Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turma Regional de Uniformização da 3ª Região
Turma Regional de Uniformização

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL (457) Nº 5002862-30.2021.4.03.6327

RELATOR: 14º Juiz Federal da TRU

PARTE AUTORA: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

PARTE RE: MARCOS ANTONIO RODRIGUES
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO

 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL (457) Nº 5002862-30.2021.4.03.6327

RELATOR: 14º Juiz Federal da TRU

PARTE AUTORA: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

PARTE RE: MARCOS ANTONIO RODRIGUES
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de pedido de uniformização regional de interpretação de lei federal interposto pelo INSS contra acórdão proferido por Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de São Paulo.

 

Alega, em síntese, que "cegueira monocular" não implica "impedimento de longo prazo", pelo que não preenchido o requisito "deficiência" para fins de benefício assistencial.

 Contrarrazões pela parte autora.

É o breve relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO

 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL (457) Nº 5002862-30.2021.4.03.6327

RELATOR: 14º Juiz Federal da TRU

PARTE AUTORA: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

PARTE RE: MARCOS ANTONIO RODRIGUES
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

VOTO DIVERGENTE - VENCEDOR

 

Trata-se de pedido de uniformização regional de interpretação de lei federal suscitado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Com base em laudo pericial médico realizado em juízo, e da interpretação que deu ao art. 1º, "caput", da Lei nº 14.126/2021, consoante o qual "fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais, o acórdão recorrido, da 11ª Turma Recursal de São Paulo (ID 278719360), entendeu que "o autor atende aos requisitos da Lei nº 8.742/93, enquadrando-se no conceito de pessoa com deficiência".

Por sua vez, os precedentes paradigmas, da 2ª Turma Recursal de São Paulo e desta Turma Regional de Uniformização (IDs 279587512 e 279587513), adotaram interpretação diversa, qual seja, a de que, no caso do benefício assistencial à pessoa com deficiência, o fato de a pessoa possuir visão monocular não dispensa, por si só, a valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais do(a) requerente, com base na Súmula 80 da Turma Nacional de Uniformização (TNU).

Os requisitos formais para a admissibilidade do incidente foram muito bem examinados no voto da eminente relatora, a cujos fundamentos me reporto.

Próximo passo, a questão de direito material a merecer uniformização consiste em saber se:

 


Para fins de concessão do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/1993 (BPC/LOAS),  o fato de o requerente ter visão monocular, e por isso enquadrado como deficiente nos termos da Lei nº 14.126/2021, permitiria, por si só, a concessão automática do benefício assistencial, caso também constatada a miserabilidade, ou, ao contrário, se haveria a necessidade de aferir a deficiência a partir da conjugação dinâmica do estado de saúde da pessoa e dos fatores contextuais pessoais, sociais, econômicos e culturais (avaliação biopsicossocial a que se referem a Lei nº 8.742/1993 - LOAS e a Lei nº 13.146/2015 - Estatuto da Pessoa com Deficiência).


 

Entendo que deve prevalecer a interpretação defendida pelo INSS, conforme os acórdãos paradigmas por ele apresentados para o confronto de teses. Explico.

Primeiro, porque a legislação determina que:

1) "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas." (§ 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, na redação dada pela Lei nº 13.146/2015);   

2) "A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS." (§ 6º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, na redação dada pela Lei nº 12.470/2011);

3) "A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação." (§ 1º do art. 2º da Lei nº 13.146/2015);

4) "O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência." (§ 2º do art. 2º da Lei nº 13.146/2015);

5) "O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo". (Parágrafo único do art. 1º da Lei nº 14.126/2021 - grifei);

6) "O exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizado com o uso de tecnologia de telemedicina ou por análise documental conforme situações e requisitos definidos em regulamento." (§ 3º do art. 2º da Lei nº 13.146/2015, incluído pela Lei nº 14.724, de 2023);

7) "A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde nº 54.21, aprovada pela 54ª Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001." (art. 16, "caput", do Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011);

8) "A avaliação da deficiência e do grau de impedimento será realizada por meio de avaliação social e avaliação médica." (§ 1º do art. 16 do Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011).;

9) "A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades".  (§ 2º do art. 16 do Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011); 

10) A avaliação da deficiência e do grau de impedimento tem por objetivo: I - comprovar a existência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; e II - aferir o grau de restrição para a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, decorrente da interação dos impedimentos a que se refere o inciso I com barreiras diversas".  (§ 5º do art. 16 do Decreto nº 6.214/2007, com a redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011).

