Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001526-64.2020.4.03.6120

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

APELANTE: DANIEL RIBEIRO SIGOLO

Advogados do(a) APELANTE: SERGIO RICARDO VIEIRA - SP225877-A, WALTER GONCALVES FERREIRA FILHO - SP100040-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001526-64.2020.4.03.6120

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

APELANTE: DANIEL RIBEIRO SIGOLO

Advogados do(a) APELANTE: SERGIO RICARDO VIEIRA - SP225877-A, WALTER GONCALVES FERREIRA FILHO - SP100040-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta por DANIEL RIBEIRO SIGOLO em face da r. sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Araraquara que, no bojo de ação de usucapião por ele promovida em face da UNIÃO, julgou improcedente o pedido.

Cuida-se, na origem, de ação de usucapião de imóvel urbano na qual alega o demandante que, através de compromisso particular de compra e venda firmado no dia 16/4/1984, a FEPASA se comprometeu a vender uma casa residencial situada na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, município de Araraquara/SP.

Relata que no dia 16/9/2009, mediante instrumento particular de cessão de compromisso de compra e venda, a promissária compradora Dalva Bispo Ribeiro, sua avó, lhe transferiu os direitos e obrigações decorrentes do aludido compromisso de compra e venda, o qual foi totalmente quitado conforme faz prova o Termo de Quitação nº 130/2011 que lhe fora outorgado pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo.

Muito embora esteja de posse do aludido Termo, sustenta o demandante que, mesmo após 35 anos de aquisição do imóvel pela sua avó e mais de 10 anos da aquisição dos direitos que lhe foram cedidos por DALVA, não foi providenciado o desmembramento da área tampouco lhe fora outorgada a escritura da propriedade pela FEPASA ou, no caso, por sua sucessora, a UNIÃO.

Expõe que solicitou o registro dos títulos junto ao Primeiro Ofício de Registro de Imóveis de Araraquara, tendo recebido como resposta que o seguinte: "O contrato acima mencionado não pode, por enquanto, ser qualificado, porque o imóvel constituído de “um terreno localizado nesta cidade, na avenida D. Pedro, nº 10, com a área de 7.060,00 ms2”, objeto da transcrição nº 11.968, livro 3-AK, fls. 143, de 26.04.1949, ora transportada para a matrícula nº 115.880, ora transferido para a UNIÃO conforme registro nº 02 (dois) desta matrícula" (id 258665051).

Afirma que foram inúmeras as solicitações junto à UNIÃO, a fim de que providenciasse a regularização do imóvel procedendo ao desdobro da área registrada na matrícula de maneira que destacasse da área maior o seu imóvel possibilitando o registro do título aquisitivo, mas, no entanto, não obteve êxito.

Alega o autor que, até a presente data, o imóvel objeto dos autos encontra-se registrado em nome da requerida, sendo certo que faz parte de área maior objeto da matrícula de nº 115.880.

Declara que desde 16/9/2009 passou a exercer a posse do imóvel, mantendo ali a sua residência de forma pública, mansa, ininterrupta, com animus domini, sem que houvesse qualquer oposição, bem como que não possui outro imóvel. Aduz que a sua posse, somada à posse de sua antecessora, ultrapassa 45 anos.

Assevera que desde 2009 arca com todos os impostos e taxas que recaem sobre a propriedade e que, desde a aquisição, vem promovendo atos de posse, tendo inclusive efetuado reformas e ampliação do prédio residencial que atualmente conta com 167,20m de construção.

Em 16/9/2020, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo declarou não possuir interesse no feito (id 258666892).

Em 28/9/2020, o Município de Araraquara declarou que não se opõe ao pleito do autor (id 258666894).

Em parecer, o MPF expôs que o fato de a área usucapienda pertencer à União obsta a possibilidade de o autor ter o seu pedido julgado procedente, tendo em vista a impossibilidade de se usucapir bens públicos (id 258666918).

Em 23/11/2021, prolatada a r. sentença que julgou improcedente o pedido sob o fundamento de que é impossível usucapir bens públicos, tendo adotado, o juízo a quo, a manifestação do órgão ministerial como motivação (id 258666919).

