Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5000454-98.2023.4.03.6132

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

AGRAVADO: VALDOMIRO ROSA

Advogado do(a) AGRAVADO: LUHANA RODRIGUES ALVES - SP395764-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5000454-98.2023.4.03.6132

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

AGRAVADO: VALDOMIRO ROSA

Advogado do(a) AGRAVADO: LUHANA RODRIGUES ALVES - SP395764-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da decisão da 1ª Vara Federal de Avaré (SP) que, de ofício, declarou como não escrita condição de doação de sangue imposta em acordo de não persecução penal (ANPP) (ID 276579835, pp. 32/34).

Em seu recurso (ID 276579835, pp. 39/50), o MPF alega, de início, que a decisão foi atingida pela preclusão, pois o acordo já havia sido homologado sem que o magistrado anterior tivesse vislumbrado qualquer ilegalidade. No mérito, argumenta que a condição de doação de sangue periódica foi escolhida de forma voluntária pelo agravado, “respeitadas as condições de saúde”, dentre outras que contemplavam um número maior de horas de serviço comunitário. Destaca que não há ilegalidade ou inconstitucionalidade na condição, pois, além da voluntariedade, “de comercialização ou de remuneração não se trata”. Em razão disso, pede seja reformada a decisão com o reconhecimento da legalidade da cláusula de doação de sangue prevista no ANPP, que já vinha sendo cumprida pelo beneficiário.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 276579835, pp. 78/82).

A decisão agravada foi mantida (ID 276579835, p. 88).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento do agravo (ID 276634614).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5000454-98.2023.4.03.6132

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

AGRAVADO: VALDOMIRO ROSA

Advogado do(a) AGRAVADO: LUHANA RODRIGUES ALVES - SP395764-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

A 1ª Vara Federal de Avaré (SP), de ofício, declarou como não escrita uma cláusula de doação de sangue estipulada em acordo de não persecução penal (ANPP), celebrado pelo Ministério Público Federal (MPF) e por VALDOMIRO ROSA, por considerar que “[e]sse tipo de ajuste é proibido pelo ordenamento jurídico” porque “não pode o Estado compelir qualquer pessoa a doar sangue” (ID 276579835, pp. 32/34).

Contra isso insurge-se o MPF, alegando que a obrigação foi assumida voluntariamente pelo agravado, como alternativa para reduzir o número de horas de prestação de serviços à comunidade. Além disso, argumenta que a decisão anulou negócio processual lícito e legítimo, que já fora homologado e vinha sendo regularmente cumprido.

O recurso procede. Em que pesem os fundamentos da decisão agravada, não há qualquer ilegalidade na cláusula do ANPP que estabeleceu a condição de doação de sangue periódica (ID 276579835, pp. 11/13).

Como destacou o MPF, a proposta do acordo continha duas possibilidades, tendo o agravado optado por aquela que contemplava a doação de sangue por doze vezes (respeitadas as condições de saúde), mas previa uma sensível redução no tempo de prestação de serviços comunitários (de 360 para 210 horas).

Assim, está claro que não houve imposição, mas uma escolha consciente pela alternativa que o agravado considerou mais favorável e para a qual estava apto, tanto que já doara sangue por duas vezes quando essa parte do ANPP foi anulada (ID 276579835, pp. 25/26 e 28/29).

Ademais, a possibilidade de doação de sangue como abatimento da pena de prestação de serviços à comunidade não encontra óbice no ordenamento jurídico, conforme decidiu o Conselho Nacional de Justiça, no Procedimento de Controle Administrativo nº 0007689-27.2020.2.00.0000, de relatoria da Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, (j. 18.12.2020), de cuja decisão, extrai-se:

O pedido formulado pela AGU consiste no controle de legalidade da Portaria VEPEMA 1/2020, ato editado pelo JUÍZO DA VARA DE EXECUÇÃO DE PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS DA COMARCA DE GOIÂNIA que regulamentou o abatimento de parte do tempo da pena de prestação de serviços comunitários por doadores de sangue.

(...)

A AGU pugnou pela anulação do ato sob alegação de que a doação de sangue é regulada pelo Ministério da Saúde e que a Portaria VEPEMA 1/2020 criou causa de detração de pena não prevista em lei. Diante disso, apontou violação aos princípios da legalidade e da separação dos poderes.

A pretensão da requerente não merece ser acolhida.

1. Portaria VEPEMA 1/2020. Competência. Ausência de vício. Pena restritiva de direitos. Definição. Juiz da execução. Princípio da separação dos poderes. Preservação.

 

(...)

No caso vertente, a medida definida pela Portaria VEPEMA 1/2020 foi a doação voluntária de sangue, ato que se enquadra na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, cuja disciplina está no art. 46 do Código Penal, in verbis:

(...)

Portanto, não há dúvidas de que a doação de sangue voluntária de sangue faz parte de um programa estatal e a efetivação deste ato configura a prestação de um serviço à comunidade, na forma prevista pelo §2º do art. 46 do Código Penal.

Quanto à competência do Juízo requerido para estabelecer a doação voluntária de sangue como alternativa à prestação de serviços comunitários, reafirmo que esta prerrogativa pode ser extraída do art. 66, inciso III, alínea “a”, da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais – LEP). Segundo este dispositivo, o Juiz da execução é o responsável por definir a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos, in verbis:

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

[...]

