APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME
Advogados do(a) APELANTE: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A
APELADO: PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO PUCHARELLI - SP139886-A
Advogados do(a) APELADO: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO PUCHARELLI - SP139886-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) e de recurso adesivo interposto por PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME contra sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Bauru/SP que, em ação de consignação de aluguel proposta em face de PTX – LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA LTDA – ME e M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP, assim decidiu: Ante todo o exposto, JULGO IMPROCEDENTES a demanda principal e a reconvenção apresentada pela PTX. Observo que a CAIXA e a PTX restaram sucumbentes recíprocas, por este motivo, condeno a Autora em pagamento de honorários advocatícios em percentual de 5% sobre o valor atualizado da causa, mas somente aos patronos da M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S – EPP. Custas pela CAIXA. Independentemente do trânsito, traslade-se cópia desta decisão para o feito de n° 0001883-10.2016.4.03.6108. Cópia desta decisão poderá servir de carta precatória / mandado / ofício, se o caso. Int. Alega a CEF, preliminarmente, que a sentença foi proferida em afronta ao princípio da congruência ao pedido, devendo ser reformada por ser “extra petita”. No mérito, aduz que o contrato foi firmado na modalidade de contrato de locação não residencial por prazo determinado, não existindo no instrumento contratual ou nos seus respectivos aditamentos qualquer menção à modalidade “built to suit” ou qualquer cláusula que indique compromisso entre as partes de que o contrato seria mantido até o retorno do capital investido pelas locadoras. Afirma que a intenção expressada no contrato é clara e não deixa espaço para interpretações ampliativas, tratando-se de contrato de locação firmado por período de 60 meses, com valor de aluguel expressamente definido. Defende que “Caso a vontade das partes fosse manter a locação até o retorno do investimento, certamente esta condição estaria expressamente prevista no instrumento contratual”. Sustenta, ainda, a plena validade do contrato, nos moldes dos arts. 428 e 429 do CPC. Pugna pela procedência do pedido consignatório. Já a empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA – ME, em seu apelo adesivo, pugna pelo seu provimento, para anular a sentença no que diz respeito ao tema ausência do retorno financeiro, bem como reverter a sucumbência em sede de reconvenção. Pretende, ainda, que a CEF apresente em juízo a demonstração do prazo de retorno financeiro do investimento efetuado e se obrigue a observar as normas emanadas dos órgãos de controle. Com as contrarrazões, subiram os autos a esta C. Corte. Consta pedido da apelante PTX voltado à concessão de tutela provisória de urgência consistente na autorização do levantamento de valores depositados em juízo em razão do comprometimento de seu fluxo de caixa. O pedido foi deferido em parte, apenas para autorizar a transferência de recursos suficientes à satisfação de crédito exigido por terceiros na Justiça Estadual, em execução que culminou com a penhora e designação de leilão do próprio imóvel objeto desta ação. Em face dessa decisão, a Caixa interpôs agravo interno pugnando pela reforma da decisão, ao fundamento da irreversibilidade da medida. Foram apresentados memoriais e sustentações orais em arquivos de áudio e vídeo. É o relatório. Passo a decidir.
Advogados do(a) APELADO: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000391-53.2020.4.03.6108 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, M2 ADMINISTRADORA DE BENS S/S - EPP Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO PUCHARELLI - SP139886-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Preliminarmente, afasto a alegação de nulidade da sentença, por suposta ofensa à congruência (julgamento “extra petita”). De fato, assim estabelecem os arts. 490 e 492 do CPC: Art. 490. O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes. (...) Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. Sustenta a CEF que não houve pedido, de nenhuma das partes, de reconhecimento da celebração de contrato na modalidade “built to suit”, de declaração de indivisibilidade do prédio ou de unicidade dos contratos, de modo que a sentença que examinou tais questões afrontou a exigência de adstrição ao pedido/congruência. Sem razão, contudo. Com efeito, de acordo com a adstrição ao pedido ou congruência, o dispositivo da sentença deve se ater aos pedidos formulados, até porque, “O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte” (art. 141 do CPC). Ocorre que essa vedação legal não alcança as questões denominadas de prejudiciais, as quais devem ser enfrentadas e definidas pelo julgador, a fim de que