APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003802-16.2021.4.03.6126
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A
APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN
Advogado do(a) APELADO: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003802-16.2021.4.03.6126 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN Advogado do(a) APELADO: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelações interpostas pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP e pela parte autora contra sentença que concedeu parcialmente a segurança para anular a decisão exarada pela ré e compelir a UNIFESP que promova a matrícula do autor no 1º. semestre de 2023 relativo ao 1º. Ano do curso de Psicologia, turno integral, da Graduação da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, pela reserva de vagas T7, bem como que promova a liberação do autor para frequência às aulas na próxima turma a iniciar. Opostos embargos de declaração, os quais foram acolhidos parcialmente. Apelou a UNIFESP, aduzindo em suas razões que a parte autora não preenche os requisitos legais e editalícios para o preenchimento de vaga destinada a portadores de necessidades especiais. No mais, aponta a necessidade de respeito à autonomia universitária. Apelou a parte autora, requerendo o reconhecimento do seu direito à frequentar às aulas no 2º semestre de 2022, com previsão da matrícula em agosto de 2022 e início do semestre em 05/09/2022, sem prejuízo das disciplinas que deixou de cursar no 1º. semestre de 2022, sob pena da aplicação da multa prevista no artigo 7º da Lei n.º 12.764/2012, além de que seja determinada a comunicação do Ministério da Educação e do Ministério Público Federal. Com contrarrazões de ambas as partes, subiram os autos a este Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003802-16.2021.4.03.6126 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO, ISRAEL PONCE CASAL WEIMANN Advogado do(a) APELADO: ALINE MARTINEZ PIERONI - SP273450-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A remessa necessária e às apelações não devem ser providas. No presente caso, o autor inscreveu-se no SISU, aplicando seus resultados ao crivo da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Como portador de Transtorno do Espectro Autista, anteriormente conhecido como Síndrome de Asperger, com grau leve, o autor concorreu a uma das vagas do tipo T7, previstas nos itens 16 e 22 do Edital 27/2019, destinadas à pessoa com deficiência - PCD (ID 261820258). Contudo a matrícula foi indeferida sob o fundamento de que (ID 261820263): - no laudo não consta o tipo e grau da deficiência - não constam áreas e funções do desenvolvimento que estão afetadas. Após apresentação de recurso administrativo, foi mantido o indeferimento da matrícula, com a seguinte fundamentação (ID 261820270): O laudo médico apresentado pelo candidato Israel Ponce Casal Weimann, descreve-o como tendo TEA (Transtorno do Espectro Autista) - leve. O relatório da neuropediatra declara o Transtorno do Espectro Autista leve CID -10- F84. Desta forma, a Comissão concluiu que os documentos apresentados pelo candidato que indicam “comprometimento de comunicação/interação social além de padrões restritivos de comportamento – como seletividade alimentar e ecolalia” não contemplam a definição Deficiência Mental como “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas” conforme Decreto Lei nº 3.298, de 20 de Dezembro de 1999, no qual se baseia o Edital do Vestibular da Unifesp 2020. Não há controvérsia nos autos acerca do tipo de vaga que o autor concorreu ao realizar sua inscrição no SISU e tampouco sobre a sua condição de portador de Transtorno do Espectro Autista de grau leve. No momento de realização da matrícula o candidato apresentou laudos médicos comprovando sua condição (IDs 261819730; 261819731; 261820232; 261820233; 261820234; 261820235; 261820236). Após a produção de prova pericial (ID 261820304), foi confirmado o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo, com alterações comportamentais, porém sem reflexos no QI do autor, sendo afastada a presença de deficiência mental. Pois bem. O indeferimento da matrícula ocorreu com base nos critérios previstos pelo Decreto Lei 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. No entanto, é necessário observar e integrar a legislação atualizada sobre o tema. No caso, merecem atenção as disposições contidas na Lei 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista: Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução. § 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II: I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. § 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. (...) Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) IV - o acesso: a) à educação e ao ensino profissionalizante; b) à moradia, inclusive à residência protegida; c) ao mercado de trabalho; d) à previdência social e à assistência social. Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado. (...) (grifo nosso) Da análise da lei, entende-se, portanto, que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, a quem é garantido, dentre outros o direitos, a educação e o ensino profissionalizante. Como relatado na r. sentença, é incontroverso o diagnóstico clínico do autor como portador de transtorno de espectro autista, ainda que em grau leve. Assim, ainda que o laudo pericial tenha afastado a deficiência mental, a caracterização do autor como PCD decorre de presunção legal, diante da previsão expressa da Lei 12.764/12. Neste sentido: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR. COTAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DECRETO N. 3.298/99. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. LEI N. 12.764/12. RECURSO IMPROVIDO. (TRF3, 4ª Turma, AI 5001902-43.2021.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Monica Autran Machado Nobre, DJ 21/03/2022). Logo, considerando que o autor cumpriu todas as exigências do edital convocatório, dentro dos prazos estabelecidos, preenchendo os requisitos previstos para a obtenção da vaga, de rigor a manutenção da r. sentença que determinou a matrícula no curso pretendido. Quanto ao apelo do autor, inicialmente verifica-se a ausência de interesse recursal. O autor requer seja reconhecido o seu direito à frequentar às aulas no 2º semestre de 2022 (e não no primeiro semestre de 2023, como estabelecido na r. sentença). No entanto, conforme noticiado nos autos, a Instituição de Ensino já efetuou a matrícula do autor em 2022 (ID 261820363). Assim, não remanesce interesse recursal do autor, pois a providência desejada já foi realizada pela Universidade. Além disso, deve ser afastada a imposição da multa prevista no art. 7º da Lei 12.764/2012, uma vez que, inicialmente, a Universidade negou a matrícula do impetrante em razão de faltarem informações no laudo pericial. Tampouco se demonstra necessária a comunicação ao Ministério Público e ao Ministério da Educação da recusa da matrícula, uma vez que o autor já se encontra matriculado e cursando a carreira de psicologia. Em face do exposto, nego provimento à remessa necessária e às apelações. É como voto.