 

É importante ressaltar, conforme a legislação supracitada, que no caso de visão monocular é imprescindível a avaliação da deficiência de acordo com o critério biopsicossocial

Esta avaliação biopsicossocial considera os impedimentos nas funções e estruturas do corpo, fatores socioambientais, pessoais, culturais, dentre outros, além da limitação no desempenho de atividades e restrição de participação social.

Vale dizer, o "caput" do art. 1º da Lei nº 14.126/2021, consoante o qual a visão monocular é considerada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais, não pode ser interpretado isoladamente, para fins de concessão automática do amparo social (BPC/LOAS) a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742/1993.

Com efeito, "não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo --- marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas" (trecho do voto-vista do Ministro EROS GRAU, no julgamento pelo STF da ADPF 101/DF, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe 01/06/2012).

Segundo, a interpretação acima está em consonância com a Súmula 80 da TNU, a saber:

Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente.

 

Seguindo a mesma diretriz, na Reclamação5000129-68.2023.4.90.0000/PR, a TNU, por maioria, decidiu que "em se tratando de portadores de visão monocular, devem ser investigadas, no caso concreto, as condições pessoais, sociais e econômicas da parte requerente" e, assim, determinou o retorno dos autos à turma julgadora de origem para fins de cumprimento da determinação daquele Colegiado nacional (julgado na sessão virtual de 01/02/2024 a 07/02/2024, Relatora para acórdão LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO).

Terceiro, esta Turma Regional, em caso semelhante (PUR 0001876-49.2021.4.03.6332, sessão de 27/05/2024 - item 5 da pauta do PJe), decidiu, por maioria, acompanhar o substancioso voto do Exmo. Relator, Juiz Federal Rodrigo Zacharias, com a fixação da seguinte tese:

 


Nos casos de pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada a pessoa com deficiência, quando constatada a visão monocular, devem ser aferidas as conclusões da avaliação biopsicossocial, com análise na existência de impedimentos e barreiras do caso concreto, para averiguar se há ou não a deficiência, nos termos do art. 20, § 2º, da LOAS, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 13.146, de 2015, e nos termos do art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009”. 


 

Pelo exposto, pedindo vênia à Juíza Federal Relatora, não obstante o esmero e força argumentativa de seu voto, apresento DIVERGÊNCIA para DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização regional do INSS, e determino a devolução do feito à Turma de origem para adequação do julgado à tese explicitada no parágrafo anterior.

É o voto. 

 

 

 

 

 

 

 

              

 

                  

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


VOTO DIVERGENTE

 

A ilustre Juíza Federal relatora conheceu do incidente de uniformização e lhe negou provimento.

Respeitosamente, porém, ouso divergir.

Muito embora os portadores de visão monocular possuam impedimento de longo prazo, é preciso investigar se há barreiras na situação concreta da pessoa. 

É exatamente isso que determina o direito positivo, de modo que o presente incidente de uniformização envolve não matéria de fato, mas questão de direito. 

A Lei nº 13.146/2015, editada em consonância com a Convenção de Nova Iorque e seu Protocolo Facultativo (que determina sejam apuradas as potencialidades do indivíduo)" institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in verbis: 

"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."  

Digno de nota que o Brasil aderiu à Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, sendo esse o primeiro tratado internacional de Direitos Humanos internalizado a partir do Decreto nº 6.949/2009, aprovado conforme o procedimento do art. 5º, §3º da Constituição Federal. 