possa avançar quanto ao julgamento do mérito da causa, ou seja, da lide. Assim, definir se o contrato foi celebrado na modalidade “built to suit”, se o prédio construído era indivisível ou poderia ser fracionado em duas construções autônomas, ou mesmo se havia unicidade ou dualidade de contratos entre as partes, todas essas eram questões que precisavam ser definidas pelo MM Juízo “a quo”, a fim de que pudesse, na sequência, julgar procedentes ou improcedentes a ação principal (de consignação em pagamento) e a reconvenção. Portanto, não há violação alguma ao disposto nos arts. 490 e 492 do CPC, não havendo que se falar em nulidade da sentença. Afastada a matéria preliminar, passo ao exame conjunto do mérito contido na apelação interposta pela CEF e no recurso adesivo interposto pela empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME. Inicialmente, consigno que o recurso adesivo, interposto com fundamento no art. 997, §§ 1º e 2º do CPC, mostra-se cabível no caso concreto, em que pese tanto a ação principal quanto a reconvenção tenham sido julgadas inteiramente improcedentes (inexistente, em princípio, o requisito da sucumbência recíproca), tendo em vista a seguinte orientação do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO EM CONJUNTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CABIMENTO DE RECURSO ADESIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É cabível a interposição de recurso adesivo, nos termos do art. 500 do Código de Processo Civil de 1973, se sucumbência recíproca for verificada no julgamento conjunto da ação e da reconvenção. Nesse sentido: REsp 1.109.249/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 19/3/2013. 2. No caso, o recorrente foi vencido na ação principal e vencedor na reconvenção, ambas julgadas na mesma sentença; mostra-se, então, cabível a interposição de apelação adesiva. 3. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 706.768/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe de 14/9/2017.) Prosseguindo, aduz a apelante CEF, em síntese, que: “Como se vê o contrato foi firmado na modalidade de Contrato De Locação Não Residencial Por Prazo Determinado. Não há no instrumento contratual ou nos seus respectivos Termos Aditivos qualquer menção à modalidade built to suit ou qualquer cláusula que indique compromisso entre as partes de que o contrato seria mantido até o retorno do capital investido pelas locadoras. Tal condição seria afeta ao negócio de compra e venda, porém, incabível num contrato de locação por prazo determinado. Logo, não há fundamento jurídico para fundamentar a suposta “vontade das partes” declarada na sentença. Tampouco os artigos 112 e 113 do Código Civil se adequam ao caso. Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. A intenção expressada no contrato é clara e não deixa espaço para interpretações ampliativas. O contrato de locação foi firmado por um período de 60 meses, com valor de aluguel expressamente definido”. Considera a CEF que a sentença deu interpretação extensiva à vontade das partes, a qual se resumia a um simples contrato de locação. Com isso, o julgado apelado violou o dever de julgamento conforme as provas produzidas nos autos, devendo ser reformada. Tais alegações, entretanto, não merecem acolhida. Entende-se por contrato “built to suit” a locação de imóvel urbano não residencial a adquirir, a construir ou a reformar. Por esse negócio jurídico, uma parte contrata terceiro que fará a aquisição, ou construção, ou reforma de imóvel, para que, posteriormente, possa alugá-lo do proprietário, preestabelecendo a finalidade do uso do bem e as exigências previamente combinadas. Na linguagem coloquial, é contrato de locação por encomenda, tendo de um lado um investidor (inicialmente construtor e depois locador) e de outro lado o interessado (empreendimento contratante e futuro locatário). O contrato “built to suit” não é um contrato puramente de locação de imóvel, sendo esta apenas uma de suas faces, porquanto também apresenta elementos próprios aos contratos de construção, de empreitada, de financiamento e de incorporação, além de outras características próprias. A modalidade de contrato “built to suit” passou a ser expressamente prevista em nosso ordenamento jurídico com o acréscimo do art. 54-A e parágrafos à Lei nº 8.245/1991, pela Lei nº 12.744/2012 (DOU de 20.12.2012). A partir de então, passou-se a ter uma espécie de contrato típico, assim considerado aquele regulado especificamente em lei. Confira-se o teor do dispositivo legal: Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.744, de 2012) § 1o Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 12.744, de 2012) § 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação. (Incluído pela Lei nº 12.744, de 2012) § 3o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.744, de 2012) A regra legal supra, contudo, não pode ser aplicada no caso sob análise, em razão da regra "tempus regit actum", já que a