Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007975-05.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - SJMS, PENITENCIÁRIA FEDERAL EM CAMPO GRANDE/MS, LEANDRO DA SILVA, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007975-05.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - SJMS, PENITENCIÁRIA FEDERAL EM CAMPO GRANDE/MS, LEANDRO DA SILVA

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL em face de decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal da 1ª Subseção Judiciária de Campo Grande/MS, que, em sede de execução penal, determinou ao Estado Recorrente que forneça a Leandro da Silva, custodiado na Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, a medicação injetável Adalimumabe 40mg/ml, na forma e no tempo determinado por prescrição médica.

Preliminarmente, sustenta o Agravante ser competência da União disponibilizar ao custodiado o medicamento solicitado. No mérito, pugna pela reforma da decisão, ao argumento, em síntese, de que o pedido de fornecimento da medicação deve estar acompanhado de prescrição médica atualizada e deve se submeter aos critérios estabelecidos pelos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) do Ministério da Saúde. Pleiteia, ainda, o afastamento da multa cominatória fixada ou sua conversão em bloqueio de valores, com observância da Tabela de Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) da ANVISA para compra de medicamentos, limitando-se o bloqueio ao valor do custo do tratamento de cada trimestre, com liberação condicionada a relatório médico atualizado que justifique a continuidade do tratamento (ID 280822078 – p. 1/19).

A Penitenciária Federal em Campo Grande/MS ofertou contrarrazões (ID 280822078 – p. 34/49)

Regularmente intimada (ID 280822092), a Defesa de Leandro da Silva não apresentou contrarrazões.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento (ID 282263914).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007975-05.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

AGRAVADO: JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - SJMS, PENITENCIÁRIA FEDERAL EM CAMPO GRANDE/MS, LEANDRO DA SILVA

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

Na hipótese, a decisão prolatada no bojo dos autos da Execução Penal nº 0812738-98.2018.4.05.8400, pelo Juízo da 5ª Vara Federal da 1ª Subseção Judiciária de Campo Grande/MS, em favor de Leandro da Silva, interno da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, determinou ao Estado de Mato Grosso do Sul que forneça a medicação injetável Adalimumabe 40mg/ml ao custodiado, na forma e no tempo determinado por prescrição médica.

O Estado de Mato Grosso do Sul interpôs o presente agravo em execução, visando à reforma da decisão recorrida, com base nos fundamentos que passo a analisar topicamente.

Da competência para o fornecimento do medicamento

No que tange à implementação da política social de saúde, o poder constituinte estabeleceu um critério vertical de distribuição de competências, instituindo uma atuação coordenada entre as esferas federativas, por meio da fixação da competência comum da União, dos Estados e dos Municípios (art. 23, inc. II, da Constituição da República), promovendo, assim, um federalismo cooperativo, em que todos os entes devem colaborar para conferir efetividade ao direito fundamental à saúde.

No âmbito deste arcabouço normativo, a repartição de competências para a promoção da assistência farmacêutica pelo Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto parte integrante da assistência terapêutica integral (art. 6º, inc. I, d, da Lei 8.080/1990), vem sendo delineada por critérios jurisprudencialmente estabelecidos.

No que concerne à dispensação de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas não incorporados ao SUS, a 1ª Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência nº 188.002/SC, afetado ao Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 14, fixou a tese de que a competência do juízo deve ser estabelecida em função do ente contra o qual a parte autora decidir demandar, não sendo cabível a utilização das regras de repartição de competências administrativas do SUS para alteração do polo passivo, devendo a incidência de tais normas se restringir à orientação do redirecionamento do cumprimento da sentença ou à determinação do ressarcimento do ente que suportou o ônus financeiro. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS. REGISTRO NA ANVISA. TEMA 793 DA REPERCUSSÃO GERAL. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO. OCORRÊNCIA. INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO. EXAME. JUSTIÇA FEDERAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. COMPETÊNCIA.

