APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000577-19.2016.4.03.6136
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: FRANCELINO ROGERIO SPOSITO - SP241525-N
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000577-19.2016.4.03.6136 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: FRANCELINO ROGERIO SPOSITO - SP241525-N APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS [AC CENTRAL DE BRASILIA] ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ANDRE DANIEL PEREIRA SHEI - SP197584-A R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA em razão da suposta prática de atos de improbidade administrativa. A petição inicial afirma que ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA, na condição de gerente da agência dos Correios na cidade de Paraíso/SP, “por pelo menos três vezes (25/04/2011, 20/09/2011 e 03/02/2014), valendo-se de sua condição de empregada pública, apropriou-se, em proveito próprio e/ou alheio, de dinheiro da agência dos Correios do Paraíso” e, em todas as oportunidades, simulou ter sido vítima de assalto. Diz que sua atuação subsumiu-se a atos de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92. Pleiteia, em antecipação da tutela, a indisponibilidade de bens e, ao final, o provimento da ação com a condenação da ré no ressarcimento integral do dano, na perda da função pública, no pagamento de multa civil e na proibição de contratar com o Poder Público. Atribuiu à causa o valor de R$ 267.080,88 (duzentos e sessenta e sete mil e oitenta reais e oitenta e oito centavos) em 30.05.2016 – fls. 5/22 do id 134631020. Decisão de fls. 28/39 do id 134631020 decretou a indisponibilidade dos bens da ré. A requerida foi notificada e não apresentou defesa (fls. 65 e 80 do id 134631020). A petição inicial foi recebida pelo juízo (fls. 83/85 do id 134631020). A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – EBCT postulou seu ingresso na lide na condição de assistente simples, o que foi deferido (fls. 86/87 e 94 do id 134631020). Citada, a ré deixou de apresentar contestação (fls. 101 e 102 do id 134631020). Decisão de fls. 121 do id 134631020 admitiu a utilização de prova emprestada do processo criminal nº 0002052-42.2012.403.6106 e designou audiência para oitiva de testemunhas. A requerida ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA ingressou no feito (fls. 206) e apresentou contestação às fls. 211 do id 134631020. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifestou-se sobre a contestação às fls. 274/279 do id 134631020. Decisão saneadora proferida às fls. 1/3 do id 134631021. Alegações finais do autor às fls. 5/13 do id 134631021. A requerida deixou transcorrer o prazo legal sem se manifestar (certidão de fls. 18 do id 134631021). A sentença de fls. 19/32 do id 134631021, com fundamento no art. 487, I, do CPC, julgou parcialmente procedentes os pedidos “para reconhecer a prática de atos de improbidade administrativa materializados pela ré ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA na forma tipificada no artigo 9º, Inciso e artigos 10 e 11 "caput", todos da Lei federal nº 8.429/1992” e, assim, aplicar-lhe as seguintes sanções: a) ressarcimento integral do dano; b) pagamento de multa civil correspondente a R$ 89.614,59, atualizado até setembro/2016; c) perda da função pública que eventualmente esteja exercendo à época do trânsito em julgado. Apela ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA (fls. 43/52 do id 134631021) alegando, em síntese, que a agência dos Correios foi vítima de assaltos nas ocasiões em que se imputa a prática de atos ímprobos. Diz estar “com sintomas psicóticos e em uso de medicamentos, com sintomas pós-traumáticos após o ocorrido” e que não tem condições de reger sua vida civil. Aduz que o exame médico legal não pode ser suprido por outras provas ou pela inspeção judicial e que não se pode “atribuir culpa a ré mesmo porque em todos os momentos foi ela agredida e amordaçada pelos militantes e não há como a mesma ter praticado os atos e se motilado” (sic). Sustenta não ter praticado nenhum crime e que sempre relatou o modus operandi dos assaltantes, que a compeliram a desligar as câmeras. Diz que “a decisão condenatória na ação de improbidade administrativa foi arbitrada de maneira exacerbada” porque não se apropriou de valores da ECT e “não possui patrimônio disponível para condizer tais acusações”, as quais devem ser afastadas. Contrarrazões no id 134631025. Processado o recurso, subiram os autos a esta E. Corte. Parecer do Ministério Público Federal no id 135459692. Os autos vieram a mim redistribuídos por sorteio, em razão de criação da unidade judiciária, em 11.09.2023. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000577-19.2016.4.03.6136 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA Advogado do(a) APELANTE: FRANCELINO ROGERIO SPOSITO - SP241525-N APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS [AC CENTRAL DE BRASILIA] ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ANDRE DANIEL PEREIRA SHEI - SP197584-A V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA, ora apelante. Reexame necessário. Cabimento. Sentença proferida antes da vigência da Lei 14.230/21. De início cumpre salientar que a sentença foi proferida em 23.05.2019, antes da vigência da Lei nº 14.230/21. À época em que publicada, as decisões de improcedência do pedido deviam ser submetidas ao reexame necessário nos termos do art. 496, I, do Código de Processo Civil, bem como por aplicação analógica da lei de ação popular. A propósito, destaca-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. APLICAÇÃO. 