Lei nº 12.744/2012 é posterior à celebração do contrato ora discutido, ocorrida em 2011. Incidente, no caso, a necessidade de proteção ao ato jurídico perfeito. Ocorre que antes mesmo do advento da Lei nº 12.744/2012, não havia qualquer vedação à celebração de contratos do tipo “built to suit”, visto que não há proibição a que as partes celebrem os chamados contratos atípicos, ou seja, aqueles que resultam do acordo de vontades, não tendo, porém, as suas características e requisitos definidos e regulados na lei. Irrelevante, igualmente, a existência de menção expressa ao termo “built to suit” no corpo do contrato, desde que, através da sua análise, seja possível extrair dele essa natureza jurídica. Tanto essa afirmação é correta, que a jurisprudência já se debruçava sobre os contratos “built to suit” anteriormente à edição da Lei nº 12.744/2012, como revela a seguinte ementa, proveniente deste C. TRF: CIVIL. LOCAÇÃO. CONTRATO ATÍPICO. "BUILT TO SUIT". INTERPRETAÇÃO DA CLÁUSULA CONTRATUAL DE PERDAS E DANOS PREFIXADOS. CONTRATO PARITÁRIO. VALIDADE E EFICÁCIA DO AJUSTE. RECURSO PROVIDO. 1 - As operações imobiliárias denominadas "built to suit" podem ser traduzidas como uma construção sob medida. Consistem em um negócio jurídico similar, em alguns pontos, ao contrato de locação, no qual, todavia, uma parte se encarrega de construir um imóvel customizado para as necessidades do contratante e este se obriga a locar o bem por prazo determinado, por um valor mensal correspondente não somente à contraprestação pelo uso e gozo do imóvel, mas também para remunerar os custos de aquisição do terreno e da construção do imóvel pelo locatário, bem como o capital investido. 2 - Na hipótese, discute-se o alcance da cláusula que estipula o valor das perdas e danos decorrentes da rescisão unilateral do negócio jurídico, em prazo inferior ao do contrato. 3 - Ressalte-se que o contrato em tela é paritário, ou seja, as partes se encontram em situação de igualdade e as cláusulas foram livremente pactuadas, não havendo falar na imposição unilateral de condição, típica dos contratos de massa (por adesão), os quais se submetem a regramento específico e admitem certa relativização, razão pela qual descabe discussão acerca da validade ou eficácia da cláusula questionada. 4 - A cláusula nº. 15.1 do instrumento em tela é expressa ao prever que a locação não poderia ser rescindida antes de transcorridos cento e vinte meses de vigência do contrato. Assim, inafastável a conclusão de que o descumprimento de tal obrigação, vale dizer, a rescisão antecipada do negócio, importa no pagamento das perdas e danos prefixadas. 5 - O cálculo apresentado pela parte autora obedece rigorosamente a cláusula que estipula a pena convencional, apurada proporcionalmente ao período faltante para o adimplemento integral da avença. 6 - Apelação provida para condenar a requerida ao pagamento do valor de R$ 963.582,46, acrescido de juros moratórios de acordo com a taxa SELIC, a partir da citação. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1661322 - 0025624-84.2008.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 29/11/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/01/2012 ) No caso dos autos, o exame das provas produzidas revela, sem sombra de dúvidas, o caráter “built to suit” das avenças entabuladas entre as partes. Cite-se, apenas como exemplo, o Contrato ID 271296661, celebrado em 01/11/2011, mais especificamente em sua Cláusula Primeira (fls. 02). Acontece, que já se esgotou o prazo de vigência contratual livremente ajustado entre as partes (60 meses - ID 271296661, Cláusula 4.2, fls. 05) exaurido em 2016, de sorte que se encontram derrogadas todas as prerrogativas conferidas à locadora pela natureza “built to suit” da contratação, inclusive aquelas relativas à recuperação dos valores investidos na construção do imóvel. Há que se presumir que a parte locadora entendeu que 60 meses eram suficientes para recuperar a quantia investida na edificação do prédio, inclusive porque não se está diante de um contrato de adesão, de modo que era perfeitamente legítimo o ajuste de um prazo mais dilatado ou o pagamento de uma quantia mais elevada, a fim de obter o retorno do valor investido. Vale a pena registrar, neste ponto, que o contrato “built to suit” envolve riscos consideráveis, haja vista dos valores da contratação “sob medida”. Nesse sentido, caberia ao empreendedor munir-se de todas as garantias contratuais possíveis, de modo a que tivesse razoável segurança jurídica de que conseguiria obter o retorno de seu investimento ao longo do tempo. Lembro, nesse ponto, que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. “In casu”, as partes celebraram o prazo de duração do contrato (60 meses – Cláusula 4.2 – ID 271296661, fls. 05) e até mesmo a possibilidade de rescisão antecipada do pacto (Cláusula 13.2 – ID 271296661, fls. 09), avenças que não podem ser alteradas pelo Poder Judiciário a pretexto de que não