Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000926-31.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

AGRAVADO: GUILHERME AUGUSTO BOCOLI

Advogados do(a) AGRAVADO: BRUNO CESARI BOCOLI - SP253573-A, PAULO CESARI BOCOLI - SP155619

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000926-31.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

AGRAVADO: GUILHERME AUGUSTO BOCOLI

Advogados do(a) AGRAVADO: BRUNO CESARI BOCOLI - SP253573, PAULO CESARI BOCOLI - SP155619

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal RENATA LOTUFO (Relatora):

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Caixa Econômica Federal em face da decisão que deferiu a tutela provisória para suspender o pagamento das parcelas mensais vincendas e taxas de obra, bem como determinar que a ré se abstenha de efetuar qualquer tipo de cobrança judicial ou extrajudicial até ulterior decisão. 

Em breve síntese, sustenta a agravante que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, posto que atua apenas como agente financeiro no contrato de financiamento em análise. Defende a inexistência de solidariedade entre a instituição financeira e o construtor. Por fim, requer a concessão do efeito suspensivo recursal e seja reconhecida a ilegitimidade passiva.

Foi proferida decisão, indeferindo o pedido de efeito suspensivo a ao recurso (ID 284774443).

Foram apresentadas contrarrazões (ID 285928870).

Foi interposto agravo interno (ID 284859183) e contrarrazões a tal (ID 287074708).

 É o relatório. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000926-31.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AGRAVANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

AGRAVADO: GUILHERME AUGUSTO BOCOLI

Advogados do(a) AGRAVADO: BRUNO CESARI BOCOLI - SP253573, PAULO CESARI BOCOLI - SP155619

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O 

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal RENATA LOTUFO (Relatora):

Inicialmente, diante do julgamento colegiado de mérito do agravo de instrumento, julgo prejudicado o agravo interno interposto.

No presente caso, nenhuma das partes trouxe qualquer argumento apto a alterar o entendimento já manifestado na r. decisão que indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso.

Desse modo, transcrevo os fundamentos da referida decisão:

"Nos termos do art. 932, inciso II, do Código de Processo Civil, ao Relator incumbe apreciar os pedidos de tutela provisória formulados nos recursos, bem como nos processos de competência originária do Tribunal.  

Ademais, distribuído o agravo de instrumento, nos termos do art. 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando sua decisão ao juiz.  

No caso em tela, em sede de juízo sumário de cognição, não vislumbro a presença dos requisitos para concessão do pleito.

A presente demanda diz respeito à legitimidade da Caixa Econômica Federal para figurar na ação que tem como fundamento atraso na entrega de imóvel objeto de contrato de financiamento.

Pois bem, com relação à responsabilidade da CEF no tocante ao alegado atraso na entrega do imóvel financiado é cediço que se deve examinar o tipo de atuação da empresa pública no âmbito no Sistema Financeiro Habitacional: i) meramente como agente financeiro, atuando como as demais instituições financeiras públicas e privadas na concessão de financiamento; ii) como agente executor de políticas federais para promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda.

Assim, quando atua como mero agente financeiro a Caixa Econômica Federal não pode ser responsabilizada pelo atraso ou vícios construtivos, uma vez que a sua atuação se restringe a repassar os valores para aquisição do imóvel.

Por outro lado, na segunda hipótese, quando a instituição financeira destina recursos para a moradia de pessoas de baixa ou baixíssima renda por meio de contratos em nome do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), bem como por meio de outros programas de política de habitação social – Programa Minha Casa, Minha Vida; Fundo de Desenvolvimento Social (FDS); do Orçamento Geral da União (OGU) ou do FGTS - a CEF pode ser demandada pela parte autora e responde solidariamente, a depender do caso em concreto, com a construtora perante o atraso na entrega do imóvel.

Esse, inclusive, é o entendimento assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. REPARAÇÃO DOS DANOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PRECLUSÃO. CONDIÇÃO DE AÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. BANCO AGRAVADO. ATUAÇÃO COMO MERO AGENTE FINANCEIRO. VERBAS INDENIZATÓRIAS. RESPONSABILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 182 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. [...]

3. A Caixa Econômica Federal (CEF) "somente tem legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro" (AgInt no REsp n. 1.646.130/PE, Relatoria MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/8/2018, DJe 4/9/2018), o que foi observado pela Corte de origem. [...]

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl no REsp n. 1.907.783/PE, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 9/8/2021, DJe de 13/8/2021.)

 

Colaciono, ainda, precedentes desta E. Corte:                                  

                                       

APELAÇÃO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. PMCMV. SFH. RESCISÃO CONTRATUAL. CEF. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMOTORA DE POLÍTICAS PÚBLICAS. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. O C. Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo o qual a questão da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação de indenização por atraso na entrega do imóvel ou vício de construção, merece distinção, a depender do tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro em mútuos concedidos fora do SFH: a) meramente como agente financeiro em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e privadas; e b) ou como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda (REsp 1102539/PE, Quarta Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para Acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, j. 09/08/2011, DJe 06/02/2012).

2. No caso, a atuação da CEF não se restringiu às atividades típicas de mero agente financeiro em sentido estrito, mas, sim, como agente executor de política pública habitacional federal, pois consta expressamente do contrato de financiamento a obrigação e o interesse da CEF em fiscalizar o andamento da obra.

3. A jurisprudência tem admitido a legitimidade passiva e a responsabilidade civil solidária da CEF com o construtor do imóvel. Precedentes.

4. Destarte, entendo estar presente a legitimidade e responsabilidade do banco apelado, o que enseja a rescisão do contrato de financiamento e a devolução dos valores conforme determinado na sentença recorrida.

5. Apelação desprovida, com majoração da verba honorária.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001182-58.2021.4.03.6117, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/03/2023, DJEN DATA: 03/04/2023)

                                       

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. CONTRATO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. [...]

- Com relação à responsabilidade da CEF no que tange ao atraso na entrega da obra/vícios de construção de imóveis financiados segundo as regras do Sistema Financeiro de Habitação, há que se distinguir entre duas situações: 1ª) nas hipóteses em opera como gestora de recursos e executora de políticas públicas federais para a promoção de moradia a pessoas de baixa renda (como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida), atuando na elaboração do projeto ou na fiscalização das obras, a CEF é parte legítima e pode responder por danos (materiais e/ou morais); 2ª) nos casos em que atua apenas como agente financeiro, financiando a aquisição de imóvel que já se encontra edificado e em nome de terceiro, essa instituição financeira não pode ser responsabilizada por vícios de construção e é parte ilegítima para compor lides a esse respeito.