1. De acordo com precedente da 1ª Seção, as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 475 do CPC/1973), seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65). Nesse sentido: EREsp 1.220.667/MG, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 30/6/2017. 2. No caso, a sentença que examinou a ação de improbidade administrativa julgou improcedente o pedido em relação a dois demandados, impondo ao Tribunal de origem a observância ao reexame necessário, nos termos da jurisprudência do STJ. 3. A supressão da remessa necessária em casos tais, pela Lei n. 14.230/2021, por ostentar feição processual, não retroage, conforme a disciplina do art. 14 do CPC/2015. 4 . Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.543.207/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 14/12/2023.) Não é outro senão este também o entendimento estabelecido por esta E. Corte Regional Federal: ApCiv 5004167-44.2018.4.03.6104, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Carlos Muta, j. 14.04.2023, DJe 17.04.2023; ApCiv 5000626-58.2019.4.03.6139, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Nery Júnior, j. 22.03.2023, DJe 28.03.2023. Portanto, tratando-se de sentença que julgou apenas parcialmente procedente o pedido, na parte em que improcedente há de ser admitido o reexame necessário. Dispositivos da Lei 8.429/92 com eficácia suspensa ou modificada pela medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em razão das alterações promovidas pela Lei 14.320/21. De bom grado preconizar que, em razão de medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em 27/12/2022, pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encontram-se com eficácia suspensa os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.320/21: Art. 1º, § 8º: Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. Art. 12, § 1º: A sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, e em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração. Art. 12, § 10: Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória. Art. 17-B, § 3º: Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. Art. 21, § 4º: A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Ademais, também na ADI 7236/DF, foi deferida medida cautelar para conferir interpretação conforme ao art. 23-C, da LIA, “no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa”. A decisão emanada da ADI 7236/DF, no que for pertinente, será adotada no presente voto. Das alterações procedimentais da Lei 8.429/92 pela Lei 14.320/21 e o princípio “tempus regit actum”. Sabe-se que a nova versão da LIA, além de modificar o direito material, traz importantes alterações de natureza processual, como, por exemplo, a legitimidade ativa exclusiva do Ministério Público, a eliminação da defesa prévia ou preliminar, o aumento do prazo de contestação para 30 (trinta) dias, a possibilidade do acordo de não-persecução civil etc. Todavia, em se adotando o rito comum (antigo rito ordinário) às ações por improbidade (art. 17 da LIA), aplicável o princípio “tempus regit actum”, nos termos do art. 14 do CPC, segundo o qual a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Portanto, são válidos os atos processuais consumados sob a regência da versão antecedente da Lei 8.429/92. Ademais, especificamente no que tange ao acordo de não-persecução civil, pode ser apresentado também na fase de execução da sentença, nos termos do art. 17-B, § 4º, da mencionada lei, desde que o Ministério Público entenda presentes os requisitos legais para o benefício (integral ressarcimento do dano e reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida). Assim, ficam repelidas as alegações de nulidade processual em razão das alterações procedimentais decorrentes da Lei 14.230/2021, eis que não violam o princípio do “devido processo legal” ou da “ampla defesa”, insculpidos nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal. Prolegômenos da Lei 8.429/92 e das alterações promovidas pela Lei 14.320/21. Em vista da matéria tratada nestes autos, cumpre estabelecer algumas premissas jurídicas da ação por improbidade administrativa, regulada pela Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.230/2021. O tema conta com substrato constitucional, em especial nos parágrafos 4º e 5º do art. 37 da Carga Magna, que prescrevem a punição dos atos de improbidade contra a Administração Pública, “in verbis”: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Conforme se verifica, nossa Carta Constitucional assinala o caráter civil das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa, o que deve ser harmonizado com o disposto no art. 17-D da Lei 8.429/92 (acrescido pela Lei 14.230/2021), quando este diz que ação de improbidade “não constitui ação civil”: Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneo. Quando o citado § 4º do art. 37 diz que os atos de improbidade serão punidos, na forma da lei, “sem prejuízo da ação penal cabível”, está assinalando a natureza civil da punição, daí porque não cabe transpor de modo irrestrito os princípios do Direito Penal para as ações por improbidade, como se tivessem uma só natureza. Devemos restringir, portanto, o alcance do art. 17-D, apenas no sentido de reconhecer que a ação por improbidade não se confunde com a ação civil pública (Lei 7.347/85) ou a ação popular (Lei 4.717/65), no que diz respeito ao controle de legalidade de políticas públicas ou proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Todavia, isso não retira dos atos de improbidade o seu caráter de “ato civil qualificado”, como assinalado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 843.989/PR. Noutro giro, norma infraconstitucional não tem o poder de afastar a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, por imposição do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. Da exigência de dolo específico para a configuração da improbidade administrativa. Passando ao catálogo legal dos atos de improbidade, cumpre assinalar que a Lei 8.429/92 reconhece três subgrupos de atos ímprobos, respectivamente, no art. 9º (obtenção de vantagens indevidas, sem danos ao Erário), art. 10 (atos que causam danos ao patrimônio público) e art. 11 (ações ou omissões que violam os princípios e preceitos básicos da Administração Pública). Quanto aos atos do art. 10, no que tange ao elemento subjetivo do tipo ímprobo, admitia-se, na redação original, tanto a modalidade “dolosa” como a “culposa” para as ações e omissões ali enumeradas. Por seu turno, as condutas do art. 11 exigiam “dolo específico” ou “dolo genérico” para a subsunção ao tipo legal. Todavia, isso veio a ser modificado pela Lei 14.230/21, a qual estabeleceu que todas as condutas ali tipificadas (art. 9º, 10 e 11) são reconhecidas apenas na forma de dolo específico. Surge, aqui, a necessidade de analisar o direito intertemporal, para verificar se as novas disposições da LIA retroagem para alcançar as ações que se encontravam na fase de conhecimento ou em fase de execução. A respeito disso, também no RE 843.989/PR, ao tratar do Tema 1199 da Repercussão Geral, o Pretório Excelso, embora reconhecendo a validade da modificação legislativa, adotou o entendimento de que não há retroatividade em relação às condenações transitadas em julgado e execuções em curso, haja vista que a nova lei não se convolou em “anistia geral”. Veja-se a respectiva ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) Destarte, devem reger-se pela nova lei as ações em tramitação, ressalvadas as condenações transitadas em julgado, de modo a se exigir o “dolo específico” para a configuração de atos de improbidade administrativa, em qualquer modalidade (art. 9º, 10 e 11 da LIA). Permanecem hígidas, deste modo, as sentenças condenatórias transitadas em julgado até a data da publicação da Lei 14.230/21 (DOU 26.10.2021), bem como as execuções de sentença que estejam em curso. No mesmo sentido se manifestou a colenda Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em recente pronunciamento, nos embargos de declaração e agravos interpostos no RESP 1.305.753/MG (j. em 24/10/2023; DJE 26/10/2023), “in litteris”: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO TEMA N. 1.199/STF. NECESSIDADE DE ENVIO AO ÓRGÃO JULGADOR PARA EVENTUAL JUÍZO DE CONFORMIDADE. PRECEDENTES. 1. A controvérsia presente nos autos, originariamente, diz respeito à prática de ato de improbidade administrativa. 2. O STF, no julgamento do Tema n. 1.199, sob o regime da repercussão geral, consignou a necessidade da configuração do elemento subjetivo doloso para a caracterização dos atos de improbidade administrativa em geral, destacando que as condenações ainda não transitadas em julgado, com base na prática de condutas culposas ou sem afirmação expressa do dolo, sejam reapreciadas pelas instâncias de origem, a fim de que haja a identificação ou não de dolo do agente. 3. Foram definidas pela Suprema Corte as seguintes teses sobre a aplicação da Lei n. 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei n. 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa - é IRRETROATIVA, em virtude do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei n. 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei n. 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. 4. Hipótese em que, a princípio, houve condenação pela prática do ato de improbidade administrativa sem a indicação do dolo do agente. 5. Cumpre ao órgão prolator do acórdão ora recorrido avaliar se a situação descrita nos autos enseja a retratação do julgado, para que adote as providências que foram definidas pela Suprema Corte no item "3" do Tema n. 1.199. Precedentes: EDcl no AgInt nos EAREsp n. 1.625.988/SE, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 1º/2/2023, DJe de 10/2/2023; PET nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.123.605/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 15/12/2022, DJe de 19/12/2022; EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.706.946/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 19/12/2022. 