Logo, a Convenção - que determina sejam avaliadas as potencialidades do indivíduo - ostenta status de emenda constitucional, naturalmente devendo prevalecer sobre a legislação infraconstitucional.

Por isso, a caracterização da deficiência só pode se dar de uma maneira, pela realização de avaliação biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, conforme reza o art. 2º, § 1º, da Lei 13.146/2015: 

“§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:       (Vigência)       (Vide Decreto nº 11.063, de 2022) 

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; 

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; 

III - a limitação no desempenho de atividades; e 

IV - a restrição de participação.” 

O foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência, passa a ser a existência de impedimento de longo prazo, em interação com uma ou mais barreiras, apenas e tão somente, tornando-se despicienda a referência à capacidade para o trabalho. 

Mais que isso, não pode a lei ordinária estabelecer que alguma situação determinada enquadra-se, ou não, na condição de deficiência. Somente o resultado de uma avaliação enriquecida por um trinômio (biopsicossocial, multiprofissional e interdisciplinar) pode atestar ou não a deficiência de alguém. 

No caso de BPC, A avaliação biopsicossocial, a ser realizada por equipe interdisciplinar e multiprofissional, deve ser feita conforme os parâmetros contidos na PORTARIA CONJUNTA MDS/INSS nº 2, de 30 de março de 2015. Tal portaria determina que a avaliação seja feita ao menos por um assistente social e por um médico. 

Na falta de uma estruturação adequada para a realização desse tipo de avaliação, as conclusões de uma perícia biomédica revelam-se mais relevantes que a lei ordinária, a qual, aliás, entra em colisão com a Convenção de Nova Iorque e com a própria Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência.  

Com efeito, segundo o art. 1º da Lei 14.126/2021, “Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.” 

Portanto, a Lei 14.126/2021 é claramente incompatível com a Convenção de Nova Iorque, está em desacordo com a Constituição Federal e também conflita com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. 

Insistimos: a aferição da presença ou não de deficiência - segundo os artigos 1º e 26, 1.,a da Convenção de Nova Iorque, que tem força de emenda constitucional por ter sido aprovada nos termos do parágrafo 3º do artigo 5º da CF; conforme art. 201, § 1º, da Constituição Federal; e também segundo o art. 2º, § 1º, da Lei 13.146/2015 (Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência) - somente pode ser levada a efeito por meio de AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. 

Tais regras, portanto, prevalecem sobre o equivocado artigo 1º da Lei 14.126/2021, que ignora toda a concepção de deficiência tipificada na Lei 13.146/2015 e na Convenção de Nova Iorque, para quem a deficiência não está no indivíduo, mas na sociedade que não está preparada para lidar com a diversidade humana.

Por fim, na I Jornada do Direito da Seguridade Social, realizada em Brasília, em 2023, pelo Conselho da Justiça Federal Centro de Estudos Judiciários, foi aprovado o seguinte enunciado 31: 

“A visão monocular, por si só, não enseja a concessão de benefício de prestação continuada da assistência social, sendo necessária a verificação da existência de impedimento de longo prazo que, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, nos termos do art. 40-B da Lei n. 8.742/1993.” 

Pelo exposto, conheço do pedido de uniformização regional interposto pelo INSS e lhe dou provimento, para determinar a devolução do feito à Turma de origem para adequação do julgado à seguinte tese:

"Nos casos de pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada a pessoa com deficiência, quando constatada a visão monocular, devem ser aferidas as conclusões da avaliação biopsicossocial, com análise na existência de impedimentos e barreiras do caso concreto, para averiguar se há ou não a deficiência, nos termos do art. 20, § 2º, da LOAS, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 13.146, de 2015, e nos termos do art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009” 

É como voto.

DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE

 

1. Pedido de uniformização regional de interpretação de lei federal interposto pelo INSS. Benefício assistencial de prestação mensal continuada. Visão monocular. Necessidade de devolução dos autos à origem para análise das condições pessoais do requerente do benefício assistencial.

