Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007779-25.2020.4.03.6102

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: FERNANDO MESTRINER ZEDU, SAMUEL FUNCK THOMAZ

Advogado do(a) APELANTE: OLDIMAR NELVI GUEDES - SP459040

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007779-25.2020.4.03.6102

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: FERNANDO MESTRINER ZEDU, SAMUEL FUNCK THOMAZ

Advogado do(a) APELANTE: OLDIMAR NELVI GUEDES - SP459040

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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                                                      R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelações criminais interpostas por Fernando Mestriner Zedu e pelo assistente de acusação Samuel Funck Thomaz contra sentença (ID. 256867756) que condenou o réu Fernando Mestriner Zedu pela prática do crime previsto no art. 158, caput e § 1º, do Código Penal, em continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade de 9 (nove) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 100 (cem) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo.

Em sede de razões recursais, a defesa de Fernando Mestriner Zedu pede a absolvição do apelante da imputação do artigo 158,  caput e §1º, do CP.  Subsidiariamente, seja desclassificado a conduta para a redação do artigo 345 do Código Penal. Requer seja a pena base fixada no mínimo legal, na segunda fase, o afastamento do aumento da pena de 1/6 e, na terceira fase, seja afastado o crime continuado e as majorantes do concurso de agentes e emprego de arma, a fixação de regime inicial aberto, ou, no semiaberto, bem como seja revogada a prisão provisória, expedindo-se o competente alvará de soltura. Pede, ainda, que seja concedido ao apelante os benefícios da Justiça Gratuita (ID. 256867782).

O assistente da acusação SAMUEL FUNCK THOMAZ pede a reforma da sentença para a condenação do réu pelo crime de associação criminosa, a exasperação da pena-base pelo crime de extorsão, a majoração da fração aplicada como agravante do art. 62, inc. I, do Código Penal, o aumento do quantum fixado como causa de aumento de pena pela continuidade delitiva e pela manutenção da prisão preventiva do réu (ID. 258682989).

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal e pela defesa (IDs. 256867786 e 261350204).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento da apelação da defesa (ID. 258445481), tão somente para que seja revogada a prisão preventiva do apelante, mediante medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal), e que sejam concedidos os benefícios da justiça gratuita, mas mantida a condenação do apelante ao pagamento das custas (art. 804 do Código de Processo Penal), cuja exigibilidade fica sobrestada (art. 98, § 3º, do Código de Processo Penal).

Posteriormente, o Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso do assistente de acusação, apenas para exasperar a pena-base e majorar a fração de continuidade delitiva, mantendo-se o restante da r. sentença condenatória (ID. 261463167).

É o relatório. 

À revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007779-25.2020.4.03.6102

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: FERNANDO MESTRINER ZEDU, SAMUEL FUNCK THOMAZ

Advogado do(a) APELANTE: OLDIMAR NELVI GUEDES - SP459040

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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V O T O

1. Do caso dos autos.

Fernando Mestriner Zedu, Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidam foram denunciados pela prática dos crimes do artigo 158, caput e § 1º, c.c a agravante do artigo 62, inciso I, c.c. artigo 288, todos do Código Penal, em continuidade delitiva (artigo 71, CP).

Narra a denúncia (ID. 256867485 - fls. 7/27) o que se segue:

O presente inquérito policial foi instaurado a partir do Procedimento de Cooperação Internacional nº 1.00.000.019808/2020-67 (íntegra anexa aos autos), autuado pela Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR), com o escopo de atender a pedido de cooperação jurídica internacional veiculado pelo Ofício nº 4659/2020-CRA/CGCP/DRCI/SENAJUS-MJ, oriundo do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, diante de pedido de cooperação formulado pelo Ministério Público suíço, em Genebra (ID 41749239, p. 2-20), dando origem à denominada “Operação Conexão Genebra – Geneve”.

A notícia-crime enviada pelos órgãos de investigação na Suíça, em 10/11/2020, dão conta de que, ao menos desde fevereiro de 2020, FERNANDO MESTRINER ZEDU – cidadão brasileiro, natural de Ribeirão Preto/SP e com domicílio atual em Londrina/PR – em associação com LEANDRO CAETANO DOS SANTOS e de LUIZ FELIPE EIDAM – aquele cidadão brasileiro e este com dupla nacionalidade, brasileira e suíça, residentes no Cantão de Zurique, na Suíça – constrangeram SAMUEL FUNCK THOMAZ (residente em Genebra, Suíça), mediante grave ameaça, no intuito de obterem para si indevida vantagem econômica, conduta que se amolda ao tipo penal insculpido no artigo 158, caput e § 1º, c.c. artigo 7º, caput e inciso II, alínea ‘b’, todos do Código Penal brasileiro.

Conforme demonstraram as investigações levadas a efeito em concomitância pela autoridade policial brasileira em cooperação com a autoridade policial suíça, FERNANDO MESTRINER ZEDU (doravante somente ZEDU) constrangeu a vítima SAMUEL FUNCK THOMAZ a pagar-lhe valor em quantia (cerca de 70 a 100 mil euros ou francos suíços) indevido, que consistiria em suposta dívida originada por volta do ano de 2005.

Dos elementos constantes dos autos, os atos de extorsão foram reiteradamente praticados há vários anos. No entanto, desde fevereiro de 2020 as ameaças de causar mal grave à vítima e seus familiares foram proferidas por meio de mensagens eletrônicas enviadas pela aplicação Whatsapp e por ligações telefônicas efetuadas diretamente por ZEDU contra SAMUEL e seus irmãos.

Pelo fato de a vítima SAMUEL FUNCK THOMAZ residir, ao menos desde 2004, na cidade de Genebra, na Suíça, onde trabalha como funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU), ZEDU atuou com a prática delitiva por meios digitais, à distância, e também por meio de ameaças e violência praticada contra os irmãos de SAMUEL, os quais residem no Brasil, como forma de pressioná-lo a entregar a soma extorquida.

Em agravamento das ameaças, ZEDU organizou e dirigiu a conduta de LEANDRO CAETANO DOS SANTOS e de LUIZ FELIPE EIDAM, brasileiros que residem em Zurique, também na Suíça, para que estes cobrassem de SAMUEL a vantagem econômica em questão mediante as mesmas práticas violentas e de grave ameaça, mas executadas presencialmente naquele território, conferindo ainda maior constrangimento.

Após a escalada do grau de intimidação causada pelos atos de extorsão pelos ora denunciados, a vítima reportou os fatos às autoridades suíças, que, identificando a conduta de ZEDU como o organizador da prática delitiva, formularam pedido de cooperação para a realização de diligências consistentes na obtenção de dados relativos às linhas telefônicas dos números +55(16)999911791 e +55(43)96245725, a partir de 1º de fevereiro de 2020, utilizadas por ZEDU como meio de proferir as ameaças, assim como solicitou ordem para vigilância dos referidos números, e a instauração de investigação, no Brasil, quanto às condutas criminosas praticadas a partir do território brasileiro.

O pedido veio instruído com vídeos e áudios trocados entre ZEDU e a vítima SAMUEL, nos quais a extorsão e as ameaças são claras. Entre os vídeos há um em que LEANDRO e LUIZ FELIPE se identificam como "cobradores de ZEDU" e um deles revela que se encontra na porta da ONU, em Genebra, onde a vítima trabalha, dizendo possuir o endereço da filha da vítima e estar prestes a conseguir o endereço de SAMUEL, e pede para ele entrar em contato, pois, caso contrário, tomará suas próprias providências. Em outro vídeo, aparentemente a mesma pessoa que esteve na porta da ONU em Genebra ameaçando SAMUEL mostra os nomes de vários familiares da vítima, cobra-lhe novamente a dívida do passado, diz que não está para brincadeira e mostra uma arma de fogo, com a evidente intenção de intimidar e ameaçá-lo. Ainda, num terceiro vídeo, o comparsa de ZEDU mostra uma arma empunhada, dizendo que só está aguardando a confirmação do endereço da vítima para pegá-la.

Os áudios juntados por meio do Ofício nº 4424/2020/ACRIM/SCI/PGR, recebidos da Adidância Policial da Suíça no Brasil com gravações de recentes conversas telefônicas realizadas entre ZEDU, LEANDRO e LUIZ FELIPE, que estão em território suíço, e a vítima SAMUEL, demonstravam nitidamente as ameaças feitas anteriormente e deixam claro que ZEDU tem controle sobre eventual violência física que seus comparsas pudessem e possam fazer a SAMUEL em Genebra.

(...)

O exame pericial realizado sobre os equipamentos apreendidos com ZEDU (aparelho celular e notebook) resultou na produção do Laudo nº 491/220 (ID 43797073, p. 2) e na elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 1774666/2020 (ID 43797073, p. 9), ambos juntados nos autos.

A autoridade policial formalizou o indiciamento dos ora denunciados como incursos nos delitos de extorsão e associação criminosa, tendo relatado o feito em que representa pelo compartilhamento dos elementos de prova com a Justiça Estadual – item 26 (ID 43797073, p. 42).

Diante dos elementos arregimentados, ficou demonstrado que FERNANDO MESTRINER ZEDU, LEANDRO CAETANO DOS SANTOS e de LUIZ FELIPE EIDAM, de maneira consciente e voluntária, ao menos desde fevereiro de 2020 até o fim do mês de novembro de 2020, associaram-se de maneira estável para, reiteradamente, constrangeram SAMUEL FUNCK THOMAZ e seus familiares mediante grave ameaça no intuito de obterem para si indevida vantagem econômica, conduta que se amolda ao tipo penal insculpido no artigo 158, caput e § 1º, c.c. artigo 62, caput, inciso I (em relação ao primeiro) e inciso IV (em relação aos outros dois) c.c. artigo 7º, caput e inciso II, alínea ‘b’, c.c. artigo 288, todos do Código Penal brasileiro, em continuidade delitiva (artigo 71, CP).

O Juízo Federal de Londrina recebeu a denúncia em 18.01.21, determinando o desmembramento do feito em relação aos réus Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidam (ID. 256867512 - fls. 18/21). 

Posteriormente, o Juízo Federal da 5ª Vara de Londrina suscitou o conflito de competência em face do Juízo Federal da 6ª Vara de Ribeirão Preto, distribuído no Superior Tribunal de Justiça (256867509), o qual, em 12.05.21, conheceu do conflito e deu por competente o Juízo Suscitado (Juízo Federal da 6ª Vara de Ribeirão Preto).

Distribuído o feito, o Juízo Federal de Ribeirão Preto, em 17.05.21, ratificou o recebimento da denúncia, assim como o desmembramento do feito em relação aos réus Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidam, com a formação dos autos nº 5004171-82.2021.4.03.6102 (ID. 256867522).

Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença condenatória que condenou o réu Fernando Mestriner Zedu pela prática do crime previsto no art. 158, caput e § 1º, do Código Penal, em continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade de 9 (nove) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 100 (cem) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo, publicada em 04.11.21 (ID. 256867756). 

2. Da autoria do crime de associação criminosa. 

O assistente da acusação SAMUEL FUNCK THOMAZ pede a reforma da sentença para a condenação do réu pelo crime de associação criminosa, nos termos do artigo 288 do Código Penal.

O Magistrado a quo fundamentou a absolvição do réu nos seguintes termos (ID. 256867756 - fl. 11):

No tocante a prática do crime contra a paz pública previsto no art. 288 do CP, com o devido respeito às ponderações do MPF, não vislumbro presente o caráter estável e permanente do grupo formado para o cometimento de crimes, a configurar o delito de associação criminosa. 

No mesmo sentido, precedente do TRF da 3ª Região: ApCrim nº 76.562, 11ª Turma, Rel. Des. Federal Fausto de Sanctis, j. 22/10/2020.

Ademais, não verifico a existência de vínculo durável entre o acusado e os demais contratados para o cometimento de crimes.

Pelo contrário, a própria vítima relatou ao juízo que os dois agentes contratados pelo réu chegaram à Genebra em 04.11.2020 e, na mesma data, começaram a enviar vídeos para seu irmão no Brasil, tendo este os repassados ao depoente.

De igual modo, Ricardo Funck Thomaz, ouvido em declarações na DPF (ID 43653215, p. 26), relatou haver recebido tais vídeos “por volta de outubro ou novembro”.

Assim, tendo em vista que a prisão dos envolvidos se deu em 02.12.2020, não há que se reconhecer configurada uma união duradoura entre todos, com a finalidade de perpetrar uma série indeterminada de crimes.

Por fim, também aponta nesse sentido a forma aleatória como se deram a escolha e contratação de Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidam, qual seja, por meio de publicação de anúncio na rede social Facebook (ID 43797073, p. 14).

De fato, as provas trazidas aos autos não são suficientes para demonstrar que o réu estava associado a terceiros no nível de organização e permanência próprios do tipo atualmente conhecido por associação criminosa.

O crime de quadrilha ou bando (artigo 288 do Código Penal) - hoje, associação criminosa - por sua natureza, é autônomo e se perfaz independentemente da prática dos crimes a que os agentes objetivam perpetrar a partir da união associativa, sendo prescindível a comprovação de que houve o cometimento de crimes por integrantes da associação. O tipo penal, ainda, exige que haja a associação de três ou mais pessoas para sua caracterização.

Os integrantes da associação devem pretender a realização de delitos determinados. Por outro lado, quanto à estabilidade e permanência exigidas para a caracterização do delito, há a necessidade de que os integrantes tenham a finalidade de cometer uma série indeterminada de crimes.

Leciona Guilherme NUCCI, em seu Código Penal Comentado (2015, p. 1242), que:

"Associar-se significa reunir-se em sociedade, agregar-se ou unir-se. O objeto da conduta é a finalidade de cometimento de crimes. A associação distingue-se do mero concurso de pessoas pelo seu caráter de durabilidade e permanência, elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo. Nessa ótica: STJ: 'A estrutura central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizarem-se em bando ou quadrilha (hoje, com a denominação de associação criminosa ) com a finalidade de cometer crimes. Trata-se de crime autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso necessário, inconfundível com o simples concurso eventual de pessoas' (Denun na APn 549-SP, C.E., rel. Felix Fischer, 21.10.2009, v.u.)." (g.n.)