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para tornar sem efeito as decisões anteriores e encaminhar os autos ao órgão julgador para a realização de eventual juízo de retratação. (EDcl nos EDcl no AgInt no RE nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.305.753/MG, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 24/10/2023, DJe de 26/10/2023.) Das regras sobre prescrição na LIA com a nova redação da Lei 14.230/21 Outro sensível ponto, decorrente das alterações promovidas na LIA pela Lei 14.230/21, é a forma de contar a prescrição, uma vez que o dispositivo anterior previa, grosso modo, a prescrição quinquenal, contada (i) a partir do encerramento do mandato, emprego público ou ocupação de cargo comissionado; (ii) da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. Em se tratando de cargo efetivo ou emprego público, o prazo prescricional era o de lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público (no caso dos servidores federais, prazo quinquenal, nos termos do art. 142, inciso I, da Lei 8.112/90). Vale transcrever a antiga redação do art. 23: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - Até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - Dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - Até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei (incluído pela Lei n. 13.019/2014). Em sua nova redação, o caput art. 23 da LIA passou a dispor que a prescrição se regula pelo prazo de oito (anos), sujeito às suspensões e interrupções previstas nos parágrafos 1º a 8º, inclusive trazendo novos benefícios como a prescrição intercorrente (§ 4º) e a contagem pela metade do prazo interrompido (§ 5º): Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. [...] § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo. Ademais, o exercício de mandato, cargo em comissão ou função de confiança não mais constitui motivo de suspensão do prazo prescricional, que deflagará sempre a partir da ocorrência de conduta exauriente ou do término da infração de caráter permanente, mantenha-se em exercício ou não o agente público. Conforme se verifica, as novas regras tendem a ser mais benéficas para os acusados da prática de atos de improbidade, tornando necessária, uma vez mais, a análise do direito intertemporal. Quanto a isso, o Supremo Tribunal Federal, também no RE 843.989/PR (acima transcrito), definiu que as novas regras de prescrição serão aplicáveis somente aos atos praticados após a data da publicação da Lei 14.230/21: “O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”. Este entendimento foi integralmente acompanhado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nos embargos de declaração e agravos interpostos no RESP 1.305.753/MG (ementa também transcrita). Portanto, somente ficam subsumidas às novas regras prescricionais as condutas ocorridas ou cessadas a partir de 26 de outubro de 2021, quando se deu a publicação da Lei 14.230/2021. Em sendo assim, em matéria de prescrição, o presente caso ainda se submete aos ditames da antiga redação do art. 23 da LIA. Do caso dos autos. Materialidade. Autoria. Dolo. Consta dos autos que a apelante, em ao menos três ocasiões (25.04.2011, 20.09.2011 e 03.02.2014), valendo-se de sua condição de gerente dos Correios, apropriou-se, em proveito próprio, de dinheiro pertencente à empresa pública. E segundo a peça que inaugura a demanda, com o intuito de inviabilizar os trabalhos investigativos da polícia, em todas as oportunidades a ré simulou ter sido vítima de assalto. Pois bem, os fatos foram objeto de análise na esfera penal e resultou na condenação definitiva de ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA pela prática do crime de peculato (art. 312 do CP). O acórdão, transitado em julgado em 01.06.2022, foi proferido nos seguintes termos: PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 312 DO CP. PECULATO. EBCT. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. INIPUTABILIDADE AFASTADA. DOSIMETRIA DA PENA REFORMADA. REDUÇÃO DAS PENAS-BASE. RECONHECIDA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE DOIS EVENTOS. CONCURSO MATERIAL. REGIME SEMIABERTO. PENA CORPORAL NÃO SUBSTITUÍDA. AFASTADA CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DO DANO. AUSÊNCIA DE PEDIDO NA DENÚNCIA. PARCIAL PROVIMENTO E RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. 1. Materialidade e dolo restaram comprovados nos autos. 2. Tendo em vista a declaração do laudo médico no sentido de que, à época dos fatos, a ré não era portadora de nenhum tipo de transtorno mental, apresentando capacidade para entender o caráter ilícito do ato, e determinar-se de acordo com esse entendimento, não deve ser reconhecida a inimputabilidade. 3. Da dosimetria da pena. Redução das penas-base. Manutenção da agravante do artigo 61, II, "g", do Código Penal. Redução da pena de multa. 4. Reconhecida a continuidade delitiva entres os eventos praticados em 25 de abril de 2011 e 20 de setembro de 2011, porquanto preenchidos os demais requisitos do artigo 71 do Código Penal. 