APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000856-48.2018.4.03.6006
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: GILSON KANIGOSKI
Advogado do(a) APELANTE: PATRICIA RODRIGUES CERRI BARBOSA - MS12731-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000856-48.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: GILSON KANIGOSKI Advogado do(a) APELANTE: PATRICIA RODRIGUES CERRI BARBOSA - MS12731-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por GILSON KANIGOSKI em face de sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Naviraí/MS que, em ação de reintegração de posse, julgou procedente o pedido formulado, nos seguintes termos: DISPOSITIVO Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido de reintegração de posse formulado na petição inicial, confirmando-se a decisão liminar de fl. 62/62-v, devidamente cumprida (fl. 133), e IMPROCEDENTE o pedido contraposto de indenização por benfeitorias deduzido pelo réu em sua contestação, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, no tocante a ambos os pleitos. Condeno o Réu em custas e honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atualizado da causa, observando o 4º, II e 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Transitada em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe. O apelante, preliminarmente, pugna pelo conhecimento do agravo retido interposto contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial. Quanto ao mérito da causa, sustenta a nulidade do procedimento administrativo que resultou na notificação para desocupação do imóvel. Aduz, ainda, que reside e explora a parcela desde 2009, sempre de boa-fé, sendo que preenche os requisitos para ser considerado assentado no programa de reforma agrária. Subsidiariamente, pleiteia a indenização por benfeitorias realizadas no lote. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000856-48.2018.4.03.6006 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: GILSON KANIGOSKI Advogado do(a) APELANTE: PATRICIA RODRIGUES CERRI BARBOSA - MS12731-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Preliminarmente, conheço do agravo retido interposto por GILSON KANIGOSKI, eis que houve a reiteração a que alude o art. 523, § 1º, do CPC/73, vigente à época. O recurso, contudo, não comporta provimento. De fato, o réu pretende a produção da prova pericial com o objetivo de comprovar as benfeitorias realizadas no imóvel, bem como seu valor de mercado. Ocorre, contudo, que o presente caso versa sobre ação de reintegração de posse proposta pelo INCRA, visando à retomada do lote nº 198 do Projeto de Assentamento Santo Antônio, localizado em Itaquiraí/MS, sendo certo que, como bem pontuou o MM Juízo “a quo”, o objeto da lide não abrange a edificação de benfeitorias, o que torna impertinente a produção da prova técnica pericial. Incidente, na espécie, o disposto no art. 130 do CPC/1973, segundo o qual cabe ao juiz determinar as provas que entenda necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências consideradas inúteis ou protelatórias. Dessa forma, nego provimento ao agravo retido. Passo ao exame da apelação interposta. Inicialmente, não há que se falar em nulidade do procedimento administrativo por alegada inexistência de contraditório e ampla defesa, bem como por inobservância do princípio da pluralidade de instâncias. De fato, de acordo com o art. 5º, LV, da CF/1988, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Isso significa, em linhas gerais, que cabe ao Poder Público assegurar, aos litigantes e aos acusados em geral, meios de torná-los cientes do pedido contra eles formulado, bem assim dos atos praticados no processo, além da possibilidade de produzir provas para demonstrar a veracidade dos fatos que embasam seu alegado direito. No caso sob exame, esses elementos se encontram presentes, na medida em que os documentos existentes revelam que o apelante foi cientificado acerca do processo administrativo que resultou na ordem de desocupação do lote, inclusive porque a notificação para tal desocupação foi por ele próprio recebida (ID 12981720). E tanto essa cientificação foi eficaz, que o apelante apresentou sua defesa na esfera administrativa (IDs 12981740 e 12981744), não havendo nenhum indício de que tal defesa não tenha sido levada em consideração pela autoridade prolatora da decisão. Ao contrário, o documento ID 12982314 indica que a referida defesa foi examinada, sendo, contudo, indeferida. É preciso levar em consideração, outrossim, que o apelante optou por apresentar sua própria defesa no âmbito administrativo, sem a assistência técnica por advogado, o que não implica nulidade alguma, a