As especificidades concretas da relação estabelecida entre os acusados devem, para o fim de configurar o delito em exame, evidenciar a presença do animus associativo orientado a conformar vínculo associativo de fato, que transcenda a mera cooperação episódica para a prática do crime visado.

Não há elementos nestes autos que permitam concluir pela existência quer do animus associativo, quer da estrutura estável e duradoura para o cometimento de um número indeterminado de delitos, no caso, como pretende a acusação, para o cometimento do crime de extorsão descrito na denúncia.

A constatação, com base na forma como o delito destes autos foi praticado, de que o grupo demonstrava organização interna e divisão de funções entre si não basta para a configuração do delito de associação criminosa.

O que se extrai dos autos é que o réu juntamente com outros dois indivíduos captados nas interceptações telefônicas e telemáticas, revelaram organização interna entre si para o cometimento do delito destes autos, não havendo qualquer elemento consistente relacionando a esse grupo, em ação coordenada e estável.

Fato é que inexistem elementos de prova do liame duradouro entre o réu e seus comparsas. Com base no que foi acostado, pode-se concluir que os dois agentes contratados pelo réu começaram a enviar vídeos para o irmão da vítima no mês de novembro de 2020, e foram presos no mês de dezembro, sendo certo, ademais, que a contratação de Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidam deu-se por meio de publicação no Facebook, ou seja, de forma casual.

Assim, à míngua de elementos mais subsistentes sobre a estrutura do grupo e o aninmus associativo, não são suficientes para sustentar um édito condenatório pelo delito do art. 288 do Código Penal.

Portanto, há de ser mantida a sentença neste ponto, absolvendo-se o réu da imputação de prática do crime do art. 288 do Código Penal.

3. Materialidade do crime de extorsão.

A materialidade restou suficientemente demonstrada, conforme procedimento administrativo de cooperação internacional (PCI-PGR nº 1.00.000.0019808/2020-67 – Ids. 256866910, 256866914, 256866915 e 256866920), vídeos (Ids. 256866911, 256866912 e 256866913), áudios (Ids. 256866916, 256866917, 256866918 e 256866919, Relatório Parcial de Interceptação nº 1491928-2020 (ID. 256867198) e áudios (Ids. 256867199, 256867200, 256867201, 256867202, 256867203, 256867204, 256867205 e 256867206),  Auto de Apreensão IPL 2020.011051 (ID. 256867212 – fl. 24), Relatório Final nº 1491928/2020 (ID. 256867402 - fls. 53/86) e áudio (ID. 256867403), mensagens de Whatsapp (ID. 256867407, 256867408 e 256867409) e os áudios (Ids. 256867410, 256867411, 256867412, 256867413, 256867414, 256867415, 256867416, 256867417, 256867418 e 256867419),  Laudo nº 491/2020 – NUTEC/DPF/RPO/SP (ID.  256867422 - fls. 2/6), Relatório de Análise de Material Apreendido nº 1774666/2020 (ID. 256867422 - fls. 9/36),  Auto de Qualificação e Interrogatório do Réu (ID. 256867212 - fls. 26/30 e 256867213 - fls. 1/5), Informações (ID. 256867216 - fls. 127/128), Termo de Declaração de Ronaldo Funck Thomaz (ID. 256867397 - fls. 22/25) e de Ricardo Funck Thomaz (ID. 256867397 - fl. 26), bem como pelos depoimentos das testemunhas, da vítima e do réu.

4. Autoria.     

A autoria imputada ao réu Fernando Mestriner Zedu, ademais, se evidenciou com segurança das provas acostadas, a despeito da insurgência defensiva em sentido contrário.

Consta da peça acusatória que o inquérito policial iniciou-se a partir do Procedimento de Cooperação Internacional em Matéria Penal – Suíça/Brasil nº 1.00.000.019808/2020-67, dando origem à denominada “Operação Conexão Genebra – Geneve”.

A notícia-crime expedida pela Autoridade da Suíça, em 10/11/2020, informou que, desde fevereiro de 2020, Fernando Mestriner Zedu (residente em Ribeirão Preto), em conjunto com Leandro Caetano dos Santos e Luiz Felipe Eidan (residentes na Suíça), constrangeram Samuel Funck Thomaz (residente na Suíça), mediante grave ameaça, com o fim de obterem para si vantagem econômica, por meio de mensagens enviadas pelo Whatsapp (áudio, vídeos e textos) e por ligações telefônicas.

Em 11/11/2020, as autoridades suíças pediram a realização de diligências no sentido de obter dados dos números +5516999911791 e +114396245725, a partir de 01/02/20200, utilizadas por Fernando Mestriner Zedu, assim como ordenar vigilância desses números e autorizar a utilização desses dados pelas autoridades helvéticas.

Em 13/11/2020, o Ministério Público Federal requereu a realização de várias diligências (busca e registro de informações sobre os dados relativos às linhas telefônicas, interceptação telefônica e etc), bem como a expedição de mandado de busca e apreensão no local onde se localiza Fernando Mestriner Zedu atualmente (ID. 256866909), o que foi deferido pelo Juízo a quo (ID. 256866921).

Com o andamento das investigações, o Ministério Público Federal requereu a renovação de período de interceptação telefônica dos terminais de número (16) 99991-1791, e (43) 99624-5725; estendendo-se a autorização para acesso ao  sistema Vigia,  consulta de bases cadastrais no Infoguard (TIM S/A), consulta de bases cadastrais no Portajud (Vivo S/A), bem como o afastamento do sigilo dos novos dados que advierem da renovação de interceptação telefônica, para que a perícia técnica, pudesse ter acesso aos dados telemáticos e ao conteúdo de eventuais mensagens eletrônicas, dentre outros  (ID. 256867207), o que foi deferido pelo Juízo de origem (ID. 256867210).

Além do reconhecimento do recorrente pela vítima em juízo, obteve-se, a partir do acesso aos dados do aparelho celular, interceptações telefônicas e telemáticas nas linhas utilizadas por Fernando Mestriner Zedu, ambas judicialmente autorizadas, elementos comprobatórios do vínculo do recorrente com o crime de extorsão.

Deveras, após o pedido de cooperação das Autoridades Suíças, o Ministério Público Federal requereu pelo afastamento do sigilo telefônico, através de interceptação telefônica e telemática, bem como acesso a dados cadastrais e a dados do celular apreendido em poder de Fernando Mestriner Zedu, além proceder à ação controlada para viabilizar a identificação dos outros indivíduos que praticaram a ação criminosa em exame.

Deferidos judicialmente os pedidos, os dados extraídos do aparelho celular de Fernando Mestriner Zedu possibilitaram concluir pelo envolvimento do réu e dois comparsas nos fatos destes autos.

Do Relatório Parcial nº 1491928/2020 que examinou tais dados, destaco os seguintes conteúdos (ID. 256867198):

(...)

Assim, a partir do afastamento do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas, apresenta-se a Vossa Senhoria o presente AUTO CIRCUNSTANCIADO afeto aos trabalhos de interceptação das comunicações telefônicas realizados por esta UNIDADE DE INTELIGÊNCIA POLICIAL - UIP/PF/RPO/SP, no período compreendido entre 16 a 30 de novembro de 2020, juntamente com o resultado de análises de informações encaminhadas pelas operadoras, em sua íntegra.

(...)

5. DIÁLOGOS DE INTERESSE:

5.1- Em ligação recebida por Fernando Zedu em 18/11/2020 originada por Samuel, eles conversam sobre a forma e prazos para efetuar o pagamento. Samuel explica que precisa de mais prazo e Zedu fala que vai passar duas contas para Samuel, sendo que 50 mil euros devem ser para ele o os outros 20 mil euros para os cobradores que estão na Suíça. Ora esses valores são em euros, ora em francos suíços.

Desde o início das investigações já havia forte suspeita que tais ameaças tinham como origem dívida oriunda do tráfico de entorpecentes. Em certo momento da conversa isso fica explícito, na ocasião em que Zedu fala: “Agora você quer fazer joguinho? VOCÊ TRAFICOU COCAÍNA RAPAZ! .

Em outro ponto Zedu continua: “ Lá atrás, só lá atrás era 250 mil euros. Entre pneu e o trem lá que era meu. O TRÁFICO DE COCAÍNA LÁ QUE VOCÊ FEZ. Pra mim pode gravar o que for, eu acabo com a minha vida e acabo com a sua! Tendeu? Porque, pra mim, dinheiro é merda!”

(...)

Data: 18/11/2020 13:02:03 Duração: 00:06:16

Degravação:

Zedu: Fala Samuel!

Samuel: Fala, bom Zedu?

Zedu: E aí?

Samuel: Bom, ô Zedu ... o negócio é o seguinte: eu consegui hoje no banco, ah... eu fui e eles podem me liberar 50 mil francos e eu posso confirmar amanhã.

Zedu: Tá e a diferença?

Samuel: A diferença eu tô a espera dum amigo meu que vai poder confirmar pra segunda-feira 20 mil francos

Zedu: Ahan. Tá... e aí?

Samuel: Tá e aí cara, eu não tenho mais da onde tirar dinheiro cara

Zedu: Ah Samuel

Samuel: Não tem como... Ah Zedu

Zedu: Você vê aí, você quer depois dá um tempo aí pra ver o que você vai fazer, entendeu?

Samuel: Ô Zedu, Zedu...

Zedu: Oi?

Samuel: Deixa eu ... eu pedindo empréstimo ao banco, cara, eu não posso pedir de novo cara.

Zedu: Ô Samuel

Samuel: Cara... cara, eu tô me virando aqui... você pediu pra arrumar dinheiro cara. Eu tô fazendo de tudo pra poder arrumar dinheiro

Zedu: você vai mandar os 50 mil, eu vou te passar 02 contas amanhã ...

Samuel: Não, não, não. Eu não vou mandar dinheiro por banco Zedu. Eu já te falei, já te falei, eu quero a coisa mais... ninguém tá sabendo cara, eu quero transparência Zedu.

Zedu: Eu não tenho como ir ai pegar, e outra coisa, você tem que depositar pra mim!

Samuel: Ah Zedu... não, não. Zedu, você pediu dinheiro cara, eu tô, ó...

Zedu: Ô Samuel, eu não pedi nada, eu não pedi nada, eu tô te cobrando o que você me deve, tendeu?

Samuel: Cara...

Zedu: Eu tô te cobrando o que você me deve.

Samuel: Cara... Eu tô querendo, assim ó...

Zedu: Acabar com 70 mil euros, já vou te falar, não acaba não

Samuel: Ah Zedu

Zedu: Já tô te falando

Samuel: Eu não tenho nem onde tirar dinheiro

Zedu: Isso não é problema meu! Já te falei 20 vez. Tendeu? Eu tô falando pra você depositar os 50 e eu vou segurar os 20 aí pros menino e eles vão pegar... Eu vou te dar um tempinho aí pra você pensar onde você vai pegar o resto. Porque... Então se for assim, deixa o pau no cu porque pra mim que se foda. Hoje, graças a Deus tô andando já, não tô mais dependendo dessa merda. Tô falando pra segurar (ininteligível). Nossa eu fico até gago, cara. Você faz o seguinte: você vai depositar em 02 contas.

Samuel: Cara, Zedu...

Zedu: Isso não é problema meu. Você me roubou, entendeu?

Samuel: Ah Zedu!

Zedu: Ah Zedu é o caralho!

Samuel: Eu tô recolhendo esse dinheiro pra satisfazer teus pedidos de ameaça, cara.

Zedu: Pra satisfazer meus pedido? De ameaça?

Samuel: É uai

Zedu: Você tá de brincadeira rapaz, você me roubou! Que satisfazer meus pedido... Você devia pensar nisso aí, lá atrás. Tendeu? Ninguém tá ameaçando ninguém não!

Samuel: Ah Zedu!

Zedu: Ninguém tá ameaçando ninguém, nós tamo aqui...

Samuel: Você posta vídeo pra minhas filha e pra mim e não é ameaça? Com revólver, cara?

Zedu: Eu tô te cobrando...

Samuel: Ah Zedu!

Zedu: Eu tô te cobrando o que você me roubou... tá? Aqui não tem nada de ameaça não.

Samuel: Ah que roubou Zedu? Eu não te devo nada Zedu!

Zedu: Então você vai tomar no meio do seu cu, vai tomar no meio do seu cu! Tá? Não é ameaça não. Você me roubou vagabundo! Vou te dar um conselho, você deposita os 50, eu vou segurar os 20 pros moleque e você vê. Agora você quer fazer joguinho? VOCÊ TRAFICOU COCAÍNA RAPAZ!

(Silêncio)

Samuel: (ininteligível)

Zedu: Ou é mentira ou tô roubando ou eu tô mentindo?

(Silêncio)

Samuel: Ah Zedu...

Zedu: Eu tô mentindo? Você tá querendo me ajudar? Eu não quero debater com você, eu já te

falei! Eu não vou debater com você. Você perdeu sua zona de conforto rapaz! Você não tá entendendo.

Samuel: Zedu

Zedu: Você não tá me satisfazendo em nada! Você não tá me satisfazendo em nada! (Ininteligível) não se faz de vítima não. Você perdeu sua zona de conforto agora você quer se fazer de vítima? Ninguém tá me ajudando aqui não! Quando eu pedi pra você me ajudar você falou pra eu ficar na merda. Que eu tava na merda, que era problema meu. Ó Samuel vou te falar uma coisa: eu não tô ameaçando não, eu estou te alertando. Se eu desligar esse telefone, eu já vou chamar os meninos, não vai ter mais conversa. Você perdeu sua zona de conforto.