5. Regime inicial semiaberto. 6. Para que o valor de reparação de dano possa ser fixado na sentença, deve haver pedido expresso do ofendido ou do Ministério Público no momento do oferecimento da denúncia, sob pena de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 7. Apelação da defesa parcialmente provida. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 72931 - 0002052-42.2012.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 14/03/2022, DJEN DATA:23/03/2022) A fim de que não remanesça dúvidas de que se trata dos mesmos fatos que se encontram em julgamento nesta demanda, transcrevo trechos do voto proferido pelo relator, o E. Desembargador Federal Paulo Fontes: Do caso dos autos. ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA foi denunciada como incursa nas penas do artigo 312, caput, por três vezes, c.c artigos 69 (concurso material) 327 e 92, inciso I, "a", todos do Código Penal. Narra a denúncia (fls. 96/99) que: "(...) ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA, valendo-se de sua condição de empregada pública - cargo de gerente da EBCT - apropriou-se em proveito próprio e/ou de terceiro - por pelo menos três vezes (25/04/2011, 20/09/2011 e 03/02/2014) de dinheiro da agência dos Correios de Paraíso - SP. Visando inviabilizar o trabalho da polícia, a denunciada em todas as oportunidades simulou ter sido vítima de assalto. Foram instaurados boletins de ocorrência para apuração dos falsos roubos. Vejamos: O boletim de ocorrência policial nº 74/2011 - fls.75/76, noticia que no dia 25/04/2011 a agência dos correios, localizada na Rua Professor Sud Menucci, 618, Centro, no Município de Paraíso/SP, teria sido assaltada por dois indivíduos encapuzados e armados, os quais teriam subtraído a quantia de R$ 11.593,25 (onze mil, quinhentos e noventa e três reais e vinte e cinco centavos). O boletim de ocorrência nº 199/2011 - fls. 77/79, noticia que no dia 20/09/2011 referida agência teria sido novamente assaltada por dois indivíduos armados, os quais teriam subtraído a quantia de R$ 29.794,96 (vinte e nove mil, setecentos e noventa e quatro reais e noventa e seis centavos). Por fim, o boletim de ocorrência policial nº 33/2014 - fls. 80/82 aponta que no dia 03/02/2014 a mesma agência teria sido assaltada por um indivíduo, o qual teria subtraído do cofre a quantia de R$ 44.582,01 (quarenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e dois reais e um centavo). No entanto, por ocasião desta última ocorrência, ao analisar as imagens do sistema de câmaras da agência, a equipe de investigação da Polícia Civil de Paraíso/SP constatou que alguns fatos não coincidiam com o que fora relatado pela gerente, ora denunciada (fls. 63/71), a qual, após tomar ciência de tais contradições (fls. 72/74), confessou ter se apropriado dos valores nas três oportunidades. Ela declarou, outrossim, ter contado com a participação de terceiros, aventando que teria entregue os valores apropriados indevidamente a um suposto traficante, por ela desconhecido, o qual a estaria chantageando. Que esse traficante teria afirmado que mataria seu filho em virtude de dívidas de drogas, caso a denunciada não lhe desse dinheiro. Por fim, esclareceu que as pretensas "visitas" dos traficantes - registre-se, em períodos espaçados - eram previamente comunicadas a ela, e que, a partir de então, passava a engenhar e realizar manobras que garantissem a subtração segura dos valores. (...)" - grifos originais. A denúncia foi recebida em 03 de fevereiro de 2015 (fl. 140 vº). Após a regular instrução processual, foi prolatada a sentença de fls. 338/344, publicada em 30 de maio de 2017 (fl. 345). Da materialidade delitiva. A materialidade delitiva restou demonstrada por meio dos Boletins de ocorrência n. 74/2011, 199/2011 e 33/2014 (fls. 09/10 e 75/82 - autos do inquérito n. 0002052-42.2012.403.6106); Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Exibição e Apreensão e Auto de Entrega (fls. 03/04, 05, 09, 19 e 20 - autos do inquérito n. 0002277-91.2014.403.6106), que atestaram a subtração das quantias de R$ 11.500,00 (onze mil, quinhentos reais), R$ 29.794,96 (vinte e nove mil setecentos e noventa e quatro reais e noventa e seis centavos) e R$ 44.582,01 (quarenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e dois reais e um centavo) pertencentes à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), situada em Paraíso/SP; e depoimentos das testemunhas, em sede policial, (fls. 06/08), bem como em juízo (mídia de fls. 219/239 e 271). Da autoria. ELIANA APARECIDA FRIGERI DE SOUZA foi denunciada pela prática do crime do artigo 312, caput, por três vezes, c.c arts. 327 e 92, I, "a", do Código Penal, porquanto valendo-se da condição de empregada pública, funcionária da EBCT, teria se apropriado em proveito próprio ou de terceiros, nos períodos de 25/04/2011, 20/09/2011 e 03/02/2014, de valores da agência dos Correios em Paraíso/SP, simulando ter sido vítima de roubo. A defesa sustenta, em razões recursais, que a ré, à época do seu interrogatório, na fase policial, não reunia condições de gerenciar e organizar seus pensamentos, tendo em vista o quadro depressivo que a