- Ainda que no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para se configurar a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade), é necessário que a instituição financeira tenha atuado na construção do imóvel (seja no financiamento, elaboração e/ou fiscalização da obra), ou que o contrato esteja relacionado à Faixa 1 do mencionado Programa, quando a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Precedentes. [...]

- Apelação provida em parte.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0010706-11.2013.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 22/03/2023, DJEN DATA: 24/03/2023) 

 

Compulsando os autos, observo que foi firmado “Contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade habitacional, alienação fiduciária em garantia, fiança e outras obrigações – Programa Casa Verde e Amarela – Recursos do FGTS”, conforme documento de ID 309388740 (autos originais).

Analisando as cláusulas contratuais, noto que a instituição financeira assumiu a obrigação de acompanhar e fiscalizar o andamento da obra, inclusive liberando as parcelas do financiamento de acordo com a sua execução. Neste sentido a cláusula “4 Condições do Financiamento e Execução das Obras”.

Dessa forma, verifico que o referido contrato se deu no âmbito do Programa Casa Verde e Amarela, com recursos advindos do Governo Federal, tendo a CEF assumido obrigações em relação ao financiamento da construção imóvel, incumbindo-se da fiscalização do seu andamento e da liberação de recursos financeiros.

Portanto, o caso em tela enquadra-se na segunda hipótese de atuação. Desta feita, a Caixa Econômica Federal tem responsabilidade pelo atraso na entrega do imóvel, sendo parte legítima para figurar no polo passivo da ação.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de efeito suspensivo recursal."

Ausentes quaisquer motivos para a alteração do julgado, considero que a r. decisão deve ser integralmente mantida.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento e julgo prejudicado o agravo interno.

É como voto.


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL AUDREY GASPARINI: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Caixa Econômica Federal contra decidiu que deferiu pedido de tutela provisória, por sua vez formulado em autos de ação proposta por mutuário objetivando responsabilizar a instituição financeira por alegado atraso na construção de imóvel adquirido na planta no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida/Programa Casa Verde e Amarela, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

A matéria tratada nos autos vem imbuída de controvérsia, em especial no que toca à legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal, motivo pelo qual passo a explanar meu ponto de vista.

Em regra, as ações que buscam responsabilizar a Caixa Econômica Federal pelo atraso na obra de imóveis adquiridos na planta ou mesmo em função de vícios de construção de tais bens, se fundamentam nos seguintes argumentos:

 

(a) Responsabilidade Civil atribuída por lei: a CEF é gestora do Programa Minha Casa Minha Vida e, portanto, agindo como agente promotor de política pública voltada à habitação, é responsável pelo atraso na obra ou mesmo pela qualidade da construção;

 

(b) Responsabilidade contratual:

 

(b.1) A CEF, para liberação do financiamento concedido à pessoa física adquirente do imóvel na planta, exige que o empreendimento a ser construído se submeta à aprovação do cronograma e do projeto  de construção por parte da sua área técnica, o que lhe atribui responsabilidade tanto pelo término da obra no prazo contratado, quanto pela qualidade e solidez do imóvel;

(b.2) Contratualmente, a CEF se obriga a realizar medições na obra, o que demonstra sua responsabilidade pelo exato cumprimento do cronograma fornecido pela construtora ou ente realizador da obra, bem como pela qualidade e solidez da construção;

(b.3) Contratualmente, se obriga a acionar a seguradora contratada pela construtora no caso de atraso injustificado da obra. Assim, sua inércia a responsabiliza em virtude da negligência em cumprir obrigação contratualmente assumida;

 

 

Inobstante, tais alegações não se sustentam quando o imóvel é financiado com recursos do FGTS.

 

INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS AUTORIZADAS A FINANCIAR IMÓVEIS DENTRO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA

 

Primeiramente, é preciso destacar que a atual legislação regulamentadora do PMCMV permite que qualquer instituição financeira autorizada pelo Banco Central do Brasil atue no financiamento de imóveis na Faixa 1.  É o que prevê o artigo 6º, § 16, da Lei n. 14.620/2023:

 

“Art. 6º  O Programa será constituído pelos seguintes recursos, a serem aplicados com observância à legislação específica de cada fonte e em conformidade com as dotações e disponibilidades orçamentárias e financeiras consignadas nas leis e nos planos de aplicação anuais:

(...)

§ 16.  O Ministério das Cidades atenderá famílias enquadradas na Faixa 1 residentes em Municípios com população igual ou inferior a 80 (oitenta) mil habitantes, preferencialmente, com recursos de que tratam os incisos I e III do caput, na modalidade de oferta pública, para habilitação de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil, inclusive bancos digitais, sociedades de crédito direto, cooperativas de crédito e os agentes financeiros referidos nos incisos I a XII do art. 8º da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964.

 

Lei n. 4.380/1964:

 

Art. 8° O sistema financeiro da habitação, destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, será integrado.          

I – pelos bancos múltiplos;                    

II – pelos bancos comerciais;                 

III – pelas caixas econômicas;                

IV – pelas sociedades de crédito imobiliário;                          

V – pelas associações de poupança e empréstimo;                             

VI – pelas companhias hipotecárias;                              

VII – pelos órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive sociedades de economia mista em que haja participação majoritária do poder público, que operem, de acordo com o disposto nesta Lei, no financiamento de habitações e obras conexas;                           

VIII – pelas fundações, cooperativas e outras formas associativas para construção ou aquisição da casa própria sem finalidade de lucro, que se constituirão de acordo com as diretrizes desta Lei;                          

IX – pelas caixas militares;                        

X – pelas entidades abertas de previdência complementar;                         

XI – pelas companhias securitizadoras de crédito imobiliário; e                            

XII – por outras instituições que venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional como integrantes do Sistema Financeiro da Habitação.

 

Portanto, destaco que, atualmente, qualquer instituição financeira autorizada a funcionar pelo Bacen pode conceder financiamento dentro do PMCMV, ao menos para a Faixa 1.

