APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000315-71.2016.4.03.6006
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA - ME, JOAO MARINQUI BERGAMO
Advogados do(a) APELANTE: FAUZE WALID SELEM - MS15508-A, RODRIGO MASSUO SACUNO - MS12044-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000315-71.2016.4.03.6006 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA - ME, JOAO MARINQUI BERGAMO Advogados do(a) APELANTE: FAUZE WALID SELEM - MS15508-A, RODRIGO MASSUO SACUNO - MS12044-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de ação civil pública ajuizada pela UNIÃO contra EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA. e JOAO MARINQUI BERGAMO, com o objetivo de condená-los ao ressarcimento ao erário. Narra a petição inicial que no Procedimento Administrativo nº 00470.003011/2014-19 apurou-se a prática de lavra ilegal de recursos minerais. Segundo afirma, a EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA. obteve autorização para pesquisar basalto em uma área de 12,62ha, conforme Alvará de Pesquisas nº 11364/2010, o qual não permite a extração minerária do local. Todavia, durante ato de fiscalização a empresa foi flagrada explorando economicamente a área, o que configura lavra ilegal e enseja a reparação do dano. Busca, assim, a indisponibilidade dos bens dos réus e, ao final, a condenação de ambos no pagamento de montante equivalente ao dano provocado. Atribuiu à causa o valor de R$ 359.475,18 (trezentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e cinco reais e dezoito centavos) em 17.02.2016 – fls. 3/23 do id 154729085. A tutela de urgência foi indeferida pela decisão de fls. 25/28 do id 154729096. Contestação apresentada às fls. 2/25 do id 154729098. Réplica da UNIÃO às fls. 28/29 do id 154729099. Parecer do Ministério Público Federal às fls. 45 do id 154729099. Decisão saneadora às fls. 20/27 do id 154729100. Audiência para oitiva de testemunhas realizada em 07.02.2019 – fls. 19 do id 154729101. A UNIÃO apresentou alegações finais no id 154729887; os réus a ofertaram no id 154729890. O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência da ação (id 154729893). Sentença de id 154729894 julgou parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do CPC, para “o fim de reconhecer a responsabilidade solidária dos réus ao ressarcimento ao erário, decorrente da extração irregular de recursos minerais da União, e condená-los ao pagamento da quantia de R$ 179.737,59 (cento e setenta e nove mil, setecentos e trinta e sete reais e cinquenta e nove centavos), atualizado até 02/2016 e sujeito a correção e incidência de juros até a data do efetivo pagamento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal”. Diante da sucumbência recíproca, condenou as partes no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, na proporção de 50% para cada um. Em apelação de id 154729899, EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA e JOAO MARINQUI BERGAMO alegam, em síntese, que “não existe nexo de causalidade, posto que não existem provas de que os Apelantes extraíram areia ilicitamente do Rio Amambaí pelo período integral cobrado pelo Apelado, a título de danos patrimoniais referentes a extração de areia no ano de 2009, 2010, 2011 e os meses de janeiro e fevereiro de 2012”. Sustentam que sequer no dia 16.02.2012, quando da autuação pelo DNPM, houve extração ilegal de areia, uma vez que o servidor público Renan Bispo Sobral assegurou que a draga estava parada. Afirmam já terem sido submetidos a outras fiscalizações e que jamais foram autuados por extração de areia. Ponderam que o dano material não pode ser presumido e que não há prova da quantificação financeira. Entendem que, se for o caso de condenação, deve ser aplicado o “princípio da tolerabilidade”, o qual “reside na possibilidade da natureza suportar certos níveis de agressão”, ou a fixação do ressarcimento em R$ 600,00 (seiscentos reais). Defendem ter havido decadência do pedido indenizatório, uma vez que os supostos fatos ocorreram em fevereiro/2012 e a ação somente foi proposta 4 anos depois, bem como a prescrição, que se opera no prazo de 5 anos. Contrarrazões de recurso no id 154729903 e no id 154729904. Processado o recurso, subiram os autos a esta E. Corte. Como custos legis, o Ministério Público Federal opinou no id 155333764. Juntou-se memoriais pela defesa dos recorridos nos ids 155713787 e 155806186. Os autos vieram a mim redistribuídos por sorteio, em razão de criação da unidade judiciária, em 11.09.2023.