2. A visão monocular caracteriza a condição de pessoa com deficiência para fins de concessão do benefício assistencial, por força da Lei 14.126/2021, cujo artigo 1º a classifica como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.

3. Mas a existência de deficiência é apenas um dos requisitos para a concessão do benefício assistencial e não implica seu deferimento automático, que depende também do cumprimento de outros requisitos legais: a análise das condições pessoais e sociais do requerente pelo órgão julgador para saber se há interação da deficiência com uma ou mais barreiras capazes de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Este requisito legal se aplica a qualquer requerente do benefício assistencial, nos termos da Lei 8742/1993, artigo 20, § 2º.

4. Além disso, a limitação no desempenho das atividades ainda permanece como critério relevante para a caracterização da pessoa com deficiência, normativamente. O inciso III do § 1º do artigo 2º da Lei 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), estabelece que a avaliação da deficiência deve considerar a limitação no desempenho de atividades. Portanto, ainda é relevante, normativamente, a presença ou não de incapacidade para o trabalho. Em palavras simples: é necessário saber se o requerente pode trabalhar para garantir o próprio sustento.

5. Nesse sentido, a TNU tem adotado o entendimento da que, para efeito de concessão do benefício assistencial a pessoa que apresenta visão monocular devem ser examinadas as condições socioeconômicas do requerente do benefício (PEDILEF n. 0003746-95.2012.4.01.4200, Relator Juiz Federal JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBLO). 

6. Contudo, o acórdão recorrido não analisou as condições pessoais do autor. Para tanto deveria analisar o nível educacional, a experiência profissional e a possibilidade de o autor exercer alguma atividade remunerada.

7. A necessidade financeira do benefício assistencial (denominada "miserabilidade") é apenas um dos requisitos para sua concessão (condições econômicas desfavoráveis). Mas a análise das condições pessoais exige também a análise da possibilidade de o autor exercer alguma atividade laborativa, o que não foi apreciado pelo acórdão recorrido. Assim o fizeram os acórdãos paradigmas, que reconheceram que os requerentes do benefício assistencial reuniam condições pessoais e profissionais de exercer atividade laborativa, recusando a concessão do benefício.

8. Ante o exposto, divirjo quanto à solução do caso concreto: voto pelo conhecimento e provimento do incidente de uniformização regional, para determinar a restituição dos autos à Turma de origem, a fim de que analise as condições pessoais e profissionais do autor, para resolver se é possível ele trabalhar, pois consta que tem curso superior completo e apenas 55 anos de idade quando da perícia social e obteve na perícia médica pontuação bem elevada em diversos domínios ("Domínio/Atividade - 100 pontos Sensorial:  75 pontos Comunicação: 100 pontos Mobilidade:  75 pontos Cuidados Pessoais: 100 pontos Educação, trabalho e vida econômica: 100 pontos Socialização e vida comunitária: 100 pontos").

9. Quanto à tese, proponho a seguinte redação: "A visão monocular caracteriza a condição de pessoa com deficiência para fins de concessão do benefício assistencial, mas não implica deferimento automático do benefício, que depende também da análise das condições pessoais e sociais do requerente pelo órgão julgador, para saber se há interação da deficiência com uma ou mais barreiras capazes de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".

 

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO

 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL (457) Nº 5002862-30.2021.4.03.6327

RELATOR: 14º Juiz Federal da TRU

PARTE AUTORA: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

PARTE RE: MARCOS ANTONIO RODRIGUES
PROCURADOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Por força do artigo 14, caput e §1º da Lei nº 10.259/2001 e artigo 11, VI, do Regimento Interno das Turmas Recursais e da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região (Resolução nº 80/2022 do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região), os pressupostos para a admissibilidade do pedido de uniformização de interpretação de lei federal, no âmbito da Turma Regional de Uniformização, são: 1) legitimidade; 2) interesse para recorrer; 3) prequestionamento; 4) prazo para a interposição; 5) divergência entre acórdãos de Turmas Recursais da mesma Região da Justiça Federal; e 6) divergência relativa a questões de direito material.