 

RESPONSABILIDADE LEGAL DA CEF PELO ATRASO DA OBRA OU VÍCIO DE CONSTRUÇÃO QUANDO FINANCIA A AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NA PLANTA COM RECURSOS DO FGTS DENTRO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA

 

Primeiramente, é preciso ter em mente que não se trata de apreciar a questão da legitimidade passiva da CEF como mera longa manus do Governo Federal no que toca à sua política habitacional.

Deve-se analisar a questão da responsabilidade da CEF como se outra instituição privada qualquer estivesse no polo passivo, pois ela, atualmente, desempenha seu papel de agente financiador dentro do PMCMV como qualquer outra instituição financeira autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

O fato de a legislação anterior ter autorizado somente a CEF a financiar imóveis dentro do PMCMV não implica, pois, em considerá-la agente governamental aplicador da política federal de habitação. Tal encargo recaiu sobre a União Federal por intermédio do Ministério das Cidades.

Ainda que se atribua tal condição à CEF, em virtude do PMCMV, é certo que sua atuação, quando utilizando recursos do FGTS, se cingiu a viabilizar a concessão de financiamentos subsidiados pelo Governo Federal e com taxa de juros reduzida.  Na condição de operadora do FGTS, atuando dentro do PMCMV, nunca teve a atribuição de construir, comprar ou alienar imóveis a fim de cumprir política federal de habitação.

Sempre atuou na ponta financeira.

Sua atuação, na vigência da legislação anterior, é idêntica à de agora.

Atribuir-lhe responsabilidade pela demora na entrega de imóveis adquiridos na planta, sua solidez e qualidade, quando adquiridos mediante financiamentos concedidos com recursos do FGTS, durante a vigência da Lei n. 11.977/2009 implica em lhe atribuir a mesma responsabilidade pelos contratos celebrados sob condições idênticas na vigência da atual legislação e, por consequência,  responsabilizar todas as instituições financeiras privadas do mesmo modo, quando autorizadas pela atual legislação a conceder empréstimos dentro do PMCMV.

Estabelecida tal premissa, tem-se que o PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA foi instituído pela Lei n. 11.977/2009 e, atualmente, é disciplinado pela Lei n. 14.620/2023.

Em linhas gerais, o objetivo do PMCMV é incentivar a produção e aquisição de novas unidades habitacionais a famílias de baixa renda  (art. 1º da Lei n. 11.977/2009), além do direito à cidade e à moradia de famílias residentes em áreas urbanas e rurais, associado ao desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural, à sustentabilidade, à redução de vulnerabilidades e à prevenção de riscos de desastres, à geração de trabalho e de renda e à elevação dos padrões de habitabilidade, de segurança socioambiental e de qualidade de vida da população, conforme determinam os arts. 3º e  (art. 1º da Lei n. 14.620/2023).

Originalmente, previa-se que, para implementação do PMCMV, seria concedida subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação do financiamento.

Posteriormente, foram acrescidos outros meios de implementação do Programa, como a participação do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, subvenção por meio do BNDES (Lei n. 11.977/2009, art. 2º) etc.

Atualmente, a Lei n. 14.620/2023, prevê:

 

art. 4º Os objetivos do Programa serão alcançados por meio de linhas de atendimento que considerem as necessidades habitacionais, tais como:

I - provisão subsidiada de unidades habitacionais novas, requalificadas ou retrofitadas, em áreas urbanas ou rurais;

II - provisão subsidiada de unidades habitacionais derivadas da requalificação ou retrofit de prédios degradados, não utilizados e subutilizados, priorizando-se os localizados em áreas centrais e históricas e os de pequeno porte, assim compreendidos aqueles que resultem em até 200 (duzentas) unidades;

III - provisão financiada de unidades habitacionais novas, usadas, requalificadas ou retrofitadas, que serão consideradas novas, em áreas urbanas ou rurais;

IV - fomento à criação de mercados de locação social de imóveis em áreas urbanas;

V - provisão de lotes urbanizados, dotados da adequada infraestrutura;

VI - melhoria habitacional em áreas urbanas e rurais;

VII - apoio financeiro a programas e ações habitacionais de interesse social desenvolvidos por Estados e Munícipios;

VIII - projeto Moradia Primeiro;

IX - regularização fundiária.

 

Art. 6º  O Programa será constituído pelos seguintes recursos, a serem aplicados com observância à legislação específica de cada fonte e em conformidade com as dotações e disponibilidades orçamentárias e financeiras consignadas nas leis e nos planos de aplicação anuais:

I - dotações orçamentárias da União;

II - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), de que trata a Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005;

III - Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), de que trata a Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001;

IV - Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), de que trata a Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993;

V - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de que trata a Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990 (Lei do FGTS);

VI - Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab), de que trata a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009;

VII - emendas parlamentares;

VIII - operações de crédito de iniciativa da União firmadas com organismos multilaterais de crédito e destinadas à implementação do Programa;

IX - contrapartidas financeiras, físicas ou de serviços de origem pública ou privada;

X - doações públicas ou privadas destinadas aos fundos de que tratam os incisos II, III, IV e V;

XI - outros recursos destinados à implementação do Programa oriundos de fontes nacionais e internacionais;

XII - doações ou alienação gratuita ou onerosa de bens imóveis da União, observada legislação pertinente;

XIII - recursos do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap), quando os recursos orçamentários e financeiros constantes dos incisos I a IX não estiverem disponíveis e o beneficiário tenha tido o único imóvel perdido em razão de situação de emergência ou calamidade formalmente reconhecida pelos órgãos competentes ou esteja em estado de vulnerabilidade a desastres ambientais iminentes, reconhecidos pelos órgãos competentes.

 

Analisando-se as leis de regência, não se verifica qualquer atribuição de responsabilidade da Caixa Econômica Federal ou outro agente financeiro habilitado a fornecer financiamento no âmbito do PMCMV, com recursos do FGTS, pela conclusão da obra de imóvel na planta, sua qualidade ou solidez.

Em regra, as instituições financeiras que concedem financiamento a beneficiários do PMCMV que adquirem imóveis na planta não assumem perante aqueles quaisquer tipos de responsabilidade pelo término da obra, sua qualidade ou solidez.