houve o retorno financeiro do valor investido. A empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME sabia da existência da cláusula de limitação do prazo de duração do contrato desde o princípio das negociações, e com ela acabou anuindo. Oportuno frisar que a revisão judicial dos contratos deve ocorrer somente de forma excepcional e limitada (art. 421-A do CC) e a anulação de cláusulas contratuais, por sua vez, depende de conteúdo ilícito (art. 166, II do CC), circunstância não verificada na espécie. À luz do exposto, descabida a alegação de que o MM Juízo “a quo”, ao sanear o processo, teria impedido a instrução probatória com o intuito de demonstrar a ilegalidade e a inconstitucionalidade cometida ao fixar-se em 60 meses (5 anos) a duração do contrato, pois, repita-se, trata-se de cláusula contratual livremente pactuada entre as partes, no pleno exercício da autonomia da vontade. Portanto, não há nulidade alguma a ser declarada, sendo o caso, ao reverso, de se prestigiar a vontade das partes livremente manifestada, afastando-se a aplicação do art. 473, parágrafo único, do Código Civil. Encontra plena incidência, na espécie, o princípio da obrigatoriedade dos contratos, representativo da força vinculante das convenções, no sentido de que, uma vez celebrada a avença, esta deve ser cumprida pelas partes (“pacta sunt servanda”). Cabia à parte-ré, ora apelante, ter analisado a situação negocial posta e aferir qual o valor e prazo seriam suficientes para seu retorno financeiro; todavia, ao fixar o prazo de 60 (sessenta) meses de locação, a partir de 2011, fica inteiramente superada a questão. Registre-se, outrossim, ser completamente impertinente a invocação à legislação que rege as parcerias público-privadas, na medida em que era vedada, à época, a celebração desse tipo de contrato cujo valor fosse inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) ou que tivesse como objeto único o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2º, § 4º, da Lei nº 11.079/2004). Em razão de todas as considerações até aqui expostas, conclui-se que a única questão controvertida nos autos se restringe à indivisibilidade (ou não) dos imóveis mencionados e, como consequência, se é possível (ou não) a devolução de apenas um deles, como pretende a parte consignante, ou seja, a CEF. E, nesse diapasão, após exame dos elementos de convicção existentes nos autos, tenho que a sentença merece ser confirmada, pois os imóveis, em que pese a existência de contratos locatícios diversos, não foram projetados para o funcionamento em separado, o que obsta a devolução de um deles e a manutenção do outro contrato. De fato, assim se pronunciou a sentença quanto ao tema: “Como já mencionado alhures, durante as tratativas para a construção da agência bancária da CEF (imóvel que se pretende a manutenção do vínculo locatício), as partes entenderam pertinente a realização de obra maior e que poderia haver a pronta ocupação da área da agência, postergando o uso da parte inacabada, imóvel n° 2. Tal fato é apreensível de diversos elementos constantes dos autos: observe-se, a título de exemplo, que a vigência de ambos os contratos coincide nas datas, “25/10/2011 a 24/10/2016”, o que denota uma intenção de alinhar a ocupação e os ajustes locatícios das áreas. Ademais, ambos foram formalizados como construção seguida de locação. Cotejem-se as características dos contratos (id. 30673033): Análise Contratos/Processos administrativos: Imóvel 1 – (Processo Administrativo: 7063.01.026/2009) Autorização da contratação pela autoridade competente (Matriz): 20/11/2009 Data da contratação: 28/09/2010 Publicação Diário Oficial da União (DOU) da autorização contratação: 06/10/2010 Unidade ocupante: Agência Centenário Endereço: Rua Presidente Kennedy, nº 1-35, Centro Bauru/SP Valor de locação: R$ 29.000,00 (vinte e nove mil reais) reajustado anualmente pela variação do índice IGP-M (FGV) Área do imóvel : aproximadamente 1054,00 m² Prazo para construção do imóvel: 150 (cento e cinquenta) dias, contados a partir do Alvará de Construção Início da vigência da locação: 60 meses após a elaboração do aditivo de recebimento do imóvel Data de vigência: 25/10/2011 a 24/10/2016 Imóvel 2 – (Processo Administrativo: 7063.01.5617.01/2011) Autorização da contratação pela autoridade competente (Matriz): 23/09/2011 Data da contratação: 01/11/2011 Publicação Diário Oficial da União (DOU) da autorização contratação: 01/11/2011 Unidade ocupante: Unidades de escritórios da CAIXA Endereço: Rua Presidente Kennedy, nº 1-81, Centro Bauru/SP Valor de locação: R$ 59.000,00 (Cinquenta e nove mil reais) reajustado anualmente pela variação do índice IGP-M (FGV) Área do imóvel : aproximadamente 2.050,91 m² Prazo para construção do imóvel: 120 (cento e cinquenta) dias, a partir da assinatura. Início da vigência da locação: 60 meses após a elaboração do aditivo de recebimento do imóvel Data de vigência: 25/10/2011 a 24/10/2016 Ainda que a CEF insista na