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000315-71.2016.4.03.6006 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA - ME, JOAO MARINQUI BERGAMO Advogados do(a) APELANTE: FAUZE WALID SELEM - MS15508-A, RODRIGO MASSUO SACUNO - MS12044-A APELADO: UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA e por JOAO MARINQUI BERGAMO contra sentença que os condenou a ressarcir a UNIÃO em R$ 179.737,59 (cento e setenta e nove mil, setecentos e trinta e sete reais e cinquenta e nove centavos), em razão de extração irregular de recursos minerais. Ação civil pública. Parcial procedência. Necessidade de submissão da decisão a remessa oficial. É pacífico o entendimento de que nas ações civis públicas, em face da natureza dos bens tutelados, no caso de improcedência do pedido a sentença deve se submeter ao reexame necessário como condição de sua eficácia, aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 19 da Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65). Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE OBSERVÂNCIA DA REMESSA NECESSÁRIA. POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. 1. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o Código de Processo Civil deve ser aplicado subsidiariamente à Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, é cabível o reexame necessário na Ação de Improbidade, nos termos do artigo 475 do CPC/1973. Além disso, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009). 2. O Código de Processo Civil de 1973 dispunha em seu art. 475: "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público". 3. Não há dúvidas, portanto, de que em caso de procedência da Ação de Improbidade, com condenação definitiva de particular, não há necessidade de reexame necessário, podendo, por consequência, a sentença ser executada provisoriamente. 4. Recurso Especial não provido. (STJ, RESP 1733729, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 27.11.2018, DJe 17.12.2018) AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. USINA HIDRELÉTRICA DE PORTO PRIMAVERA. POSTERIOR RECONHECIMENTO DE INEXISTÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. 1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 2. Em diligência realizada no dia 22/11/2021, os agentes da CESP afirmam que encontraram "a área com as edificações já desmobilizadas, sem ocupantes e com a vegetação em bom estágio de recuperação". 3. Diante da expressa manifestação da autora de que as irregularidades então verificadas, atualmente, encontram-se sanadas, deve ser mantida a r. sentença que reconheceu a perda superveniente do objeto litigioso. 4. Reexame necessário desprovido. (TRF3, RemNecCiv 0001795-93.2016.4.03.6003, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal Marcelo Saraiva, j. 20.02.2024, DJe 20.03.2024) No caso dos autos, nem todos os pedidos formulados pelo autor da ação civil pública foram atendidos pelo juízo monocrático. Desse modo, na parte em que improcedente, é de ser admitido o reexame necessário consoante aplicação analógica do art. 18 da Lei 4.717/65. Assim, tenho como admitido no caso o reexame necessário. Da contextualização dos fatos. Segundo consta dos autos, a pessoa jurídica EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA., cujo representante legal é JOAO MARINQUI BERGAMO, apesar de possuir autorização para a pesquisa de basalto em uma área delimitada de 12,62ha, conforme Alvará de Pesquisa nº 11364/2010 (Processo DNPM nº 868.001/2010), foi flagrada explorando economicamente a área, o que é vedado porque o alvará de pesquisa “não permite a exploração econômica dos recursos minerais existentes”. Aponta que, no caso dos autos, “a única maneira de mensurar os valores da exploração ilegal é partindo do pressuposto de que as produções declaradas nos Relatórios Anuais de Lavras referentes ao processo de nº 868.020/2003 na verdade se referem a produção ocorrida no interior da área do processo DNPM 868.001/2010”. Com isso, afirma ter havido a usurpação de 34.333t (trinta e quatro mil, trezentos e trinta e três toneladas) de recursos minerais, montante que corresponde à quantia de R$ 359.475,18 (trezentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e cinco reais e dezoito centavos). Passa-se, então, à análise das questões devolvidas no recurso e no reexame necessário. Decadência e prescrição. Os recorrentes defendem que eventuais danos materiais ocorreram em 16.02.2012 no leito do Rio Amambaí, no entanto, a ação somente foi ajuizada quatro anos depois, quando já operada a decadência. Sob a mesma perspectiva, afirmam ter ocorrido a prescrição de acordo com o art. 206, § 3º, IV e V, do Código Civil. A decadência vem a ser a perda de um direito pelo decurso de tempo. A prescrição, por sua vez, é a perda do direito de ação pelo não uso durante certo lapso de tempo. No caso dos autos, o direito de ressarcimento dos danos provocados não está sujeito a prazo decadencial, mas sim ao prescricional, conforme se observa do disposto no art. 189 do Código Civil: Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. Portanto, tem-se, na espécie, hipótese de prescrição e não de decadência. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento firmado sob a sistemática da repercussão geral, firmou a tese referente ao Tema 666, que assim dispõe: Tema 666: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Não se está, contudo, diante de um ilícito civil. Os recursos minerais constituem bens da União, conforme preconiza o art. 20, IX, da Constituição Federal. Trata-se, assim, de um bem público, segundo definido pelo art. 98 do Código Civil: Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Uma das principais características dos bens públicos é a sua imprescritibilidade, o que significa que são insuscetíveis de aquisição por qualquer meio. No caso em tela, tem-se que à empresa apelante foi atribuída a conduta de extrair areia para comercialização sem dispor da competente licença ambiental. Portanto, não se está diante de um ilícito civil, mas de afronta ao direito público, haja vista que se trata de um bem público que para ser explorado exige autorização administrativa. Consequentemente, a pretensão reparatória não se sujeita a prazo prescricional. Observo que, recentemente, esse entendimento foi externado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.427.694/SC, sob a sistemática da repercussão geral. Na ocasião, fixou-se a seguinte tese: Tema 1268: É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado. Ainda que não tenha havido o trânsito em julgado, o precedente mostra-se aplicável em conformidade com o art. 1.040, I, do CPC. Portanto, não há que se falar em prescrição no caso em tela. Não é outro senão este também o entendimento firmado por esta E. Turma julgadora: PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – EXTRAÇÃO DE AREIA SEM LICENCIAMENTO AMBIENTAL – PRESCRIÇÃO INOCORRENTE – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. I – O objeto da pretensão da União não é a reparação ou compensação de eventual dano ambiental provocado, mas sim a obtenção do ressarcimento pela extração indevida de seu patrimônio (art. 20, IX, CF; art. 98 CC). II – Cuidando-se de lesão ao patrimônio público não há que se falar em prescrição do direito, sendo aplicável o estatuído no § 5º do artigo 37 da Constituição Federal. Precedentes desta Corte. III – Descabe a alegação de cerceamento de defesa de réu que, citado, deixou escoar o prazo para apresentação de contestação, sendo considerado revel. Por disposição de lei (artigo 344 do CPC), em caso de revelia consideram-se verdadeiras as alegações de fato efetuadas pelo autor. Ademais, há de se observar que o ressarcimento foi apurado em procedimento administrativo, o qual goza de presunções de legitimidade e de veracidade. Assim, cabe unicamente ao réu, apelante, demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito a fim de ilidir as presunções (artigo 373, II, CPC). IV – O artigo 10 da Lei nº 6.938/81 estabelece que “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.” O fato de a apelante possuir Guia de Utilização – GU não dispensa a exigência da licença ambiental. V – Constitui ônus da parte impugnar especificamente os cálculos apresentados pela União a respeito dos valores devidos a título de ressarcimento. A impugnação genérica, vaga e imprecisa não infirma as presunções emanadas da atividade administrativa. VI – Apelação improvida. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0016216-10.2015.4.03.6105, Rel. Juiz Federal Convocado na Titularidade Plena LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 16/04/2020, Intimação via sistema DATA: 22/04/2020) Da obrigação de ressarcimento. Requisitos necessários: conduta, nexo causal e dano. A principal linha de defesa apresentada pelos recorrentes consiste na alegação de que não restou comprovado o dano e o nexo causal. De início cumpre salientar que os fatos que deram ensejo à presente ação de ressarcimento ao erário foram também objeto de ação penal, na qual JOAO MARINQUI BERGAMO, único proprietário da pessoa jurídica que figura como corré nestes autos, restou definitivamente condenado pela prática, em concurso formal, dos crimes previstos no art. 2º da Lei 8.176/91 e no art. 55 da Lei 9.605/98. O acórdão confirmatório da condenação teve a sua ementa assim redigida: PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LAVRA ILEGAL DE AREIA JUNTO AO LEITO DO RIO AMAMBAÍ. AUSÊNCIA DA NECESSÁRIA LICENÇA AMBIENTAL DE OPERAÇÃO E DO DEVIDO REGISTRO MINERÁRIO DE LICENÇA NO DNPM. USURPAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA PERTENCENTE À UNIÃO FEDERAL. CRIMES DO ARTIGO 2º DA LEI 8.176/91 E DO ARTIGO 55 DA LEI 9.605/98, PERPETRADOS EM CONCURSO FORMAL PRÓPRIO ENTRE SI. PRELIMINAR DE NULIDADE POR EVENTUAL CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. CONDUTAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA MANTIDA NO MESMO VALOR JÁ FIXADO PELO MAGISTRADO SENTENCIANTE, EM SINTONIA COM A FAVORÁVEL SITUAÇÃO ECONÔMICA E PROFISSIONAL DO ACUSADO. APELO DA DEFESA IMPROVIDO. 