Há exceções, como, por exemplo, no caso de imóveis adquiridos na planta com recursos do FAR. Neste caso, a Lei n.10.188/2001,  prevê  no parágrafo único do artigo 4º, que “As operações de aquisição, construção, recuperação, arrendamento e venda de imóveis obedecerão aos critérios estabelecidos pela CEF, respeitados os princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade, moralidade administrativa, interesse público e eficiência, ficando dispensada da observância das disposições específicas da lei geral de licitação”.

Assim, no caso de contratações realizadas envolvendo o FAR, a CEF é responsável pela aquisição dos imóveis, sua construção e venda. Portanto, deve responder pelo atraso na entrega da obra, sua solidez e qualidade perante os adquirentes ou arrendatários.

O mesmo não se dá quando os recursos do financiamento são originários do FGTS.

Não há, na Lei n. 8.036/1990, qualquer disposição atribuindo responsabilidade à CEF perante os mutuários quanto aos imóveis financiados por ela com recursos do FGTS, no que toca ao atraso da obra ou vício de construção.

 Assim, não se pode atribuir responsabilidade civil à CEF perante os mutuários, em função da demora na entrega de imóvel aquirido na planta, sua solidez ou qualidade, fundamentada em disposição legal, quando o financiamento é concedido com recursos do FGTS.

O simples fato de o mutuário se enquadrar nos critérios previsto no PMCMV, não atribui à CEF, como agente financiador da unidade habitacional, responsabilidade civil pela demora, solidez ou qualidade do bem, quando se utiliza recursos do FGTS, visto que inexiste na legislação qualquer dispositivo lhe atribuindo tal responsabilidade.

É preciso ter em mente que o PMCMV não busca alcançar seus objetivos mediante construção de unidades habitacionais e sua posterior distribuição a famílias de baixa renda, por parte do Governo Federal.

Os objetivos do PMCMV são alcançados mediante linhas de financiamento diferenciadas, com taxa de juros menores e subsídios concedidos pelo Governo Federal.

Basicamente, é um Programa que visa fomentar a aquisição de imóveis mediante concessão de financiamentos mais atrativos a famílias de baixa renda.

O que difere o financiamento celebrado pelas regras do PMCMV de outros ordinariamente realizados é a situação econômica dos mutuários (enquadramento dentro das faixas econômicas previstas) e a concessão de subsídios e taxas de juros diferenciadas.

 

RESPONSABILIADE CONTRATUAL DA CEF PELA DEMORA NA ENTREGA DO IMÓVEL, SUA SOLIDEZ E QUALIDADE

 

Conforme já dito acima, em linhas gerais, são estes os argumentos trazidos pelos mutuários ao pretender a responsabilidade contratual da CEF:

 

      1. A CEF, para liberação do financiamento concedido à pessoa física, exige que o empreendimento a ser construído se submeta à aprovação do cronograma e do projeto  de construção por parte da sua área técnica, o que lhe atribui responsabilidade tanto pelo término da obra no prazo contratado, quanto pela qualidade e solidez do imóvel;
      2. Contratualmente, a CEF se obriga a realizar medições na obra, o que demonstra sua responsabilidade pelo exato cumprimento do cronograma fornecido pela construtora ou ente realizador da obra, bem como pela qualidade e solidez da construção;
      3. Contratualmente, se obriga a acionar a seguradora contratada pela construtora no caso de atraso injustificado da obra. Assim, sua inércia a responsabiliza em virtude da negligência em cumprir obrigação contratualmente assumida.

 

De início, destaco que os fundamentos que seguem dizem respeito à situação na qual o interessado adquire imóvel de terceiro e busca financiamento perante instituição financeira, no caso a CEF, para viabilizar a compra celebrada.

Quanto ao argumento (a),  os financiamentos concedidos aos interessados na aquisição de imóveis na planta são garantidos, em regra, por hipoteca ou, como mais difundido atualmente, mediante alienação fiduciária.

A instituição financeira, ao conceder o empréstimo, deve levar em consideração a viabilidade do empreendimento que servirá de garantia da dívida: o tempo previsto para sua conclusão, o projeto, os materiais utilizados etc, na medida em que se trata de negócio de risco. Ela está aportando dinheiro em um empreendimento que não conta, no momento da contratação do empréstimo por parte do adquirente do imóvel, com qualquer tipo de garantia real.

Ela precisa ter uma ideia mínima do prazo que levará para obter a garantia real e efetivo valor de mercado da referida garantia a fim de calcular se o negócio é ou não viável do ponto de vista financeiro.

Para se ter alguma ideia do valor do imóvel, por óbvio, é necessário conhecer o projeto, o tamanho da unidade habitacional, os materiais e técnicas utilizados, pois, estes influenciam diretamente no valor do bem e, consequentemente, na garantia real ofertada ao contrato de mútuo.

Imagine-se, hipoteticamente, que o vendedor ou construtor afirme que determinado imóvel, com determinada metragem, em determinada localização, construído com determinados materiais, tenha valor de quinhentos mil reais.

Não há motivo para que a instituição financeira acredite em tais informações.

Ela precisa ter um mínimo de certeza que o valor indicado na operação de compra e venda, de fato, se encontra dentro da expectativa de mercado.  Caso contrário, ela pode conceder financiamento em montante muito superior à garantia ofertada.

Nada mais razoável e previsível, pois, que a instituição financeira, antes de conceder o financiamento ao adquirente do imóvel, analise o projeto, cronograma e materiais a serem utilizados  a fim de analisar apurar a viabilidade ou não da concessão do empréstimo.

Tal procedimento não se confunde com a assunção da responsabilidade da instituição financeira, perante o mutuário, pela conclusão da obra, solidez ou sua qualidade.

Toda a análise e aprovação é feita em função do interesse da instituição financeira e não em função do mutuário, pois, este, independentemente da concessão ou não do empréstimo, já adquiriu o bem imóvel do vendedor, incorporador ou construtora.

Se não aprovados o cronograma, projeto e materiais por parte da instituição financeira, o financiamento pode não ser concedido e caberá ao comprador levantar recursos de outro modo ou, então, desfazer o negócio de compra e venda com as consequências contratuais eventualmente previstas.

Toda a fundamentação supra se aplica ao argumento (b).

As medições e análise da técnica e dos materiais é feita em função da garantia real a ser concedida ao empréstimo e para que se possibilite a liberação de valores.

