconhecendo a existência de dois delitos entre os fatos ocorridos nos dias 11/02/22 e 03/08/2022, sob o seguinte fundamento (ID. 267215822 - fl. 16):

(...)

Nesses termos, fixo a pena intermediária do primeiro delito em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e do segundo delito em 3 (três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, decorrente, neste caso, do acréscimo da fração de 1/6 sobre o intervalo legal das penas cominadas.

Ausentes causas de diminuição e de aumento da pena, torno definitivas as penas em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, para o primeiro delito, e 3 (três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, para o segundo delito.

Considerando que os delitos foram praticados em 11/02/2022 e em 03/08/2022, portanto em duas ocasiões distintas e em período muito superior a 30 dias, totalizo a pena em 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de reclusão, na forma do disposto no art. 69 do Código Penal.

Por sua vez, a figura criada no artigo 71 do Código Penal é uma ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso que, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução, podem ser considerados como continuação do primeiro, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) (AgRg no AREsp 961169/DF, Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe: 20.06.2018).

Assim, exige-se que estejam presentes a pluralidade de crimes da mesma espécie, condições objetivas semelhantes e unidade de desígnios.

In casu, diante do quadro acima exposto, verifica-se que delitos foram praticados nos dias 11/02/2022 e 03/08/2022, portanto em duas ocasiões distintas (um no interior do condomínio Ibiti Royak Park e outro na reunião mantida com Amanda de Cassia Araujo Guerra), são de mesma espécie, não só por estarem no mesmo tipo penal, mas, principalmente, por tutelarem o mesmo bem jurídico.

Ademais, foram praticados por meio de mesmo modus operandi, consistente no uso de uniforme e distintivo do Departamento de Polícia Federal. Da mesma forma, os delitos foram praticados em condições de lugares semelhantes, pois foram praticados nos municípios do Estado de São Paulo.

No tocante ao requisito temporal, observa-se que não há previsão legal expressa acerca do intervalo de tempo necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva.

Há posicionamento no sentido de que não poderia ser ultrapassado o período de 30 (trinta) dias entre as condutas criminosas, para restar caracterizado o instituto, por ser necessária certa periodicidade entre as ações ou omissões sucessivas.

Não obstante, entendo que, quando presentes os demais requisitos da ficção jurídica, não se mostra razoável afastá-la, apenas pelo fato do intervalo temporal entre as condutas ter ultrapassado 30 (trinta) dias. O lapso temporal por si só não pode ter o condão de afastar a continuidade delitiva.

Deve-se ter em mente que a ficção jurídica do crime continuado tem o objetivo de mitigar a sanção penal e notadamente os rigores da mera cumulação material. Deve-se, portanto, atentar nesses casos para a gravidade dos delitos e para a própria culpabilidade do réu.

Observa-se de logo que o lapso temporal não é bastante dilatado entre as condutas, que foram praticadas com intervalo de aproximadamente 06 (seis) meses.

Além disso, há excepcional vinculação entre as condutas no caso concreto, de maneira que a jurisprudência admite a extensão do lapso entre crimes para mais de 30 (trinta) dias nesses casos. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE ESTELIONATO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PLEITO MINISTERIAL DE AFASTAMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. LAPSO SUPERIOR A 30 DIAS. POSSIBILIDADE. EXCEPCIONALIDADE. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. Esta Corte possui entendimento no sentido de que "Inexistindo previsão legal expressa a respeito do intervalo temporal necessário ao reconhecimento da continuidade delitiva, presentes os demais requisitos da ficção jurídica, não se mostra razoável afastá-la, apenas pelo fato de o intervalo ter ultrapassado 30 dias" (AgRg no AREsp 531.930/SC, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 13/2/2015). E ainda "Embora para reconhecimento da continuidade delitiva se exija o não distanciamento temporal das condutas, em regra no período não superior a trinta dias, conforme precedentes da Corte, excepcional vinculação entre as condutas permite maior elastério no tempo" (AgRg no REsp 1.345.274/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 12/04/2018). Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1738490/GO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 10/09/2018)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A TRINTA DIAS. EXCEPCIONALIDADE JUSTIFICADA. MANTIDA A CONTINUIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO.