Não basta ao recorrente apresentar o paradigma e afirmar que faz jus à aplicação do entendimento então acolhido.

O âmbito de cabimento do pedido de uniformização é restrito, a fim de atingir o seu objetivo, que é conferir julgamento uniforme, aplicando o direito material a todas as pessoas que estejam na mesma situação jurídica.

Não se revela como uma nova via recursal ordinária, devolvendo à Turma Regional de Uniformização o conhecimento de toda e qualquer questão julgada no acórdão impugnado. Portanto, se o que está sendo questionado é unicamente a justiça da decisão, na perspectiva da parte recorrente, o incidente de uniformização não é cabível. 

A parte ré apresentou Pedido de Uniformização Regional, a fim de se definir se é possível ou não presumir a existência de impedimento de longo prazo para fins de concessão de benefício assistencial à pessoa com visão monocular, pela simples existência dessa condição, mesmo quando ausente a incapacidade para o exercício da atividade habitual.

Não se trata a hipótese de mero reexame de matéria de fato, vedada nos termos da Súmula n. 42 da TNU, pois a questão de fundo é de direito material, ou seja, o enquadramento ou não na condição de deficiente da pessoa portadora de cegueira monocular, questão que deve ser apreciada de forma uniforme pelos juízos e Tribunais.

Dessa forma, admito o pedido de uniformização interposto pela parte autora. 

No caso concreto, o acórdão recorrido, da 11ª TR/SP assim entendeu sobre o pedido do autor:

1. Pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente.

 2. Sentença lançada nos seguintes termos:

‘A prova técnica produzida nos autos é determinante para verificar a presença dos requisitos exigidos para a concessão do benefício.

No presente caso, no que concerne ao requisito subjetivo, a perícia médica registra que a parte autora, com 27 anos, é portador de "deficiência visual monocular. Paciente tem baixa visual severa monocular e portanto, tem  perda de campo visual do lado direito e perda da estereopsia (visão de profundidade)."

Diante da conclusão da perícia médica e nos termos da Lei nº 14.126/2021 ("fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais"), vê-se que o autor atende aos requisitos da Lei nº 8.742/93, enquadrando-se no conceito de pessoa com deficiência.

Quanto ao requisito objetivo, qual seja, a hipossuficiência, na forma preconizada pela Lei 8.742/93, tenho que restou devidamente demonstrada no caso dos autos.

O Laudo socioeconômico informa que a parte autora reside sozinha em casa própria com "04 cômodos contando com o banheiro, sendo (01) quarto, sala e cozinha". 

Relatou a perita social, que a os gastos mensais da família totalizam R$568,00  e a renda é zero. Diligenciados os dados dos três filhos informados no laudo, verifica-se que também não têm condições de prover as necessidades básicas do autor.

As fotos juntadas com o laudo demonstram a condição de miserabilidade/vulnerabilidade do grupo familiar,

Desta forma, resta preenchido o requisito da hipossuficiência econômica, considerando o patamar de renda atual e demais condições de vida.

Logo, a parte autora tem direito ao benefício de prestação continuada.

Diante do exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a conceder em favor da parte autora o benefício assistencial desde a DER 29/01/2021, compensando-se os valores porventura recebidos a título de benefício cuja cumulação seja vedada por lei.

(...)

4. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo (a) recorrente, o fato é que todas as questões suscitadas pelas partes foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau, razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. Julgo que, mesmo antes da edição da Lei 14.126/21, a cegueira monocular caracterizava impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Com efeito, como o perito atestou, em razão da patologia, a parte está impedida de desempenhar algumas atividades laborativas. 

