APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004674-40.2020.4.03.6102
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: JOAO ARY GOMES
Advogados do(a) APELANTE: LUCAS ISSA HALAH - SP310032-A, SAID HALAH - SP12662-A, THALES ISSA HALAH - SP348154-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: IZABEL CRISTINA RAMOS DE OLIVEIRA - SP107931-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004674-40.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: JOAO ARY GOMES Advogados do(a) APELANTE: LUCAS ISSA HALAH - SP310032-A, SAID HALAH - SP12662-A, THALES ISSA HALAH - SP348154-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: IZABEL CRISTINA RAMOS DE OLIVEIRA - SP107931-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por JOÃO ARY GOMES (ID 271822145) em face da r. sentença (IDs 271822143 e 271822144) que julgou improcedente o pedido formulado, extinguindo o feito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, condenando a parte-autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa devidamente corrigido. Em síntese, a parte-apelante argumenta no sentido de que a r. sentença teria negado vigência ao art. 12, do Decreto-Lei nº 204/1967, que permitiria o ajuizamento de ação para reaver o prêmio de loteria em situação de extravio do bilhete. Assevera que os julgados transcritos ao longo do ato sentencial não se relacionariam com o caso concreto, pois tratariam de situações em que o extravio do bilhete de loteria teria sido objeto exclusivamente de prova testemunhal, destacando que neste feito existiria farto conjunto probatório documental que demonstraria com segurança a realização da aposta. Com contrarrazões (ID 271822150), subiram os autos a este E. Tribunal. Aberta vista dos autos às partes, nos termos do art. 10, do Código de Processo Civil, para que se manifestassem a respeito da necessidade de citação de eventuais terceiros interessados à luz do que restou decidido no Conflito de Competência suscitado neste feito (de nº 5026959-97.2020.4.03.0000) e da norma contida no art. 259, II, do Código de Processo Civil de 2015 (ID 287146394), sobrevieram as petições encartadas aos documentos IDs 287354131 e 287956416 (ambas no sentido da desnecessidade do implemento da formalidade). É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004674-40.2020.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: JOAO ARY GOMES Advogados do(a) APELANTE: LUCAS ISSA HALAH - SP310032-A, SAID HALAH - SP12662-A, THALES ISSA HALAH - SP348154-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: IZABEL CRISTINA RAMOS DE OLIVEIRA - SP107931-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): A presente demanda foi ajuizada pela parte-autora, JOÃO ARY GOMES, com o objetivo de que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF fosse condenada a pagar a premiação referente ao Concurso nº 2261 da Mega-Sena, uma vez que teria acertado 04 dezenas (o que lhe garantia o prêmio – R$ 691,61 – multiplicado por 15, totalizando a importância de R$ 10.374,15). Aduz que o respectivo bilhete teria extraviado, razão pela qual funda sua pretensão na regra disposta no art. 12, do Decreto-Lei nº 204/1967. A propósito, colhe-se na inicial o excerto que segue (ID 271821941): “(...) O autor é apostador da loteria MEGA-SENA, promovida pela requerida, sempre jogando a mesma aposta, ou seja, um cartão com as mesmas 10 dezenas – 05; 12; 15; 23; 26; 29; 32; 51; 57; 60 –, na LOTÉRICA GALERIA, situada no Ribeirão Shopping, em Ribeirão Preto (SP), na Avenida Coronel Fernando Ferreira Leite, n. 1540, bairro Jardim Nova Aliança. Por comodidade, o autor registra suas apostas remotamente através de contato via aplicativo WhatsApp com a funcionária ERIKA CRISTINA MERLO (CPF n. 270.954.808-93), faz o pagamento via transferência bancária e o bilhete é enviado via Sedex para sua residência (evitando contato pessoal, como medida de restrição sanitária pela COVID-19). Em 13/05/2020, feito e pago o jogo referente ao Concurso n. 2261, verificou o autor que o bilhete n. 8414-033EA0E029E528048-F4 foi contemplado com o acerto de quatro dezenas (quadra), o que lhe garante o prêmio multiplicado por 15 ao valor de R$ 691,61, de acordo com as regras do concurso da loteria MEGA-SENA da própria requerida, totalizando R$ 10.374,15. Apesar disto, o bilhete premiado foi extraviado na própria residência do autor, ao que tudo indica se misturando ao lixo doméstico e sendo recolhido, sem possibilidade de salvá-lo ou mesmo de outra pessoa tê-lo tomado. Consultada a agência lotérica e a requerida, foi informado ao autor que não poderia receber o prêmio sem o bilhete original, mesmo tendo cópias do comprovante do jogo, constando o nome e CPF do