1. Embora para reconhecimento da continuidade delitiva se exija o não distanciamento temporal das condutas, em regra no período não superior a trinta dias, conforme precedentes da Corte, excepcional vinculação entre as condutas permite maior elastério no tempo.

2. Tendo o Tribunal local demonstrado que a prática delitiva se deu em três blocos distintos de condutas cujo intervalo de tempo entre eles foi de aproximadamente três meses, mas consignado que todas elas foram praticadas em ritmo contínuo e em contexto da sua ocorrência que refugia ao total controle dos réus, justificado está a excepcional admissão do favor da continuidade delitiva.

3. Agravo regimental provido para manter a continuidade delitiva nos termos reconhecidos pelo Tribunal local, mantidos os demais termos da decisão agravada.

(AgRg no REsp 1345274/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 12/04/2018)

Reconheço, assim, ser possível a aplicação da continuidade sendo necessário o refazimento da dosimetria da pena.

Sendo assim, de ofício, afasto a aplicação do artigo 69 do Código Penal, e aplico a continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva de José João de Castro fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, e  o pagamento 14 (quatorze) dias-multa, no valor de  1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos. 

b. Do crime do art. 158 do Código Penal.

A defesa requer a reforma da dosimetria da pena.

1ª fase.

O Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, conforme a seguir (ID. 267215822 - fls. 16/17 ):

Quanto à culpabilidade do réu, observo, igualmente, que há elementos concretos que justifiquem a exasperação da pena-base em razão da alta reprovabilidade de sua conduta. Com efeito, passou-se por Agente da Polícia Federal e fez uso ostensivo de distintivo da corporação para constranger a vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, dizendo, inclusive, que poderia prendê-la. Ademais, nesse contexto, o réu visava à subtração de recursos públicos por meio de acesso ilegal ao sistema informatizado da Tesouraria da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP, mediante a introdução de um pen-drive ("chip") no computador da municipalidade.

Não é o caso, como já salientado, de exasperação da pena-base por maus antecedentes (STJ, enunciado 444). Não há informações dignas de nota acerca da conduta social do réu. Em relação à sua personalidade, anoto que não há elementos que a prejudicam. Por fim, não há que se falar em consequências do crime, pois o delito não foi consumado, e nem em comportamento da vítima.

À vista dessas considerações, fixo a pena-base acima do mínimo legal, isto é, em 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão, decorrente do acréscimo da fração de 1/8 sobre o intervalo legal das penas cominadas.

No caso, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime não extrapolam o comum em crimes dessa natureza. Não há nos autos elementos disponíveis para que se avalie a conduta social do réu, bem como a sua personalidade. E não há que se falar em comportamento da vítima. 

Não há maus antecedentes. 

A culpabilidade do réu se mostrou exacerbada por força do uso ostensivo de distintivo da Polícia Federal para constranger a vítima Amanda de Cássia Araújo Guerra, afirmando, inclusive, que poderia prendê-la. Aliás, o réu buscava o desvio de recursos públicos pelo uso de chip no computador da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP.

Nessa ordem de ideias, mantenho a pena-base acima do mínimo legal, qual seja, para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão, e o pagamento de 12 (doze) dias-multa.

2ª Fase.

Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.

Sendo assim, restada mantida a pena intermediária em 4 (quatro) e 9 (nove) meses de reclusão e o pagamento de 12 (onze) dias-multa.

3ª Fase.

Na terceira fase, não há causas de aumento da pena.

O juízo a quo considerou a causa de diminuição relativa à tentativa e, nesse ponto, aplicou a fração de 1/2 (um meio).

Assim, considerando o iter criminis percorrido pelo apelante, que, apesar de terem iniciado a prática delitiva e avançado em sua execução, a vítima não praticou nenhum ato, não se submetendo à sua vontade, mantenho a fração em 1/2 (um meio).

Mantida, assim, a fração da tentativa no patamar de 1/2, do que resulta inalterada a reprimenda do réu, ou seja, pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos,  4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, e  o pagamento 6 (seis) dias-multa.

5. Concurso material.

A defesa requer a reforma a sentença no sentido de afastar o concurso material (artigo 69 CP) e constatar a existência de concurso formal próprio heterogêneo nos delitos ocorridos em 03/08/2022.