1. Em suas razões recursais (fls. 300/317), JOÃO MARINQUI BERGAMO pugna pela reforma parcial da r. sentença, para que: (i) preliminarmente, seja reconhecida a nulidade dos atos processuais a partir do laudo complementar encartado às fls. 207/214, em razão da alegada falta de intimação da defesa a respeito de sua juntada aos autos para oportuna manifestação, em detrimento dos princípios do contraditório e ampla defesa; (ii) no mérito, seja absolvido da acusação ora imputada, em razão de suposta ausência de materialidade, tipicidade e dolo do acusado, pretensamente em regular exercício de seu direito; (iii) subsidiariamente, seja-lhe reduzido o quantum fixado a título de prestação pecuniária, à luz da razoabilidade e proporcionalidade, tendo em conta a situação financeira do réu. 2. De início, afastada a preliminar de nulidade invocada pela defesa às fls. 302/307, sob o frágil argumento de que teria havido nestes autos suposto cerceamento de defesa em razão da mera falta de abertura de vista para que se manifestasse, especificamente, sobre o teor do laudo complementar juntado às fls. 207/21, visto que, compulsando os autos, não se vislumbrou, na hipótese, eventual violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório no caso concreto, à míngua de qualquer prejuízo efetivo à defesa do réu, a qual, notadamente, nada requereu na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, consoante termo de audiência acostado à fl. 251, e apenas, em sede de alegações finais (fl. 270), veio a requerer, genericamente, nova complementação do laudo pericial de fls. 207/214.2. 3. A despeito do sustentado pela defesa às fls. 307/314 e em sintonia com a sentença ora apelada, os elementos de cognição demonstram que JOÃO MARINQUI BERGAMO, na qualidade de único sócio e administrador da empresa mineradora Extração de Areia Bergamo Ltda, em 16/02/2012, incorreu, de modo livre e consciente, na lavra ilegal de areia, mediante dragagem, no leito do Rio Amambaí, a partir de 02 (dois) pontos de extração clandestina localizados sob as coordenadas "SAD 69 21K 0787133E/7438949N e 0787149E/7438962N", nas proximidades da área referente ao processo DNPM n. 868.001/2010, na divisa dos Municípios de Naviraí e Itaquiraí/MS, desprovido da necessária licença ambiental de operação, e ainda na usurpação da aludida matéria-prima minerária pertencente à União, por ele explorada, no mesmo local e ocasião, sem dispor, à época, do devido registro de licença no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em desacordo com o disposto no artigo 3º, I, da Lei 8.876/1994, e nos artigos 1º, I, e 3º, ambos da Lei 6.567/1978: Ofício n. 209/DNPM/MS/2012 (fl. 04); Auto de Paralisação n. 02/2012 lavrado pelo DNPM em 16/02/2012 (fl. 05); Formulário de Fiscalização de Lavra - Atividade Clandestina referente ao Processo DNPM n. 868.001/2010 (fls. 06/09); Documentação Fotográfica (fl. 10); Laudo de Exame Pericial Ambiental n. 0776/2012 (fls. 21/29); relatório policial (fls. 37/39); memorial explicativo de atividade de produção mineral (fls. 93/123 - processo DNPM n. 868.001/2010); dados básicos do processo DNPM n. 868.001/2010 (fls. 124/129); Laudos de Exame Pericial Ambiental n. 0535/2014 (fls. 207/214), n. 709/2014 (fls. 217/232), n. 1212/2010 (fls. 233/238) e n. 2212/2009 (fls. 239/245); depoimentos das testemunhas em juízo (fls. 153/154, 158-mídia, 191/192-mídia e 203/204-mídia); interrogatórios em sede policial (fls. 31/32) e em juízo (fls. 252 e 254-mídia). 4. Destarte, a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do acusado, em relação às condutas devidamente tipificadas no artigo 2º da Lei 8.176/91 e no artigo 55 da Lei 9.605/98 (em concurso formal próprio entre si), restaram suficientemente comprovadas, sendo mantido, de rigor, o decreto condenatório. 5. Igualmente não merece acolhimento o pleito subsidiário da defesa do réu para que lhe seja reduzido o quantum então fixado, pelo magistrado sentenciante, a título de prestação pecuniária, tendo em conta sua favorável situação econômica e profissional acostada às fls. 35, 252 e 254-mídia. 6. Recurso da defesa não provido. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 67722 - 0001097-20.2012.