A instituição financeira precisa ter certeza de que (1) a obra se desenvolve dentro do planejado e que a garantia real estará aperfeiçoada, (2) que a técnica e materiais utilizados pela construtora estão dentro do que foi aprovado, pois, isto garantirá que o valor da garantia prevista corresponderá à realidade.

Imagine-se que a construtora ou incorporadora informem no projeto que utilizarão técnica e materiais que garantem a melhor qualidade e, consequentemente, impactam no valor do imóvel e da garantia e, durante a execução, passam a utilizar técnica diversa e produtos de menor qualidade. Obviamente, o imóvel a ser dado em garantia fiduciária não corresponderá ao valor previamente indicado.

Por fim, a instituição financeira não poderia correr o risco de liberar todo o financiamento contratado pelo mutuário à construtora. Ela precisa verificar o andamento das obras, realizar medições e constatações de modo a viabilizar a liberação dos valores à medida em que a obra evolui.

Por fim, quanto ao argumento (c), não são todos os contratos que preveem a responsabilidade da CEF no acionamento da seguradora no caso de atraso da obra.

Nos que possuem tal cláusula, esta é prevista em benefício da instituição financeira e não do mutuário.

As construtoras são obrigadas a contratar seguro para garantir, dentre outras obrigações, a conclusão da obra.

As instituições financeiras são indicadas como beneficiárias do seguro e não os mutuários.

Isto porque a instituição financeira tem todo o interesse na conclusão da obra em conformidade com o projeto apresentado pela construtora ou incorporadora, visto que tal bem garantirá o empréstimo concedido ao adquirente do imóvel.

Os contratos celebrados entre a CEF e os mutuários também autorizam a estes a possiblidade de substituir a construtora no caso de atraso na obra. Tal cláusula visa o interesse dos mutuários.

É bem verdade que em tais caso é preciso que a instituição financeira aprove a alteração, o que não tem o condão de lhe atribuir responsabilidade pela execução da obra. A aprovação da instituição financeira visa garantir que a construtora a ser contratada tenha condições de executar a obra nos moldes do projeto aprovado. É interesse seu que o imóvel seja construído de acordo com os parâmetros originalmente fornecidos.

Ademais, é pacto assessório e que, caso descumprido, não necessariamente leva à resolução do contrato principal. Tampouco induz, automaticamente,  à responsabilidade da CEF pela execução da obra, sua solidez ou qualidade.

Para que tal ocorresse, seria preciso que houvesse o comprometimento do interesse do credor. Neste sentido:

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA. PACTO ADJETO. MANEJO FLORESTAL. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 DO CC/02. DEVERES ANEXOS. COOPERAÇÃO E LEALDADE. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. DESCUMPRIMENTO CONFIGURADO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RESOLUÇÃO. FACULDADE DO CONTRATANTE. JULGAMENTO. CORRELAÇÃO COM O PEDIDO. AUSÊNCIA. DECISÃO EXTRA PETITA. DANOS MATERIAIS DEVIDOS.

1. Ação ajuizada em 25/9/2017. Recurso especial interposto em 16/6/2021. Autos conclusos ao Gabinete em 24/6/2021.

2. O propósito recursal consiste em definir se o reconhecimento de violação da boa-fé objetiva durante a execução de contrato de compra e venda de imóvel rural com pacto adjeto de arrendamento e exploração florestal enseja, nas circunstâncias dos autos, a resolução parcial da avença.

3. A boa-fé objetiva, prevista de forma expressa no art. 422 do Código Civil, impõe às partes da relação jurídica o dever de comportar-se de acordo com padrões éticos de confiança e de lealdade, de modo a permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do contrato.

4. O ordenamento jurídico, nesse contexto, repele a prática de condutas contraditórias, impregnadas ou não de malícia ou torpeza, que importem em quebra da confiança legitimamente depositada na outra parte da relação contratual.

5. O descumprimento de deveres laterais, decorrentes da incidência do princípio da boa-fé, pode ensejar a resolução do contrato, se for capaz de comprometer o interesse do credor na utilidade da prestação. Doutrina.

6. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido está a merecer reforma, pois, a par de reconhecer o descumprimento culposo da avença em prejuízo dos recorrentes (violação da boa-fé objetiva), decidiu de forma descorrelacionada com o pedido deduzido na inicial e impediu os recorrentes de exercerem a faculdade que lhes assegura expressamente a norma do art. 475 do CC (resolver o contrato).

7. Pedido de resolução parcial do contrato deferido, com condenação ao pagamento de reparação por danos materiais, cujo montante deve ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp n. 1.944.616/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 11/3/2022.)

 

Ainda que se considere o mutuário como credor, o que não é o caso dos autos, na medida em que o contrato de financiamento é unilateral, sendo a instituição financeira a credora, é certo que a ele (mutuário)  era, também, facultado contratualmente o acionamento da seguradora no caso de demora na conclusão da obra.

Logo, eventual omissão da CEF não implicaria no comprometimento do interesse do mutuário, o qual podia, conforme já dito, ter ele mesmo requerido a substituição da construtora.

 

 

A MATÉRIA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a instituição financeira, quando age como mero agente financeiro, AINDA QUE DENTRO DO PMCMV, não tem legitimidade para responder pela demora na entrega do imóvel, sua solidez ou qualidade.

Confira-se:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ATUAÇÃO COMO AGENTE FINANCEIRO. DECISÃO DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Nos termos da jurisprudência do STJ, a Caixa Econômica Federal "somente tem legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro (...)" (AgInt no REsp 1.646.130/PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 30/8/2018, DJe de 4/9/2018).
2. Estando a decisão de acordo com a jurisprudência desta Corte, o recurso encontra óbice na Súmula 83/STJ.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.791.276/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/5/2021, DJe de 30/6/2021) – destaquei

 

Para aquela c. Corte, a CEF somente terá legitimidade para responder pelo atraso da obra, solidez ou qualidade do imóvel quando:

 

  1. Houver previsão legal expressa;
  2. Houver previsão contratual expressa;
  3. Atuar como agente EXECUTOR (e não mero fiscalizador).

 

 

 

É bem comum aquela Corte, na ementas dos acórdão relativos à matéria, suscitar a impossibilidade de análise de cláusulas contratuais ou matéria fática em sede de Recurso Especial, conforme previsão contida nas Súmulas  05 e 07:

 

 

Súmula 5 - Não é admissível o recurso especial quando a matéria questionada diz respeito à interpretação de cláusula contratual, ainda que se cuide de acordo submetido à homologação judicial.