teor da orientação contida na Súmula Vinculante nº 5, aplicada aqui por analogia. Nessa linha, tendo optado por se defender pessoalmente, não pode, só agora, alegar nulidade do procedimento pela simplicidade das alegações apresentadas ou por não ter se valido dos recursos administrativos (pluralidade de instâncias) que estavam a sua disposição. Portanto, conclui-se que o processo administrativo teve tramitação regular, embora sua conclusão tenha sido desfavorável ao ora apelante. Na sequência, registro que a reforma agrária pode ser definida como "o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade" (art. 1º, § 1º, da Lei nº 4.504/1964 – Estatuto da Terra). Ao tratar dos objetivos e dos meios de acesso à propriedade rural, dispôs o referido Estatuto da Terra, em seu art. 16, que “A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”. A competência para promover e coordenar a execução do programa de reforma agrária foi atribuída ao INCRA (art. 16, parágrafo único). Em nível constitucional, prevê o art. 184 da CF/1988 que “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”. O imóvel rural não cumpre a sua função social quando não atende aos requisitos elencados no art. 186, I a IV, da Carta Magna: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e (d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Dispõe ainda a CF/1988, em seu art. 189, que os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei. O procedimento da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é regido pela Lei Complementar nº 76/1993 e pela Lei nº 8.629/1993, a qual prevê no art. 2º que a propriedade rural que não cumprir com a função social, prevista no artigo 9º da referida lei, quais sejam, aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, é passível de desapropriação. O procedimento desta modalidade de desapropriação, por seu turno, é dividido em três fases: 1ª) ocorre na esfera administrativa, mediante decreto expropriatório do Presidente da República, após a identificação do imóvel como improdutivo pelo INCRA; 2ª) ocorre na esfera judicial, quando a União, com fundamento no decreto expropriatório e no prazo de até dois anos a partir de sua publicação, propõe ação de desapropriação em face do proprietário do imóvel em questão; e 3ª) distribuição pelo INCRA das parcelas da propriedade expropriada aos pretensos beneficiários da reforma agrária, previamente cadastrados na autarquia. Segundo o disposto no art. 16 da Lei nº 8.629/93, o INCRA possui o prazo de 3 anos, contados da data do registro do título translativo do domínio, para distribuir as terras aos beneficiários do programa, sendo que a distribuição dos imóveis rurais obtidos através da reforma agrária poderá ocorrer por meio de títulos de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso, ficando os beneficiários obrigados a cultivar o imóvel direta e pessoalmente e não poderão ceder o seu uso a terceiro ou negociá-lo a qualquer título, pelo prazo de 10 anos (art. 21 da Lei nº 8.629/1993). Caso o beneficiário não cumpra com as suas obrigações, ocorrerá a rescisão do contrato e consequentemente o retorno do imóvel para o domínio do órgão alienante ou concedente. Além disso, "[D]e acordo com o art. 927 do CPC/1973 (vigente à época da propositura da ação), nas ações possessórias é necessário que a parte autora comprove, cumulativamente, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data do fato ilícito, e a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção e, por sua vez, a perda da posse, na ação de reintegração" (AgInt no AREsp 605.410/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 03/08/2018). No caso dos autos, o imóvel objeto da ação possessória (parcela/lote nº 198) está localizado no Projeto de Assentamento Santo Antônio, localizado em Itaquiraí/MS. Consta da documentação, ainda, que o réu não é o beneficiário original do lote, mas sim a pessoa de JOSÉ DE JESUS SANTOS. De acordo com o documento ID 12981702 (identificação de ocupação de parcela rural), datado de 21/09/2010, o apelante GILSON KANIGOSKI afirmou arrendar e residir no lote. No mesmo sentido é a sua defesa apresentada na seara administrativa (ID 12981740), da qual consta que GILSON e JOSÉ DE JESUS SANTOS, beneficiário primitivo, explorariam a área em regime de parceria. Importante acrescentar, neste ponto, que de acordo com o documento ID 12981707, a eliminação do beneficiário primitivo (José de Jesus Santos) se deu pelo fato de o mesmo "não residir, nem explorar a parcela/lote em descumprimento do art. 2º, caput, da Lei nº 4.504/64, em detrimento à oportunidade de acesso à terra". Os elementos de convicção revelam, portanto, que