Samuel: Ah Zedu

Zedu: Lá atrás, só lá atrás era 250 mil euros. Entre pneu e o trem lá que era meu. O TRÁFICO DE COCAÍNA LÁ QUE VOCÊ FEZ. Pra mim pode gravar o que for, eu acabo com a minha vida e acabo  com a sua! Tendeu? Porque, pra mim, dinheiro é merda!

Samuel: Cara, minha família, minhas filhas...

Zedu: Sua família é o caralho, você não pensou na minha mãe rapaz!

Samuel: Cara, a gente ta morrendo de medo com essas pessoas que você ta mandando aqui, cara.

Zedu: Que que é?

Samuel: Esses caras que tão aqui, a gente tá morrendo de medo. Minhas filhas tão morrendo de medo.

Zedu: Tá morrendo de medo porque você criou isso, você plantou isso. Você tá com medo o caralho! Ô Samuel, vou te dar um conselho, vou te dar um conselho

Samuel: Cara

Zedu: Eu vou te dar um conselho, eu vou te ajudar! Você deposita os 50 que eu vou passar duas... uma minha conta e da onde eu vou te mandar. E eu vou falar que eu vou segurar os meninos, eles vão aí buscar, eles vão pegar aí com você, direto com você os 20 mil francos ...

Samuel: Não Zedu... Ou Zedu, você acha que eu vou querer encontrar esses caras, cara

Zedu: É, mas eles tão loucos pra te encontrar, cara. Eles tão louco pra te encontrar!

Samuel: Pra acabar com a minha família e comigo também né?!

Zedu: Você acabou com a minha, rapaz! Você ta achando o quê? Você tá achando o quê? Ó

(...)

5.2 - A ligação do item anterior caiu, então Samuel liga novamente para Zedu. O teor da conversa segue o mesmo. Zedu deixa claro que essa é uma dívida que Samuel fez há quinze anos e que chegou a hora de pagar e não quer receber em francos mas em euro. Zedu confirma que mandou “irmãos” dele até a Suíça para cobrar o que Samuel lhe deve. Zedu frisa novamente que inicialmente Samuel tem que lhe pagar 50 mil euros e 20 mil para os cobradores na Suíça, mas que isso é só o começo, uma vez que somente para os aludidos cobradores, Samuel terá que desembolsar 100 mil euros.

(...)

Data: 18/11/2020 13:12:17 Duração: 00:05:42

Zedu: Fala Samuel

Samuel: Caiu

Zedu: Ah, agora você está me ligando direto, não sei o que você quer conversar comigo, fala

Samuel: Uai Zedu, caiu a ligação

Zedu: O filho, vou falar pra você, ou você acerta o que nós combinamos aí eu vou pensar em te ajudar, outra coisa, vou deixar bem claro, aqui ninguém tá ameaçando ninguém aqui não. Eu tô atrás do que você me roubou há 15 anos, tendeu? Você não é bobo não, porque qualquer um que chegasse e falasse família alguma coisa vinha pra cima se tivesse na razão, você sabe o que você fez. Vem dá de coitado não véio. Aqui não.

Samuel: Ah Zedu.

Zedu: Ó Samuel, eu não vou debater, tô te ajudando. Deixa eu te falar, eu to te ajudando. 50 em 50. Eu já tinha acabado de passar recado pro rapaz lá.

Samuel: Zedu eu te falei que o banco me prometeu 50 (mil) francos e segunda-feira meu colega meu amigo vai me dar até 20 mil francos, isso daria 70 mil francos, cara.

Zedu: Tá e que que é aí? Meu filho, eu espero 15 anos, e outra, eu contratei sim, os caras são meus irmão rapaz! Porque eles não gostam de malandro e vagabundo igual você. O Samuel eu não vou brincar, eu não tô brincando, pra mim esse negócio entre a gente acabou, eu tô pronto pra tudo velho, os caras aí tão aí de olho em você, você sabe que eles tão em cima, você quis saber daonde eles são? Você viu daonde que é o chip deles, tendeu? Se você fez a cagada, o transtorno que você me causou... Tudo isso aí eu falei pra você lá atrás, isso aí quem plantou foi você não foi eu. Esse telefone meu que você tá conversando faz 26 anos que está no meu nome eu tô no Facebook eu não corri não eu não fugi não fui homem a distância, aqui é homem rapaz, tendeu.

Samuel: Ah Zedu, não é ...

Zedu: Ah Zedu é o caralho, ó eu não vou debater com você, cara. Não vou debater. Você não ta mais em condição de debater, eu já falei isso pra você, entendeu? Você me roubou, você me roubou entendeu?

Samuel: Ô Zedu, o que que eu faço com o banco amanhã? Eu assino ou não assino?

Zedu: Pra mim você que sabe, você quer depositar os 50 (mil) pra mim e depois os rapaz vai ai buscar os 50(mil)? Você que sabe. Aí eu vou te ajudar, fazer uma parcela. E outra, não é nem 50 mil francos é 50 mil euros, tá!?

Samuel: Zedu eu fui em dois bancos, um banco

Zedu: Isso não é problema meu...

Samuel: Um banco falou que eu posso chegar...

Zedu: isso não é problema meu!

Samuel: Ô Zedu, eu quero saber, eu quero saber se: eu tenho que assinar o banco amanhã ou não? Esse valor vai dar...

Zedu: Se for esse valor pra quitar, não! Você não assina não! Vamos pra briga. Quem puder mais chora menos. Ai a gente vai para briga. A gente vai para a briga.

Samuel: Aí você vai colocar os caras atrás de mim?

Zedu: Atrás não, eles tão aí, eles já tão do seu lado. Ninguém tá atrás de ninguém não, ninguém ta atrás de ninguém, ninguém ta extorquindo ninguém, ninguém ta cobrando ninguém, ninguém ta ameaçando ninguém não. Ta querendo só o que você fez 15 anos atrás e ficou devendo. Tendeu?

Samuel: Não

Zedu: Se alguém deve aqui sair perdendo com tudo, além de emprego, casamento, família, tudo é você. Eu não. Eu já to me virando sozinho faz tempo, graças a Deus! Tendeu? Quem vai perder um puta emprego vai ser você! Tendeu? Porque aí não tem mais volta, tendeu? Os caras já me ligaram hoje três vezes, e aí, e aí? Eu falei, calma, vamos esperar dentro do horário que é uma hora da tarde dentro do Brasil. Tendeu? Falei, calma! Você não me adicionou no Whatsapp.

Samuel: Eu te falei, eu te falei, que o cara que ia me trazer a porcaria do telefone, ele nem deu as caras, cara.

Zedu: Já te falei pra você me dar os 50, os 20 pros cara, aí você vai ver como é que você vai dar os 30, aí nós vamos ver quanto é que vai ficar faltando, se você sabe quanto vai ficar faltando, vou dar uma chance, uma respiração pra você. Vou te dar uma respiração pra você, tendeu? Vou te dar uma respiração, entendeu?

Samuel: Eu não tenho condição de ficar pedindo, Zedu! Ô... eu não tenho como.

Zedu: Não é ficar pedindo. O que você fez com o dinheiro? Se você enfiou no cu o dinheiro do pó, isso não é culpa minha. Tendeu? O que você fez ou não. Você assumiu um compromisso. Do dinheiro que eu te mandei do pneu, falou que foi apreendido. Apreendido o caralho! Você nem comprou o pneu, deve ter pego pra você! Agora você vem aí igual o Ronaldo. O Ronaldo (inteligível) com pau no cu e fica aí se fazendo de vítima também. O Samuel, você que sabe, você quer que eu passe a conta, você me manda os 50 mil e aí pros meninos, você que vê. Aí você vê como vai pagar a diferença, porque só pros cara aí é 100 (mil), euro.

Samuel: Ah Zedu, eu não tenho nem como, filho. Eu não tenho como ter essa grana.

Zedu: Samuel, um abraço, passar bem, tchau!

5.3 – Ainda em 18/11/2020, Zedu liga de volta para Samuel e conta que conversou via WhatsApp com o contato dele e que eles iriam segurar o prazo do pagamento até quarta feira. Novamente Zedu cita o tráfico de cocaína logo no início do diálogo e em demais trechos. Zedu insiste no pagamento de 50 mil euros para si e 20 mil para os cobradores.

Samuel explica que não tem como ele fazer transferência bancária nesses valores. Inicialmente Zedu não quer que sua parcela se misture com a dos cobradores, mas após Samuel fazer diversos questionamentos, Zedu aceita que Samuel entregue os 70 mil euros para os cobradores até quarta feira da semana posterior e depois arrume os outros 30 mil euros restantes. Zedu encerra o diálogo mandando Samuel ligar de volta para ele em 20 minutos.

Data: 18/11/2020 13:47:56 Duração: 00:16:01

Zedu: Fala Samuel

Samuel: Ow Zedu (ininteligível) . Ow Zedu, olha, eu quero falar uma coisa cara, na quarta-feira eu vou estar com os 70 mil na mão Zedu.

Zedu: Eu já falei com eles, não tem acordo, o rapaz...se você me passasse o seu WhatsApp eu te mostrar o que ele mandou para mim. Você já conhece a voz do negão, entendeu? Ele já mandou o WhatsApp pra mim, ele falou “eu fui homem”, vou até falar o que ele falou, que aqui não é igual a você, tá? Ele falou o seguinte: eu tenho minha palavra para ele segurava até quarta-feira, então ele tem que cumprir a palavra! Não é 70 nem 50 nem 110, é 100 e depois nós vamos dar um tempinho para ele. Entendeu? Você não sabe como é que tá o...eu não tô, ow eu queria cara, eu falo isso eu vou falar uma vez só para te ajuda, eu falo isso eu quero ver minha mãe morta amanhã agora do meu lado com câncer se eu tiver mentindo, se você... eu já me adiciona no WhatsApp com sua foto, eu já te falei ta? Eu vou te mandar o áudio que ele mandou, ele já te avisou agora, ele não tá pensando nem amanhã, entendeu? Eu tô falando te falando, quem tá segurando ali o outro e outra, eles não tão sozinhos, tá? Tem mais gente ai! Se você achar que eu tô blefando também, que se foda! Eu tô falando o que você plantou! No tráfico de cocaína, você devia notebook, entendeu? Então tô pagando o que você plantou! Porque na época... e aí eu dormi três noites aí no chão, pau no cú do Zedu, então eu vou te falar. Deposita os 50 pra mim, dá os 50 pros menino, eu vou ajudar, entendeu? Eu vou te ajudar,

Samuel: Zedu?

Zedu: Fala Samuel

Samuel: Espera, espera um pouquinho, deixa eu falar.

Zedu: Fala

Samuel: Ow, eu não posso, em hipótese alguma, transferir esse valor pro banco, Zedu, eu não posso!

Zedu: eu tenho uma pessoa lá no Reino Unido ...eu tenho uma pessoa no Reino Unido que você vai fazer lá a transação para mim e se tiver algum custo...eu te passo o contato pra fazer isso, eu tenho contato viu, se você não tem. Ow Samuel, uma coisa que você não é meu irmão é bobo, entendeu? Você não é bobo. Você é mais ligeiro do que todo mundo aqui, então eu vou, eu vou caindo na sua conversinha, então você não tem como mandar eu tenho uma pessoa que faz isso, só que o custo dessa operação quem paga é você, entendeu? Eu vou mandar ela entrar em contato com você, ela tem dois lugares aí tá? No Reino Unido ela tem, tem na Suíça, tem na França e tudo quanto é lugar, tá? É o pessoal lá do Reino Unido que eu estive lá, é o pessoal que eu tenho alguns amigos lá, os irmãos tá? Tem como mandar esse dinheiro para mim sem problema nenhum, entendeu?

Samuel: Então eu posso ...agora eu tô vendo o seguinte, os 70 mil na quarta-feira dia 25, eu vou ter que ir na mão cara, o que que eu faço?

Zedu: E os outros 30, e os outros 30, e os outros 30 tá, aí nós vamos tá, nós vamos eu, eu, eu que mando nisso aqui, aí nós vamos dar um refresco procê por um tempo. Faz isso, me escuta tá? Manda, é 50 ai tá? Os cara vão pegar com você aí, ninguém vai te fazer nada porque quando eu falo eu sou um homem ninguém vai encostar a mão em ninguém. 50 em dinheiro aí 50 aqui eu vou te passar esse contato, passar esse...

(...)

Zedu: Você é bobão né cara. Eu queria mesmo que você tivesse colocado na Interpol que eu botava você na cadeia, véio. Sabe na boa, na boa mesmo! Queria que você chamasse até a Polícia pra você ir pra cadeia, cara, entendeu? Esse é meu sonho. Você não tem, você não consegue mentir mais que uma hora, você sabe o que você já fez de errado, então eu vou te falar. Você vai dar 100 mil euros, 50 pra eles...

Samuel: Como eu vou dar? Eu só tenho 70.

Zedu: Tá, depois você vai dar o resto, entendeu? Vai dar o resto. Ow Samuel, e eu também não sei se eles vão segurar mais uma semana. Não era amanhã que você ia assinar? Não era amanhã?

Samuel: É mas o dinheiro é liberado, o dinheiro é só liberado uma semana depois né Zedu.

Zedu: Eu vou falar pra eles ligarem pra você porque eu não vou ficar debatendo com você não. De coração, enfim, vou dar carta branca, o que eles quiser fazer, vão fazer entendeu? Não vou ficar debatendo não, entendeu?

Samuel: Ah Zedu. Eu me virei aqui pra... eu tô me virando aqui cara.

Zedu: Isso é problema seu, não meu. Isso não é meu Samuel.

Samuel: Sabe?

Zedu: Isso não é problema meu, entendeu. Eu vou ver, eu vou falar com um deles agora, você me liga daqui 15 minutos. Se pode, se eles aceitam pegar 20 agora e você me passa esses 50.

Samuel: Ow Zedu.

Zedu: Eu quero um contato seu pra pessoa entrar em contato. Eu vou te falar mais uma vez, eu vou te falar mais uma vez. Você vai depositar os 50...você quer passar pra eles você passa, faz o que quiser. Se continuar me devendo, se continuar me devendo, você vai ter uma visita muito grande na sua casa. Você pode passar pra quem você quiser, entendeu, você passa pra quem você quiser, entendeu, passa pra quem você quiser.