O autor apelou alegando: a) cerceamento de defesa, uma vez que não lhe foi oportunizado o direito de produção de provas, em especial com audiência de instrução e julgamento, oportunidade na qual restaria afastada a alegação de que o imóvel seria de propriedade da União; b) violação do princípio da cooperação e do acesso à justiça; c) que restou comprovado nos autos que o imóvel foi adquirido por sua avó em 15/6/1982 por meio de compromisso particular de compra e venda; d) que, quando da incorporação da FEPASA pela RFFSA em 1998, já havia transcorrido 16 anos (somadas as posses); e) que, quando da sucessão da RFFSA pela União, já havia transcorrido praticamente 25 anos (somadas as posses), evidenciado o direito à usucapião; f) que o Termo de Quitação emitido pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo declarou que vale o compromisso de compra e venda, acompanhado do aludido termo, como título para registro da propriedade do bem adquirido junto ao Cartório do Registro de Imóveis; g) que restou comprovado nos autos que o compromisso de compra e venda acompanhado do termo de quitação não pôde ser registrado em razão de desídia e negligência da FEPASA e da União em proceder ao destaque da área que lhe fora alienada da área maior objeto da matrícula nº 115.880; h) que não se aplica a disciplina de impossibilidade de usucapião de bens públicos ao caso, uma vez que o seu imóvel nunca esteve afetado à prestação de serviço ferroviário, pois foi alienado antes da sucessão pela União; i) que o transcurso do prazo da posse ad usucapionem se no período em que o imóvel ainda pertencia à FEPASA; j) que o parecer do MPF no qual o juízo fundamentou a r. sentença deu interpretação equivocada ao seu pedido com aplicação fria do texto legal, em total desarmonia com as provas, o Direito e os princípios da boa-fé objetiva e justiça; l) que deve ser analisada a questão da competência para decidir o caso, uma vez que há falta de interesse da União.

Requer o provimento do recurso, a fim de que a r. sentença seja anulada. Subsidiariamente, requer o provimento do recurso com a reforma do decisum, de maneira que o pedido seja julgado procedente (id 258666924). 

Em parecer, a Procuradoria Regional da República expôs que: a) embora conste nas movimentações do PJe a intimação da União para apresentar contrarrazões, não há certeza de que foi efetivamente intimada ou que houve decurso do prazo para o ato; b) que, embora a demanda tenha sido julgada improcedente, faz-se necessária a regularização do feito com nova intimação da União para que se manifeste acerca do interesse em intervir na ação, uma vez que, eventualmente, a decisão apelada poderá ser modificada em seu desfavor. Ao final, pugnou pela abertura de nova vista após a realização da diligência requerida (id 258829472).

Em 16/8/2022, certificado o decurso de prazo para que a União apresentasse contrarrazões (id 262211954).

Em 27/9/2022, o órgão ministerial apresentou novo parecer no qual expôs: a) que o transcurso do prazo ad usucapionem se deu no período em que imóvel ainda pertencia à sociedade de economia mista, sendo certo que a ação de usucapião não é juridicamente impossível, uma vez que a incorporação dos bens ao patrimônio da União, tornando-os insuscetíveis de desapropriação, ocorreu depois que a propriedade já era, em tese, do apelante; b) que, entre a aquisição do imóvel em 1982 e a incorporação da FEPASA pela RFFSA em 1998, já havia transcorrido 16 anos; c) que, quando da sucessão da RFFSA pela União já havia transcorrido, no total, aproximadamente 25 anos, prazo suficiente para ensejar o direito à usucapião; d) que a impossibilidade de usucapião fica condicionada à afetação do imóvel ao serviço público. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso de apelação, a fim de que a r. sentença seja anulada (id 264385948).

Em 5/1/2022, a União se manifestou alegando: a) que não opôs resistência ao pedido inicial em coerência com a própria declaração negocial de vontade liberatória expressa no Termo de Quitação lavrado pela SPU/SP; b) que, ao invés de anular a r. sentença, o caso comporta julgamento antecipado do mérito pelo Juízo ad quem; c) que a causa está madura em termos de comprovação do fato constitutivo. Ao final, pugnou pelo provimento do pedido de usucapião (id 264801501).

Vieram os autos à conclusão.

É o relatório.

jsg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

APELANTE: DANIEL RIBEIRO SIGOLO

Advogados do(a) APELANTE: SERGIO RICARDO VIEIRA - SP225877-A, WALTER GONCALVES FERREIRA FILHO - SP100040-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR):

Dos fatos

Busca o apelante a reforma da r. sentença que julgou improcedente o pedido de usucapião do imóvel localizado na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, município de Araraquara/SP, sob o fundamento de que imóveis públicos não estão sujeitos à usucapião.