Reconheço a regra do concurso material de delitos (artigo 69 do Código Penal), uma vez que, mediante mais de uma conduta, o réu praticou mais de dois crimes, a saber: uso indevido de itens identificadores da Polícia Federal  (art. 296, § 1º, III, do Código Penal), bem como o crime de extorsão (art. 158 do Código Penal), crimes esses que atingem bens jurídicos diferentes.

Destarte, tratando-se de concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, resultando a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 3 (três) meses  e 15 (quinze) de reclusão, e o pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

O valor do dia-multa deve ser mantido em 1 (um) salário mínimo vigente na data dos fatos, considerando a situação econômica do réu.

A defesa requereu a redução dos dias-multa.

O juiz a quo condenou o réu ao pagamento 96(noventa e seis) dias-multa.

A pena de multa é fixada de acordo com o sistema bifásico, no qual, em um primeiro momento, leva em consideração o montante aplicado à pena privativa de liberdade, após procedido o critério trifásico, para fixar a quantidade de dias- multa, e, em um segundo momento, considera a situação econômica do réu para a fixação do valor unitário do dia-multa.

No presente caso, o julgador, todavia, fixou a pena de multa em montante totalmente desproporcional à pena privativa de liberdade, razão pela qual reduzo a pena de multa para 20 (vinte) dias-multa, conforme parâmetros contidos na dosimetria da pena.

6. Regime de cumprimento da pena.

A defesa requer a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto ou semiaberto.

No que se refere ao regime de cumprimento de pena, para a fixação, devem ser observados os seguintes fatores: a) espécie de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, § 2º, alíneas a, b e c, CP); c) caracterização ou não da reincidência (art. 33, § 2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, § 3º, do CP).

In casu, temos que o apelante foi preso em flagrante delito em 04.08.2022 (ID. 267214865 - fls. 1/3).

Em 05.08.22, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva (ID. 267214865 - fls. 42/47). 

Em 07.11.22, o réu foi condenado à pena de 8 (oito) anos e 15 (quinze) dias de reclusão, conforme sentença, sendo mantida a prisão do réu (ID. 267215822). 

Esse quadro indica que, até a data da prolação da sentença, o réu esteve preso provisoriamente por 3 (três) meses e 3 (três) dias.

Este relator, reformou a sentença, fixando a pena privativa de liberdade em 5 (cinco) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) de reclusão.

Na esteira da jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, aplico a detração penal nos seguintes termos:

a) pena aplicada ao acusado: 5 (cinco) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) de reclusão;

b) tempo decorrido desde a prisão do acusado até a data da prolação da sentença: aproximadamente 3 (três) meses e 3 (três) dias;

c) descontando o tempo cumprido de acordo com o item "b" da condenação total informada no item "a", restam 5 (cinco) anos e 12 (doze) dias de reclusão de pena privativa de liberdade a ser cumprida.

Destarte, após procedida a detração, em consideração à quantidade de pena a ser cumprida, deve ser fixado o regime semiaberto ao acusado, nos termos do art. 387, §2º do CPP.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista ser o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchidos os requisitos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.

7. Da prisão preventiva.

A prisão preventiva de José João de Castro foi decretada em razão das informações colhidas nos autos, que demonstram não só a necessidade da imposição de medida cautelar no caso concreto, com vistas a evitar a prática de novas infrações penais da mesma natureza e, com isso, assegurar a ordem pública (art. 282, I, do Código de Processo Penal), mas também a adequação da prisão preventiva, com base, notadamente, nas condições pessoais do agente (art. 282, II, do Código de Processo Penal).

Na r. sentença, restou mantida a prisão preventiva do réu, nos seguintes termos (ID. 267215822 - fl. 18):

(...)

Nego ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, pois persistem os motivos que determinaram a conversão da sua prisão em flagrante em prisão preventiva visando à garantia da ordem pública (art. 312, caput, c/c art. 282, I, ambos do Código de Processo Penal). A adequação da prisão preventiva no caso concreto advém, preponderantemente, das circunstâncias do fato (art. 282, II, do Código de Processo Penal), uma vez que o agente fez uso de grave ameaça à vítima, valendo-se ostensivamente de falsa condição de agente policial para tanto.