Samuel: Cara, eu quero tranquilidade, eu quero pagar esses cara o mais rápido pra acabar.

Zedu: É pagar, é pagar o que você deve, o que você me roubou! Entendeu?

(...)

5.4 - Conforme orientado por Zedu, Samuel retorna a ligação. Há intensa discussão sobre a forma de pagamento dos 70 mil euros (ou francos). Zedu insiste em enviar duas contas para Samuel, que por sua vez se recusa a fazer transação via bancária. Samuel também não quer entregar em mãos para os comparsas de Zedu. No final, Zedu perde a paciência e ressalta que o prazo de Samuel acabou.

Data: 18/11/2020 14:31:02 Duração: 00:05:09

Zedu: Alô

Samuel Ei, oi

Zedu: Mano é o seguinte, eu vou te falar. É...seu tempo acabou mesmo hoje tá? Tem conversa não. Ninguém vai também, vou te falar já, ninguém vai pegar papel, é, dinheiro em lugar que mandar deixar, que ninguém tá roubando ninguém, ninguém tá sequestrando ninguém, ninguém tá extorquindo ninguém, tá todo mundo querendo o que você roubou entendeu? E outra, se você quiser depositar você deposita, se você quiser, entendeu: Os cara foram homem, se quiser amanhã depositar numa conta que eu mando 50 e 50 pra eles que foi combinado, você vê ai.

Samuel: Não, no banco Zedu, eu não...

Zedu: Não tudo bem, já falou, eu não tô preocupado se você vai por no banco ou não vai, ou pegar um doleiro e passar, entendeu: E outra, esse negócio de demorar uma semana pra liberar é mentira, entendeu Samuel?

Samuel: Que mentira, Zedu.

Zedu: Samuel, na boa, véio, eu não vou debater, seu tempo acabou hoje, entendeu? Você pediu uma semana, já demos uma semana, eu te 11, 15 anos, você fugiu, entendeu? Então é isso ai Samuel.

(...)

Zedu: Ah, Samuel, um abraço! Eu não vou ficar perdendo tempo com você véi, você tá achando que eu sou débil mental véio, você tá achando o que meu?

Samuel: Eu tô te falando que na quarta-feira eu vou ter o dinheiro cara.

Zedu: Já falou! Você tá querendo...fica repetindo, entendeu? Você tá repetindo! Você vai e

deposita na minha conta, cara! Na conta que eu vou te passar, entendeu? E outra...

Samuel: Eu não vou depositar, eu não vou pôr em banco, eu já te falei.

Zedu: Um abraço Samuel, fazer o seguinte, um abraço, um abraço! E outra, você não me deve só 70 mil, mais uma vez eu tô te falando, pra você falar que eu não te falei, porque se tem vagabundo aqui não sou eu! Você não me deve só 70.

Samuel: Zedu, eu te falei. O que eu peguei agora foi isso.

Zedu: Ta bom, o que você pegar agora, tudo bem, vamo pega, já falei, entendeu?

Samuel: Os cara vão entrar em contato comigo ou não?

Zedu: Não vai entrar em contato, eu não quero, não tem...não tem conversa, seu prazo é hoje, você não tá entendendo, você não tá entendendo, entendeu? Seu prazo já acabou, entendeu? Seu prazo é hoje. Você não me pediu uma semana? Uma semana. Não precisa pagar eles não, entendeu? Não depende disso...

(...)

5.5 – Em 20/11/2020, Zedu liga para Samuel. Novamente Zedu deixa claro da relação da atual cobrança com o tráfico de drogas, indagando Samuel em determinado trecho: “ É invenção minha, QUE VOCÊ LEVOU COCAÍNA PRAÍ? Internacional? É invenção minha, que eu paguei. É tudo invenção minha, que eu dei dinheiro do pneu? Você sumiu com o dinheiro. É tudo invenção minha?”

Zedu então explica que um contato de confiança no Reino Unido que conhece uma doleira na Suíça e que Samuel deve entregar o dinheiro para ela em Genebra. Zedu insiste para Samuel dar seu contato via WhatsApp para que ele possa enviar o endereço da doleira supracitada na quarta feira (25/11/2020). Fica então marcado que quarta-feira Samuel irá ligar para Zedu no intuito de ser informado sobre o endereço, ficando estabelecido que deverá deixar a integralidade da quantia monetária à doleira em questão.(50 mil euros de Zedu e 20 mil euros dos cobradores).

Em determinando ponto da conversa, Zedu deixa claro que se acontecer alguma coisa com ele, toda a família de Samuel vai morrer.

Data: 20/11/2020 13:11:54 Duração: 00:12:40

(...)

Zedu: Pode falar.

Samuel: Dos vídeos que eu recebi, dos vídeos que eu recebi. Minhas filhas receberam.

Zedu: Você que plantou tudo isso. Você que plantou isso, o Samuel. Não foi eu. Quem plantou tudo isso foi você. Se você tivesse ido lá atrás ou me... na hora que eu fui aí pra você me dar 50 mil, cara. Tendeu? O que eu passei aí, tive que ir pra Inglaterra, gasto. E agora, cara, han, tem gente junto, eu não tô mais sozinho.

Samuel: Deixa eu continuar a falar.

Zedu: Pode falar

Samuel: Deixa eu continuar a falar. Por favor! Ó tudo o que tem acontecido, todos esses eventos que tem acontecido cara. A bomba na casa do Ronaldo.

Zedu: Hum.

Samuel: Ou esses caras que estão aqui me cobrando.

Zedu: Peraí, aquela bomba no Ronaldo, vamos abrir um parênteses. Aquela bomba no Ronaldo, você me escutando eu falei: o Samuel, vamos acertar, você escutou, escutou. Lembra que nós trouxemos. Não, eu nunca tive nada com você. Eu nunca tive não sei o quê. Tudo bem Samuel vamos falar diferente: você não quer pensar? Eu te dou uma semana, 10 dias, 15 dias? Quando você ligou. Vamos acertar isso aí. Aí eu mandei através do Ricardo, mandei pra seus filhos, naquela época 02 anos atrás. Ó me dá 50 mil, tá certo. Hoje Samuel, você não entendeu, eu quero com juros e correção monetária! (Ininteligível) quem tá pagando sou eu, se for colocar no papel. Quem ta pagando sou eu. Eu tô tirando o que eu teria direito.

Samuel: Hum... deixa eu continuar.

Zedu: Pode continuar.

Samuel: Tá, cara, sério mesmo, se eu não tivesse família no Brasil, se eu não tivesse casado, cara.

Zedu: Hum

Samuel: Eu nunca ia te pagar cara! Nada, nada, nada.

(...)

Zedu: E eu já te falei então, que você então enfia o dinheiro no meio do seu cu então! Pronto. Você acha que eu tô blefando? Você não quer depositar porquê? E já falei com os meninos... Eles não quer pegar a minha parte. Eles já falaram “irmão eu não quero pegar dinheiro de ninguém, eu quero o que nós combinamos. Que é nosso. “

Samuel: Ah Zedu, eu não vou ficar andando com dinheiro, e eu não vou fazer transferência bancária, cara. Não vou!

Zedu: Tá bom!

Samuel: Eu não posso.

Zedu: Então tá bom. Então não paga, eu já falei pra você. Quando eu precisava você não me deu. Tendeu? Você quer fazer transferência bancária você faz, você não quer você não faz Samuel. Porra, quem sou eu pra mandar em você! Você não me adicionou também no WhatsApp, tendeu? Tudo isso aí, quem plantou foi você meu irmão! Tá? Eu avisei e você sabe disso. Tendeu? E se eu fosse sozinho também, eu já tinha pego você ,han, faz tempo! Você é sozinho não me pagava, agora imagina se eu fosse sozinho! Você tem sorte que minha mãe me segurou. E também não subestimo você não viu? Já avisei os cara, se acontecer alguma coisa comigo morre todos os Funck-Thomaz! Aí não tem mais coisa. Tendeu? Tô te falando já! Já tô te alertando. Já tô te alertando mais uma vez, tendeu?

(...)

5.6 Em 20/11/2020, Marcelo Mestriner Zedu 3, irmão de Fernando Zedu, vai até o apartamento que Fernando reside com sua mãe em Londrina e há uma discussão entre Fernando e Marcelo. Após Marcelo ir embora, Fernando Zedu, utilizando o celular de sua mãe, liga para sua irmã Paula e a conversa se estende por quase 25 minutos.

A maior parte da conversa em questão relaciona-se a narrativas sobre desentendimentos antigos entre Fernando e Marcelo, contudo, três trechos revelaram-se de interesse da investigação.

Logo no início da ligação até o 01min 57seg, Zedu fala para Paula que vai devolver o dinheiro que havia pego emprestado dela (que envolve até bitcoins). Ele chega a citar o nome de Samuel e diz a ela que na próxima semana irá receber 35 mil francos suíços e com isso, irá entregar R$ 4.000,00 à Paula e R$ 4.000,00 a Luis Fernando (marido de Paula). Zedu também fala que já conversou com isso Luis Fernando e que vai pegar sua arma de volta.

(...)

Após 17min 03seg retorna trecho de interesse até 18min 03 seg, Zedu fala para Paula que vai receber o dinheiro (de Samuel), senão a “coisa vai pegar pro lado dele” e conversa novamente sobre sua arma de fogo que está em posse de Luiz Fernando.

No último trecho de interesse (22 min 53 seg até 23min 33 seg) Zedu fala para Paula que ele quer o dinheiro dele porque é seu por direito, independentemente se ele fez algo de errado no passado ou não, ele quer “o dinheiro dos pneu” e que o dinheiro “das coisas errada...vai ficar com os menino”, clara alusão aos cobradores que estão na Suíça próximos à Samuel.

Data: 20/11/2020 14:26:58 Duração: 00:24:54

(...)

5.7 – Em 23/11/2020, Ricardo Funck, irmão de Samuel, recebe uma mensagem de Zedu, pedindo para ele avisar Samuel, que ele entre em contato com uma pessoa chamada Liege, nº 447426775107 e que ela está em Zurique, conforme imagem a seguir:

(...)

No dia seguinte, em 24/11/2020 Samuel está irritado com Zedu por ter envolvido seu irmão Ricardo nessa situação. A conversa se desenrola com Samuel pedindo mais prazo, citando que está com suspeita de Covid e recebendo detalhes de como e quando terá que encontrar Liege e que seu prazo acabou. Também há demais orientações sobre pagamentos que Samuel deve fazer. A conversa cessa para que Zedu pegue o número de seus comparsas e retorne a ligação em seguida para informar a Samuel. Segue íntegra da conversa:

Data: 24/11/2020 13:10:04 Duração: 00:14:09

Degravação:

Zedu: Oi Samuel!

Samuel: Oi Zedu!

Zedu: Oi

Samuel: O Zedu

Zedu: Oi

Samuel: Cara que porra é essa? Da mensagem que o Ricardo me enviou, cara?

Zedu: Essa porra dessa mensagem, é pra você entrar em contato com essa mulher que ela vai mandar dinheiro pra mim.

Samuel: Ô Zedu, cara, a gente tinha falado que não ia colocar o Ricardo, minha família mais em contato, cara! Eu tinha falado que ia ligar hoje!

Zedu: Não, você não falou nada! Você não me adicionou no seu WhatsApp, tá? E eu não tô colocando o Ricardo, não é você que tem que falar. O Ricardo é o único amigo meu, tá? E não vou entrar em detalhe, tá bom?

Samuel: Ai

Zedu: Ó, é... eu já passei o contato que eu falei que é negócio com acerto aí de pneu.

Samuel: Ô Zedu, Zedu, Zedu, a gente tinha combinado, a gente tinha combinado que você não ia mais ligar pra minha família, cara. Que não ia ter mais ninguém, cara não entendi a mensagem, sério mesmo. O Ricardo pôs urgente, eu tinha falado pra você que o dinheiro ia chegar na quarta-feira, dia 11, cara.

(...)

5.8 - Conforme combinado, cerca de 25 minutos eles se falam novamente e Zedu informa o número que Samuel deve ligar para conversar com os comparsas de Zedu, qual seja 015145738933. Zedu informa que esse número é da Alemanha (não fora localizado perfil de WhatsApp para tal número). Fica também combinado que Samuel vai ligar para Liege e quinta feira (26/11/2020) vai retornar a ligação para informar Zedu se deu tudo certo ou não.

Data: 24/11/2020 13:34:40 Duração: 00:02:36

(...)

6. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Das ligações degravadas e constantes no presente relatório até o momento, é possível confirmar que diversas ameaças estão sendo feitas por Fernando Zedu dirigidas a Samuel Funck e seus familiares. Também confirmou-se pelo teor das conversas que trata- se de dívidas envolvendo tráfico de cocaína e que teve seu início há 15 anos, todavia, Samuel nunca pagou.

As conversas estão ficando cada vez mais agressivas, tendo em vista que Samuel está postergando cada vez o suposto pagamento que deve fazer e Zedu e seus comparsas estão o pressionando cada vez.

Do Relatório Final nº 1491928/2020, destaco os seguintes conteúdos (ID. 256867402 - fls. 53/86):

(..)

Assim, a partir do afastamento do sigilo das comunicações telefônicas inicialmente fora gerado o RELATÓRIO PARCIAL Nº 1491928/2020 de 26 de novembro de 2020, referente aos trabalhos de interceptação das comunicações telefônicas realizados por esta UNIDADE DE INTELIGÊNCIA POLICIAL - UIP/PF/RPO/SP, no período compreendido entre 16 a 30 de novembro de 2020, juntamente com o resultado de análises de informações encaminhadas pelas operadoras, em sua íntegra.