(...) 16. Tese jurídica firmada para efeito do artigo 947 do CPC/2015:

A) Nas hipóteses de ações relativas à saúde intentadas com o objetivo de compelir o Poder Público ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na dispensação de medicamentos não inseridos na lista do SUS, mas registrado na ANVISA, deverá prevalecer a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar.

B) As regras de repartição de competência administrativas do SUS não devem ser invocadas pelos magistrados para fins de alteração ou ampliação do polo passivo delineado pela parte no momento da propositura da ação, mas tão somente para fins de redirecionar o cumprimento da sentença ou determinar o ressarcimento da entidade federada que suportou o ônus financeiro no lugar do ente público competente, não sendo o conflito de competência a via adequada para discutir a legitimidade ad causam, à luz da Lei nº 8.080/90, ou a nulidade das decisões proferidas pelo Juízo estadual ou federal, questões que devem ser analisadas no bojo da ação principal.

C) A competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88, é determinada por critério objetivo, em regra, em razão das pessoas que figuram no polo passivo da demanda (competência ratione personae), competindo ao Juízo federal decidir sobre o interesse da União no processo (Súmula 150/STJ), não cabendo ao Juízo estadual, ao receber os autos que lhe foram restituídos em vista da exclusão do ente federal do feito, suscitar conflito de competência (Súmula 254/STJ).

(STJ. 1ª Seção. CC 188.002-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 12/4/2023 [IAC 14])

Em seguida, o STF, por sua vez, concedeu tutela provisória no RE 1.366.243 para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema nº 1.234 da Repercussão Geral, as demandas judiciais relativas ao fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS devem ser processadas e julgadas pelo Juízo ao qual foram direcionadas pela parte autora, sendo vedada a declinação da competência ou a determinação de inclusão da União no polo passivo:

REFERENDO NA TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 1.234. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL NAS DEMANDAS QUE VERSAM SOBRE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS REGISTRADOS NA ANVISA, MAS NÃO PADRONIZADOS NO SUS. DECISÃO DO STJ NO IAC 14. DEFERIMENTO PARCIAL DA MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA. 1. O julgamento do IAC 14 pelo Superior Tribunal de Justiça constitui fato novo relevante que impacta diretamente o desfecho do Tema 1234, tanto pela coincidência da matéria controvertida – que foi expressamente apontada na decisão de suspensão nacional dos processos – quanto pelas próprias conclusões da Corte Superior no que concerne à solidariedade dos entes federativos nas ações e serviços de saúde. 2. Reflexões conduzidas desde o julgamento da STA 175, em 2009, inclusive da respectiva audiência pública, incentivaram os Poderes Legislativo e Executivo a buscar organizar e refinar a repartição de responsabilidades no âmbito do Sistema Único de Saúde. Reporto-me especificamente (i) às modificações introduzidas pelas Leis 12.401/2011 e 12.466/2010 na Lei 8.080/1990, (ii) ao Decreto 7.508/2011; e (iii) às sucessivas pactuações no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite. 3. Há um esforço de construção dialógica e verdadeiramente federativa do conceito constitucional de solidariedade ao qual o Poder Judiciário não pode permanecer alheio, sob pena de incutir graves desprogramações orçamentárias e de desorganizar a complexa estrutura do SUS, sobretudo quando não estabelecida dinâmica adequada de ressarcimento. O conceito de solidariedade no âmbito da saúde deve contemplar e dialogar com o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde. 4. No julgamento do Tema 793 da sistemática a repercussão geral, a compreensão majoritária da Corte formou-se no sentido de observar, na composição do polo passivo de demandas judiciais relativas a medicamentos padronizados, a repartição de atribuições no SUS. A solidariedade constitucional pode ter se revestido de inúmeros significados ao longo do desenvolvimento da jurisprudência desta Corte, mas não se equiparou, sobretudo após a reforma do SUS e o julgamento do Tema 793, à livre escolha do cidadão do ente federativo contra o qual pretende litigar. 5. Tutela provisória concedida em parte para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1.234 da Repercussão Geral, sejam observados os seguintes parâmetros: 5.1. nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual; 5.2. nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1.234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo; 5.3. diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução; 5.4. ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário.
(STF. Plenário. RE 1366243 TPI-Ref, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/04/2023) – g.n.