5. RECURSO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 

Já o acórdão apontado como paradigma, da 2ª TR/SP tem entendimento em sentido diverso, nos seguintes termos:

O recurso deve ser provido para julgar improcedente o pedido. O impedimento de longo prazo de natureza física que impede a parte autora de prover o próprio sustento não restou comprovado.
Na redação da Lei 13.146, de 6/7/2015: considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, considerando-se impedimento de longo prazo aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Manteve-se na alteração legislativa a dispensa de comprovação da incapacidade para a vida independente e para o trabalho.
Mas a limitação no desempenho das atividades ainda permanece como critério relevante para a caracterização da pessoa com deficiência, normativamente. Com efeito, o inciso III do § 1º do artigo 2º da Lei 13.146/2015,   que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), estabelece que a avaliação da deficiência deve considerar a limitação no desempenho de atividades. Portanto, ainda é relevante, normativamente, a presença ou não de incapacidade para a atividade ou trabalho habitual.
Ocorre que, segundo o laudo pericial, a autora possui cegueira no olho direito, não havendo incapacidade para função habitual de diarista, cuja atividade não demanda visão binocular.
 É certo que a Lei 14.126/2021 classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais. No entanto, o fato é que a parte autora, segundo o laudo pericial pode continuar trabalhando na mesma profissão habitual.
Portanto, tendo presente que o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que a avaliação da deficiência deve considerar a limitação no desempenho de atividades e que o laudo pericial informa que a parte autora pode trabalhar na sua profissão de vendedora autônoma, o fato de a visão monocular ser classificada pela legislação como deficiência sensorial, do tipo visual, não é suficiente para deflagrar, automaticamente, o requisito do impedimento de longo prazo. Deve existir interação entre o impedimento de longo prazo de natureza sensorial com uma ou mais barreiras capazes de obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, situação ausente no caso do trabalho desempenhado pela parte autora, de vendedora autônoma, cujo exercício não encontra barreiras em razão da condição de pessoa com deficiência visual monocular. Ela tem formação profissional para continuar a exercer a profissão, mesmo depois do surgimento da deficiência visual, e esta não a impede de trabalhar nessa atividade.
Não comprovado o requisito do impedimento de longo prazo de natureza física, resta prejudicada a análise sobre a necessidade de concessão do benefício assistencial (“miserabilidade”). Ausente aquele primeiro requisito, o benefício não é devido.

 

 

Portanto, o entendimento do acórdão recorrido é no sentido de que tão só o fato de ter visão monocular, e por isso enquadrado como deficiente nos termos da Lei, permite a concessão do benefício assistencial caso comprovada também a miserabilidade.

De outro lado, o acórdão paradigma sustenta que a deficiência que permite a concessão do benefício assistencial é aquela que  impede ou limita a inserção no mercado de trabalho; assim, não demonstrada a existência de impedimento de longo prazo, não cabe a concessão do benefício assistencial.

Sobre a questão, a Lei 14.126/2021 define a visão monocular como deficiência sensorial, para todos os efeitos legais, aplicando-se aos seus portadores o disposto no art. 2º, §2º da Lei 13.146/2015.

Este por sua vez dispõe que “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” e que § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.      

O recorrente cita ainda acórdão desta própria TRU, PUIL nº  0001209-29.2018.4.03.6345, TRU 3ª Região, Rel Juiz Federal Renato de Carvalho Viana, j. 22/03/2023, o qual, apreciando a questão, assim restou ementado:

PEDIDO DE UNIFORMIZAO REGIONAL. BENEFÌCIO ASSISTENCIAL. VISÃO MONOCULAR. IMPERIOSA VALORAÇÃO DOS FATORES AMBIENTAIS, SOCIAIS, ECONÔMICOS E PESSOAIS DO DEFICIENTE. SMULA N 80 DA TNU. INCIDENTE PROVIDO. ACÓRDÃO ANULADO. PRECEDENTE DA TNU.