Ocorre que com a previsão da deflagração da operação policial agendada para 02/12/2020 visando dar cumprimento ao mandado de prisão temporária em desfavor de Fernando Zedu em Londrina/PR e seus dois comparsas na Suíça, fora feita solicitação ao juízo para prorrogação do prazo de interceptação das comunicações telefônicas, tendo em vista a necessidade de acompanhamento do alvo, em destaque nos dias que antecederam o aludido cumprimento das prisões dos elementos supracitados, sendo que o período abarcado na nova decisão compreendeu entre 01 a 16 de dezembro de 2020.

Resta salientar que os outros dois indivíduos que agiram em conluio com Fernando Zedu com o objetivo de obter pagamento de grande quantidade em dinheiro, fazendo ameaças de morte ou de causar ferimentos graves ao também nacional SAMUEL FUNCK THOMAZ, funcionário da ONU, e sua família, residentes em Genebra, na Suíça foram presos pela Polícia Suíça e identificados como Leonardo Caetano dos Santos e de Luiz Felipe Eidam.

(...)

3.2 – Pouco tempo depois de falar com Octacílio, Zedu liga para o terminal (16)99722-7526, cadastrado em nome de LUIS EDUARDO DE PAULA E SILVA 5. A conversa segue na mesma linha da que foi com Octacílio. São pessoas que Zedu possui alguma dívida e, se antecipando ao suposto recebimento monetário oriundo de Samuel, Zedu deliberadamente segue ligando para terceiros e afirmando que irá pagá-los. Na conversa, Zedu chama o interlocutor apenas de “capim”. Quando Zedu começa a explicar que está atrás de Samuel novamente para receber o dinheiro, logo de início capim fala “ de novo isso, cara”. Aparentemente “capim” não faz nem questão de receber a dívida que Zedu tem com ele (que é de R$ 3.200,00).

(...)

Data: 25/11/2020 13:27:20 Duração: 00:02:32.

Capim: E aí que desespero foi esse, "fi"?

Zedu: Não! Eu deixa eu falar pra você, eu tô até esperando o (ininteligível), eu botei uns caras em cima dele, entendeu?

Capim: Ahn? De novo isso, cara?

Zedu: Ah eu não vou parar, (ininteligível) ele me roubou cara.

Capim: Ahn

Zedu: Capim, o que que eu tenho que acertar com você?

Capim: Não cara, não, não, não se preocupa com isso.

Zedu: Não, você é meu irmão! Se preocupo sim.

Capim: Eu já falei pra você o seguinte: você se restabelecer, ficar bem.

Zedu: Não, vai ser agora.

Capim: (Ininteligível)

Zedu: Tipo assim, um exemplo, um exemplo, uns “três pau e meio”, “quatro pau”? Tá bom?

Capim: Não, não, o que eu te emprestei foi 3 e 200 (três mil e duzentos reais), (inaudível),cara, não tem, não tem.

Zedu: Vou por 4 mil tá bom?

Capim: Não, é o que eu te emprestei “véio”, tá?

Zedu: 4 mil, tá bom?

Capim: Deixa eu ver uma coisa...

Zedu: Deixa eu ver com o Samuel, até ele tá pra me ligar (ininteligível) cara. É o horário que ele me liga. E ele vai ter que (ininteligível). Agora ele não tem pra onde correr mais, que eu botei nego lá em cima. Acabou a zona de conforto dele. Ele tá desesperado.

(...)

3.3 - Ainda no dia 25/11/2020, Zedu conversa com Samuel para, como de costume, fazer pressão para receber o dinheiro. Samuel tenta explicar que o prazo precisa ser dilatado tendo em vista que está com COVID. Zedu se irrita coma demora de Samuel, ofende ele com adjetivos como “canalha” e “mentiroso”, diz que depois de Samuel, vai atrás de Ronaldo (irmão de Samuel), já que este também deveria dinheiro a Zedu e deixa claro que mesmo se Samuel “se matar ou morrer, isso pra mim é irrelevante, eles vão pra cima dos filhos, eles vão receber.”

Data: 25/11/2020 13:59:51 Duração: 00:08:12

(...)

Samuel: cara, eu não vou conseguir Zedu, não tem como cara.

Zedu: não é problema meu, não é problema meu.

Samuel: Zedu, eu não tenho condição cara.

Zedu: não é pressão nada, isso não é problema meu. Outra coisa, já falei. Se você se matar ou morrer, isso pra mim é irrelevante, eles vão pra cima dos filhos, eles vão receber. Eu tô te falando, eu não tô brincando, eu não tô blefando. Você me subestimou, você me subestimou, você me subestimou entendeu? Agora não adianta pra ficar dormindo porque eu perdi o sono lá trás, eu perdi muito sono lá trás, hoje eu tô dormindo, já falei: Se você não quiser pagar também, já falei pra você, pra mim é merda! Só que não vai ficar de graça. Já te disse bem claro.

(...)

Samuel: por favor Zedu.

Zedu: ow Samuel, o que mais você precisa? Esquece! Que por favor, rapaz! Você até outro dia, outro dia você falava: “não converso com o tocante do Zedu, tocante Zedu, vai a merda, o Samuel queria me ver na sarjeta” Agora você vem pedir por favor?! 11...15 anos esperando! Ow Samuel, eu já te falei, você não é obrigado a pagar, só que você vai ver o que você fez de errado no passado, o que vai acontecer, você vai ver...você não viu nada.

Samuel: Cara, você vai querer minha morte cara...

Zedu: os seus filhos vão pagar, já vou te falar! Alguém vai pagar essa conta, alguém vai pagar essa conta, porque você não pensou na minha mãe, entendeu? Você não sabe o que aconteceu, entendeu? O que o Samu...o Ronaldo fez também, que eu dei um dinheiro pra ele depositar em juízo, também a hora certa eu vou, eu vou conversa com ele também viu...na hora certa...é minha mãe que me segura aqui tá! Na hora certa eu vou conversar, que ele sabe que ele me roubou também! Não é igual você, mas me roubou!

Samuel: por favor Zedu..

Zedu: Do que mais você precisa Samuel? O que mais você precisa? Não vou pedir, não vou pedir, você não tem crédito comigo, entendeu? Canalha não tem crédito comigo e eu não vou pedir porque você não merece, você me roubou! Amanhã vence seu prazo, você pode já ver a documentação, você pode ver a documentação, manda o dinheiro por um filho seu que entrega pra eles, para por um amigo seu, ow João que que você me emprestou né...segundo você diz também que eu não acredito.. “Os 25 mil franco ai...saca ai que eu vou te mandar o dinheiro, entrega pra pessoa que vai te ligar”, é tão fácil! Hoje o mundo é pequeno, entendeu? E a minha parte, manda a documentação sua aí, entendeu? Você não precisa mais esconder seu endereço, eu te falei, você não precisa, tá achando que eu tô blefando, você vai ver! Você manda pra Liege, na hora...

Samuel: Tô fazendo meus filho Zedu, cara...

3.4 - Poucos minutos após a ligação supracitada, Samuel retorna telefonema a Zedu e as ameaças continuam. Zedu ainda quer que Samuel escreva documento se comprometendo com pagamento e narrando demais situações, o que de pronto é negado por Samuel.

Data: 25/11/2020 14:08:45 Duração: 00:02:41

(...)

3.5 - Já no final da tarde do dia 25/011/2020, Zedu recebe ligação de Leandro Caetano dos Santos, vulgo “ baiano” ou “negão”, um dos alvos preso na operação em 02/12/2020. Eles acham que Samuel está mentindo a respeito da Covid e querendo enganá-los para ganhar mais tempo. Explicam um para o outro maneiras de pressionar Samuel cada vez mais assim como o que foi e deve ser dito nas conversas com Samuel e alinham medidas para continuar as ameaças contra o ele e sua família.

Data: 25/11/2020 16:30:53 Duração: 00:11:08

(...)

Baiano: Eu falei a ele. Eu falei: rapaz, se você não (inaudível) os caras vão cobrar de mim. Então é melhor você dançar, ou eu? Eu não vou dançar. É melhor você pagar a porra logo.

Zedu: Outra coisa. Outra coisa, é ... não dá muita conversa pra esse vagabundo, entendeu?

Baiano: Não. Não tem conversa não. Não tem conversa. Eu já falei (inaudível) ... falei pra ele, que se quiser a gente já inflama logo tudo, meu irmão ... dá um susto fodido logo nele, pra ele pagar ou então ele (inaudível) ... hoje.

Zedu: Deixa eu falar uma coisa ... é ... eu falei pra ele então passa por e-mail ... escreve, que você quer até o dia dois. Deixa escrito, registrado. “Ah! isso eu não faço”. Aí eu desliguei na cara dele.

Baiano: Manda ele se foder então, não pergunta o que ele quer não, ele tem que pagar.

(...)

Baiano: Isso aí é como eu te falei, é complicado isso aí Zedu. É muito complicado mesmo.

Zedu: Não mas problema dele. Isso não é problema meu. Ele tem holerite ...

Baiano: Ele se foda ... Eu falei a ele, ele vai pagar na mão. Ele vai se foder.

Zedu: Ó, ele tem holerite. Ele tem ... entendeu? Ele tem tudo. Ele tem residência fixa. Eu falei: você pode passar o documento da sua residência, Samuel. Você não tá mais em zona de conforto. Todo mundo sabe onde é que você mora já. Você tá achando o quê? Não paga amanhã cara, que você vai ver depois ... amanhã o seu prazo vence. Ele se faz muito de coitado, viu?

Baiano: É eu vi. Ele chora muito. Eu vi ele chorar no telefone e eu: “Meu irmão, não tem chororô não. Você tem que cumprir o que você deve. Eu falei a você que ninguém ia chegar na sua família, mas agora eu não posso segurar mais isso não. Se você não cumprir, você vai se foder, meu irmão.

Zedu: Ó e outra coisa, fala: “Você traficou ... fala assim pra ele, por telefone. Você é traficante. Você desvia notebook da ONU”. Sempre fala viu? Eu sempre falo isso pra ele quando ele liga pra mim. Entendeu? Você sabe que você é traficante de cocaína internacional. Você sabe que você não paga ninguém. Você é vagabundo. Pode falar. Entendeu?

Baiano: Ele vai, ele vai pagar o dinheiro cara ... amanhã ele vai ... eu vou ligar pra ele. Ele vai ligar duas hora da tarde pra mim aqui.

(...)

3.7 - Em 01/12/2020, Samuel liga para Zedu no intuito de acertar os detalhes para o pagamento que ocorrerá no dia seguinte. Samuel havia falado para os comparsas de Zedu (Baiano e Felipe) que iria realizar o saque o dinheiro num banco no interior da Sede da ONU em Genebra. Zedu diz a Samuel que seus comparsas estão verificando se essa informação é verdadeira ou não.

Data: 01/12/2020 10:43:37 Duração: 00:01:35

Zedu: Fala Samuel.

Samuel: Fala Zedu.

Zedu: E ai, o s cara tão checando lá, ver se tem banco mesmo tá? Fica esperto, só te falo isso.

Samuel: bom...

Zedu: Tô te falando pro seu bem, entendeu, (ininteligível), tendeu?

Samuel: Eles falaram. Amanhã eu vou entrar em contato com eles e vai acabar tudo Zedu.

Zedu: Tá, e eu?

Samuel: Não, eu vou dar sua parte pra eles Zedu, eu vou dar sua parte pra eles. Porque depositar dinheiro aqui vai ser lavagem de dinheiro. Eu não quero polícia atrás de mim, cara, fiscalização, não quero nada cara, é muito risco Zedu.

Zedu: O Samuel, você tem, tem, tem....então tá bom , você vai dar o dinheiro pra eles?

Samuel: Vou.

(...)

3.8 - Em 02/12/2020, dia da prisão do Zedu, ele conversa com Samuel sobre detalhes do pagamento. No final, a ligação é interrompida e, ao fundo, é possível ouvir os Policiais Federais verbalizando com Zedu, ocasião em que foi preso.

Data: 02/12/2020 09:23:27 Duração: 00:02:27

(...)

Consta, ainda, do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 1774666/2020, as seguintes informações, as quais destaco (ID. 256867422 - fls. 9/36):

(...)

Item 01 – Telefone Celular marca Motorola IMEI 1: 359 102101273093/07 e IMEI 2: 359 102101273101/07, em posse de Fernando Mestriner Zedu.

Durante as buscas no celular de FERNANDO MESTRINER ZEDU foram encontradas as ameaças de ZEDU no intuito de extorquir SAMUEL FUNCK THOMAZ e seus familiares, exigindo que este lhe pagasse uma suposta dívida contraída em razão da importação de pneus seminovos, na versão de ZEDU. Entretanto, pela análise do material encontrado resta claro que a dívida cobrada por ZEDU refere-se a um tráfico de cocaína que ambos teriam feito em conjunto e da qual ZEDU esperava o retorno financeiro.

ZEDU enviou mensagem para o pai de SAMUEL, EDUARDO FUNCK THOMAZ, contando toda a história do desentendimento entre ele e SAMUEL e no final diz que a “guerra começou” e que “dívida de droga tem que pagar sim, se não morre.

(...)

Foram encontradas também mensagens de ZEDU à filha de SAMUEL, LISA, exigindo que pagasse a dívida de seu pai. ZEDU diz que se eles não pagarem, Lisa e seu irmão Tiago terão suas orelhas cortadas:

(...)

ZEDU também enviou as ameaças a CHRISTINE, ex-esposa de SAMUEL, alertando para nunca mais aparecer no Brasil, nem ela, nem seus filhos, caso contrário, mataria seus filhos se eles pisassem no Brasil.

(...)

Foi encontrado também o anúncio postado por ZEDU no grupo “Brasileiros vivendo na SUÍÇA” da rede social Facebook, no qual ele oferece pagar 100 mil euros a quem tiver êxito em receber a dívida dele com SAMUEL. Junto com o anúncio ZEDU postou uma foto de SAMUEL FUNCK THOMAZ.

(...)

Como se vê, após o anúncio inserido no Facebook, apareceram interessados em lucrar com a cobrança a SAMUEL.