No caso, a pretensão deduzida nos autos visa ao fornecimento de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado ao SUS (Adalimumabe 40mg/ml), em favor de Leandro da Silva, interno da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, na forma e no tempo determinados por prescrição médica, havendo a demanda sido direcionada contra o Estado de Mato Grosso do Sul.

Em face dos parâmetros jurisprudenciais acima expostos, mostra-se de rigor o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam do Estado Agravante, sendo incabível a declinação da competência ou a determinação de inclusão da União no polo passivo com base nas regras de repartição de competência administrativas do SUS.

Do fornecimento do medicamento

A saúde constitui um direito fundamental dotado de estatura constitucional (art. 6º e 196 da Constituição da República), convencional (art. 10 do Protocolo de São Salvador) e legal (art. 2º da Lei 8.080/1990), derivado da dignidade da pessoa humana e orientado à proteção do direito à vida (arts. 1º, inc. III, e 5º, caput; da Constituição da República), o qual, em sua faceta subjetiva, impõe ao Estado a realização de um dever de caráter prestacional em prol da promoção, proteção e recuperação do bem-estar físico, mental e social dos cidadãos.

Em relação às pessoas privadas de liberdade, constitui dever do Estado a prestação de assistência à saúde, a qual deve compreender o atendimento médico, farmacêutico e odontológico (arts. 10; 11, inc. II; 14; e 41, inc. VII, todos da Lei 7.210/84; e art. 19-M da Lei 8.080/1990), bem como a garantia da continuidade dos tratamentos necessários à preservação da integridade dos custodiados (item 24.2 das Regras de Mandela).

No caso, consta que Leandro da Silva, interno da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, recebeu o diagnóstico de Doença de Behçet (CID-10 M35.2), consoante relatório médico colacionado aos autos (ID 280822119 – p. 8), havendo iniciado tratamento, por prazo indeterminado, com o medicamento Adalimumabe 40mg.

No entanto, após a transferência do interno para a Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso do Sul, por meio do Ofício nº 1718/DGAE/GAB/SES/2023, apresentou resposta negativa ao pedido de fornecimento do referido fármaco, sob o fundamento de inexistência de indicação do seu uso para a patologia que acomete o custodiado, por parte dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde.

Efetivamente, conforme apontado na decisão recorrida, o fármaco Adalimumabe 40mg se trata de droga integrante do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica do SUS, incorporada à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), porém sem indicação terapêutica específica para o tratamento da Doença de Behçet.

De início, deve-se observar, porém que, consoante entendimento firmado pelo STJ em julgamento submetido à sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema nº 106), mostra-se de rigor o reconhecimento da obrigação do Estado de proceder ao fornecimento de medicamentos registrados na ANVISA, ainda que não incorporados em atos normativos do SUS, nas hipóteses em que comprovada, por laudo médico fundamentado e circunstanciado, a imprescindibilidade da medicação requerida e, por outro lado, a ineficácia, para o tratamento da patologia, dos fármacos fornecidos pelo SUS, assim como a incapacidade financeira da parte de arcar com o custo do medicamento (EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, julgado em 12/09/2018).

Na situação analisada, verifica-se a existência de prescrição médica, laudo de solicitação de medicamento e relatório médico (ID 280822119 – p. 6/10) que certificam a necessidade de uso do fármaco Adalimumabe 40mg, a cada 15 dias, pelo paciente custodiado, por tempo indeterminado, com vistas conter a evolução da uveíte - distúrbio surgido como consequência da Doença de Behçet -, não havendo indicação de nenhum outro possível substituto terapêutico.

Nesse sentido, destaca-se que o Relatório Médico da Divisão de Saúde da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS atestou que Leandro da Silva possui, efetivamente, diagnóstico de uveíte (CID 10: h30.8), em decorrência da Doença de Behçet, e encontra-se há 15 anos fazendo uso regular da medicação Adalimumabe 40mg, cuja interrupção “pode acarretar piora abrupta do quadro e inclusive cegueira permanente, uma vez que não possui cura e sim controle dos sintomas” (ID 280822119 – p. 8).