existência de entradas independentes dos imóveis, estacionamentos externos díspares e que o contrato relativo ao imóvel 2 tenha ocorrido mais de 1 ano após a celebração da avença atinente ao imóvel 1, além de acreditar “que o investidor tinha projetos independentes que separavam a medição de energia, água e outras, assim, cabe a ele dar uma solução (ou aplicar a que estava definida nos projetos) para a separação das despesas da edificação, posto ser o proprietário do imóvel”, não é o que os documentos carreados aos autos indicam”. Aos fundamentos acima colacionados acrescento, a fim de corroborar a tese da indivisibilidade do imóvel, que: - o alvará de construção (ID 32371604) autoriza a construção de um único prédio comercial; - a anotação de responsabilidade técnica – ART – (ID 32371607), por consequência, também se refere a um único prédio comercial; - construtivo foi realizado quanto a totalidade do imóvel, o que se reflete, do mesmo modo, na ART da construção (ID 32371607); - a ligação da entrada de água potável, fornecida pela concessionária local, D.A.E. Departamento de Água e Esgoto de Bauru, bem como o relógio de medição (hidrômetro), serve a totalidade do imóvel (laudo pericial – ID 43800238, fls. 20); - as caixas d´água servem o imóvel como um todo, sendo que há um único acesso possível a elas, pela Rua Presidente Kennedy 1-81, endereço das salas desocupadas (ID 43800238, fls. 14). - a rede de ligação de energia elétrica e a cabine de medição que estão instalados do lado de fora da edificação, abastecem a integralidade do prédio (laudo pericial – ID 43800238, fls. 18); - existe uma única matrícula junto ao Segundo Oficial de Registro de Imóveis de Bauru, embora da matrícula constem dois endereços (laudo pericial – ID 43800238, fls. 21); - o laudo pericial informa que “a edificação possui acessos com rampa e com escada, ambos os acessos permitem a entrada para os dois endereços” (ID 43800238, fls. 03); - sobre o hall de entrada da edificação, consta do laudo pericial que “não possui acesso ao outro endereço ao lado, ocupado pelo Banco”, porém, examinando as fotografias que instruem essa modalidade de prova, percebe-se que há apenas uma mera divisória de vidro separando o hall da área ocupada pela agência, instalada apenas como recurso de isolamento das áreas, sendo de fácil remoção (ID 43800238, fls. 06/08); - a edificação possui acessos com rampa e com escada, sendo que ambos os acessos permitem a entrada para os dois endereços (ID 43800238, fls. 03); - ao responder aos quesitos oferecidos pela reconvinte-recorrente adesiva PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA, o perito judicial confirmou que sim, o prédio foi edificado no modelo “built to suit”, isto é, foi edificado de acordo com especificações definidas pela empresa/cliente que iria ocupá-lo (ID 43799992, fls. 03); - ao responder aos quesitos oferecidos pela reconvinte-recorrente adesiva PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA, o perito judicial informou que no “Habite-se” expedido pela prefeitura local consta um único prédio e um endereço (ID 43799992, fls. 04). Das considerações acima depreende-se que a clara intenção das partes foi a de celebrar um contrato (atípico àquela altura) na modalidade “built to suit”, daí decorrendo a natureza de indivisibilidade do imóvel objeto da avença, construído com o escopo de atender às específicas necessidades da CEF. À esta altura, cumpre recordar que são indivisíveis os bens que não se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87 do CC, em sentido contrário). Esta é, justamente, a situação verificada nestes autos, pois ainda que a CEF alegue a presença de entradas independentes dos imóveis, estacionamentos externos diferentes e que o contrato relativo ao segundo imóvel tenha ocorrido mais de 1 ano após a celebração da avença relativa ao primeiro imóvel, a tese da não existência de 2 imóveis independentes não encontra respaldo na prova colhida, tal como acima demonstrado. Não se nega, é certo, a possibilidade de divisão do prédio objeto desta lide (como, de resto, de quaisquer prédios), sobretudo porque se está diante de lajes corporativas. Ocorre, porém, que a CEF não pode impor essa divisão do imóvel à outra parte contratante, permanecendo com parcela dele e relegando aos proprietários a incumbência de destinar a outra, uma vez que não foi essa a manifesta intenção do negócio jurídico celebrado, qual seja, a edificação, em duas etapas, de um imóvel com destinação única de servir aos propósitos da instituição bancária e por isso construído conforme suas especificações. Sob esse ponto de vista, decorre do disposto no art. 112 do CC que a parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, sendo que, ao interpretá-la, cumpre ao intérprete atender mais à intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Não se trata, aqui, de alterar a vontade das partes contratantes ou mesmo de atribuir interpretação extensiva às