o imóvel em questão foi inicialmente cedido ao beneficiário JOSÉ DE JESUS SANTOS, que o cedeu irregularmente, no ano de 2009, sem anuência do INCRA, ao apelante GILSON KANIGOSKI. Por essa razão o réu foi notificado em março/2011 para desocupar o imóvel (ID 12981710). Nessa senda, tenho que a documentação juntada aos autos revela, de forma inquestionável, que o apelante vem ocupando o lote de forma irregular desde 2009 (ID 12981147), na medida em que o beneficiário originário do lote era José de Jesus Santos, sendo vedada, conforme a legislação da regência, a transferência do imóvel a terceiro (art. 15, II, do Decreto nº 9.311/2018). Em que pese haver nos autos indícios de que o réu explorava o lote, cumprindo a função social da propriedade, isso não afasta a configuração da ocupação irregular, uma vez que a exploração da terra, por si só, não garante ao apelante o direito à ocupação do lote em área destinada à Reforma Agrária, uma vez que este não é o único critério adotado pelo INCRA para seleção das famílias beneficiadas pelo Programa de Reforma Agrária. A esse respeito, destaco os arts. 18 e 21, da Lei 8.629/1993: Art. 18. A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso - CDRU instituído pelo art. 7o do Decreto-Lei no 271, de 28 de fevereiro de 1967. Art. 21. Nos instrumentos que conferem o título de domínio, concessão de uso ou CDRU, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou por meio de seu núcleo familiar, mesmo que por intermédio de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos. Esse, aliás, é o entendimento desta E. Corte: DOMÍNIO E POSSE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROGRAMA DE ASSENTAMENTO. OCUPAÇÃO IRREGULAR. I - Hipótese dos autos em que, conforme apurado em vistoria realizada no lote nº 53 por agentes do Incra e confirmado pela própria recorrente, o beneficiário primitivo, sem a necessária aquiescência do INCRA, transferiu o lote a Rafael Lopes Biazus, que passou a ocupar o lote juntamente com a mãe, ora recorrente, transferência que se deu, portanto, de forma irregular por afronta às cláusulas contratuais e aos princípios que devem nortear os programas governamentais visando ao assentamento de trabalhadores rurais, a situação também caracterizando inobservância da ordem de cadastro para fins de distribuição dos lotes às famílias necessitadas regularmente cadastradas. II - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 546508 - 0030467-49.2014.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, julgado em 24/09/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2019) Também é relevante registrar que não existe possibilidade de regularização fundiária, na forma prevista no art. 26-B da Lei 8.629/1993, visto que a posse exercida por GILSON KANIGOSKI não poder ser considerada de boa-fé, porquanto derivada de negociação irregular, em total desrespeito aos critérios seletivos, conforme constatado pela “Operação Tellus” deflagrada pela Polícia Federal e Ação Cautelar Inominada (processo nº 0001088-29.2010.4.03.6006). De fato, constatou-se, no bojo da denominada "Operação Tellus", do Departamento de Polícia Federal, bem como por força da Ação Cautelar Inominada n. 0001088-29.2010.403-6006, proposta pelo Ministério Público Federal e em trâmite na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Naviraí/MS, que o ora apelante obteve proveito ilícito, por compra e venda do lote, o que redundou na negativa de homologação da regularização da parcela, além da sua exclusão do Programa Nacional de Reforma Agrária. Tais fatos, aliás, já foram reconhecidos por esta Corte através da decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 0023709-88.2013.403.0000, envolvendo a mesma parte (GILSON KANIGOSKI) e o mesmo lote. É de se lembrar, por fim, a inexistência de direito à indenização pelas benfeitorias eventualmente realizadas no lote, consoante pacífica jurisprudência do C. STJ, materializada em sua Súmula nº 619, segundo a qual “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”. E certamente não se pode sequer cogitar de boa-fé por parte dos apelantes, haja vista a plena ciência da irregularidade da ocupação, comprovada pela vasta documentação já referida acima. Assim, a confirmação da sentença é medida que se impõe. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo retido e à apelação. Em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AGRAVO RETIDO. PRODUÇÃO DE PROVAS. DESNECESSIDADE. NULIDADE DE PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. INCRA. DESAPROPRIAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REFORMA AGRÁRIA. ASSENTAMENTO. OPERAÇÃO TELLUS. OCUPAÇÃO IRREGULAR.