autor na face e no verso, assim como o comprovante de pagamento da aposta. O autor aforou ação perseguindo seu direito perante o Juizado Especial Federal Cível desta circunscrição judiciária de Ribeirão Preto (SP) em 10/06/2020, autuada sob o n. 0006153-38.2020.4.03.6302, o qual foi extinto sem resolução do mérito em face da necessidade de expedição de edital. São estes os fatos. (...)” – destaques no original. Com efeito, o art. 12, do Decreto-Lei nº 204/1967 (diploma que dispõe especificamente acerca da exploração de loterias), prevê a aplicação ao interessado ou ao detentor de bilhete ou de fração de bilhete de loteria roubado, furtado ou extraviado do procedimento previsto na legislação processual afeto à ação de recuperação de título ao portador a fim de que seja possível a demonstração da realização da aposta que, uma vez contemplada, ensejaria o pagamento do prêmio pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF. A propósito, vide a dicção do artigo mencionado: “Em caso de roubo, furto ou extravio, aplicar-se-á ao bilhete ou fração de bilhete de loteria, não nominativo, e no que couber, o disposto na legislação sôbre ação de recuperação de título ao portador”. A ação de recuperação de título ao portador era um procedimento especial contido no Código de Processo Civil de 1973 a partir de seu art. 907, estando prevista, como requisito para o cumprimento do devido processo legal, a citação do detentor do título (acaso fosse sabido quem seria tal pessoa) e, por edital, de eventuais terceiros interessados em contestarem o pedido. A despeito de referido procedimento especial não ter sido replicado no Código de Processo Civil de 2015, verifica-se, a partir do disposto em seu art. 259, II, a necessidade de publicação de edital em sede de ação visando à recuperação ou à substituição de título ao portador (“Serão publicados editais: (...) II - na ação de recuperação ou substituição de título ao portador (...)”). Não é demais rememorar-se que o C. STJ possui entendimento pacificado no sentido de que o bilhete de loteria, desde que não nominativo (cabendo destacar a possibilidade de expedição de bilhetes ou de frações de bilhetes na forma nominativa a teor do § 1º do art. 12 do Decreto-Lei nº 204/1967), possui natureza jurídica de título ao portador (a propósito: AgRg no REsp n. 1.187.972/DF, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 2/9/2010, DJe de 1/10/2010), o que enseja, consequentemente, a necessidade de respeito ao comando contido no art. 259, II, do Código de Processo Civil de 2015, na hipótese de propositura de ação objetivando a recuperação ou a substituição do bilhete. Adentrando ao caso concreto, verifica-se a não observância da citação por edital de eventuais interessados, nos moldes anteriormente preconizados, o que possui o condão de indicar violação ao devido processo legal a culminar na necessidade de se anular a r. sentença, determinando-se o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição, a fim de que seja realizado o ato de comunicação da existência dessa relação processual a terceiras pessoas. Ainda que o resultado de tal diligência, potencialmente, seja o transcurso do prazo assinado pelo magistrado monocrático in albis, o respeito às regras do devido processo legal é imperativo e necessário para o regular desenvolvimento da demanda. Consigne-se, por oportuno, que a obrigatoriedade de expedição de edital de citação restou, até mesmo, reconhecida por força do julgamento de Conflito de Competência suscitado neste caso concreto entre os MM. Juízos do Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto e da 7ª Vara Federal de indicada Subseção Judiciária (Feito nº 5026959-97.2020.4.03.0000), oportunidade em que a 1ª Seção desta C. Corte Regional firmou competência a favor da Vara Cível justamente pela imperiosidade de publicação de edital (o que não se permite no rito célere da Lei nº 10.259/2001). Aliás, pertinente trazer à colação o v. acórdão então exarado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO E COBRANÇA DE TÍTULO AO PORTADOR. BILHETE EXTRAVIADO DE LOTERIA. DECRETO-LEI Nº 204/67. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATINENTE À AÇÃO DE RECUPERAÇÃO DE TÍTULO AO PORTADOR. CÓDIGOS DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E 2015. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE EDITAL PARA CIÊNCIA DE INTERESSADOS. INCOMPATIBILIDADE COM O RITO DOS JUIZADOS. ARTIGO 18, § 2º DA LEI Nº 9.099/95. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. ARTIGO 1º DA LEI Nº 10.259/2001. OBSERVÂNCIA. COMPETÊNCIA DA VARA FEDERAL. 