V - determinar:

a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução;

(...)

2. Doação de sangue. Prestação de serviço à comunidade. Voluntariedade. Protocolos de segurança. Observância.

Outro aspecto ressaltado pela AGU para defender a ilegalidade da Portaria VEPEMA 1/2020 seria o possível desvirtuamento dos princípios que regem a doação de sangue, dentre eles a voluntariedade, o altruísmo e a não remuneração.

Quanto à voluntariedade, o ato impugnado é expresso ao registrar que a doação de sangue não constituiu uma imposição, ao contrário, é uma alternativa para abatimento de parte do tempo da pena de prestação de serviços comunitários. Repita-se, a conduta é voluntária e o condenado, seja por opção pessoal ou restrição médica, pode continuar a cumprir a pena na forma orginalmente cominada.

A requerente também aventou a possibilidade de a Portaria VEPEMA 1/2020 estabelecer algum tipo de prática comercial com a doação de sangue. No entanto, esta alegação não se justifica, porquanto, em momento algum, o ato do Juízo da VEPEMA determina a substituição da pena de prestação pecuniária pela doação de sangue.

Ao revés, o ato impugnado evidencia que somente os condenados a prestação de serviços comunitários podem abater parte da pena com a doação voluntária de sangue. Portanto, não há qualquer vantagem financeira para o doador.

Por fim, no que tange à alegação de que a Portaria VEPEMA 1/2020 teria o condão de interferir nos protocolos de segurança para doação de sangue, é imperioso reafirmar que este se resume a aspectos penais e processuais. Da leitura do ato impugnado não é possível extrair determinações para a inobservância de regras sanitárias ou médicas, pois, obviamente, somente poderão se valer da medida aqueles condenados que estejam aptos a serem doadores.

3. Conclusão.

Em face do exposto, com fundamento no art. 25, inciso X, do RICNJ, julgo improcedente o pedido formulado na inicial.

Posto isso, DOU PROVIMENTO ao agravo em execução penal, para reconhecer a legalidade e restabelecer a cláusula de doação de sangue estipulada em acordo de não persecução penal (ANPP), nos termos da fundamentação supra.

É o voto.


Com a devida vênia do Eminente Relator, Desembargador Federal Nino Toldo, tenho que não seja viável ser ofertada a possibilidade de doação de sangue como forma alternativa de prestação de serviços à comunidade.

Inicialmente, noto que prestar serviço é uma obrigação de fazer e no caso em tela, doar sangue é uma obrigação de dar, no caso, parte do corpo.

É certo que o sangue seja passível de doação, sendo que o próprio organismo tem a capacidade de se regenerar; entretanto, tenho que a doação de parte do corpo humano vivo não deva ser equiparada a um fazer.

A discussão nos autos revela debate de alto nível de argumentação e mostra quão rico e extenso é o interpretar do Direito.

Entretanto, a despeito dos relevantes argumentos jurídicos expendidos, tenho que o doar sangue deva ser pautado pelo altruísmo, por parte das pessoas que o podem fazer, sendo certo que nem todas as pessoas têm condições de saúde que o permitem e, no caso em tela, a doação como condição do ANPP, a meu ver, não é nutrida pelo altruísmo, mas por um interesse, uma troca.

Ademais, em suas contrarrazões (ID 276579835, f. 78/82), a defesa constituída se opõe à condição de doação de sangue, de modo que tenho esteja em xeque o livre consentimento do beneficiário do acordo.  Tenho, pois, que por mais este fundamento as doações devam ser descontinuadas, diante do dissenso revelado pelo teor das contrarrazões.

Quanto às duas doações já efetivadas, tenho que devam ser consideradas válidas, a fim de não ser o beneficiário prejudicado, afinal a tarefa foi cumprida.

São essas as considerações que desejava externar.

Pelo exposto, nego provimento ao Agravo em Execução Penal. 


E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CLÁUSULA DE DOAÇÃO DE SANGUE EM ANPP. VOLUNTARIEDADE. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA. CLÁUSULA RESTABELECIDA.

1. Não há ilegalidade na cláusula do ANPP que estabeleceu a condição de doação de sangue periódica. O agravado tinha duas possibilidades, tendo optado  por aquela que contemplava a doação de sangue, mas previa uma sensível redução na quantidade de horas de prestação de serviços comunitários. Não houve imposição, mas uma escolha consciente pela alternativa que o agravado considerou mais favorável e para a qual estava apto, tanto que já doara sangue por duas vezes quando essa parte do ANPP foi anulada.

2. O Conselho Nacional de Justiça já decidiu, em procedimento de controle administrativo, que não há óbice no ordenamento jurídico para a doação de sangue como abatimento da pena de prestação de serviços à comunidade.

3. Agravo provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu DAR PROVIMENTO ao agravo em execução penal, para reconhecer a legalidade e restabelecer a cláusula de doação de sangue estipulada em acordo de não persecução penal (ANPP), nos termos da fundamentação, conforme voto do Relator Des. Fed. Nino Toldo, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencida a Juíza Federal Convocada Mônica Bonavina que negava provimento ao Agravo em Execução Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.