Em conversa com o interessado V. Menocci (VINICIUS MENOCCI, +44 78 8136 8465), ZEDU diz ter dado tiro e jogado dinamite na casa de RONALDO FUNCK THOMAZ, irmão de SAMUEL FUNCK THOMAZ.

Tal fato foi objeto de apuração no 4º Distrito Policial de Ribeirão Preto por meio do Inquérito Policial 469/2018. Em suas declarações no procedimento, na data de 06/11/2018, ZEDU negou ter sido autor ou mandante dos atos contra RONADO FUNCK THOMAZ.

Entretanto, nas mensagens encontradas em seu celular, ZEDU encaminha a foto de RONALDO e na sequência admite: “dei tiro e joguei dinamite”, conforme print a seguir.

(...)

Dentre as conversas encontradas no celular de ZEDU, estão aquelas entre ele e FELIPE EIDAM, e também, entre ZEDU e LEANDRO CAETANO.

Como se sabe, EIDAM e CAETANO são os comparsas de ZEDU presos na Suíça no momento em que tentavam buscar o dinheiro fruto da extorsão a SAMUEL.

A seguir está o print de tela tirado enquanto os três participavam de uma videoconferência.

Nas conversas, foram encontradas fotos de SAMUEL e familiares, além de pesquisas realizadas por EIDAM e CAETANO na Suíça em nome dos familiares de SAMUEL, bem como os vídeos utilizados por ZEDU com ameaças a SAMUEL.

(...)

Item 02 – 01 Notebook marca Dell, número de série apagado, com carregador, em poss de Fernando Mestriner Zedu.

Trata-se de um notebook Dell de uso pessoal do investigado FERNANDO MESTRINER ZEDU, o qual informou no momento da apreensão que o aparelho havia sido lhe dado por SAMUEL FUNCK THOMAZ.

Tendo em vista que ultimamente as conversas mais relevantes ocorrem por aplicativo de celular, não foram encontradas conversas ou arquivos recentes de interesse para a investigação.

Entretanto, foi possível localizar algumas conversas mais antigos feitas via Skype entre FERNANDO ZEDU e SAMUEL FUNCK THOMAZ, bem como algumas mensagens ameaçadoras de FERNANDO ZEDU para LISA e GUILHERME, filhos de SAMUEL, também por Skype.

(...)

Cabe destacar o que ZEDU afirmou no momento de sua prisão, no dia 02 de dezembro passado.

ZEDU disse que em razão das dívidas que SAMUEL tinha com ele por causa de uma suposta carga de pneus que fora apreendida na Europa, quando veio ao Brasil para uma conferência da ONU SAMUEL lhe pediu que arrumasse 2 kg de cocaína para que ele levasse para a Europa se utilizando do malote diplomático da ONU, que ficava sob sua guarda.

Na ocasião ZEDU disse que teria indicado um terceiro para que SAMUEL comprasse a droga e levasse para Europa, o que, segundo ele, de fato aconteceu.

(...)

Alguns meses depois as pressões de ZEDU contra SAMUEL continuaram e, em outras mensagens, ZEDU novamente afirma que a droga chegou “direitinho” na Europa e acusa SAMUEL de tráfico internacional de entorpecentes, além de fazer ameaças diretas a SAMUEL e sua família.

(...)

Em sua oitiva em 02 de dezembro passado, ZEDU confirmou que esteve na Suíça em outubro de 2015 para cobrar SAMUEL, mas não foi atendido por ele, tendo inclusive dormido três noites no chão do aeroporto.

Após isso, em novembro daquele mesmo ano, ZEDU volta a mandar mensagens ameaçadoras a SAMUEL cobrando cem mil dólares “correspondente a 1 kilo de cocaína” que ele teria vendido na Europa, mais uma vez sem resposta de SAMUEL.

(...)

Como se vê, o conteúdo do material ora analisado corrobora o que foi levantado na interceptação telefônica com relação às ameaças e extorsões que FERNANDO ZEDU praticou contra SAMUEL FUNCK THOMAZ, bem como o conluio que ZEDU fez com FELIPE EIDAM e LEANDRO CAETANO com o intuito de aumentar o tom das ameaças e efetivar a extorsão a SAMUEL.

Ademais, pelo que foi encontrado no computador e no celular de ZEDU, pode-se afirmar que há indícios suficientes de que tenha ocorrido um transporte de cocaína para a Europa realizado por SAMUEL utilizando-se do malote da ONU. Entretanto, pelas conversas encontradas tudo leva a crer que ZEDU foi coautor do tráfico por ele denunciado, tendo levado a droga da fonte vendedora até São Paulo, onde a repassou para SAMUEL, conforme narrado por ele mesmo.

Enfim, por todo o exposto, toda a celeuma entre ZEDU e SAMUEL se deve ao fato de que ZEDU esperava o retorno financeiro da venda da droga na Europa, o que nunca aconteceu por razões desconhecidas.

Aparentemente esta é a origem de todas as ameaças e perseguições que FERNANDO MESTRINER ZEDU tem feito contra SAMUEL FUNCK THOMAZ nos últimos anos.

Em juízo, a vítima Samuel Funck Thomaz, disse que tem sido ameaçado pelo réu há algum tempo, por via e-mail, facebook, Skype e Messenger, sob a alegação de haver roubado uma carga de pneus. Negou a pagar o valor, vez que não teve culpa na apreensão do contêiner. Que a segurança da ONU orientou a fazer uma ocorrência na polícia Francesa e Suíça. Que as ameaças começaram em 2005. Que o acusado contratou duas pessoas na Suíça, que lhe enviou vídeos com armas em frente à sede da ONU, ameaçando-o, que tinha que pagar uma quantia de quatrocentos e cinquenta mil dólares. Levou os fatos à policia Suíça, que instaurou o inquérito e passou a orientá-lo como falar ao telefone. Que no dia 02.12.2020, a polícia Suíça prendeu os dois indivíduos atuantes na Suíça, e o Zedu foi preso no Brasil. Que os criminosos diziam que iriam cortar as orelhas e as cabeças de seus filhos. Relatou que os dois criminosos chegaram em Genebra em 04.11.2020 e, na mesma data, enviaram vídeos para seu irmão no Brasil.  Em 08.11.2020, recebeu orientações da Brigada Anticriminal da Suíça, para acabar com as ameaças e prender os envolvidos. Que nunca teve vínculo comercial com o acusado. Que em 2005, sugeriu ao acusado que trabalhasse com exportação de pneus usados da Europa para o Brasil, considerando a troca de pneus constante. Que intermediou os contatos, por ter fluência no inglês e francês.  Que nunca recebeu valores ou comissão. Que após o sucesso na venda do material importado, o acusado teve a ideia de vender pneus de caminhão. Que adquiriu duzentas e oitenta pneus por contêiner, e colocou-os em dois recipientes de carga. Que o primeiro contêiner conseguiu o carimbo aduaneiro, referente à carga que estava sendo levada, e o segundo contêiner, no entanto, foi bloqueado pelas autoridades locais, vez que o veículo prosseguiu a viagem sem o carimbo necessário. Negou o recebimento de qualquer benefício, somente fez na intenção de ajudar o Zedu, vez que eram amigos. Que as ameaças se intensificaram no final de 2014. Que o acusado lhe pediu um valor de 2000 mil dólares, e ao recusar o pedido, o réu começou a acusá-lo de ter roubado o contêiner com os pneus. Que a esposa de seu irmão Ronaldo lhe enviou um link de um jornal de Ribeirão Preto, a respeito de uma dinamite que havia sido jogado em sua residência.  Que anteriormente a ocorrência, Ronaldo lhe informou que o réu havia atingido seu veículo com um pedaço de pau.  Relatou que tem depressão.  Que depois das ameaças, a vida de seus filhos e de sua esposa virou um inferno. Que tem medo de vir ao Brasil, por causa das ameaças (ID. 256867659).

Ronaldo Funck Thomaz, em sede judicial, disse que teve sempre um relacionamento de amizade com Fernando. Que em 2015, o réu foi até a Suíça para cobrar uma dívida de seu irmão, Samuel. Quando voltou ao País, o acusado começou a ameaçar a todos, sofrendo com telefonemas diários. Que uma vez, ao chegar em casa, o réu saiu detrás de uma árvore, e com pedaço de pau na mão, atingiu o carro da família. Que sofreu rajada de tiros, atentado e ameaças. Que sofreu explosão de dinamite na área de lazer de sua residência. Relatou que vive em terror, com medo de morrer. Disse que fez 5 boletins de ocorrência. Que foi ameaçado e intimado na porta de sua casa. Que seus familiares foram ameaçados.  Que as ameaças começaram em 2015. Que teve conhecimento que Fernando teve um negócio com Samuel, de trazer pneus seminovos da Suíça para o Brasil. Que Samuel fez toda a tramitação de trazer pneus para o Brasil. Que não soube informar se Samuel ganhou algum dinheiro com a transação. Que a última carga que Samuel mandou para o Brasil, ficou apreendida no Porto (ID. 256867660).

O promotor de Justiça Eliseu José Berardo Gonçalves, testemunha de acusação, em juízo, disse que o réu lhe contou que Samuel devia a quantia de duzentos mil euros. Que aconselhou o acusado a cobrar a dívida pelos meios legais. Que Ronaldo lhe disse que o acusado estava perturbando ao cobrar uma dívida. Que a Fernanda, esposa do Ronaldo, disse que estava sendo ameaçada pelo Fernando. Que o réu afirmou que estava pronto para puxar cana. Que o réu lhe disse que havia batido no Marcelo, irmão de Samuel. Que soube da notícia do lançamento do artefato explosivo na casa de Ronaldo, sendo que, diante dos fatos, achava que Zedu estava envolvido. Que Fernando sempre teve uma obstinação com Samuel. Que o réu dizia que Samuel iria pagá-lo de qualquer jeito, o que foi interpretado como uma ameaça extensiva a todos os familiares. Que aconselhou o Ronaldo a ter cuidado com o Zedu. Que Zedu disse que tinha um negócio com Samuel. Que Ronaldo lhe falou que os valores cobrados pelo Zedu não eram devidos (ID. 256867666).

Marcelo Moura de Sá, testemunha, em juízo, disse que foi informado pelo acusado acerca de uma dívida de pneus.  Que Fernando relatou acerca do explosivo. Ratificou as conversas gravadas. Que Fernando lhe perguntou se conhecia alguém na Europa para cobrar uma dívida. Que o acusado estava desesperado para receber a dívida (ID. 256867674).

Reinaldo P. Castro Martins, testemunha de defesa, em juízo, disse que Fernando trabalhou com Samuel na importação e exportação de pneus. Que Fernando disse que Samuel lhe devia dinheiro, indo à Suíça para receber o pagamento da dívida. Que Fernando jamais ameaçaria ninguém (ID. 256867734).

O réu interrogado em sede policial, reconheceu ser o interlocutor dos diálogos juntamente com Samuel, e estes referem-se a cobrança do valor enviado para Samuel comprar os pneus e mandar para o Brasil, confirmando ter pedido ajuda de Luiz Felipe e Leandro para que cobrassem a dívida de Samuel e não ameaçar Samuel e sua família (ID. 256867212 - fls. 26/30 e 256867213 - fls. 1/5).

Em juízo, disse que os fatos imputados contra ele não são verdadeiros. Que no ano de 2015, foi até Genebra receber a dívida. Que tentou receber a dívida por várias vezes. Que procurou por meio de Facebook, pessoas na Suíça que pudessem ajudá-lo na cobrança de uma dívida. Que a dívida era de duzentos e cinquenta mil a trezentos mil francos suíços, tendo como origem um contêiner apreendido, com pneus seminovos.  Que Samuel não lhe mostrou o laudo de apreensão. Que não moveu nenhuma ação de cobrança, porque não tinha como comprovar que Samuel ficou com o dinheiro, pois não tinha contrato. Ressalvou que somente mandou cobrar Samuel, e não ameaçar. Que pediu para ninguém mostrar arma de fogo. Disse que a cobrança se prolongou por muitos anos.  Que as ameaçadas feitas aos filhos de Samuel foram no calor do nervosismo. Que pagaria o valor de cem mil dólares aos dois rapazes, caso obtivesse êxito na cobrança da dívida. Que não teve nenhuma responsabilidade da explosão da dinamite na residência de Ronaldo Funck Thomaz, mas reconheceu que deu um tapa em Marcelo Funck Thomaz. Que não cobrou nenhum valor de Ronaldo. Que nunca foi processado criminalmente. Disse que não teve sociedade com Samuel, tendo em vista que bancava tudo. Que Samuel era responsável por comprar os pneus, por intermédio de dinheiro enviado pelo acusado, e Samuel receberia vinte por cento do lucro (ID. 256867735 e 256867736).

Apesar da negativa dos fatos imputados contra o réu, a autoria é certa.

A prova lastreia-se em laudos periciais e nos depoimentos convincentes das testemunhas e da vítima, havendo convergência na constatação que as graves ameaças foram feitas através de ligações telefônicas, e-mail e Whatsapp para a Samuel e seus familiares, e por meio de envio de vídeos gravados em frente à sede da ONU, pelos comparsas de Zedu, quais sejam, Luiz Felipe Eidam e Leandro Caetano dos Santos.

Em várias ligações telefônicas mantidas entre FERNANDO MESTRINER ZEDU e SAMUEL FUNCK THOMAZ, há a cobrança de valores, sob a alegação da existência de uma dívida relativa à venda de pneus, que foi bloqueado no Porto pelas autoridades da Suíça.

Conforme o Relatório de Análise de Material Apreendido alusivo ao celular e notebook utilizados por Fernando Mestriner Zedu, observa-se várias mensagens enviadas por Zedu a Samuel e seus familiares, cobrando a dívida de Samuel por meio de graves e sérias ameaças, afirmando a terceiros que foi o autor dos atentados a tiro e a bomba acontecidos na residência de Ronaldo, irmão de Samuel.