Outrossim, constato que o réu celebrou proposta de transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/1995) em 10/12/2012 nos autos do termo circunstanciado n. 0007133-57.23021.8.26.0266, Vara do Juizado Especial Civel e Criminal da Comarca de Itanhaém/SP, em razão da prática da infração prevista no art. 64, § 2º, da Lei de Contravenções Penais (tratamento cruel de animal). Ademais, em 12/02/2020 foi preso em flagrante pela prática do delito de estelionato, gerando o processo criminal n. 1500507-30.2020.8.26.0536, em curso na 1ª Vara Criminal da comarca de São Vicente/SP. Consta, daqueles autos, que houve oferecimento de denúncia pelo art. 171, caput, por três vezes, na forma do art. 71, caput c/c art. 14, II, todos do Código Penal. A denúncia foi recebida recentemente, em 25/02/2022.

Por fim, em decisão proferida em 12/09/2022 (ID 262433235), restou autorizada a instauração de novo(s) inquérito(s) policial(is) com o fim de aprofundar as investigações, bem como para apurar possíveis condutas de lavagem de dinheiro pelo acusado, conforme requerido pelo MPF (ID 262390285) e destacado nos itens 56 e 61 do relatório da autoridade policial (ID 261763217, p. 47-81). Tudo a evidenciar que as condições pessoais do acusado são desfavoráveis e reforçam a adequação da medida cautelar extrema no caso concreto.

Denota-se haver motivação concreta para a constrição cautelar do réu, sem que disso resulte violação ao princípio da presunção de inocência.

Ademais, não há constrangimento ilegal na negativa do direito de aguardar em liberdade o julgamento de eventual recurso, se o acusado respondeu integralmente ao processo encarcerado cautelarmente.

Nesse sentido, o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA SUPERVENIENTE. MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. CUSTÓDIA PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. VARIEDADE, NATUREZA DELETÉRIA E QUANTIDADE DAS DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. COMPATIBILIDADE DA CUSTÓDIA COM O REGIME SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. Esta Quinta Turma possui firme entendimento no sentido de que a manutenção da custódia cautelar por ocasião de sentença condenatória superveniente não possui o condão de tornar prejudicado o writ em que se busca sua revogação, quando não agregados novos e diversos fundamentos ao decreto prisional primitivo. Precedentes. 3. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP. 4. A prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada pelas instâncias ordinárias, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do paciente, evidenciadas pela quantidade, variedade e natureza altamente deletéria das drogas localizadas em seu poder - 213,32 gramas de crack, 278,94 gramas de cocaína e uma porção de maconha pesando 7,55 gramas -, circunstâncias que, somadas à apreensão de dois simulacros e de uma arma de fogo, de elevada quantia em dinheiro - mais de cinco mil reais -, bem como de diversos apetrechos comumente utilizados no preparo do material tóxico, demonstram risco ao meio social, recomendando-se a sua custódia cautelar especialmente para garantia da ordem pública. 5. Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em Juízo de primeiro grau. 6. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que as condições favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. 7. Inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública. 8. Esta Corte Superior sedimentou entendimento segundo o qual a prisão preventiva é compatível com o regime prisional semiaberto, desde que seja realizada a efetiva adequação ao regime intermediário. Assim, tendo a sentença condenatória fixado o regime prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena, deve a prisão provisória ser compatibilizada ao regime imposto, sob pena de tornar mais gravosa a situação daquele que opta por recorrer do decisum. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para adequar a prisão preventiva ao regime semiaberto fixado na sentença." HC 201702613846, JOEL ILAN PACIORNIK - QUINTA TURMA, DJE DATA:18/04/2018.DTPB:.)

Por outro ângulo, observo que estão presentes os requisitos para a manutenção da segregação cautelar do recorrente, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal).

O risco à ordem pública se evidencia pela gravidade concreta da conduta atribuída ao acusado, uma vez que o réu fez uso de grave ameaça à vítima, valendo-se de falsa condição de agente policial federal.

Ademais, em 12/02/2020 o réu foi preso em flagrante pela prática do delito de estelionato (nº 1500507-30.2020.8.26.0536), sendo oferecida a denúncia pelo Ministério Público Federal, pelo art. 171, caput, por três vezes, na forma do art. 71, caput c/c art. 14, II, todos do Código Penal.