R E L A TÓ R I O Trata-se de pedido de uniformização regional interposto pela parte autora contra acórdão proferido pela 7ª Turma Recursal de São Paulo que deu provimento ao recurso do INSS a fim de julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência. O incidente fora admitido em virtude de decisão prolatada pela Presidência da Turma Regional de Uniformização -TRU (evento 111). Em apertada síntese, sustenta a parte autora que "a pessoa portadora de Visão Monocular que viva em condições de vulnerabilidade, tenha reconhecido o direito ao recebimento de BPC/LOAS." V O T O (...) Quanto à matéria de fundo, no caso dos autos, depreende-se do trecho da fundamentação do acórdão impugnado que a Turma Recursal de origem, ao dar provimento ao recurso do INSS e julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, lastreou-se única e exclusivamente na conclusão do laudo da perícia médica, segundo o qual, nada obstante a deficiência (visão monocular), a pericianda possui condição física de exercer atividade laborativa. Vale dizer, a Turma de origem, embora tenha reafirmado a deficiência visual e mencionado a idade da parte autora (57 anos), data maxima venia, olvidou proceder imperiosa análise dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais do portador de visão monocular que, em tese, podem impactar na sua integração social, especialmente no que diz respeito sua inserção no mercado de trabalho, a fim de obter um labor capaz de prover a sua subsistência. A propósito, trago baila o enunciado da Súmula n 80 da TNU, in verbis: "Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente." Por fim, e oportuno mencionar que tal diretriz restou sufragada pela TNU em caso análogo ao dos autos. Nesse sentido, confira-se a respectiva ementa: INCIDENTE DE UNIFORMIZAO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. DECRETO 3.298/99. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. INCAPACIDADE QUE DEVE SER CONJUGADA COM AS CONDIÇÕES PESSOAIS. SÚMULA 29 DA TNU.ESTUDO SOCIOECONÔMICO NÃO REALIZADO. QUESTÃO DE ORDEM 20/TNU. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (...) Como se sabe, a jurisprudência desta Turma Nacional de Uniformização é remansosa no sentido de que a parcialidade da incapacidade não impede, por si só, o deferimento do benefício perseguido, sendo de rigor a análise das condições pessoais da parte e da possibilidade da sua reinserção no mercado de trabalho. Nessa esteira, a Súmula 29 desta Corte afirma que, para os efeitos do art. 20, 2, da Lei n. 8.742, de 1993, a incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a que a impossibilita de prover ao próprio sustento. No caso vertente, verifico que o acórdão recorrido, após efetuar interpretação da prova médico-pericial, afirmou que a autora é capaz para o trabalho, só que, passo seguinte, atestou categoricamente que ela é cega do olho esquerdo (visão monocular) e possui visão embaçada (20/60) no olho direito, podendo desempenhar outra profissão que não a de cabelereira. Todavia, sendo a requerente portadora de deficiência visual grave, a mesma se enquadra no conceito de deficiência previsto no art. 4, III, do Decreto n3.298/99, que regulamentou a Lei 7.853, de 24/10/1989 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência), mostrando-se irrelevante, portanto, que o expert tenha consignado sua capacidade para atividades laborativas. A propósito, a Súmula 377 do STJ reconhece essa condição ao asseverar que "o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes". Reputo que a condição da autora, retratada no acórdão recorrido, por si só, já representa um quadro de incapacidade severa, deixando a sua portadora, inclusive, com grandes dificuldades para competir no mercado normal de trabalho, máxime em tempos como estes, nos quais as pessoas com sentidos favoráveis já padecem para conseguir um emprego para sua sobrevivência. Assim, imperioso que se afirme nesta oportunidade a incapacidade parcial e permanente da autora, hoje com 55 anos de idade, e, ato contínuo, determine-se a instância "a quo" a que proceda ao exame das condições socioeconômicas da requerente, na esteira do entendimento consolidado por esta TNU nas Súmulas 29 e 80. Por conseguinte, deve ser anulado o acórdão recorrido para que se cumpra esse desiderato, especialmente em face da impossibilidade de reexame de matéria fática por esta TNU.(...) (PEDILEF n. 0003746-95.2012.4.01.4200, Relator Juiz Federal JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBLO) - sem destaques no original. Diante do exposto, dou provimento ao pedido de uniformização regional para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos Turma de origem para realização de novo julgamento à luz das teses supramencionadas. É como voto.