Consta, ainda, que foi achado um anúncio publicado por Zedu no Facebook, no grupo “Brasileiros vivendo na Suíça”, oferecendo o valor de 100 mil euros a quem obtiver êxito a receber a dívida dele junto a Samuel. 

Portanto, considerando o acervo probatório coligido, verifico suficientemente demonstrada a autoria imputada ao recorrente, tendo em vista que praticou juntamente com seus comparsas graves ameaças e violenta intimidação a Samuel e sua família, no intuito de obter vantagem econômica indevida.

Assim, aperfeiçoado está o crime do art. 158, caput e §1º, do Código Penal.

Por derradeiro, a defesa pleiteou, ainda, a desclassificação da conduta para o crime do artigo 345 do Código Penal, que dispõe sobre o exercício arbitrário das próprias razões.

O delito tipificado no art. 345 do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões) exige, para sua configuração, que o sujeito seja titular de uma pretensão legítima.

É indispensável a possibilidade de satisfação da pretensão em juízo, na medida em que o exercício arbitrário das próprias razões integra o rol dos crimes contra a Administração da justiça. 

Nesse sentido, confira-se nota, de Cleber Masson, ao artigo 345 do Código Penal, Código Penal Comentado (RJ, Editora Método, 2017, 5ª ed, fl. 1296):

(...)

Pretensão é um direito ou interesse que o sujeito tem (pretensão legítima) ou acredita ter (pretensão supostamente legítima). Constitui-se, na verdade, em pressuposto do crime. A pretensão pode relacionar-se a qualquer direito, ligado ou não à propriedade. É imprescindível a possibilidade de satisfação da pretensão em juízo, pois o exercício arbitrário das próprias razões integra o rol dos crimes contra a Administração da Justiça. Não há falar no delito em apreço quando o sujeito busca algo impossível de ser obtido pela via legítima da atividade jurisdicional do Estado. (grifei)

No mesmo sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

.EMEN: RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES DE USURA E CONTRA O PATRIMÔNIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 345 DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DEVE SER LEGÍTIMA. CONTINUIDADE DELITIVA. TRÊS DELITOS. APLICAÇÃO DO PERCENTUAL DE 1/5.

1. Para a configuração do crime de exercício arbitrário das próprias razões é necessário que a pretensão seja legítima, o que não ocorre se o agente, mediante o uso de violência e grave ameaça, subtrai bens e exige o pagamento de juros oriundos do crime de usura. 2. Além disso, a desclassificação das condutas perpetradas ensejariam uma nova análise das provas dos autos, o que é vedado na via do especial. 3. É pacífica a jurisprudência desta Corte ao dizer que o aumento de pena pela continuidade delitiva deve levar em conta somente o número de infrações, sendo que esta Corte tem considerado correta a exacerbação da pena em 1/5 (um quinto), em virtude de reconhecimento de continuidade delitiva, na prática de 03 (três) delitos. 4. Recurso parcialmente provido. ..EMEN:

(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1101831 2008.02.54209-6, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:11/05/2009 ..DTPB:.)

Na hipótese dos autos, o apelante não trouxe aos autos qualquer documento ou comprovante que justificasse a sua cobrança, ou seja, não há qualquer contrato ou cláusulas do negócio que comprove que haja um crédito ou débito entre as partes.

Aliás, em sede judicial, o réu disse que não moveu nenhuma ação de cobrança, porque não tinha como comprovar que Samuel ficou com o dinheiro, pois não tinha contrato.

Portanto, não comprovação de que a vantagem econômica seja devida.

Por outro lado, há de estranhar o fato de tratar-se de um negócio que envolve importação de pneus seminovos da Europa para Brasil, sem qualquer contrato formal entre as partes envolvidas.

Carece o réu, portanto, de pretensão legítima, possível de ser deduzida em juízo, elemento normativo do tipo penal previsto no artigo 345 do Código Penal.

Destarte, ante comprovada a exigência de vantagem econômica indevida, por meio de violenta intimidação a Samuel e seus familiares, resta configurado o tipo penal da extorsão, sendo, por essa mesma razão, descabido falar em desclassificação do delito para o previsto no artigo 345, do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões).

Como bem ressaltou a acusação, em sede de contrarrazões (ID. 256867786 - fls. 17/18):

Ora, a existência de um acordo envolvendo o pagamento de comissão de ZEDU a SAMUEL, ou não, em nada legitima que o valor decorrente da perda de investimento por causa alheia à vontade das partes (apreensão da carga por autoridades locais) seja cobrada, muito 

Assim, a vantagem econômica indevida se caracteriza visto que não se teve acesso às cláusulas do negócio que previssem o ressarcimento em casos tais, visto que sequer foram documentadas, e ademais, ainda que se admita que houvesse um crédito-débito entre as partes, ultrapassados mais de quinze anos, a pretensão de cobrança já teria sido fulminada pelo decurso do tempo, na linha das disposições da legislação civil brasileira, que desobrigam o devedor de pagar nessas condições, remanescendo como dívida natural, mas juridicamente indevida.

Assim, não merece reparos a conclusão do juízo a quo, nesse mesmo sentido, in verbis (ID. 256867756 - fls. 10/11):

De outro lado, não reputo cabível a desclassificação do crime de extorsão para o delito de exercício arbitrário das próprias razões, como pretendido pela defesa, sob a justificativa de inexistir comprovação de que os valores cobrados pelo réu seriam indevidos.

Com o devido respeito aos argumentos expostos pela DPU, observo que o réu, em momento algum, acostou aos autos qualquer documento ou comprovante que pudesse fundamentar ou justificar sua cobrança, tornando, assim, em tese, legítima a vantagem econômica exigida.

Pelo contrário, o próprio acusado, em seu interrogatório, explanou ao juízo que não dispunha de documentação comprobatória para ajuizar demanda em desfavor da vítima.

De igual modo, o I. Promotor de Justiça, Dr. Eliseu José Berardo Gonçalves, também relatou ao juízo haver aconselhado o acusado a cobrar a pendência pelas vias legais, não tendo obtido resposta por parte de Fernando Mestriner Zedu.

A presunção de inocência não isenta o acusado de provar os fatos em que se funda a defesa, nos termos do art. 156, 1ª parte, do CPP.

Por conseguinte, não há que se reconhecer a absolvição do réu por falta de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação pretendida, conforme sustentado pela defesa, eis que presente o elemento normativo do tipo.

Logo, demonstrados a autoria, a materialidade e dolo do agente, passo ao exame da dosimetria.

5. Dosimetria.

A defesa de Fernando Mestriner Zedu pede que a pena base seja fixada no mínimo legal, na segunda fase deve ser afastado o aumento de pena de 1/6, e, na terceira fase, seja afastado o crime continuado e as majorantes do concurso de agentes e emprego de arma.

A assistente da acusação SAMUEL FUNCK THOMAZ pede a exasperação da pena-base pelo crime de extorsão, a majoração da fração aplicada como agravante do art. 62, inc. I, do Código Penal, e o aumento do quantum fixado como causa de aumento de pena pela continuidade delitiva.

1ª Fase. 

Na primeira fase, o Magistrado de primeiro grau fixou a pena-base em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, nos seguintes termos (ID. 256867756 - fls. 11/12):

O réu apresenta culpabilidade exacerbada, tendo em vista o elevado grau de perversidade demonstrado – ameaças concretas e recorrentes de causar mal grave à vítima e sua família – não se importando com as consequências danosas de sua conduta, mesmo tendo plena consciência da ilicitude.

Os documentos de IDs 111482820, 111482827, p. 1/3 e 111482829, p. 1/4 permitem considerar que o réu possui bons antecedentes.

Inexistem elementos seguros sobre a personalidade e conduta social do acusado, devendo estas circunstâncias judiciais serem consideradas neutras.

Os motivos não refogem à espécie dos crimes e as circunstâncias serão consideradas na terceira fase, levando-se em conta o concurso de pessoas e o uso de arma de fogo. 

As consequências do crime não discrepam da normalidade, sendo adequadas ao tipo. Por fim, o comportamento da vítima, não estimulou ou facilitou a prática delitiva, fato que milita em desfavor do acusado.

Neste quadro, as circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) lhe são desfavoráveis em grau de reprovabilidade médio, recomendando a fixação da pena-base com acréscimo de 1/6 ao limite abstrato mínimo de cominação, totalizando 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão. 

A pena-base deve ser fixada de acordo com as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código penal, de forma que, estando presente apenas uma das circunstâncias desfavoráveis, deve a pena na primeira fase ser elevada para acima do mínimo legal.

Com efeito, o réu é primário e não possui maus antecedentes. Os motivos são característicos do delito. A conduta social e a personalidade não a desabonam e não há que se falar em comportamento da vítima.

As circunstâncias e as consequências do crime são normais.

Por sua vez, o magistrado de primeiro grau entendeu que a culpabilidade do réu é exacerbada. 

Contudo, em que pese o modus operandi do réu, a culpabilidade do mesmo não extrapola o comum em crimes dessa natureza. 

Ademais, a gravidade dos meios empregados pelos envolvidos foi considerada na terceira fase. 

Portanto, reduzo a pena-base ao mínimo legal, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

2ª Fase.

A defesa requer o afastamento do aumento da pena de 1/6.

Por sua vez, o assistente da acusação Samuel Funck Thomaz pede a majoração da fração aplicada como agravante do art. 62, inc. I, do Código Penal.

Na segunda fase, ausentes atenuantes.

Há agravante não há que ser considerada. 

Com efeito, apesar de o réu ter contratado duas pessoas para a prática do crime, não ficou retratada nos autos a função de cada um dentro do esquema criminoso, de modo a justificar a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal.

Considerando que foi afastada a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal, julgo prejudicado o pedido de majoração da fração de aumento.

Portanto, a pena intermediária deve ser fixada em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

3ª Fase.

Na terceira fase, reconhecidas as causas de aumento relativas à pluralidade de agentes e ao emprego de arma de fogo, nos termos da norma prevista no § 1º do art. 158 do Código Penal, nos seguintes termos (ID. 256867756 – fl. 12):

Em virtude da incidência de ambas as causas de aumento previstas no § 1º do art. 158 do CP e, ainda, considerando a gravidade dos meios empregados pelos envolvidos – excessiva perseguição física à vítima, mesmo no estrangeiro, valendo-se da gravação e envio de vídeos contendo nomes de familiares, local de trabalho, ostentação de arma de fogo e ameaças de morte, somadas à intensa pressão psicológica que causaram grande abalo emocional no ofendido - elevo a pena em 1/2, resultando 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão. 

O emprego da arma de fogo restou suficientemente demonstrado nos autos, mesmo que, por meio virtual, bem como a ação do réu juntamente com os dois comparsas para prática delitiva, sendo relatada pela prova pericial e pela vítima em juízo. 

Como bem ressaltou o Ministério Público Federal em contrarrazões (ID. 256867786 - fl. 21):

O § 1º do artigo 158 do CP prevê que a pena será aumentada se a conduta for praticada por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma.

Conforme as provas dos autos, ZEDU organizou a ação de outros dois comparsas, com quem estabeleceu vínculo subjetivo evidente, para intensificar o temor a ser imposto ao ofendido diretamente no local onde reside (Suíça), inclusive com ostentação de arma de fogo, ainda que por meio virtual, mas suficiente para impingir a violência psicológica almejada.

A gravidade da ameaça se confirmou, visto que, pela coautoria de três agentes, um no Brasil e coagindo parentes de SAMUEL, e os outros dois na Suíça, onde a vítima reside, que configuram um conjunto de condições fáticas que impõem real e violenta intimidação aos extorquidos, afora a personalidade dos acusados, principalmente de ZEDU, que demonstra pautar-se por comportamento agressivo e obstinado contra seus desafetos.

Mantenho, pois, o aumento de 1/2 (um meio) relativo às majorantes aludidas, razão pela qual a pena intermediária resta fixada em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

No caso, o Juízo a quo reconheceu a continuidade delitiva, na fração de aumento de 1/6 (um sexto), nos seguintes termos (ID. 256867756 - fl. 12):

Por fim, ainda como causa de aumento de pena, reconheço a ocorrência de crime continuado (art. 71 do CP), considerando que o acusado vem praticando as infrações, pelo menos, desde fevereiro/2020, estendendo-se até a data de sua prisão (02.12.2020).

Deste modo acresço 1/6 à pena, tornando-a definitiva, na ausência de outros fatores, em 9 (nove) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

No que se refere à existência de continuidade delitiva, o artigo 71 do Código Penal estabelece que: 

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

A figura criada no artigo 71 do Código Penal é uma ficção jurídica para beneficiar o criminoso que, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie que, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução, podem ser considerados como continuação do primeiro, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) (AgRg no AREsp 961169/DF, Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe: 20.06.2018).

O Superior Tribunal de Justiça, para a caracterização da continuidade delitiva, adota a teoria mista, na qual é imprescindível o preenchimento de requisitos objetivos - condições de tempo, lugar, modo de execução - e subjetivos - unidade de desígnios:

.EMEN: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL - CP. REITERAÇÃO CRIMINOSA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VIA ELEITA INADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Para o reconhecimento do crime continuado (art. 71 do Código Penal), adota-se como premissa que determinado agente pratique duas ou mais condutas da mesma espécie em semelhantes condições de tempo, lugar e modus operandi - requisitos objetivos - unidade de desígnios entre os delitos cometidos - requisito subjetivo. 2. (...)
(AGRHC - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS - 470124 2018.02.44892-7, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:17/06/2019 ..DTPB:.)              