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 04/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/10/2016 ) A condenação do juízo criminal, transitada em julgado, não deixa margens para discussão a respeito da autoria. O dano também é certo. A constatação da ocorrência do dano adveio de procedimento administrativo, o qual goza das presunções de legitimidade e de veracidade. Neste contexto, cabe exclusivamente aos apelantes demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da União, a fim de ilidir as presunções, nos termos do artigo 373, II, CPC. Conforme verifica-se dos autos, o Departamento Nacional de Produção Mineral em Mato Grosso do Sul (DNPM/MS) recebeu por e-mail em 15.12.2011 uma comunicação detalhada a respeito da prática irregular de extração de areia no Rio Amambaí por parte da empresa recorrente. A imputação continha as coordenadas geográficas do local, os números dos processos DNPM que autorizavam a pesquisa da área e fotos de satélite (fls. 21 e seguintes do id 154729086). Face à comunicação do ilícito, o DNPM/MS realizou fiscalização e constatou a existência de lavra em área de pesquisa, o que não era permitido. Veja-se, a propósito, o que consta do documento emanado do órgão público (fls. 33/35 do id 154729086): Em 16/02/2012, foi realizada a vistoria de fiscalização na área em questão, para a verificação das atividades de lavra referentes aos processos DNPM 868.020/2003 e 868.133/2000, de titularidade da empresa Extração de Areias Bérgamo Ltda., além do processo em questão. Foi solicitado que a embarcação, de propriedade da empresa Extração de Areias Bérgamo Ltda. se posicionasse no local onde estava realizando a atividade de lavra de AREIA. Verificou-se com o uso de GPS que a atividade de lavra realmente estava sendo realizada nas proximidades das coordenadas X = 0787133E Y = 7438949N e X = 0787149E Y = 7438962N, no interior da área de pesquisa, referente ao processo DNPM 868.001/2010, motivo pelo qual foi lavrado o Auto de Paralisação nº 02/2012. Foi-nos informado de que a produção média é de 2 a 3 viagens por dia, sendo que cada viagem é de 80m³. Foram percorridos os trechos do rio Amambaí, juntamente com os representantes do empreendimento, de maneira a verificar que realmente a lavra estava sendo executada fora da área e para indicar os trechos do rio nas quais pode realizar a atividade de lavra. O titular informou que a lavra sempre foi realizada nas proximidades dos pontos de coordenadas indicadas acima, e que devido a dificuldades impostas pelo tamanho da embarcação, a mesma não percorre todo o leito do rio Amambaí onde está inserida parte da poligonal dos processos 868.020/2003 e a poligonal do processo 868.133/2000. Não há como avaliar o quantitativo de areia lavrada até o momento. As fotografias acostadas pelos servidores públicos responsáveis pela fiscalização mostram a embarcação de propriedade da empresa EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA. realizando a atividade ilegal (id 154729087). Embasado no quanto apurado, o DNPM/MS apurou “que toda a produção anterior declarada no processo DNPM 868.020/2003, foi fruto de lavra ilegal, uma vez que o ponto de dragagem onde os funcionários afirmaram que sempre realizava a extração está fora da poligonal autorizada, pois naquele ponto poligonal do DNPM 868.020/2003 está fora do leito do rio Amambai. O ponto de extração está inserido no interior da poligonal do processo DNPM 868.001/2010, na época na fase de autorização de pesquisa”. Sendo assim, com supedâneo nos Relatórios Anuais de Lavra (RAL), concluiu “que foram lavrados ilegalmente uma quantidade de 34.333 (trinta e quatro mil e trezentos e trinta e três) toneladas de areia”, cujo valor alcançava a cifra de R$ 282.744,00 – fls. 20/22 do id 154729087. Caberia aos requeridos, ora apelantes, demonstrar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Nesse desiderato, o juízo determinou, a pedido dos requeridos, que fosse realizada prova pericial para saber se houve extração irregular de minério e, em caso positivo, a quantidade e o valor de mercado do material (fls. 26 do id 154729100). No entanto, os requeridos desistiram desse meio de prova (fls. 30 do mesmo id). Assim, à míngua de prova inequívoca em sentido contrário, e diante da presunção de veracidade emanada dos atos administrativos, tenho como suficientemente comprovado o dano. Por fim, não há como se afastar o nexo causal. Ficou cabalmente demonstrado que a conduta causadora do dano foi a realização de lavra por parte da empresa EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA., cujo responsável é JOAO MARINQUI BERGAMO. Do valor do dano. Em sua sentença o juízo entendeu que “a indenização não pode ser fixada em apenas R$ 600,00, como pretende a empresa”, por configurar valor irrisório. Mas também pontuou que não poderia ser estabelecido o valor de R$ 359.475,18, pleiteado pela UNIÃO, por se tratar de um cálculo aproximado