1. Conflito de competência deflagrado pelo Juízo do Juizado Especial Federal de Ribeirão Preto, tendo como suscitado o Juízo da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto, em sede de ação de recuperação e cobrança de título ao portador (bilhete extraviado de loteria). 2. A ação de origem vem ancorada no Decreto-Lei nº 204/67, pretendendo a parte autora o reconhecimento de que é possuidora de bilhete premiado de loteria (extraviado) e, portanto, titular do consequente direito, com a condenação da requerida ao pagamento do respectivo prêmio. 3. O referido decreto-lei disciplina a exploração de loterias e prevê a aplicação da legislação atinente à ação de recuperação de título ao portador nos casos de roubo, furto e extravio do bilhete (art. 12). 4. O Código de Processo Civil de 1973 previa uma ação específica de ‘anulação e substituição de títulos ao portador’ da qual podia valer-se ‘aquele que tivesse perdido título ao portador ou dele houvesse sido injustamente desapossado’, determinando-se a expedição de edital para ciência de eventuais terceiros interessados (art. 907 e 908, inciso I). 5. Não obstante o novo CPC de 2015 não traga a previsão de uma ação própria e individualizada para tal fim, determina que ‘serão publicados editais na ação de recuperação ou substituição de título ao portador’ (art. 259, inciso II). 6. A expedição de edital é incompatível com o rito célere adotado nos Juizados, consoante adverte o art. 18, § 2º (‘Não se fará citação por edital’) da Lei nº 9.099/95, de aplicação subsidiária no âmbito dos Juizados Federais por força do disposto no art. 1º da Lei nº 10.259/2001. 7. Assim, o processo de origem não pode ser conduzido pelo Juízo do Juizado Federal. Precedentes do STJ e deste tribunal. 8. Conflito de competência julgado procedente” (TRF3, 1ª Seção, CCCiv - CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL - 5026959-97.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 12/02/2021, Intimação via sistema DATA: 18/02/2021) – destaque em negrito nosso. Diante do exposto, ANULO, de ofício, a r. sentença, determinando que o presente feito retorne ao 1º grau de jurisdição, retomando sua marcha com a expedição de edital de citação de terceiros interessado. Como consequência, julgo prejudicado o recurso de apelação interposto por JOÃO ARY GOMES. É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. BILHETE DE LOTERIA. EXTRAVIO. COBRANÇA. DECRETO-LEI Nº 204/1967. CITAÇÃO POR EDITAL DE EVENTUAIS INTERESSADO. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO DO FEITO AO 1º GRAU DE JURISDIÇÃO.
- O art. 12, do Decreto-Lei nº 204/1967 (diploma que dispõe especificamente acerca da exploração de loterias), prevê a aplicação ao interessado ou ao detentor de bilhete ou de fração de bilhete de loteria roubado, furtado ou extraviado do procedimento previsto na legislação processual afeto à ação de recuperação de título ao portador a fim de que seja possível a demonstração da realização da aposta que, uma vez contemplada, ensejaria o pagamento do prêmio pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF.
- A ação de recuperação de título ao portador era um procedimento especial contido no Código de Processo Civil de 1973 a partir de seu art. 907, estando prevista, como requisito para o cumprimento do devido processo legal, a citação do detentor do título (acaso fosse sabido quem seria tal pessoa) e, por edital, de eventuais terceiros interessados em contestarem o pedido. A despeito de referido procedimento especial não ter sido replicado no Código de Processo Civil de 2015, verifica-se, a partir do disposto em seu art. 259, II, a necessidade de publicação de edital em sede de ação visando à recuperação ou à substituição de título ao portador.
- O C. STJ possui entendimento pacificado no sentido de que o bilhete de loteria, desde que não nominativo (cabendo destacar a possibilidade de expedição de bilhetes ou de frações de bilhetes na forma nominativa a teor do § 1º do art. 12 do Decreto-Lei nº 204/1967), possui natureza jurídica de título ao portador, o que enseja, consequentemente, a necessidade de respeito ao comando contido no art. 259, II, do Código de Processo Civil de 2015, na hipótese de propositura de ação objetivando a recuperação ou a substituição do bilhete.
- Adentrando ao caso concreto, não se observou a necessidade de citação por edital de eventuais interessados, o que possui o condão de indicar violação ao devido processo legal a culminar na necessidade de se anular a r. sentença, determinando-se o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição, a fim de que seja realizado o ato de comunicação da existência dessa relação processual a terceiras pessoas.
- Anulada, de ofício, a r. sentença. Retorno dos autos ao 1º grau de jurisdição. Recurso de apelação prejudicado.