disposições contratuais, mas sim de investigar a real intenção dos contratantes, a qual, no caso sob exame, foi conceber um prédio “monousuário”, assim entendido como aquele utilizado por única empresa que necessita de amplo espaço para a realização de suas atividades comerciais, sendo que, na espécie dos autos, esse prédio foi desenvolvido sob medida para a atividade bancária da CEF, mostrando-se inviável a devolução ao proprietário de apenas parte dele. Não procede, portanto, a tese defendida pela CEF, no sentido de que se está diante de dois meros contratos de locação pelo período de 60 meses, de forma que seria possível que a instituição financeira prorrogasse um deles e rescindisse o outro. O acolhimento de pretensão nesse sentido, aliás, implicaria violação ao princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 113 e 422 do CC, e que impõe o dever de ambas as partes contratantes de agir de forma a não fraudar a confiança da outra parte. Trata-se, aqui, da noção de boa-fé objetiva, que deve estar presente não só quando da conclusão da avença, mas também na sua execução e mesmo na fase pós-contratual. Nesse mesmo diapasão, o Enunciado nº 26 da I Jornada de Direito Civil realizada pelo CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS do Conselho da Justiça Federal: 26 – Art. 422: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes. O C. STJ, por sua vez, já teve a oportunidade de dar aplicação à prevalência da intenção das partes e à boa-fé, como vetores importantes na interpretação do contrato. É o que se depreende da seguinte ementa de acórdão: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EMBARGOS A EXECUÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO. FIRMADO ENTRE PESSOAS FÍSICAS. CDI COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE REMUNERATÓRIO. MÚTUO FENERATÍCIO. MÚTUO GRATUITO. JUROS PRESUMIDOS. JUROS MORATÓRIOS. JUROS REMUNERATÓRIOS. (...) 7. A decisão sobre ser o mútuo feneratício ou gratuito deve partir da interpretação do negócio jurídico, observada a intenção das partes ao firmá-lo, de acordo com o art. 112 do CC/02. Essa análise, nos termos do art. 113, deve ter em conta a boa-fé, os usos e os costumes do local da celebração do contrato. (REsp n. 2.076.433/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 9/10/2023.) Por fim, verifico que a CEF, em sua apelação, invoca a aplicação dos arts. 428 e 429 do CPC, "in verbis": Art. 428. Cessa a fé do documento particular quando: I - for impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade; II - assinado em branco, for impugnado seu conteúdo, por preenchimento abusivo. Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele que recebeu documento assinado com texto não escrito no todo ou em parte formá-lo ou completá-lo por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário. Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando: I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir; II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento. No entanto, os dispositivos legais invocados, claramente, não se subsomem ao caso concreto, no qual não há qualquer menção à hipótese de falsidade documental. Ao reverso, o que se está a discutir aqui é a interpretação e o alcance do contrato celebrado entre as partes, sem que nenhuma das partes ou mesmo o MM Juízo de 1º Grau tenham cogitado de falsidade do instrumento contratual. Assim, em razão das considerações até aqui expostas, tenho que não procede a apelação da CEF, tendo em vista que o contrato deve ser mantido até que essa instituição financeira desocupe a integralidade do imóvel, visto que a intenção dos contratantes foi conceber um prédio “monousuário”, contratualmente indivisível. Mas, igualmente, também não procede o recurso adesivo da empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME, visto que as partes celebraram um contrato na modalidade “built to suit”, de modo que no momento da elaboração das cláusulas, o empreendedor deveria dimensionar prazo e valor a serem pagos para que houvesse o retorno integral do seu investimento. Vencido o contrato, também se venceu o prazo para recuperação do investimento realizado na construção do imóvel. Registro, por fim, que com o reconhecimento da exigibilidade dos alugueis correspondentes à parte do imóvel em relação à qual a Caixa não teria mais interesse, a parte autora terá direito ao levantamento integral dos depósitos realizados nos autos pela Caixa, sem impedimento para a transferência imediata do montante necessário à satisfação do crédito exigido em face da autora na execução de título extrajudicial nº 0000701-15.2014.8.26.0472, nos termos da decisão id 290430459, tornando assim prejudicado o agravo interno interposto pela instituição financeira (id 291312367). Pelas razões expostas, REJEITO a matéria preliminar de nulidade e NEGO PROVIMENTO à apelação e ao recurso adesivo, restando prejudicado o agravo interno interposto pela Caixa. É como voto.