efetuado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM. E, assim, reduziu o valor pleiteado em 50% (cinquenta por cento), fixando o valor a ser ressarcido em R$ 179.737,59 (cento e setenta e nove mil, setecentos e trinta e sete reais e cinquenta e nove centavos). O valor pretendido pelos apelantes (R$ 600,00) realmente mostra-se irreal e não condiz com a realidade e a gravidade dos fatos apurados. Pretender fixar o dano no quanto apurado exclusivamente no dia da fiscalização é fechar os olhos para a realidade e desprezar o comando do art. 375 do CPC: Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial. De outro lado, também não tenho como acertado o entendimento que reduziu pela metade o valor pleiteado com a inicial. O dano causado deve ser integralmente ressarcido, conforme maciça jurisprudência: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE MINÉRIO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO SUPORTADO PELA UNIÃO. PRECEDENTES. 1. O quadro fático delineado no acórdão recorrido é claro no sentido de que houve extração irregular de areia, pois ocorrida em local diverso do autorizado. Tal quadro não pode ser modificado na presente via, nos termos da Súmula 7/STJ, pois pressupõe indevida substituição do juízo de natureza fática realizado pelo Tribunal de origem. 2. Quanto ao mais, o acórdão recorrido não merece reparos, pois, ao decidir que a indenização a ser paga deve corresponder ao valor do dano, atuou em consonância com a jurisprudência desta Corte. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp n. 2.057.206/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.987.343/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 24/3/202; e AgInt no AREsp n. 1.192.559/PR, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.064.011/PB, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023.) – destaque nosso. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LAVRA IRREGULAR DE AREIA. DESTINAÇÃO DE MINÉRIO EM DESCONFORMIDADE COM A DISPENSA DE TÍTULO MINERÁRIO E A LICENÇA AMBIENTAL. USURPAÇÃO DE PATRIMÔNIO MINERAL. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO INTEGRAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SENTIDO CONTRÁRIO AO ENTENDIMENTO DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública proposta pela União em face da empresa RGJ Empreendimentos Imobiliários Ltda, objetivando o ressarcimento financeiro pela lavra irregular de areia. O Juízo de 1º Grau julgou parcialmente procedente a ação, "para condenar RGJ Empreendimentos Imobiliários Ltda. a ressarcir à União o montante de R$ 132.000,00 (cento e trinta e dois mil reais), acrescida da variação da SELIC desde a data do ato ilícito". O Tribunal de origem destacou que "é inconteste que houve repasse, ainda que ausente prova de comercialização, a terceiro, a caracterizar lavra irregular. Irregular a lavra, o bem pertencente à União foi indevidamente utilizado, pelo que correta a sentença que determinou a indenização". Contudo, deu parcial provimento à apelação da empresa ré, para reduzir o montante da indenização no equivalente à metade do valor do irregular faturamento. III. A decisão ora agravada concluiu que o acórdão impugnado, ao reduzir o montante da indenização, está em confronto com a jurisprudência desta Corte, que, em casos análogos, tem entendido que "a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente federal, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade de empresa infratora, que praticou conduta grave com a extração mineral irregular" (STJ, AREsp 1.520.373/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/12/2019). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.891.517/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/10/2022; AgInt no AREsp 1.192.559/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1/12/2022; AgInt no AREsp 1.893.855/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/06/2022; AREsp 2.007.665/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/11/2022; AgInt no REsp 1.592.779/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/10/2021; AREsp 1.676.242/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/12/2020; REsp 1.923.855/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/04/2022. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.057.206/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023.) – destaque inexistente no original. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LAVRA ILEGAL DE AREIA. INDENIZAÇÃO. CARÁTER PEDAGÓGICO-PUNITIVO. INTEGRALIDADE DOS DANOS. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. I - Na origem, trata-se de ação civil pública objetivando a condenação da empresa a ressarcir ao estado o valor correspondente à areia lavrada de forma ilegal. Na sentença o pedido foi julgado parcialmente procedente. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada. II - Verifica-se que o acórdão recorrido deliberou acerca da lavra ilegal de minério, os quais são de propriedade da União. Assim, é fato incontroverso nos autos que houve a extração de minério de forma ilegal por parte da empresa. III - Em que pese tal conclusão, a Corte a quo entendeu que a recomposição à União se daria conforme a metade do valor do faturamento da empresa. IV - Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a indenização deve abranger a totalidade dos danos causados ao ente federal, sob pena de frustrar o caráter pedagógico-punitivo da sanção e incentivar a impunidade de empresa infratora. Nesse sentido: REsp n. 1.923.855/SC. relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 28/4/2022; AREsp n. 1676242/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 24/11/2020, DJe 1º/12/2020. V - Agravo interno improvido. (AgInt nos EDcl no AgInt no REsp n. 1.652.072/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 3/10/2022, DJe de 5/10/2022.) Portanto, uma vez apurado pela Administração Pública, ainda que por estimativa, que o dano causado corresponde à quantia de R$ 359.475,18 (trezentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e cinco reais e dezoito centavos), é este valor que deve ser ressarcido, sob pena de não abranger a totalidade do mal causado. Saliento aqui, mais uma vez, que competia aos requeridos fazer prova que contrastasse com os documentos emitidos pela Administração, o que não foi efetuado. A prova pericial poderia mensurar o montante de areia retirado e o quantum devido, mas os agora apelantes desistiram de sua realização, conforme verificado às fls. 30 do id 154729100. Como consequência, tenho que deve ser provida a remessa oficial, havida por submetida, para adequar o valor do ressarcimento ao montante pleiteado pela UNIÃO. Do princípio da tolerabilidade. Inaplicabilidade. Defendem os recorrentes que “caso se constatado ato ilícito, trata-se de mera irregularidade que pode ser tolerada e afastada qualquer reparação pecuniária” por aplicação do princípio da tolerabilidade, haja vista a possibilidade de a natureza suportar certos níveis de agressão. Diz que o Rio Amambaí possui vida útil para extração mineral de 95 (noventa e cinco) anos, de modo que “se comparado com a eventual dragagem ilegal no dia 16.02.2012 ou até mesmo como alegado na inicial, cuida-se de fato tolerável em face da vida útil do local devido a riqueza de minerais (areia)”. O princípio da tolerabilidade foi construído sob a óptica do direito ambiental e tem como parâmetro o art. 225 da Constituição Federal que assegura a todos um direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sua aplicação no caso é obstada por dois motivos. Primeiro porque não se está a tutelar, nesta demanda, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas sim o patrimônio da União consistente nos minérios extraídos do rio. Ao apropriar-se para si de bem que não lhe pertence, alienando-o como se titular fosse, os requeridos cometeram ato ilícito que provocou dano, o qual comporta ressarcimento. Segundo porque os limites de tolerabilidade de interferência humana no meio ambiente são definidos por normas técnicas emanadas de órgãos técnicos da Administração Pública, a quem compete o poder-dever de assegurar o seu cumprimento. Neste desiderato mostra-se incontroverso que os apelantes extrapolaram os limites da tolerabilidade ao explorar a lavra de minério sem autorização legal, situação com a qual não pode o Poder Judiciário compactuar. Sucumbência. Verba honorária. Corolário do provimento do reexame necessário, faz-se necessário afastar a sucumbência recíproca estabelecida pela sentença. Diante dessa situação, e considerando a majoração da condenação, fixo os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser pago unicamente pelos apelantes. Dispositivo. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e DOU PROVIMENTO à remessa oficial, havida por submetida, para condenar os réus a ressarcir o autor a quantia de R$ 359.475,18 (trezentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e setenta e cinco reais e dezoito centavos), corrigida nos termos da sentença, bem como nas verbas de sucumbência fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. CIVL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. CABIMENTO DE REEXAME NECESSÁRIO. ART. 19 DA LEI 4.717/65, APLICADO POR ANALOGIA. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM LICENCIAMENTO AMBIENTAL. BEM DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO DE AÇÃO. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR VALOR INTEGRAL DO DANO. PRINCÍPIO DA TOLERABILIDADE. INAPLICABILIDADE.