Alega o apelante que restou comprovado nos autos que o imóvel foi adquirido por sua avó em 15/6/1982 por meio de compromisso particular de compra e venda, bem como que, quando da sucessão da RFFSA pela União, já havia transcorrido praticamente 25 anos (somadas as posses), evidenciado o direito à usucapião. Ademais, expôs que o Termo de Quitação emitido pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo declarou que vale o compromisso de compra e venda, acompanhado do aludido termo, como título para registro da propriedade do bem adquirido junto ao Cartório do Registro de Imóveis. Por fim, aduziu que restou comprovado nos autos que o compromisso de compra e venda acompanhado do termo de quitação não pôde ser registrado em razão de desídia e negligência da FEPASA e da União em proceder ao destaque da área que lhe fora alienada da área maior objeto da matrícula nº 115.880, bem como que não se aplica a disciplina de impossibilidade de usucapião de bens públicos ao caso, uma vez que o imóvel nunca esteve afetado à prestação de serviço ferroviário, pois foi alienado antes da sucessão pela União. 

Do mérito

Cinge-se a controvérsia em verificar se o imóvel objeto da controvérsia é bem público. 

Art. 183 da CF. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 

O art. 1º da Lei 6.428/77 declarou que "aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no art. 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946". 

Art. 200 do Decreto-lei 9.760/46. Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.

O § 3º do art. 183 da CF dispõe que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Ainda nesse sentido, o Código Civil, no art. 102, preceitua que "Os bens públicos não estarão sujeitos a usucapião". 

Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula de nº 340, in verbis: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".

Ocorre que, em se tratando de sociedades de economia mista, é pacífica a jurisprudência no sentido de que os seus bens estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público.

Confira-se:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AÇÃO REIVINDICATÓRIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA MATERIAL. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7/STJ. BEM DE TITULARIDADE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. NÃO AFETAÇÃO A SERVIÇO PÚBLICO A CARGO DELA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 7/STJ. ADEQUAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(AgInt no AREsp n. 1.393.385/SP, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/3/2020, DJe 1º/4/2020, g.n.)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. USUCAPIÃO DE BENS DA COHAB. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. DESTINAÇÃO PÚBLICA DOS BENS. SÚMULA Nº 7 DO STJ.

1. As teses apontadas no presente recurso especial não podem ser apreciadas, em virtude da ausência de prequestionamento. Incidência dos enunciados previstos nas Súmulas 282 e 356 do STF.

2. Esta Corte Superior já manifestou o entendimento de que bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista sujeitos a uma destinação pública podem ser considerados bens públicos, insuscetíveis, portanto, de usucapião.

3. Por outro turno, a alteração da premissa adotada no aresto recorrido - no sentido de que o imóvel é público - demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, insindicável em sede de recurso especial por força do entendimento cristalizado na Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt no n. REsp 1719589/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 6/11/2018, DJe 12/11/2018, g.n.)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

I - Entre as causas de perda da propriedade está o usucapião que, em sendo extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé, consumando-se no prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o artigo 550 do Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte do proprietário.

II - Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. Precedentes. Recurso especial provido.

(REsp n. 647.357/MG, Relator Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/9/2006, DJ 23/10/2006, p. 300, g.n.)

USUCAPIÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CEB.

- O bem pertencente a sociedade de economia mista pode ser objeto de usucapião.

- Precedente.

- Recurso conhecido e provido.

(REsp n. 120.702/DF, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 28/6/2001, DJ 20/8/2001, p. 468, g.n.)

REMESSA NECESSÁRIA. BEM NÃO OPERACIONAL. FEPASA. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. ART. 1242 DO CC/2002 E ART. 551 DO CC/1916. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO
- O imóvel usucapiendo trata-se de bem não operacional da extinta FEPASA (sucedida pela Rede Ferroviária Federal S/A), com incorporação ao patrimônio da União em função da Lei nº 11.483/2007, de modo que não há que se falar na imprescritibilidade prevista nos arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único, da Constituição e no art. 102 do CC, visto não se cuidar de bem público, mesmo porque, a usucapião já tinha se aperfeiçoado antes deste imóvel ter sido transferido para o patrimônio da União em 2007.
- O reconhecimento da usucapião ordinária exige, nos termos do art. 1.242 do CC/2002 (art. 551 do CC/1916), que a posse do imóvel ocorra sem interrupção ou oposição (posse mansa e pacífica), pelo prazo de 10 anos, e que o possuidor atue, em relação ao bem, como se dono fosse (“animus domini”), além de justo título e boa-fé.
- No curso da ação, os autores demonstraram por prova documental o exercício da posse mansa e pacífica, sem interrupção ou oposição, por período superior a 10 anos, como se donos fossem, bem como a existência de justo título e boa-fé, razão pela qual deve ser mantida a sentença.
- Remessa necessária desprovida.

(RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL / SP 5002490-18.2019.4.03.6112, Des. Fed. Rel. Jose Carlos Francisco, 2ª Turma, j. em 10/11/2022, g.n.). 

Do caso concreto

Adentrando no caso concreto, são necessárias algumas ponderações.

O imóvel foi adquirido pela avó do apelante, Dalva Bispo Ribeiro, no ano de 1982, através de instrumento particular de compra e venda com a FEPASA, o qual teve como objeto a venda da casa situada na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier (id 258665053). No documento, há a informação de que a área alienada foi havida pela FEPASA em decorrência da incorporação da Estrada de Ferro Araraquara S/A pela sociedade economia mista.

Ademais, verifico que houve a comprovação da cessão de direitos do compromisso de compra e venda firmado por DALVA para o apelante (id 258665058). 

Constato a juntada do Termo de Quitação nº 130/2011 emitido pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo, no qual há a declaração de quitação da totalidade do débito com a menção de que o respectivo compromisso de compra e venda, quando acompanhado do termo, vale como título para registro da propriedade do bem adquirido junto ao Cartório do Registro de Imóveis (id 258665059).

Diante do exposto, é de se reconhecer que não se trata, in casu, de bem público, uma vez que, quando da incorporação do patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal S/A pela UNIÃO, através da Lei 11.483/2007, a usucapião já havia se aperfeiçoado, notadamente, em razão do transcurso do prazo de 25 anos desde a celebração do compromisso de compra e venda firmado. 

Há que se ressaltar, ainda, a manifestação da UNIÃO no sentido de que o imóvel foi vendido à avó do autor, conforme se pode verificar do Termo de Quitação emitido pela SPU/SP (id 264801501) e do próprio reconhecimento do pedido expresso em contraminuta apresentada pela apelada. Confira-se (id 264801501):

"A UNIÃO inicialmente ressalta que, deliberadamente, não opôs resistência ao pedido inicial, em coerência ética (boa-fé negocial) à própria declaração negocial de vontade liberatória expressada no termo de quitação lavrado por seu órgão SPU/SP, documento público ao qual o Oficial de Registro de Imóveis da circunscrição do "foro rei sitae" haveria negado validade e eficácia jurídicas, estando, nessa conduta ilícita do delegatário estadual de serviço registral, passível à época de correção por tutela de writ of mandamus, a "causa" do desatendimento ao direito subjetivo do autor; pois bem, a opinio iuris da União, facilmente extraível do conteúdo jurídico de seu mencionado documento e de seu comportamento processual legalmente omissivo, é no sentido de que, ao invés de anulação da sentença, a espécie comporta julgamento antecipado do mérito no Juízo "ad quem", porquanto, sobre ter havido revelia dos apontados réus, a causa está madura em termos de comprovação do fato constitutivo, ou seja, de provimento ao pedido recursal mercê de julgamento mérito, até porque, vale lembrar a categoria lógico-processual da "possibilidade jurídica do pedido", que sob o CPC de 1973 atrelava-se ao instituto de juízo de admissibilidade das "condições da ação", desapareceu do novo Direito positivo processual civil, o que implica seu transmudação teórica para "assunto de Direito MATERIAL", ou seja, da "res in iuidicum deducta".

Portanto, em atenção à celeridade processual e eficiência jurisdicional, além, obviamente dos fundamentos já evidenciados, a União manifesta-se de provimento de mérito com tutela declaratória de usucapião".

O reconhecimento da usucapião ordinária exige, nos termos do art. 1.242 do CC(art. 551 do CC/1916), que a posse do imóvel ocorra sem interrupção ou oposição (posse mansa e pacífica), pelo prazo de 10 anos, e que o possuidor atue, em relação ao bem, como se dono fosse (“animus domini”), além de justo título e boa-fé.