Não bastasse isso, foi autorizada a instauração de novo(s) inquérito(s) policial(is) com o fim de aprofundar as investigações, bem como para apurar possíveis condutas de lavagem de dinheiro pelo acusado, conforme requerido pelo Ministério Público Federal.

Todavia, tendo em vista que o réu foi condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime inicial semiaberto, mostra-se imprescindível sua transferência para estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto.

Destarte, pelos motivos acima descritos, fica mantida a prisão preventiva do acusado.

8. Dispositivo.

Ante o exposto, de ofício, aplico a atenuante da confissão quanto ao crime previsto no art. 296, III, do Código Penal, bem como a continuidade delitiva na terceira fase em relação ao crime previsto no art. 296, III, do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto), e dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena de multa e para fixar o regime de cumprimento da pena no semiaberto, fixando a pena em definitiva em 5 (cinco) anos, 3 (três) meses  e 15 (quinze) de reclusão, no regime inicial semiaberto, e o pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente ao tempo do fato criminoso.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO DEMONSTRADOS. USO DE SINAL E IDENTIFICADOR PÚBLICO. ARTIGO 296, §1º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL. CRIME DE EXTORSÃO. ARTIGO 158 DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL. CONTINUIDADE DELITIVA. USO DE SINAL E IDENTIFICADOR DA POLÍCIA FEDERAL. DOSIMETRIA ALTERADA. DETRAÇÃO PENAL. REGIME semiABERTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A materialidade do delito de fazer uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública, identificadores da polícia federal, bem como do crime de extorsão, encontra-se comprovada nos autos por meio do Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação – Equipe sod - 02 (ID. 267214992), Termo de Apreensão nº 2883791/2022 - (ID. 267214993), Auto Circunstanciado de Busca e Arrecadação – Equipe sod - 01 (ID. 267215003), termo de apreensão nº 2878451/2022 (ID. 267215004), Termo de Apreensão nº 2991079/2022 (ID. 267215012), Informação de Polícia Judiciária nº 51/2022 (ID. 267215017), Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 18/2022 (ID. 267215167 - fls. 27/35 e 267215168 - fls. 1/40), Relatório de Análise de Polícia Judiciária nº 23/2022 (ID. 267215169 - fls. 18/46), bem como pelo depoimento da vítima e das testemunhas em juízo.

2. As circunstâncias da ação delituosa, aliadas aos depoimentos das testemunhas, demonstram que o acusado se apresentava como agente da Polícia Federal, bem como, de forma livre e consciente, fez uso indevido de símbolos e identificadores da Polícia Federal, dando ensejo à configuração do delito descrito no art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

3. Restou evidenciado que o acusado constrangeu Amanda, mediante grave ameaça e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica. Na hipótese dos autos, o conjunto probatório juntado autoriza a conclusão de que o fato de o acusado José João de Castro ao apresentar-se como policial federal perante a tesoureira Amanda de Cássia Araújo Guerra, ameaçando-a a tomar determinado comportamento, ou seja, a colocar um chip no computador da prefeitura, a fim de demonstrar que ela não estava no esquema de corrupção da Prefeitura Municipal de Araçoiaba da Serra/SP e, que, inclusive, participaria de uma delação premiada e ganharia o valor de R$ 680.000,00 (seiscentos e oitenta mil reais), sob o fundamento de que a prefeitura estava passando por uma investigação da Polícia Federal e que tinha um dossiê da vida da Amanda, consiste meio capaz de causar intimidação, de modo a caracterizar a consumação do núcleo do tipo constranger, bem como a conduta praticada pelo réu, harmonicamente relatada pela testemunha Gisele e pela vítima Amanda, materializa a grave ameaça. No que se refere à vantagem econômica indevida buscada pelo réu, constitui no desvio de recursos públicos por meio da invasão do sistema informatizado da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP. 

4. O réu constrangeu Amanda a inserir um dispositivo eletrônico no computador da Prefeitura de Araçoiaba da Serra/SP, mediante grave ameaça, mas o crime não se consumou por circunstância alheia à sua vontade, na medida em que a vítima procurou o Prefeito Municipal da cidade e eles vieram imediatamente à Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba.