acometia. Assim, afirma que deve ser reconhecida a sua absolvição. (...) Em que pese a ré sustente que os fatos relatados nos boletins policiais não foram inventados por ela, sua alegação não prospera, diante dos elementos de prova carreados aos autos. No caso, verifica-se do depoimento do policial militar, que no último roubo, dada a renovação do sistema de vigilância dos Correios, foi possível visualizar o momento em que ré desliga o sistema de câmeras, para evitar que fosse captada a imagem da conduta de subtração praticada por ela. Destaca-se, ainda, que as câmaras não captaram a entrada dos supostos assaltantes em quaisquer das áreas da agência. Assim, considerando que o monitoramento por câmeras tem, entre outros fins, inibir a ação criminosa, não se mostra razoável o seu desligamento, justamente pela gerente do estabelecimento. Nesse contexto, tendo em vista que a defesa não trouxe aos autos nenhum elemento de prova capaz de colocar em dúvida os depoimentos colhidos na fase de instrução, a imputação da autoria dos fatos à ré deve ser mantida. Transitada em julgado a sentença proferida na esfera criminal, os fatos não podem ser rediscutidos no âmbito cível ou administrativo. Aplicável, na espécie, o estatuído no art. 935 do Código Civil: Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Nesse mesmo sentido já se decidiu nesta E. Corte: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. PERDA DO CARGO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA SUPERVENIENTE. EFEITOS. 1.Apelante demitido do cargo de Policial Rodoviário Federal, por ato publicado no Diário Oficial da União, em decorrência do Processo Administrativo Disciplinar por ato de improbidade administrativa. 2.Há interesse de agir para o pedido de anulação da pena demissão, que não se extingue em consequência da aplicação da pena de perda do cargo em ação civil pública por improbidade administrativa, diante do fato de que não se verifica, até o momento, o trânsito em julgado daquela sentença. 3.É efeito da condenação criminal transitada em julgado a perda do cargo público, mediante decisão fundamentada (artigo 92, I, "a" e parágrafo único). O acórdão criminal não dispôs sobre isso e não há nos autos notícia sobre se a sentença, que restou integralmente mantida, o fez. 4.O acórdão penal condenatório transitou em julgado confirmando a materialidade do fato e a autoria do delito por parte do apelante. 5.A sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quando fixa a existência do fato e a autoria do delito, conforme a expressa dicção do artigo 935 do Código Civil, razão pela qual há ausência de pressuposto de desenvolvimento válido do processo, a coisa julgada superveniente, que impede a discussão sobre os fundamentos de fato que motivaram a pena administrativa de demissão. 6.A Administração Pública não deve aguardar o trânsito em julgado das ações judiciais para proferir decisão sobre um mesmo fato em face da independência das instâncias, civil, penal e administrativa. 7.Pedido de anulação do processo administrativo, que culminou com a decretação da perda do cargo por improbidade administrativa, em virtude de vícios formais, improcedente. 8.Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1270070 - 0005289-29.2003.4.03.6000, Rel. JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, julgado em 21/11/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/11/2016 ) Portanto, descabe qualquer discussão a respeito dos fatos imputados na petição inicial, os quais se subsomem ao tipo legal de improbidade administrativa previstos nos arts. 9º e 10 da Lei 8.429/92, que correspondem ao enriquecimento ilícito e à existência de prejuízo ao erário. Fica afastada, também, a alegação de inimputabilidade, a qual não foi reconhecida no processo penal. O dolo específico, igualmente, ficou caracterizado pela condenação criminal. Afinal, segundo explicam Fernão Borba Franco e Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, “O dolo, para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira que vai além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com o específico propósito ou a ausência de cuidado deliberados”. Trata-se, segundo os autores, “do ato eivado de má-fé”, que não pode ser confundido com o erro grosseiro, a falta de zelo ou a negligência (Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa, RT, 6ª edição, pág. 39). Ora, a condenação por crime de peculato é prova incontestável da má-fé da empregada pública. Da dosimetria das sanções aplicadas. Uma vez caracterizados atos de improbidade administrativa e demonstrado o dolo do agente, a condenação é medida que se impõe. As penas previstas à época dos fatos eram as seguintes (art. 12 da Lei nº 8.429/92): Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016) Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. Ao sentenciar o feito, o magistrado ponderou que apesar de as condutas ofenderem simultaneamente mais de um dos tipos incriminadores, a pena ater-se-ia ao disposto no inciso I do art. 12 da Lei 8.429/92, por entender que “a sanção mais grave absorve a menos lesiva”. E, sob essa perspectiva, fixou as seguintes sanções (fls. 31 