Registre-se que o art. 1.243 do Código Civil/2002 (art. 552 do CC/1916) admite que o possuidor, para o fim de contar o tempo exigido para o reconhecimento da usucapião, acrescente à sua posse, a posse dos antecessores, contanto que contínuas, pacíficas e, no caso do art. 1.242, com justo título e boa-fé.

Dos elementos constantes dos autos, extrai-se que o exercício da posse do imóvel pela avó do autor, Dalva, e por ele se deu de forma mansa e pacífica desde 1982, ou seja, há mais 30 anos, conforme demonstra o compromisso particular de compra e venda  firmado com a FEPASA (id 258665053).

Há de se mencionar, ainda, o Instrumento Particular de Cessão de Compromisso de Compra e Venda no qual DALVA cede todos os direitos e obrigações decorrentes do compromisso particular de compra e venda firmado com a FEPASA (id 258665058); o Termo de Quitação emitido pela SPU/SP (id 258665059) e a aquiescência da UNIÃO quanto ao pedido do apelante (id 264801501).

Outrossim, não há notícia de que tenha a posse se interrompido, ou enfrentado oposição por quem detinha a titularidade do bem, por período não inferior a 10 anos (art. 551 do CC/1916 e art. 1.242 do CC/2002).

Igualmente, o contexto fático dá conta de que a avó do autor residia no imóvel, uma vez que no documento de cessão de direitos há a seguinte menção "UMA CASA RESIDENCIAL, NP. 343.002, situada na Rua São Jorge, nº 85 - Vila Xavier, de construção de alvenaria de tijolos, coberta de telhas do tipo francesa, com a área construída de 71,33 metros quadrados" (id 258665058). Há, ainda, a comprovação de pagamento de impostos pelo apelante (id 258665065) e documentos que atestam que lá tem promovido construções e reformas (ids 258665061, 258665062, 258665063 e 258665064), sendo certo que não há oposição da Fazenda Pública do Estado de São Paulo (id 258666891) nem do Município de Araraquara (id 258666894).

Ademais, os confrontantes, apesar de devidamente citados (ids 258666908 e 258666916), não manifestaram oposição ao pedido de Daniel. 

Portanto, tratando-se de imóvel passível de ser adquirido por usucapião, tendo sido demonstrado por prova documental o exercício da posse mansa e pacífica, sem interrupção ou oposição, por período superior a 10 anos, pelo autor, como se dono fosse, e com justo título e boa-fé, a reforma da sentença recorrida é medida que se impõe.

Da verba honorária

Condeno a UNIÃO ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 12% sobre o valor atribuído à causa.  

Conclusão

Ante o exposto, dou provimento ao apelo para declarar o direito do autor à usucapião do imóvel localizado na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, Araraquara/SP.

É como voto. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM NÃO OPERACIONAL. FEPASA. USUCAPIÃO ORDINÁRIA. REQUISITOS DEMONSTRADOS. TRANCURSO DO PRAZO DA POSSE AD USUCAPIONEM TRANSCORRIDO MUITO ANTES DA INCORPORAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA RFFSA PELA UNIÃO. RECONHECIMENTO DO PEDIDO. 

- Busca o apelante a reforma da r. sentença que julgou improcedente o pedido de usucapião do imóvel localizado na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, município de Araraquara/SP, sob o fundamento de que imóveis públicos não estão sujeitos à usucapião. 

- Alega o apelante que restou comprovado nos autos que o imóvel foi adquirido por sua avó em 15/6/1982 por meio de compromisso particular de compra e venda, bem como que, quando da sucessão da RFFSA pela União, já havia transcorrido praticamente 25 anos (somadas as posses), evidenciado o direito à usucapião. Ademais, expôs que o Termo de Quitação emitido pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo declarou que vale o compromisso de compra e venda, acompanhado do aludido termo, como título para registro da propriedade do bem adquirido junto ao Cartório do Registro de Imóveis. Por fim, aduziu que restou comprovado nos autos que o compromisso de compra e venda acompanhado do termo de quitação não pôde ser registrado em razão de desídia e negligência da FEPASA e da União em proceder ao destaque da área que lhe fora alienada da área maior objeto da matrícula nº 115.880, bem como que não se aplica a disciplina de impossibilidade de usucapião de bens públicos ao caso, uma vez que o imóvel nunca esteve afetado à prestação de serviço ferroviário, pois foi alienado antes da sucessão pela União.