5. Conclui-se, desse modo, que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo de José João de Castro como incurso no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, e no art. 158, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

6. Crime do art. 296, III, do Código Penal. 1ª Fase. Mantida a pena-base acima do mínimo legal, qual seja, para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 2ª Fase. Com fulcro no art. 65, III, "d", do Código Penal, reconhecida, de ofício, a incidência da atenuante da confissão. Mantida a agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal, tendo restou evidenciado que a utilização do distintivo e da jaqueta da Polícia Federal assegurou ou, no mínimo, facilitou a execução do delito de extorsão contra a vítima Amanda. Assim, na segunda fase da dosimetria incidem a agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal e a atenuante da confissão (artigo 65, III, “d”, do Código Penal) de modo que se compensam. Portanto, resta fixada a pena intermediária em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 3ª fase, afastada a aplicação do artigo 69 do Código Penal, e aplicada a continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva de José João de Castro fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, e  o pagamento 14 (quatorze) dias-multa, no valor de  1 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos. 

7. Crime do artigo 158 do Código Penal. 1ª Fase. Mantida a pena-base acima do mínimo legal, qual seja, para 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão, e o pagamento de 12 (doze) dias-multa.  2ª Fase, ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes. Sendo assim, restada mantida a pena intermediária em 4 (quatro) e 9 (nove) meses de reclusão e o pagamento de 12 (onze) dias-multa. 3ª fase, não há causas de aumento da pena.  Assim, considerando o iter criminis percorrido pelo apelante, que, apesar de terem iniciado a prática delitiva e avançado em sua execução, a vítima não praticou nenhum ato, não se submetendo à sua vontade, mantenho a fração em 1/2 (um meio), do que resulta inalterada a reprimenda do réu, ou seja, pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos,  4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, e  o pagamento 6 (seis) dias-multa.

8. Tratando-se de concurso material de crimes, as penas devem ser somadas, resultando a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 3 (três) meses  e 15 (quinze) de reclusão, e o pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

9. O valor do dia-multa deve ser mantido em 1 (um) salário mínimo vigente na data dos fatos, considerando a situação econômica do réu.

10. No presente caso, o julgador, todavia, fixou a pena de multa em montante totalmente desproporcional à pena privativa de liberdade, razão pela qual reduzo a pena de multa para 20 (vinte) dias-multa, conforme parâmetros contidos na dosimetria da pena.

11. Destarte, após procedida a detração, em consideração à quantidade de pena a ser cumprida, deve ser fixado o regime semiaberto ao acusado, nos termos do art. 387, §2º do CPP.

12. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista ser o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchidos os requisitos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.

13. Observo que estão presentes os requisitos para a manutenção da segregação cautelar do recorrente, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal). O risco à ordem pública se evidencia pela gravidade concreta da conduta atribuída ao acusado, uma vez que o réu fez uso de grave ameaça à vítima, valendo-se de falsa condição de agente policial federal. Ademais, em 12/02/2020 o réu foi preso em flagrante pela prática do delito de estelionato (nº 1500507-30.2020.8.26.0536), sendo oferecida a denúncia pelo Ministério Público Federal, pelo art. 171, caput, por três vezes, na forma do art. 71, caput c/c art. 14, II, todos do Código Penal. Não bastasse isso, foi autorizada a instauração de novo(s) inquérito(s) policial(is) com o fim de aprofundar as investigações, bem como para apurar possíveis condutas de lavagem de dinheiro pelo acusado, conforme requerido pelo Ministério Público Federal. Todavia, tendo em vista que o réu foi condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime inicial semiaberto, mostra-se imprescindível sua transferência para estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto.

14. Recurso de apelação parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu de ofício, aplicar a atenuante da confissão quanto ao crime previsto no art. 296, III, do Código Penal, bem como a continuidade delitiva na terceira fase em relação ao crime previsto no art. 296, III, do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto), e dar parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena de multa e para fixar o regime de cumprimento da pena no semiaberto, fixando a pena em definitiva em 5 (cinco) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) de reclusão, no regime inicial semiaberto, e o pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente ao tempo do fato criminoso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.