Súmula 7 - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

 

 

 

O óbice imposto pelas referidas súmulas, contudo, não afasta o fato de que aquela Corte reconhece e declara que é entendimento pacificado aquele no sentido de não se responsabilizar a instituição financeira  “...por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro”.

 

 

Chamo a atenção para o teor do voto proferido no AgInt no AREsp n. 1.791.276/PE, cuja ementa foi acima transcrita. Ao final, o STJ também invoca os óbices impostos pela Súmulas 05 e 07. Contudo, analisa o acórdão recorrido e expressamente reconhece a ilegitimidade a CEF em contrato financiado com recursos do FAR dentro do PMCMV (destaques meus):

 

 

“Em que pesem as alegações apresentadas, a irresignação não merece prosperar.

 

Com efeito, ao apontar violação ao art. 9º do Decreto 7.499/2011, o recorrente defende que a Caixa Econômica Federal deve responder pelo atraso na obra, pois, conforme a legislação sobre o tema, a ela cabe adotar todas as medidas judiciais e extrajudiciais para a defesa do FAR no âmbito das contratações que houver intermediado.

 

Entretanto, discordando da referida tese, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao dirimir a controvérsia dos autos, assim se manifestou (fl. 231):

 

‘Observo, todavia, que a CEF apenas se comportou como agente financeiro, na concessão de um financiamento à autora para compra do aludido imóvel, vendido diretamente pela construtora ré.

A jurisprudência desta Segunda Turma pacificou-se no sentido de a Caixa não ser a responsável tanto em relação à de das unidades imobiliárias financiadas, nas hipóteses em vícios construção quanto ao atraso que atua na condição de agente financiador em sentido estrito.

 

Importante destacar que o contrato em comento prevê o acompanhamento das obras pela empresa pública federal, porém tal empreendida pelos agentes do banco restringe-se ao cronograma fiscalização físico-financeiro das obras para liberação das parcelas do financiamento, jamais ensejando responsabilidade acerca do cumprimento do prazo para do bem residencial adquirido, de modo entrega que há de se afastar sua condenação ao pagamento de danos morais.’

 

Nesse contexto, tem-se que o Tribunal de origem adotou conclusão no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte, que se firmou no sentido de que, "somente tem legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro (...)" (AgInt no REsp 1.646.130/PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 30/8/2018, DJe de 4/9/2018). Incidência da Súmula 83/STJ...”.

 

 

 

A título de esclarecimento, a Súmula/STJ  83 prevê que “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".

 

Fica claro, assim, que para o Superior Tribunal de Justiça:

 

(a) O simples fato de o financiamento ter se dado dentro do PMCMV não implica em responsabilizar a instituição financeira pelo atraso da obra ou vícios de construção. Para que tal ocorra, é preciso:

 

 

(a.1) Previsão legal expressa, inexistente na legislação genérica do PMCMV;

(a.2) Previsão contratual expressa lhe atribuindo responsabilidade;

(a.3) Atuar como agente EXECUTOR  o que não ocorre no presente caso, em virtude de as medições serem feitas para viabilizar a entrega do valor mutuado pelo comprador e para aquilatar a efetiva execução da obra conforme técnica e materiais aprovados, a fim de manter o valor de garantia do bem; bem como diante do fato de a possibilidade de acionamento do seguro para substituição da construtora, além de ser pacto acessório ao contrato de financiamento, é estabelecida em favor da instituição financeira e não do mutuário. No máximo, a instituição financeira agiria como FISCALIZADORA e não como EXECUTADORA da obra.

 

 

(b) A questão, no mais das vezes, encontra óbice nas Súmulas 05 e 7 daquela Corte, mas ela, mesmo assim,  reiteradamente, declara que a responsabilidade das instituições financeiras pela demora da obra ou vício de construção, ainda que o contrato de financiamento tenha sido celebrado pelo PMCMV,  depende das condições acima e que as medições eventualmente realizadas visam a liberação das parcelas do financiamento contratado pelo adquirente e não garantir seu direito.

 

 

Destaco, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de afastar, até mesmo, a necessidade de litisconsórcio entre o agente financeiro e a vendedora, incorporadora ou construtora do imóvel adquirido na planta. O acórdão também esbarra nas Súmulas 05 e 07, mas, também se ancora na Súmula 83, todas daquela Corte. Em outras palavras, a orientação do Tribunal Estadual se firmou no mesmo sentido da jurisprudência do STJ, qual seja, ilegitimidade da CEF e incabimento do litisconsórcio passivo necessário:

 

 

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (PMCMV). ATUAÇÃO DA CEF. MERO AGENTE FINANCEIRO (SÚMULAS 5 E 7/STJ). DESCABIMENTO DA TESE DA NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO E DE ATRAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. AUSÊNCIA DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DE ILICITUDES. SÚMULA 7/STJ. VALOR DA INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Consoante o acórdão estadual, a Caixa Econômica Federal (CEF) teria agido no contrato como agente financeiro, ou seja, como mera credora fiduciária, sendo desnecessária a sua participação nos autos por completa ausência de interesse, pois em discussão atos que não condizem com a sua responsabilidade. Essas conclusões foram fundadas na apreciação de fatos, provas e termos contratuais, atraindo a aplicação das Súmulas 5 e 7/STJ.
2. A CEF "somente tem legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. Súmula nº 83/STJ" (AgInt no REsp 1.646.130/PE, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 30/8/2018, DJe 4/9/2018).
3. Também com suporte probatório e em termos contratuais (Súmulas 5 e 7/STJ), estabeleceu-se a configuração do descumprimento contratual. É inviável, como se observa do julgado, a argumentação no sentido de que não teria ocorrido desrespeito ao prazo de entrega do imóvel, mas sim prorrogação do prazo.
4. No tocante à suscitada excludente de responsabilidade, o Tribunal estadual reconheceu não caber sua aplicação no presente caso, pois todos os eventos levantados pela insurgente não se qualificariam como fortuitos ou força maior. Igualmente aplicável o texto do verbete sumular n. 7/STJ, pois as premissas do acórdão foram fundadas na análise probatória.
5. A configuração dos danos morais e o valor fixado para a reparação não podem ser apreciados e modificados nesta instância especial. A conclusão de origem foi fundada na apreciação fática, estipulando indenização dentro da razoabilidade e proporcionalidade. Súmula 7/STJ.
6. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.494.052/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 29/3/2021, DJe de 6/4/2021.)