Advogados do(a) APELADO: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, ALEX LIBONATI - SP159402-A
E M E N T A
APELAÇÃO. RECURSO ADESIVO. MATÉRIA PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. CONGRUÊNCIA. CONTRATO "BUILT TO SUIT". CONTRATO DE LOCAÇÃO. DISTINÇÕES. PRAZO DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. RECUPERAÇÃO DO INVESTIMENTO. PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMÓVEL INDIVISÍVEL. LAUDO PERICIAL. COMPROVAÇÃO.
- Definir se o contrato foi celebrado na modalidade “built to suit”, se o prédio construído era indivisível ou poderia ser fracionado em duas construções autônomas, ou mesmo se havia unicidade ou dualidade de contratos entre as partes, todas essas eram questões que precisavam ser definidas pelo MM Juízo “a quo”, a fim de que pudesse, na sequência, julgar procedentes ou improcedentes a ação principal (de consignação em pagamento) e a reconvenção. A análise desses pleitos está abarcada pela congruência do que foi requerido pelas partes.
- O recurso adesivo, interposto com fundamento no art. 997, §§ 1º e 2º do CPC, mostra-se cabível no caso concreto, em que pese tanto a ação principal quanto a reconvenção tenham sido julgadas inteiramente improcedentes (inexistente, em princípio, o requisito da sucumbência recíproca).
- Entende-se por contrato “built to suit” a locação de imóvel urbano não residencial a adquirir, a construir ou a reformar. Por esse negócio jurídico, uma parte contrata terceiro que fará a aquisição, ou construção, ou reforma de imóvel, para que, posteriormente, possa alugá-lo do proprietário, preestabelecendo a finalidade do uso do bem e as exigências previamente combinadas. Na linguagem coloquial, é contrato de locação por encomenda, tendo de um lado um investidor (inicialmente construtor e depois locador) e de outro lado o interessado (empreendimento contratante e futuro locatário). O contrato “built to suit” não é um contrato puramente de locação de imóvel, sendo esta apenas uma de suas faces, porquanto também apresenta elementos próprios aos contratos de construção, de empreitada, de financiamento e de incorporação, além de outras características próprias.
- Mesmo antes do art. 54-A e parágrafos à Lei nº 8.245/1991, pela Lei nº 12.744/2012 (DOU de 20/12/2012, a partir de quando passou a ser uma espécie de contrato típico (assim entendido como aquele regulado especificamente em lei), não havia qualquer vedação à celebração de contratos do tipo “built to suit”, visto que não há proibição a que as partes celebrem os chamados contratos atípicos, ou seja, aqueles que resultam do acordo de vontades, não tendo, porém, as suas características e requisitos definidos e regulados na lei. Irrelevante, igualmente, a existência de menção expressa ao temo “built to suit” no corpo do contrato, desde que, através da sua análise, seja possível extrair dele essa natureza jurídica. Tanto essa afirmação é correta, que a jurisprudência já se debruçava sobre os contratos “built to suit” anteriormente à edição da Lei nº 12.744/2012.
- No caso dos autos, o exame das provas produzidas revela o caráter “built to suit” das avenças entabuladas entre as partes. Ocorre, entretanto, que já se esgotou o prazo de vigência contratual livremente ajustado entre as partes (60 meses) exaurido em 2016, de sorte que se encontram derrogadas todas as prerrogativas conferidas à locadora pela natureza “built to suit” da contratação, inclusive aquelas relativas à recuperação dos valores investidos na construção do imóvel. Há que se presumir que a parte locadora entendeu que 60 meses eram suficientes para recuperar a quantia investida na edificação do prédio, inclusive porque não se está diante de um contrato de adesão, de modo que era perfeitamente legítimo o ajuste de um prazo mais dilatado ou o pagamento de uma quantia mais elevada, a fim de obter o retorno do valor investido.