Observa-se que os documentos acima referidos foram expedidos em meados de 2023 e, portanto, mostram-se contemporâneos à solicitação de fornecimento da medicação direcionada ao Estado de Mato Grosso do Sul, não havendo que se falar em necessidade de atualização da análise pericial.

Neste ponto, é relevante anotar que, conforme bem apontado nos fundamentos da decisão recorrida, há indicação explícita de uso do Adalimumabe para tratamento de uveíte, em conformidade com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, e existem pareceres favoráveis à utilização do mencionado fármaco como opção para tratamento da Doença de Behçet e suas complicações, ainda que fora das recomendações constantes em bula, conforme verificado em consulta realizada ao sistema e-NatJus do CNJ (Notas Técnicas nº 63800, 107650 e 115127).

Encontram-se devidamente demonstrados, portanto, o preenchimento dos requisitos legais e a observância dos parâmetros jurisprudenciais necessários a fundamentar o direito subjetivo do custodiado a ter fornecida, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, a medicação necessária à preservação da sua saúde.

Da exclusão da multa

O Agravante pleiteia a exclusão da multa cominatória fixada pelo Juízo a quo, para a hipótese de descumprimento da decisão liminar, ou a sua substituição pelo bloqueio de verbas.

Neste capítulo, não subsiste o interesse recursal.

Conforme se depreende da análise dos autos, o Estado de Mato Grosso do Sul informou, em 07/07/2023, o “cumprimento da ordem no sentido de fornecer a medicação ADALIMUMABE 40mg ao custodiado LEANDRO DA SILVA” (ID 280822097 – p. 1), havendo, por conseguinte, sido proferida decisão, em 15/09/2023, afastando “a aplicação da multa diária, em razão do fornecimento do medicamento ao apenado” (ID 280822141 – p. 3).

Portanto, afastada a incidência da multa cominatória, em vista do cumprimento da decisão pelo Agravante, no prazo estabelecido no provimento jurisdicional liminar, não remanesce interesse recursal quanto ao pleito de exclusão das astreintes, razão pela qual o recurso não deve ser conhecido neste ponto.

Por fim, cosigna-se que os pedidos de observância da Tabela de Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) para compra do medicamento e de exigência de relatório médico atualizado trimestralmente que justifique a continuidade do tratamento, desbordam dos limites objetivos da matéria cognoscível no âmbito do presente recurso, devendo tais questões serem dirimidas em sede administrativa, consoante observado no parecer da Procuradoria Regional da República.

Dispositivo

Ante o exposto, não conheço do agravo em relação às pretensões de exclusão de multa e de sua substituição pelo bloqueio de verbas necessárias à aquisição do medicamento, por perda superveniente de interesse recursal, e, na parte conhecida, nego provimento ao recurso

É o voto.



E M E N T A

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CUSTODIADO EM UNIDADE FEDERAL DE SEGURANÇA MÁXIMA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. COMPETÊNCIA DO ENTE FEDERADO CONTRA O QUAL FOI DIRECIONADA A PRETENSÃO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DO CUSTODIADO. EXISTÊNCIA DE REGISTRO DO FÁRMACO NA ANVISA. LAUDO MÉDICO FUNDAMENTADO. IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDICAÇÃO COMPROVADA. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DE MULTA COMINATÓRIA. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE RECURSAL. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Agravo em Execução Penal interposto pelo Estado de Mato Grosso do Sul em face de decisão proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal da 1ª Subseção Judiciária do Campo Grande/MS, que, em sede de execução penal, determinou ao Estado Recorrente que forneça a Leandro da Silva, custodiado na Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, a medicação injetável Adalimumabe 40mg/ml, na forma e no tempo determinados por prescrição médica.