 

No entanto, entendo que o precedente desta TRU vem, na verdade, corroborar o entendimento do acórdão recorrido, porquanto, tratou de hipótese em que, negada a concessão do benefício por haver apenas incapacidade parcial, determinou que o magistrado de origem analisasse as condições sócio-econômicas do requerente (presença ou não da miserabilidade).

E nesse sentido também os precedentes da TNU, consoante trecho destacado pelo próprio acórdão da TRU citado, e que reitero:

“Todavia, sendo a requerente portadora de deficiência visual grave, a mesma se enquadra no conceito de deficiência previsto no art. 4º, III, do Decreto nº3.298/99, que regulamentou a Lei 7.853, de 24/10/1989 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência), mostrando-se irrelevante, portanto, que o expert tenha consignado sua capacidade para atividades laborativas. (...) Assim, é imperioso que se afirme nesta oportunidade a incapacidade parcial e permanente da autora, hoje com 55 anos de idade, e, ato contínuo, determine-se a instância "a quo" a que proceda ao exame das condições socioeconômicas da requerente, na esteira do entendimento consolidado por esta TNU nas Súmulas 29 e 80.” (PEDILEF 00037469520124014200,  Relator JUIZ FEDERAL JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO, data 11/09/2015).

 

Conclui-se, portanto, que a premissa é de que a visão monocular é caracterizada como deficiência sensorial, sendo irrelevante que cause apenas incapacidade parcial para o trabalho para fins de concessão do benefício assistencial.

Superado o requisito da deficiência, há que se passar à análise dos aspectos sócio-econômicos, o que no caso foi feito pelo acórdão recorrido, concluindo pela comprovação da condição de miserabilidade/vulnerabilidade da autora.

Em consequência, proponho a fixação da seguinte tese: "A visão monocular por si só caracteriza a deficiência para fins de concessão do benefício assistencial, mesmo quando não houver incapacidade para o trabalho, cabendo ao juízo proceder à análise das condições sócio-econômicas do requerente.”

Por todo o exposto, CONHEÇO do pedido de uniformização, porém, NEGO PROVIMENTO, fixando a seguinte tese: "A visão monocular por si só caracteriza a deficiência para fins de concessão do benefício assistencial, mesmo quando não houver incapacidade para o trabalho, cabendo ao juízo proceder à análise das condições sócio-econômicas do requerente.”

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E m e n t a

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA (BPC/LOAS - DEFICIENTE). VISÃO MONOCULAR. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1º DA LEI Nº 14.126/2021. SÚMULA 80 DA TNU. INCIDENTE PROVIDO.

1. Para a concessão do benefício de prestação continuada (BPC/LOAS) previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/1993, o fato de o requerente ter visão monocular, enquadrado como deficiente nos termos da Lei nº 14.126/2021, não permite, por si só, a concessão automática do benefício.

2. A avaliação da deficiência deve ser feita a partir da conjugação do estado de saúde do requerente com fatores contextuais pessoais, sociais, econômicos e culturais, conforme estabelecido pelo § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e pela Súmula 80 da TNU.

3. A interpretação do art. 1º da Lei nº 14.126/2021, que classifica a visão monocular como deficiência sensorial para todos os efeitos legais, deve ser integrada com as disposições legais que exigem a avaliação biopsicossocial para a concessão do benefício assistencial.

4. Pedido de uniformização regional provido. Determinação de devolução do feito à Turma de origem para adequação do julgado à seguinte tese, fixada no PUR 0001876-49.2021.4.03.6332: "Nos casos de pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada a pessoa com deficiência, quando constatada a visão monocular, devem ser aferidas as conclusões da avaliação biopsicossocial, com análise na existência de impedimentos e barreiras do caso concreto, para averiguar se há ou não a deficiência, nos termos do art. 20, § 2º, da LOAS, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 13.146, de 2015, e nos termos do art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009". 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma Regional de Uniformização da 3ª Região, por maioria, DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização regional do INSS, e determinar a devolução do feito à Turma de origem para adequação do julgado à tese explicitada no acórdão. Vencido o juiz relator., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.