– Pacífico entendimento de que nas ações civis públicas, em face da natureza dos bens tutelados, no caso de improcedência do pedido a sentença deve ser submetida ao reexame necessário. Uma vez que o pedido inicial foi julgado parcialmente procedente, naquilo que a Administração Pública decaiu há de ser reconhecida a remessa oficial, nos termos do art. 19 da Lei 4.717/65, aplicado por analogia.
– Consta dos autos, a pessoa jurídica EXTRACAO DE AREIA BERGAMO LTDA., cujo representante legal é J.M.B., apesar de possuir autorização para a pesquisa de basalto em uma área delimitada de 12,62ha, conforme Alvará de Pesquisa nº 11364/2010 (Processo DNPM nº 868.001/2010), foi flagrada explorando economicamente a área, o que é vedado porque o alvará de pesquisa “não permite a exploração econômica dos recursos minerais existentes”. Apurou-se ter havido usurpação de 34.333 (trinta e quatro mil, trezentos e trinta e três) toneladas de recursos minerais.
– A Carta Magna apregoa em seu art. 37, § 5º, que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário. Em setembro de 2023, sob a sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese jurídica: Tema 1268. É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado.
– Pressupostos da obrigação de ressarcir o dano. Conduta. Os fatos atribuídos nesta ação foram confirmados em processo penal, que condenou definitivamente o responsável legal – apelante – da empresa de extração de areia pela prática dos crimes previstos nos arts. 2º da Lei 8.176/91 e 55 da Lei 9.605/98.
– Dano. A existência do dano é certa e decorre da apuração em processo administrativo, no qual se constatou a realização da atividade de lavra de areia em desconformidade com a autorização. Os servidores do Departamento Nacional de Produção Mineral em Mato Grosso do Sul (DNPM/MS) percorreram “trechos do rio Amambaí, juntamente com os representantes do empreendimento, de maneira a verificar que realmente a lavra estava sendo executada fora da área”.
– Os atos da Administração Pública gozam das presunções de veracidade e de legitimidade, competindo aos réus demonstrar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da União (art. 373, II, CPC).
– Não houve realização de prova pericial por motivo de desistência da parte interessada. O juízo deferiu a produção de perícia para saber se houve extração irregular de minério e, em caso positivo, a quantidade e o valor de mercado do material. Apesar de ter feito a solicitação da prova, os requeridos dela desistiram, de forma que prevalece, no cotejo entre as provas produzidas pela Administração Públicas e aquelas advindas do particular, as primeiras.
– Nexo causal. Evidenciado o nexo causal entre a conduta dos apelantes e o dano causado.
– Valor do dano. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que o dano deve ser ressarcido integralmente. Uma vez que não foram desconstituídas as presunções de veracidade emanadas do ato administrativo, há de se acolher a pretensão formulada pela União no que tange ao valor do dano suportado.
– Princípio da tolerabilidade. Inaplicabilidade na espécie porque os recorrentes se afastaram da autorização legalmente concedida pelo Poder Público.
– Afastada a sucumbência recíproca. Requeridos condenados no pagamento de 10% sobre o valor da condenação.
– Apelação desprovida. Remessa oficial, havida por submetida, provida.