2. No que concerne à dispensação de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), mas não incorporados ao SUS, a 1ª Seção do STJ, no julgamento do Conflito de Competência nº 188.002/SC, afetado ao Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 14, fixou a tese de que a competência do juízo deve ser estabelecida em função do ente contra o qual a parte autora decidir demandar, não sendo cabível a utilização das regras de repartição de competências administrativas do SUS para alteração do polo passivo, devendo a incidência de tais normas se restringir à orientação do redirecionamento do cumprimento da sentença ou à determinação do ressarcimento do ente que suportou o ônus financeiro.

3. O STF concedeu tutela provisória no RE 1.366.243 para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema nº 1.234 da Repercussão Geral, as demandas judiciais relativas ao fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS devem ser processadas e julgadas pelo Juízo ao qual foram direcionadas pela parte autora, sendo vedada a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo.

4. Em face dos parâmetros legais e jurisprudenciais de regência, mostra-se de rigor o reconhecimento da legitimidade passiva ad causam do Estado Agravante para a pretensão deduzida nos autos, sendo incabível a declinação da competência ou a determinação de inclusão da União no polo passivo com base nas regras de repartição de competências administrativas do SUS.

5. A saúde constitui um direito fundamental dotado de estatura constitucional (art. 6º e 196 da Constituição da República), convencional (art. 10 do Protocolo de São Salvador) e legal (art. 2º da Lei 8.080/1990), derivado da dignidade da pessoa humana e orientado à proteção do direito à vida (arts. 1º, inc. III, e 5º, caput; da Constituição da República), o qual, em sua faceta subjetiva, impõe ao Estado a realização de um dever de caráter prestacional em prol da promoção, proteção e recuperação do bem-estar físico, mental e social dos cidadãos. Em relação às pessoas privadas de liberdade, constitui dever do Estado a prestação de assistência à saúde, a qual deve compreender o atendimento médico, farmacêutico e odontológico (arts. 10; 11, inc. II; 14; e 41, inc. VII, todos da Lei 7.210/84; e art. 19-M da Lei 8.080/1990), bem como a garantia da continuidade dos tratamentos necessários à preservação da integridade dos custodiados (item 24.2 das Regras de Mandela).

6. Consoante entendimento firmado pelo STJ em julgamento submetido à sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema nº 106), mostra-se de rigor o reconhecimento da obrigação do Estado de proceder ao fornecimento de medicamentos registrados na ANVISA, ainda que não incorporados em atos normativos do SUS, nas hipóteses em que comprovada, por laudo médico fundamentado e circunstanciado, a imprescindibilidade do medicamento requerido e, por outro lado, a ineficácia, para o tratamento da patologia, dos fármacos fornecidos pelo SUS, assim como a incapacidade financeira da parte de arcar com o custo do medicamento (EDcl no REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, julgado em 12/09/2018).

7. Verifica-se a existência de prescrição médica, laudo de solicitação de medicamento e relatório médico que certificam a necessidade de uso do fármaco Adalimumabe 40mg, a cada 15 dias, pelo paciente custodiado, por tempo indeterminado, com vistas conter a evolução da uveíte, surgida como consequência da Doença de Behçet, não havendo recomendação de nenhum possível substituto terapêutico.

8. Encontram-se devidamente demonstrados o preenchimento dos requisitos legais e a observância dos parâmetros jurisprudenciais necessários a fundamentar o direito subjetivo do custodiado a ter fornecida, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, a medicação necessária à preservação da sua saúde.

9. Afastada a incidência da multa cominatória, em vista do cumprimento da decisão pelo Agravante, no prazo estabelecido no provimento jurisdicional liminar, não remanesce interesse recursal quanto ao pleito de exclusão da multa cominatória, razão pela qual o recurso não deve ser conhecido neste ponto.

10. Agravo em execução penal não conhecido em relação às pretensões de exclusão de multa e de sua substituição pelo bloqueio de verbas, ante a perda superveniente de interesse recursal, e, na parte conhecida, não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer do agravo em relação às pretensões de exclusão de multa e de sua substituição pelo bloqueio de verbas necessárias à aquisição do medicamento, por perda superveniente de interesse recursal, e, na parte conhecida, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.