- Vale a pena registrar, neste ponto, que o contrato “built to suit” envolve riscos consideráveis, em vista dos valores da contratação “sob medida”. Nesse sentido, caberia ao empreendedor munir-se de todas as garantias contratuais possíveis, de modo a que tivesse razoável segurança jurídica de que conseguiria obter o retorno de seu investimento ao longo do tempo.
- As partes celebraram o prazo de duração do contrato (60 meses) e até mesmo a possibilidade de rescisão antecipada do pacto, avenças que não podem ser alteradas pelo Poder Judiciário a pretexto de que não houve o retorno financeiro do valor investido. A empresa PTX - LOCACAO IMOBILIARIA LTDA - ME sabia da existência da cláusula de limitação do prazo de duração do contrato desde o princípio das negociações, e com ela acabou anuindo. A revisão judicial dos contratos deve ocorrer somente de forma excepcional e limitada (art. 421-A do CC) e a anulação de cláusulas contratuais, por sua vez, depende de conteúdo ilícito (art. 166, II do CC), circunstância não verificada na espécie.
- À luz do exposto, descabida a alegação de que o MM Juízo “a quo”, ao sanear o processo, teria impedido a instrução probatória com o intuito de demonstrar a ilegalidade e a inconstitucionalidade cometida ao fixar-se em 60 meses (5 anos) a duração do contrato, pois, repita-se, trata-se de cláusula contratual livremente pactuada entre as partes, no pleno exercício da autonomia da vontade.
- Não há nulidade a ser declarada, sendo o caso, ao reverso, de se prestigiar a vontade das partes livremente manifestada, afastando-se a aplicação do art. 473, parágrafo único, do Código Civil. Encontra plena incidência, na espécie, a obrigatoriedade dos contratos, representativo da força vinculante das convenções, no sentido de que, uma vez celebrada a avença, esta deve ser cumprida pelas partes (“pacta sunt servanda”). Cabia à parte-ré, ora apelante, ter analisado a situação negocial posta e aferir qual o valor e prazo seriam suficientes para seu retorno financeiro; todavia, ao fixar o prazo de 60 (sessenta) meses de locação, a partir de 2011, fica inteiramente superada a questão.
- Impertinente a invocação à legislação que rege as parcerias público-privadas, na medida em que era vedada, à época, a celebração desse tipo de contrato cujo valor fosse inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) ou que tivesse como objeto único o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2º, § 4º, da Lei nº 11.079/2004).
- Os imóveis, em que pese a existência de contratos locatícios diversos, não foram projetados para o funcionamento em separado, o que obsta a devolução de um deles e a manutenção do outro contrato. Depreende-se que a clara intenção das partes foi a de celebrar um contrato (atípico àquela altura) na modalidade “built to suit”, daí decorrendo a natureza de indivisibilidade do imóvel objeto da avença, construído com o escopo de atender às específicas necessidades da instituição bancária.
- Decorre do disposto no art. 112 do CC que a parte essencial do negócio jurídico é a manifestação de vontade, sendo que, ao interpretá-la, cumpre ao intérprete atender mais à intenção nela consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. Não se trata, aqui, de alterar a vontade das partes contratantes ou mesmo de atribuir interpretação extensiva às disposições contratuais, mas sim de investigar a real intenção dos contratantes, a qual, no caso sob exame, foi conceber um prédio “monousuário”, assim entendido como aquele utilizado por única empresa que necessita de amplo espaço para a realização de suas atividades comerciais, sendo que, na espécie dos autos, esse prédio foi desenvolvido sob medida para a atividade bancária, mostrando-se inviável a devolução ao proprietário de apenas parte dele.
- Não procede, a tese no sentido de que se está diante de dois meros contratos de locação pelo período de 60 meses, de forma que seria possível que a instituição financeira prorrogasse um deles e rescindisse o outro. O acolhimento de pretensão nesse sentido, aliás, implicaria violação ao princípio da boa-fé, consagrado nos arts. 113 e 422 do CC, e que impõe o dever de ambas as partes contratantes de agir de forma a não fraudar a confiança da outra parte. Trata-se, aqui, da noção de boa-fé objetiva, que deve estar presente não só quando da conclusão da avença, mas também na sua execução e mesmo na fase pós-contratual.
- Com o reconhecimento da exigibilidade dos alugueis correspondentes à parte do imóvel em relação à qual a Caixa não teria mais interesse, e a consequente destinação dos valores depositados em favor da parte autora, resta prejudicado o agravo interno interposto pela instituição financeira.
- Agravo interno prejudicado. Matéria preliminar rejeitada. Apelação e recurso adesivo não providos.