Presente, na hipótese, a causa de aumento da continuidade delitiva, tendo em vista que o acusado reiteradamente, praticou mais de um crime da mesma espécie e nas mesmas "condições de tempo, lugar, maneira de execução" (art. 71 do CP), e durante período prolongado de tempo (de 02/2020 até 02/12/2020), torna-se justificado o aumento da fração em 2/3 (dois terços), conforme requerido pelo assistente da acusação, de forma a resultar na pena definitiva de 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, conforme preconiza a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO, RECEPTAÇÃO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA DA PENA. (I) REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA PARA OS DELITOS DE RECEPTAÇÃO E ASSOCIAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME VALORADAS DE FORMA CONCRETA NO TOCANTE AO CRIME DE ROUBO. (II) RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE ENTRE OS CRIMES DE RECEPTAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. (III) CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS CRIMES DE ROUBO. ACRÉSCIMO COM BASE NO NÚMERO DE INFRAÇÕES. 1. Na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, por se tratar de questão afeta a certa discricionariedade do Magistrado, a dosimetria da pena é passível de revisão em habeas corpus apenas em hipóteses excepcionais, quando ficar evidenciada flagrante ilegalidade, constatada de plano, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo fático-probatório. 2. Na espécie, o magistrado sentenciante afirmou que a "culpabilidade é de intensidade máxima, uma vez que a reprovação social aos crimes com violência é uma constante na sociedade e os réus tinham plena consciência da situação" (e-STJ fl. 26). Entretanto, tal fundamentação não se mostra adequada para a exasperação da pena-base, pois a circunstância judicial em análise em nada se relaciona com a culpabilidade terceiro substrato do crime. O art. 59 do Código Penal, ao anunciar a culpabilidade como circunstância judicial, objetiva avaliar o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta do acusado ou menosprezo especial ao bem jurídico violado. Desse modo, carente de fundamentação, no pormenor, o aumento da pena-base. Precedentes. 3. Do mesmo modo, insuficiente a motivar a exasperação da pena-base a assertiva de que, embora tecnicamente primário, o paciente "possui inúmeras condenações que demonstram não ter boa conduta social" (e-STJ fl. 26). Com efeito, as mencionadas ações penais, sem notícia de trânsito em julgado, não justificam o aumento da reprimenda básica - Súmula n. 444/STJ. 4. O sentenciante também considerou desfavoráveis as circunstâncias do crime, pois "houve a morte de um assaltante e o ferimento de um vigilante com lesões graves, além de trauma em dezenas de pessoas, inclusive uma excursão de adolescentes, que foram envolvidos no caso pela ocupação do ônibus que transitavam para barrar a rodovia" (e-STJ fl. 26). No tocante ao crime de roubo, efetivamente descrita a maior gravidade da conduta espelhada pela mecânica delitiva empregada. Sendo assim, suficientemente fundamentado o aumento operado na origem. Entretanto, para os delitos de receptação e associação criminosa, as circunstâncias mencionadas não podem ser consideradas desfavoráveis, porquanto em nada se relacionam com os referidos delitos. 5. Por derradeiro, insuficiente a motivar o aumento da reprimenda básica a afirmação de que as consequências do delito foram "graves, porque não houve ressarcimento dos inúmeros danos nos veículos e do dinheiro subtraído" (e-STJ fl. 26), porquanto os elementos apresentados não transcendem o resultado típico, são inerentes aos crimes descritos na peça acusatória e já foram sopesados pelo legislador no momento da fixação das penas em abstrato do delito. Precedentes. 6. Não foi suscitada e, consequentemente, enfrentada pela Corte estadual a matéria referente ao reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de receptação, motivo por que este Tribunal Superior fica impedido de analisá-la, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 7. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, "em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações" (HC n. 283.720/RN, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 26/8/2014). 8. Nesse contexto, a existência de dois crimes de roubo circunstanciado, como no caso em exame, legitima o aumento de 1/6 (um sexto), nos termos do art. 71 do Código Penal. 9. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, concedida em parte a ordem para reduzir a sanção do paciente a 12 (doze) anos e 3 (três) meses de reclusão, mantidos os demais termos do acórdão estadual. (grifo meu)
(HC 284.615/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 26/06/2017).

Portanto, a pena definitiva resta fixada em 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa.

O valor do dia-multa fica mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

O juiz a quo condenou o réu ao pagamento de 100 (cem) dias-multa.

A pena de multa é fixada de acordo com o sistema bifásico, no qual, em um primeiro momento, leva em consideração o montante aplicado à pena privativa de liberdade, após procedido o critério trifásico, para fixar a quantidade de dias-multa, e, em um segundo momento, considera a situação econômica do réu para a fixação do valor unitário do dia-multa.

No presente caso, o julgador, todavia, fixou a pena de multa em montante totalmente desproporcional à pena privativa de liberdade, razão pela qual, de ofício, reduzo a pena de multa para 25 (vinte e cinco) dias-multa, conforme parâmetros contidos na dosimetria da pena.

6. Regime de Pena. 

Mantenho o regime fechado para início do cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, § 2º, "a", do Código penal.  

Ausente os requisitos do art. 44 do Código Penal, inadmissível a substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

7. Do pedido de Assistência Jurídica Gratuita.  

A defesa do réu pleiteou a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, verifico sua procedência. 

A concessão de assistência judiciária gratuita pode se dar em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive ex officio. 

Ressalto que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que basta simples requerimento, sem necessidade de qualquer outra comprovação prévia, para que o benefício seja concedido, verbis: 

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA . DEFERIMENTO. MATÉRIA PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Em observância ao princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88, é plenamente cabível a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita às partes. Disciplinando a matéria, a Lei 1.060/50, recepcionada pela nova ordem constitucional, em seu art. 1º, caput e § 1º, prevê que o referido benefício pode ser pleiteado a qualquer tempo, sendo suficiente para sua obtenção que a pessoa física afirme não ter condição de arcar com as despesas do processo. 2. O dispositivo legal em apreço traz a presunção juris tantum de que a pessoa física que pleiteia o benefício não possui condições de arcar com as despesas do processo sem comprometer seu próprio sustento ou de sua família. Por isso, a princípio, basta o simples requerimento, sem qualquer comprovação prévia, para que lhe seja concedida a assistência judiciária gratuita . Contudo, tal presunção é relativa, podendo a parte contrária demonstrar a inexistência do estado de miserabilidade ou o magistrado indeferir o pedido de assistência se encontrar elementos que infirmem a hipossuficiência do requerente. 3. No caso dos autos, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório constante dos autos, concluiu por manter o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita do ora recorrido, circunstância que inviabiliza o exame da controvérsia em sede de recurso especial, conforme preconizado no enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de justiça . 4. Agravo regimental a que se nega provimento." 
  (AGA 201001918910, RAUL ARAÚJO, - QUARTA TURMA, 01/02/2011. 
Além disso, conforme determinam os § 2º e § 3º do art. 98 do novo Código de Processo Civil, a concessão da gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas custas processuais, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de 05 (cinco) anos, quando então a obrigação será extinta.                    
Acresça-se, por oportuno, que o exame acerca da miserabilidade deverá ser realizado na fase de execução da sentença, mais adequada para aferir a real situação financeira da condenada.
Nesse sentido, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA . CONDENAÇÃO. ART. 804 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENA L E ART. 12 DA LEI N.º 1.060/50. AGRAVO DESPROVIDO.
 1. Mesmo sendo o réu beneficiário da assistência judiciária gratuita, deve ser condenado ao pagamento das custas processuais nos termos do art. 804 do CPC, ficando seu pagamento sobrestado enquanto perdurar o seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos. 
 2. A isenção somente poderá ser concedida ao réu na fase de execução do julgado. 3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 14/6/2011) 

Portanto, os benefícios da Justiça Gratuita devem ser concedidos ao réu.

8. Prisão preventiva.

A defesa de Fernando Mestriner Zedu requer a revogação da prisão provisória.

O assistente da acusação SAMUEL FUNCK THOMAZ pede a manutenção da prisão preventiva do réu.

Na hipótese dos autos, o Defensor Público Federal juntou a íntegra da execução penal do recorrente Fernando Mestriner Zedu (Processo n. 7000051-59.2021.4.03.6102), informando que fora expedido contramandado de prisão e restabelecido o regime anterior (Ids. 273612912 e 273612913), razão pela qual julgo prejudicado os pedidos da defesa e do assistente da acusação quanto à prisão provisória.

9. Dispositivo.

Ante o exposto, julgo prejudicado os pedidos da defesa e do assistente da acusação quanto à prisão provisória, e o pedido do assistente da acusação quanto ao pedido de majoração da fração de aumento, de ofício, reduzo a pena de multa, dou parcial provimento à apelação do assistente da acusação para o aumento do quantum fixado como causa de aumento de pena pela continuidade delitiva e dou parcial provimento à apelação defensiva para reduzir a pena-base ao mínimo legal, para afastar a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal e para conceder os benefícios da justiça gratuita, observado o disposto nos § 2º e § 3º do art. 98 do novo Código de Processo Civil, resultando a pena definitiva para o réu em 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ART. 288 DO CP. MATERIALIDADE. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU MANTIDA. ART. 158, § 1º, C.C 62, I, CP.  CRIME DE EXTORSÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. desclassificação do delito para o previsto no art. 345 do código penal. não configurado. PENA-BASE reduzida. AFASTADA A INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 62, I, DO CÓDIGO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. quantum majorado. REGIME INICIAL FECHADO. JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA. PEDIDO REFERENTE À PRISÃO PROVISÓRIA PREJUDICADO. RECURSO ACUSATÓRIO PARCIALMENTE DESPROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Crime de Associação Criminosa. As provas trazidas aos autos não são suficientes para demonstrar que o réu estava associado a terceiros no nível de organização e permanência próprios do tipo atualmente conhecido por associação criminosa. Não há elementos nestes autos que permitam concluir pela existência quer do animus associativo, quer da estrutura estável e duradoura para o cometimento de um número indeterminado de delitos, no caso, como pretende o assistente da acusação.

2. A materialidade restou suficientemente demonstrada, conforme procedimento administrativo de cooperação internacional (PCI-PGR nº 1.00.000.0019808/2020-67, Relatório Parcial de Interceptação nº 1491928-2020, Auto de Apreensão IPL 2020.011051, Relatório Final nº 1491928/2020, mensagens de Whatsapp, Laudo nº 491/2020 - NUTEC/DPF/RPO/SP, Relatório de Análise de Material Apreendido nº 1774666/2020, Auto de Qualificação e Interrogatório do Réu, Informações , Termo de Declaração de Ronaldo Funck Thomaz e de Ricardo Funck Thomaz, bem como pelos depoimentos das testemunhas, da vítima e do réu.

3. A autoria imputada ao réu Fernando Mestriner Zedu, ademais, se evidenciou com segurança das provas acostadas, a despeito da insurgência defensiva em sentido contrário. A prova lastreia-se em laudos periciais e nos depoimentos convincentes das testemunhas e da vítima, havendo convergência na constatação que as graves ameaças foram feitas através de ligações telefônicas, e-mail e whatsapp para a Samuel e seus familiares, e por meio de envio de vídeos gravados em frente à sede da ONU, pelos comparsas de Zedu, quais sejam, Luiz Felipe Eidam e Leandro Caetano dos Santos.

4. O delito tipificado no art. 345 do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões) exige, para sua configuração, que o sujeito seja titular de uma pretensão legítima. É indispensável a possibilidade de satisfação da pretensão em juízo, na medida em que o exercício arbitrário das próprias razões integra o rol dos crimes contra a Administração da justiça.  Na hipótese dos autos, o apelante não trouxe aos autos qualquer documento ou comprovante que justificasse a sua cobrança, ou seja, não há qualquer contrato ou cláusulas do negócio que comprove que haja um crédito ou débito entre as partes. Ante comprovada a exigência de vantagem econômica indevida, por meio de violenta intimidação a Samuel e seus familiares, resta configurado o tipo penal da extorsão, sendo, por essa mesma razão, descabido falar em desclassificação do delito para o previsto no artigo 345, do Código Penal (exercício arbitrário das próprias razões).

5. Dosimetria. 1ª fase. Pena-base fixada no mínimo legal, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 2ª fase. Afastada a agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal. Prejudicado o pedido de majoração da fração de aumento. Pena intermediária fixada em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 3ª Fase. Na terceira fase, reconhecidas as causas de aumento relativas à pluralidade de agentes e ao emprego de arma de fogo, nos termos da norma prevista no § 1º do art. 158 do Código Penal. Mantido, pois, o aumento de 1/2 (um meio) relativo às majorantes aludidas, razão pela qual a pena intermediária resta fixada em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa. Presente, na hipótese, a causa de aumento da continuidade delitiva, tendo em vista que o acusado reiteradamente, praticou mais de um crime da mesma espécie e nas mesmas "condições de tempo, lugar, maneira de execução" (art. 71 do CP), e durante período prolongado de tempo (de fevereiro/2020 até 02/12/2020), torna-se justificado o aumento da fração em 2/3 (dois terços), de forma a resultar na pena definitiva de 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, conforme preconiza a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

6. Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente quando dos fatos.

7. Mantido o regime inicial fechado, nos termos do art. 33, § 2º, "a", do Código Penal.

8. Ausente os requisitos do art. 44 do Código Penal, inadmissível a substituição da pena corporal por restritivas de direitos.

9. Os benefícios da Justiça Gratuita devem ser concedidos ao réu.

10. Prisão Preventiva. Prejudicada.

11. Apelação do assistente da acusação parcialmente provida. Apelação da defesa parcialmente provida.

 

 

 

 
 

  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu julgar prejudicado os pedidos da defesa e do assistente da acusação quanto à prisão provisória, e o pedido do assistente da acusação quanto ao pedido de majoração da fração de aumento, de ofício, reduzir a pena de multa, dar parcial provimento à apelação do assistente da acusação para o aumento do quantum fixado como causa de aumento de pena pela continuidade delitiva e dar parcial provimento à apelação defensiva para reduzir a pena-base ao mínimo legal, para afastar a incidência da agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal e para conceder os benefícios da justiça gratuita, observado o disposto nos § 2º e § 3º do art. 98 do novo Código de Processo Civil, resultando a pena definitiva para o réu em 10 (dez) anos de reclusão e o pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.