- O presente caso versa sobre ação de reintegração de posse proposta pelo INCRA, visando à retomada do lote nº 198 do Projeto de Assentamento Santo Antônio, localizado em Itaquiraí/MS, sendo certo que, como bem pontuou o MM Juízo “a quo”, o objeto da lide não abrange a edificação de benfeitorias, o que torna impertinente a produção da prova técnica pericial. Incidente, na espécie, o disposto no art. 130 do CPC/1973, segundo o qual cabe ao juiz determinar as provas que entenda necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências consideradas inúteis ou protelatórias. Agravo retido desprovido.
- Não há que se falar em nulidade do procedimento administrativo por alegada inexistência de contraditório e ampla defesa, bem como por inobservância da pluralidade de instâncias. Os documentos existentes revelam que o apelante foi cientificado acerca do processo administrativo que resultou na ordem de desocupação do lote, inclusive porque a notificação para tal desocupação foi por ele próprio recebida. E tanto essa cientificação foi eficaz, que o apelante apresentou sua defesa na esfera administrativa, não havendo nenhum indício de que tal defesa não tenha sido levada em consideração pela autoridade prolatora da decisão. A referida defesa foi examinada, sendo, contudo, indeferida.
- Segundo o disposto no art. 16 da Lei nº 8.629/1993, o INCRA possui o prazo de 3 anos, contados da data do registro do título translativo do domínio, para distribuir as terras aos beneficiários do programa, sendo que a distribuição dos imóveis rurais obtidos através da reforma agrária poderá ocorrer por meio de títulos de domínio, de concessão de uso ou de concessão de direito real de uso, ficando os beneficiários obrigados a cultivar o imóvel direta e pessoalmente e não poderão ceder o seu uso a terceiro ou negociá-lo a qualquer título, pelo prazo de 10 anos (art. 21 da Lei nº 8.629/1993). Caso o beneficiário não cumpra com as suas obrigações, ocorrerá a rescisão do contrato e consequentemente o retorno do imóvel para o domínio do órgão alienante ou concedente.
- Consta da documentação que o réu não é o beneficiário original do lote, mas sim a pessoa de JOSÉ DE JESUS SANTOS. De acordo com a identificação de ocupação de parcela rural, datada de 21/09/2010, o apelante afirmou arrendar e residir no lote. No mesmo sentido é a sua defesa apresentada na seara administrativa. A eliminação do beneficiário primitivo se deu pelo fato de o mesmo "não residir, nem explorar a parcela/lote em descumprimento do art. 2º, caput, da Lei nº 4.504/64, em detrimento à oportunidade de acesso à terra".
- Os elementos de convicção revelam, portanto, que o imóvel em questão foi inicialmente cedido ao beneficiário JOSÉ DE JESUS SANTOS, que o cedeu irregularmente, no ano de 2009, sem anuência do INCRA, ao apelante GILSON KANIGOSKI. Por essa razão o réu foi notificado em março/2011 para desocupar o imóvel.
- Em que pese haver nos autos indícios de que o réu explorava o lote, cumprindo a função social da propriedade, isso não afasta a configuração da ocupação irregular, uma vez que a exploração da terra, por si só, não garante ao apelante o direito à ocupação do lote em área destinada à Reforma Agrária, uma vez que este não é o único critério adotado pelo INCRA para seleção das famílias beneficiadas pelo Programa de Reforma Agrária.
- Também é relevante registrar que não existe possibilidade de regularização fundiária, na forma prevista no art. 26-B da Lei 8.629/1993, visto que a posse exercida por GILSON KANIGOSKI não poder ser considerada de boa-fé, porquanto derivada de negociação irregular, em total desrespeito aos critérios seletivos, conforme constatado pela “Operação Tellus” deflagrada pela Polícia Federal e Ação Cautelar Inominada (processo nº 0001088-29.2010.4.03.6006).
- Apelação desprovida.