- É pacífico na jurisprudência desta E. Corte e dos Tribunais Superiores que a atuação do Poder Judiciário em certames seletivos e concursos públicos deve se restringir ao controle da legalidade e da observância das regras contidas no respectivo edital. Não cabe ao Judiciário, na hipótese, substituir-se à Administração nos critérios de seleção.
- A Lei n. 12.764/2012 dispõe que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, enumera as diretrizes de políticas públicas voltadas a atendê-las, bem como define, de modo expresso, os respectivos direitos, dentre eles a educação e ensino profissionalizante.
- Considerando a documentação acostada e o estágio processual da demanda principal, deve ser mantida a decisão recorrida, que garantiu a matrícula da parte agravada em sede de tutela antecipada.
- Agravo de instrumento improvido.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. COTAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DECRETO N. 3.298/99. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. LEI N. 12.764/12. PRESUNÇÃO LEGAL. CUMPRIMENTO DAS REGRAS EDITALÍCIAS.
1. No presente caso, o autor inscreveu-se no SISU, aplicando seus resultados ao crivo da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Como portador de Transtorno do Espectro Autista, anteriormente conhecido como Síndrome de Asperger, com grau leve, o autor concorreu a uma das vagas do tipo T7, previstas nos itens 16 e 22 do Edital 27/2019, destinadas à pessoa com deficiência -PCD (ID 261820258).
2. Contudo a sua matrícula foi indeferida.
3. Não há controvérsia nos autos acerca do tipo de vaga que o autor concorreu ao realizar sua inscrição no SISU e tampouco sobre a sua condição de portador de Transtorno do Espectro Autista de grau leve.
4. No momento de realização da matrícula o candidato apresentou laudos médicos comprovando sua condição (IDs 261819730; 261819731; 261820232; 261820233; 261820234; 261820235; 261820236). Após a produção de prova pericial (ID 261820304), foi confirmado o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo, com alterações comportamentais, porém sem reflexos no QI do autor, sendo afastada a presença de deficiência mental.
5. O indeferimento da matrícula ocorreu com base nos critérios previstos pelo Decreto Lei 3.298/99, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. No entanto, é necessário observar e integrar a legislação atualizada sobre o tema.
6. No caso, merecem atenção as disposições contidas na Lei 12.764/12, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Da análise da lei, entende-se, portanto, que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, a quem é garantido, dentre outros o direitos, a educação e o ensino profissionalizante.
7. Como relatado na r. sentença, é incontroverso o diagnóstico clínico do autor como portador de transtorno de espectro autista, ainda que em grau leve. Assim, ainda que o laudo pericial tenha afastado a deficiência mental, a caracterização do autor como PCD decorre de presunção legal, diante da previsão expressa da Lei 12.764/12.
8. Logo, considerando que o autor cumpriu todas as exigências do edital convocatório, dentro dos prazos estabelecidos, preenchendo os requisitos previstos para a obtenção da vaga, de rigor a manutenção da r. sentença que determinou a matrícula no curso pretendido.
9. O autor requer seja reconhecido o seu direito à frequentar às aulas no 2º semestre de 2022 (e não no primeiro semestre de 2023, como estabelecido na r. sentença). No entanto, conforme noticiado nos autos, a Instituição de Ensino já efetuou a matrícula do autor em 2022 (ID 261820363). Assim, não remanesce interesse recursal do autor, pois a providência desejada já foi realizada pela Universidade.
10. Além disso, deve ser afastada a imposição da multa prevista no art. 7º da Lei 12.764/2012, uma vez que, inicialmente, a Universidade negou a matrícula do impetrante em razão de faltarem informações no laudo pericial. Tampouco se demonstra necessária a comunicação ao Ministério Público e ao Ministério da Educação da recusa da matrícula, uma vez que o autor já se encontra matriculado e cursando a carreira de psicologia.
11. Remessa necessária e apelações improvidas.