do id 134631021): Assim, condeno-a ao ressarcimento integral, cabendo à Sra. ELIANA A.F. SOUZA comunicar as demais áreas do Direito, caso venha a honrar a exação em alguma delas. Condeno-o, contudo, ao pagamento de multa civil correspondente à mesma quantia de R$ 83.614,59 (Oitenta e três mil, seiscentos e catorze Reais e, cinquenta e nove centavos) atualizada até SETEMBRO/2016 à EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS, após o trânsito em julgado. Lembro que o marco de correção monetária da multa civil é diferente. Isto porque o quantum da condenação somente surge na presente sentença, não podendo ser estimado anteriormente. Em decorrência, aplica-se o disposto no artigo 1º, § 1º, da Lei federal nº 6.899/1981. Incidem ainda juros de mora desde o ato citatório em 19/03/2018 até a data do efetivo pagamento, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, objeto da Resolução n' 267/2013 do Conselho da Justiça Federal. Condeno, inclusive, à perda da função pública dês que eventualmente esteja exercendo à época do trânsito em julgado. A recorrente não se insurge de forma clara e objetiva contra as penalidades que lhe foram aplicadas. Afirma apenas em um parágrafo (fls. 52 do id 134631021) que “a decisão condenatória na ação de improbidade foi arbitrada e de maneira exacerbada, verifica-se que a ré não se apropriou de valores da ETC, mesmo porque não possui patrimônio disponível para condizer tais acusações, devendo ser objeto de modificação” (sic). Não vejo razões para a redução das sanções aplicadas. O ressarcimento integral do dano é o mínimo que o Estado e a sociedade exigem do agente ímprobo, anotam Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto na obra coletiva Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa (RT, 9ª edição, pág. 192). Os mesmos autores, invocando precedente do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.019.555/SP), ponderam que “o ressarcimento dos danos não seria precisamente uma pena, mas uma obrigação decorrente do dever de reparar, o que leva à necessidade, em princípio, de cumulação desta obrigação com algumas das penas legalmente previstas: “(...) Caracterizado o ato de improbidade administrativa, o ressarcimento ao erário constitui o mais elementar consectário jurídico, não se equiparando a uma sanção em sentido estrito (...)” – obra e página citadas. Consequentemente, configura sanção que merece ser mantida. A multa civil, por sua vez, tem a função de “desestimular a prática de atos de improbidade administrativa, como forma de lição a todos de que, além de todas as demais penas, tal espécie de ato terá repercussão no patrimônio do agente ímprobo pela condenação ao pagamento da multa” (Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Improbidade Administrativa – Direito Material e Processual, Forense, 9ª edição, pág. 283). Cuida-se de sanção distinta e que não se confunde com a obrigação de ressarcir os danos provocados, de forma que não configura bis in idem. Neste sentido, aliás, já decidiu o STJ: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SANÇÕES. CONDENAÇÃO CUMULATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MULTA CIVIL E RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. NATUREZA DIVERSA. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a aplicação das penalidades previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 exige que o magistrado considere, no caso concreto, "a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente". Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais podem ser aplicadas cumulativas ou não. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, mantendo a sentença de primeiro grau, condenou os recorrentes a perderem as funções públicas, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e vedação de contratarem com o poder público, com a efetiva consideração dos limites fixados na legislação e observância dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. 3. A multa civil não se confunde com a penalidade de ressarcimento integral do dano, pois possui natureza jurídica diversa. Enquanto esta visa a recomposição do patrimônio público afetado, aquela tem caráter punitivo do agente ímprobo. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.122.984/PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21/10/2010, DJe de 9/11/2010.) No caso, a multa civil foi aplicada no mínimo legal, montante que deve ser mantido por revelar adequação e proporcionalidade. Também declarou o juízo a perda da função pública, medida determinante em face da gravidade dos atos praticados. Da eventual unificação das sanções pelos mesmos atos (art. 18-A da Lei 14.230/2021). Eventual unificação de sanções poderá ser requerida pelo(s) réu(s) ao juízo da execução por ocasião do cumprimento da sentença, nos termos do caput e dispositivos correlatos do art. 18-A da LIA. O mesmo deverá ocorrer em havendo interesse do réu no parcelamento do valor da condenação, uma vez demonstrados, oportunamente, os requisitos do art. 18, § 4º, da citada lei. Dispositivo. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e à remessa oficial, havida por submetida. É como voto.