 

JUROS DE OBRA E CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR APÓS DECURDO DO PRAZO DE CARÊNCIA PARA ENTRAGA DO IMÓVEL

Neste ponto é preciso destacar entendimento vinculante do Superior Tribunal de Justiça acerca da incidência dos juros de obra após o decurso do prazo de carência para conclusão da obra de imóvel adquirido na planta.

Tema Repetitivo n.  996:

 

"As teses firmadas, para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1, 5, 2 e 3, foram as seguintes:

1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância;

 1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

1.3. É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

 1.4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor".

 

 

CONCLUSÃO

 

Tendo em vista tudo o que foi acima fundamentado, temos:

 

(a) A instituição financeira, quando concede financiamento com recursos do FGTS a adquirente de imóvel na planta, beneficiado pelas regras do PMCMV, em regra, age como mero agente financeiro, pois, a lei de regência não prevê qualquer tipo de responsabilidade pelo imóvel (prazo de entrega ou vício de construção);

(b) A previsão contratual no sentido de a instituição financeira efetuar medições se destina a garantir a qualidade do bem para fins de garantia fiduciária do débito, bem como para viabilizar o levantamento parcelado do valor mutuado pelo adquirente do imóvel na planta;

(c) A previsão contratual no sentido de autorizar a instituição financeira a acionar a seguradora para viabilizar o término da construção do imóvel é pacto acessório cujo descumprimento não impacta o objeto principal (concessão de empréstimo), visto se tratar de contrato unilateral. Ademais, visa beneficiar a instituição financeira, indicada como beneficiária do seguro, na medida em que o empréstimo concedido é garantido pelo imóvel a ser construído;

(d) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inobstante esbarre nos óbices impostos pelas Súmulas 05 e 07, vem, reiteradamente, declarando e reconhecendo a ilegitimidade das instituições financeiras pelo término da obra ou vício de construção de imóveis adquiridos na planta mediante financiamento, mesmo dentro do PMCMV, corroborando os entendimentos acima, se ancorando no, mais das vezes, na Súmula 83 para manutenção dos acórdão que reconhecem a ilegitimidade da instituição financeira, exigindo para que se possibilite sua responsabilização:

 

(d.1) Previsão legal expressa;

(d.2) Previsão contratual expressa;

(d.3) Atuação como agente EXECUTOR (e não mero FISCALIZADOR).

 

Conclui-se, assim, que:

 

(a) A CEF, quando concede financiamento para aquisição de imóvel na planta a mutuário beneficiado pelo PMCMV, com recursos do FGTS, não tem responsabilidade legal ou contratual pelo término da obra ou vícios de construção. Consequentemente, não tem legitimidade passiva para responder por pedidos:

 

(a.1) Que busquem a rescisão do contrato de compra e venda;

(a.2) Que objetivem indenizações de cunho moral ou material em decorrência de atraso na entrega do imóvel ou vícios de construção, incluídos aí pagamentos de aluguel, ressarcimento de valores e demais encargos decorrentes da culpa pelo atraso ou vício de construção;

 

(b) A CEF tem legitimidade passiva para os pedidos que envolvam o contrato de financiamento, como:

 

(b.1) Rescisão ou distrato do contrato de financiamento;

(b.2) Suspensão parcial ou integral do pagamento dos encargos contratuais relativos ao financiamento;

(b.3) Culpa ou dolo da CEF quanto ao cumprimento de suas obrigações relativas ao financiamento, como cobrança de encargos não pactuados, cobrança de encargos em patamar superior ao contratado etc.

 

(c) No caso de pedidos que envolvam o contrato de financiamento, para os quais a CEF tem legitimidade, o pedido do mutuário não pode ser acolhido quando fundado, exclusivamente, na alegada culpa da CEF pelo atraso na entrega do imóvel ou vício de construção;

(d) Quando fundado em atraso na entrega da obra ou vício de construção, contudo,  inobstante não ser possível culpar a CEF, conforme já fundamentado,  o pedido pode ser acolhido  quanto à suspensão do pagamento dos juros de obra e substituição do índice de correção do saldo devedor, conforme orientação vinculante constante do Tema/STJ 996, acima transcrito.

 

CASO CONCRETO

A parte autora, na inicial, requereu:

 

Ao final, seja a presente JULGADA INTEIRAMENTE PROCEDENTE para:

1 – Confirmar a antecipação dos efeitos da tutela a ser deferida por esse R. Juízo,

2 – Condenar as Ré a pagar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao Autor a título de danos morais, nos termos do item “II. d”;

3 – Condenar a Requerida ao pagamento de indenização mensal, a título de lucro cessante, em percentual de 0,5% ao mês, sobre o valor atualizado do imóvel, e corrigido monetariamente a partir do atraso das obras, até a entrega das chaves e início da fase de amortização do financiamento;

4 – Condenar a Ré, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, fixados em percentual de 20% (vinte por cento), sobre o valor da condenação, dada a complexidade da causa;

5 – Determinar à Ré que proceda a substituição das Incorporadora/Construtora para prosseguimento das obras do Empreendimento, observando os requisitos do item “4.15” do Contrato de Financiamento”.

 

 

A decisão agravada deferiu o pedido de tutela provisória nestes termos:

 

Para a concessão da tutela provisória de urgência devem concorrer os dois pressupostos legais inscritos no art. 300 do Código de Processo Civil, quais sejam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Em sede de antecipação de tutela, pretende o autor a suspensão das parcelas mensais vincendas e taxa de obras, bem como que a ré se abstenha de efetuar qualquer tipo de cobrança a partir de 09/12/2023.

Extrai-se do documento (ID 309388740) que o prazo para conclusão/legalização da obra teria vencimento em 23/10/2023. Todavia, o autor demonstra, por meio de imagens, que a execução das obras não foi finalizada.

A possibilidade de suspensão das parcelas vincendas e taxa de obras do contrato firmado, em razão do atraso na entrega do imóvel, é reconhecida pela jurisprudência do TRF3. Nesse sentido:

(...)”