- Cinge-se a controvérsia em verificar se o imóvel objeto da controvérsia é bem público.  

- Em se tratando de sociedades de economia mista, é pacífica a jurisprudência no sentido de que os seus bens estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público. 

- O imóvel foi adquirido pela avó do apelante, Dalva Bispo Ribeiro, no ano de 1982, através de instrumento particular de compra e venda com a FEPASA, o qual teve como objeto a venda da casa situada na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier (id 258665053). No documento, há a informação de que a área alienada foi havida pela FEPASA em decorrência da incorporação da Estrada de Ferro Araraquara S/A pela sociedade economia mista. Houve a comprovação da cessão de direitos do compromisso de compra e venda firmado por DALVA para o apelante.

- Juntada do Termo de Quitação nº 130/2011 emitido pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo, no qual há a declaração de quitação da totalidade do débito com a menção de que o respectivo compromisso de compra e venda, quando acompanhado do termo, vale como título para registro da propriedade do bem adquirido junto ao Cartório do Registro de Imóveis.

- É de se reconhecer que não se trata, in casu, de bem público, uma vez que, quando da incorporação do patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal S/A pela UNIÃO, através da Lei 11.483/2007, a usucapião já havia se aperfeiçoado, notadamente, em razão do transcurso do prazo de 25 anos desde a celebração do compromisso de compra e venda firmado. 

- Ressalte-se, ainda, a manifestação da UNIÃO no sentido de que o imóvel foi vendido à avó do autor, conforme se pode verificar do Termo de Quitação emitido pela SPU/SP e do próprio reconhecimento do pedido expresso em contraminuta apresentada pela apelada.

- O reconhecimento da usucapião ordinária exige, nos termos do art. 1.242 do CC (art. 551 do CC/1916), que a posse do imóvel ocorra sem interrupção ou oposição (posse mansa e pacífica), pelo prazo de 10 anos, e que o possuidor atue, em relação ao bem, como se dono fosse (“animus domini”), além de justo título e boa-fé. Registre-se que o art. 1.243 do Código Civil/2002 (art. 552 do CC/1916) admite que o possuidor, para o fim de contar o tempo exigido para o reconhecimento da usucapião, acrescente à sua posse a posse dos antecessores, contanto que contínuas, pacíficas e, no caso do art. 1.242, com justo título e boa-fé. 

- Dos elementos constantes dos autos, extrai-se que o exercício da posse do imóvel pela avó do autor, Dalva, e por ele se deu de forma mansa e pacífica desde 1982, ou seja, há mais 30 anos, conforme demonstra o compromisso particular de compra e venda firmado com a FEPASA. 

- Mencione-se, ainda, o Instrumento Particular de Cessão de Compromisso de Compra e Venda no qual DALVA cede todos os direitos e obrigações decorrentes do compromisso particular de compra e venda firmado com a FEPASA; o Termo de Quitação emitido pela SPU/SP e a aquiescência da UNIÃO quanto ao pedido do apelante. 

- Não há notícia de que tenha a posse se interrompido, ou enfrentado oposição por quem detinha a titularidade do bem, por período não inferior a 10 anos.

- O contexto fático dá conta de que a avó do autor residia no imóvel, uma vez que no documento de cessão de direitos há a seguinte menção "UMA CASA RESIDENCIAL, NP. 343.002, situada na Rua São Jorge, nº 85 - Vila Xavier, de construção de alvenaria de tijolos, coberta de telhas do tipo francesa, com a área construída de 71,33 metros quadrados". Há, ainda, a comprovação de pagamento de impostos pelo apelante e documentos que atestam que lá tem promovido construções e reformas, sendo certo que não há oposição da Fazenda Pública do Estado de São Paulo nem do Município de Araraquara. Os confrontantes, apesar de devidamente citados, não manifestaram oposição ao pedido de Daniel. 

- Trata-se de imóvel passível de ser adquirido por usucapião, tendo sido demonstrado por prova documental o exercício da posse mansa e pacífica, sem interrupção ou oposição, por período superior a 10 anos, pelo autor, como se dono fosse, e com justo título e boa-fé.

- Apelo provido para declarar a usucapião do imóvel localizado na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, Araraquara/SP. 

- Inversão da verba sucumbencial.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao apelo para declarar o direito do autor à usucapião do imóvel localizado na Rua São Jorge, nº 85, Vila Xavier, Araraquara/SP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.