E M E N T A
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. CABIMENTO DE REMESSA OFICIAL. EMPREGADA DOS CORREIOS. PRÁTICAS DE PECULATO RECONHECIDAS EM SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DOS FATOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. SANÇÕES APLICADAS. RAZOABILIDADE. ACRÉSCIMO DA PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O SERVIÇO PÚBLICO ANTE O ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA.
– As sentenças de improcedência proferidas antes do advento da Lei nº 14.230/21 devem ser submetidas ao reexame necessário. Da mesma forma, nos casos de parcial procedência, a parte improcedente deve ser objeto de remessa oficial nos termos do art. 496, I, CPC, e da aplicação analógica da Lei de Ação Popular.
– Em razão de medida cautelar deferida na ADI 7236/DF, em 27/12/2022, pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, encontram-se com eficácia suspensa os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92, com as modificações produzidas pela Lei 14.320/21: art. 1º, §8º, art. 12, §§ 1º e 10, art. 17-B, §3º e art. 21, §4º. Ademais, também na ADI 7236/DF, foi deferida medida cautelar para conferir interpretação conforme ao art. 23-C, da LIA.
– Em se adotando o rito comum (antigo rito ordinário) às ações por improbidade (art. 17 da LIA), aplicável o princípio “tempus regit actum”, nos termos do art. 14 do CPC, segundo o qual a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Portanto, são válidos os atos processuais consumados sob a regência da versão antecedente da Lei 8.429/92.
– A Carta Constitucional pátria assinala o caráter civil das sanções decorrentes dos atos de improbidade administrativa, o que deve ser harmonizado com o disposto no art. 17-D da Lei 8.429/92 (acrescido pela Lei 14.230/2021), restringindo-o apenas no sentido de reconhecer que a ação por improbidade não se confunde com a ação civil pública (Lei 7.347/85) ou a ação popular (Lei 4.717/65), no que diz respeito ao controle de legalidade de políticas públicas ou proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
– A Lei 8.429/92 reconhece três subgrupos de atos ímprobos, respectivamente, no art. 9º (obtenção de vantagens indevidas, sem danos ao Erário), art. 10 (atos que causam danos ao patrimônio público) e art. 11 (ações ou omissões que violam os princípios e preceitos básicos da Administração Pública). Nos termos do quanto decidido no Tema 1199 da Repercussão Geral, devem reger-se pela nova lei as ações em tramitação, ressalvadas as condenações transitadas em julgado, de modo a se exigir o “dolo específico” para a configuração de atos de improbidade administrativa, em qualquer modalidade (art. 9º, 10 e 11 da LIA). Permanecem hígidas, deste modo, as sentenças condenatórias transitadas em julgado até a data da publicação da Lei 14.230/21 (DOU 26.10.2021), bem como as execuções de sentença que estejam em curso.
– No que concerne ao regime prescricional, as novas regras trazidas pela Lei 14.230/21 tendem a ser mais benéficas aos acusados da prática de atos de improbidade. Quanto a isso, o Supremo Tribunal Federal, também no RE 843.989/PR, definiu que as novas regras de prescrição serão aplicáveis somente aos atos praticados após a data da publicação da Lei 14.230/21, isto é, 26 de outubro de 2021.
– Materialidade e autoria. A ré foi condenada definitivamente pela prática do crime de peculato (art. 312 CP) em razão dos mesmos fatos apurados nesta ação. A sentença penal faz coisa julgada no cível quando fixa a existência do fato e da autoria do delito. Precedente desta Corte.
– Sanções. A sentença fixou as penas de ressarcimento integral do dano, de multa civil correspondente ao valor subtraído e de perda da função pública, as quais devem ser mantidas.
– Apelação e remessa oficial desprovidas.