 

A decisão foi aclarada para sanar omissão e corrigir erro material, transcrevendo-se o seguinte trecho:

 

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para sanar a omissão apontada com parcial provimento e acrescentar nova determinação à decisão ID 309790284, que passa a ter a seguinte redação:

“Ante o exposto, a fim de evitar maiores danos e prejuízo de difícil reparação aos autores, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA para:

A) Suspender o pagamento das parcelas mensais vincendas e taxa de obras, decorrentes do contrato celebrado entre as partes (ID 309388740), bem como para determinar que as rés se abstenham de efetuar qualquer tipo de cobrança judicial ou extrajudicial até ulterior decisão;

B) Determinar à ré que, a partir da decisão de 11/12/2023 nestes autos e até a entrega das chaves, pague à parte autora os valores vincendos referentes ao aluguel mensal comprovado, limitado ao valor mensal de R$ 1.307,00 (0,5% sobre o valor atualizado do imóvel), observados os seguintes procedimentos:

b.1) os pagamentos deverão ser realizados pela requerida até cinco dias úteis após a juntada aos autos dos comprovantes de pagamento do aluguel realizados pela parte autora, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00.

b.2) deverá a parte autora informar os dados bancários para a efetivação do reembolso pela ré, além de apresentar nos autos, mensalmente, os comprovantes de pagamento do aluguel.

b.3) cabe à CEF verificar a juntada do comprovante do pagamento do aluguel nestes autos, data a partir da qual inicia-se a contagem para a realização do reembolso.”                                    

Corrijo o erro material apontado no parágrafo 4º da Decisão (ID 309790284), para constar a seguinte redação: “Afirma que o valor para aquisição do imóvel foi de R$ 226.000,00, sendo R$ 75.702,50 pagos diretamente à Incorporadora/Construtora e R$ 150.297,50 por meio de financiamento junto à Caixa Econômica Federal.”

 

 

Nas razões de agravo, a CEF sustenta que figura no contrato como mero agente financeiro, não sendo responsável pelo atraso na obra e que a vistoria realizada por engenheiro de seus quadros tem a finalidade de apurar o valor monetário de mercado do imóvel dado como garantia em operação de financiamento habitacional”. Também aduz que somente atua como agente promotor de políticas públicas nos contratos firmados no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR.

A meu juízo, razão assiste à CEF. 

No caso dos autos, verifica-se que o autor firmou contrato de financiamento imobiliário com a Caixa Econômica Federal no âmbito do Programa Casa Verde e Amarela com utilização de recursos do FGTS, cabendo o destaque do teor da Cláusula 4.14.1 (ID 309388740 - Pág. 6 dos autos de origem):

 

“O acompanhamento da execução das obras, para fins de liberação de parcelas, será efetuado pela Engenharia da CAIXA, ficando entendido que a vistoria será feita EXCLUSIVAMENTE para o efeito de medição do andamento da obra e verificação da aplicação dos recursos, sem qualquer responsabilidade técnica pela edificação, pelo que será cobrado, a título de tarifa com medição de obra, a cada visita ordinária, o valor correspondente à tabela de taxas/tarifas fixadas pela CAIXA para esse tipo de serviço, vigente na data do evento.” 

 

 

Verifica-se que a referida disposição contratual é categórica no sentido de que a vistoria a ser efetuada pelo engenheiro da CEF tem como exclusiva finalidade a medição do andamento da obra para aplicação dos recursos, sem qualquer responsabilidade técnica pela edificação.    

Em outras palavras, com a CEF nada mais do que o financiamento foi contratado, sendo que vistorias se justificam tão somente para avaliar as condições do imóvel dado em garantia a permitir a liberação do financiamento, o que indica apenas resguardo de seus interesses.  

Assim, considerando que a CEF atua como mero agente financeiro, não pode ser responsabilizada por eventual atraso no andamento da obra.

Quanto às alegações da parte ora agravada versando sobre o teor da cláusula 4.15, que dispõe sobre hipóteses de substituição da construtora, tendo em vista que sua aplicação depende do preenchimento dos requisitos contratualmente previstos, conclui-se tratar-se questão que demanda dilação probatória, descabendo qualquer providência em juízo sumário de cognição.

Estas as razões do meu voto para dar provimento ao agravo de instrumento da Caixa Econômica Federal para indeferir o pedido de tutela provisória, nos termos supra. 

É o voto declarado. 

 

Audrey Gasparini 

Desembargadora Federal 

 

 


E M E N T A

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. CEF. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

- A presente demanda diz respeito à legitimidade da Caixa Econômica Federal para figurar na ação que tem como fundamento atraso na entrega de imóvel objeto de contrato de financiamento.

- Com relação à responsabilidade da CEF no tocante ao alegado atraso na entrega do imóvel financiado é cediço que se deve examinar o tipo de atuação da empresa pública no âmbito no Sistema Financeiro Habitacional: i) quando atua meramente como agente financeiro; ii) quando atua como agente executor de políticas federais para promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda.

- Quando atua como mero agente financeiro a Caixa Econômica Federal não pode ser responsabilizada pelo atraso ou vícios construtivos, uma vez que a sua atuação se restringe a repassar os valores para aquisição do imóvel. Na hipótese que atua como agente executor de políticas públicas a CEF pode ser demandada pela parte autora e responde solidariamente com a construtora

- Compulsando os autos, observa-se que foi firmado “Contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade habitacional, alienação fiduciária em garantia, fiança e outras obrigações – Programa Casa Verde e Amarela – Recursos do FGTS”.

- Analisando as cláusulas contratuais, noto que a instituição financeira assumiu a obrigação de acompanhar e fiscalizar o andamento da obra, inclusive liberando as parcelas do financiamento de acordo com a sua execução. 

- Desta feita, a Caixa Econômica Federal tem responsabilidade pelo atraso na entrega do imóvel, sendo parte legítima para figurar no polo passivo da ação.

-  Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por maioria, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do voto da senhora Desembargadora Federal Renata Lotufo (relatora), acompanhada pelo voto da senhora Juíza Federal Convocada Diana Brunstein; vencida a senhora Desembargadora Federal Audrey Gasparini, que dava provimento ao agravo de instrumento da Caixa Econômica Federal para indeferir o pedido de tutela provisória , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.