APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5006374-86.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEMIG/SNJ, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE IMIGRAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, UNIÃO FEDERAL
APELADO: CHRISLY LABISSIERE
Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5006374-86.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEMIG/SNJ, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE IMIGRAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, UNIÃO FEDERAL APELADO: CHRISLY LABISSIERE Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pela União contra sentença que, em sede de mandado de segurança, concedeu a ordem requerida para determinar que a autoridade impetrada processe o pedido de naturalização do impetrante sem a apresentação da certidão de antecedentes criminais do país de origem e da certidão consular. Apelou a União aduzindo, preliminarmente, a inadequação da via eleita. No mérito, sustenta a legalidade da exigência da documentação para instrução de pedido de naturalização. Com contrarrazões, vieram os autos conclusos. O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5006374-86.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEMIG/SNJ, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE IMIGRAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, UNIÃO FEDERAL APELADO: CHRISLY LABISSIERE Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A apelação deve ser provida. Inicialmente, modifico meu entendimento sobre o tema analisado, alinhando a decisão ao entendimento desta C. Turma. A naturalização ordinária é concedida ao estrangeiro que satisfizer os seguintes requisitos exigidos pela Lei 13.445/17 (Lei de Migração): Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições: I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira; II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos; III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei. Por sua vez, o Decreto 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, estabelece (grifo nosso): Com efeito, nos termos da Portaria Interministerial 623 /2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Anexo I, o pedido administrativo de naturalização ordinária deve ser instruído com os seguintes documentos: O requerimento de naturalização ordinária deverá ser instruído com a seguinte documentação: 1. Formulário devidamente preenchido e assinado pelo requerente dirigido à Coordenação de Processos Migratórios da Coordenação-Geral de Política Migratória do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça; 2. Quando cabível, requerimento fundamentado de tradução ou adaptação do nome à língua portuguesa, instruídos com os documentos a seguir: a. Certidão Estadual de Distribuição Cível do local de residência dos últimos cinco anos; b. Certidão Federal de Distribuição Cível do local de residência dos últimos cinco anos; c. Certidões dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos; e d. Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos. 3. Cópia da Carteira de Registro Nacional Migratório, ainda que vencida, e via original para conferência; 4. Comprovante de situação cadastral do Cadastro de Pessoas Físicas - CPF; 5. Certidão de antecedentes criminais emitida pela Justiça Federal e Estadual dos locais onde residiu nos últimos quatro anos; 6. Atestado de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pelo país de origem legalizado e traduzido, no Brasil, por tradutor público juramentado, observada a Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, promulgada pelo Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016; 7. Comprovante de reabilitação, nos termos da legislação vigente, se for o caso; 8. Comprovante de residência, nos termos do art. 56 desta Portaria; 9. Cópia do documento de viagem internacional, ainda que vencido, observadas as regras do Mercosul; 10. Certidão de casamento atualizada; 11. Documentos que comprovem união estável; 12. Certidão de nascimento do filho brasileiro; 13. Documento indicativo da capacidade de se comunicar em língua portuguesa; e 14. Declaração conjunta de ambos os cônjuges ou companheiros, sob as penas da lei, a respeito da continuidade de efetiva união e convivência. A exigência de apresentação de certidão consular aparece no art. 57, II, da mesma Portaria, nos seguintes termos (grifo nosso): Portanto, é legal a exigência da apresentação de certidão consular e certidão de antecedentes criminais. De fato, é consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização destas exigências documentais quando o pedido de naturalização tiver como requerente o indivíduo solicitante de refúgio, atendendo ao disposto no art. 57 da Portaria 623/2020. Isto porque tais pessoas chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, enfrentando dificuldades financeiras que as impedem de retornar ao país de origem para reunir a documentação necessária, que, muitas vezes, também lhes é sonegada diante de situação de perseguição, crises sociais ou humanitárias. No presente contexto, não foi comprovada a condição de solicitante de refúgio/acolhida humanitária. Além disso, a legislação sobre o tema deve ser observada. A Lei de Migração aponta em seu art. 121 que devem ser observadas as disposições da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997 , nas situações que envolvam refugiados e solicitantes de refúgio. Já a Lei 9.474/1997 estabelece que não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que sejam residentes do território nacional, in verbis: Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: I - já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR; II - sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro; III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas. Especificamente nos casos de migrantes haitianos, a Portaria interministerial 13/2020, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e pelo Ministério das Relações Exteriores, que dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti, traz em seu art. 9º, a previsão de que a obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria e o registro perante a Polícia Federal implicam desistência de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado. Logo, o caso concreto, deve ser afastada a flexibilização das exigências, uma vez que o solicitante de naturalização possui sua situação migratória regularizada, visto que possui Carteira de Registro Nacional Migratório em caráter permanente e possui registro na Polícia Federal (ID 286598857), não existindo ameaça, perda ou extinção de direitos. Além disso, é importante considerar que a flexibilização documental poderia violar o princípio da igualdade material. Isso aconteceria ao conceder ao recorrido condições mais favoráveis em comparação com outros estrangeiros em situação semelhante. Neste sentido, a recente jurisprudência desta C. Turma: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. DISPENSA DE DOCUMENTOS. DECRETO 9.199/2017. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA Nº 623 DE 13/11/2020. DESCABIMENTO. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TRF3, Terceira Turma, ApelRem5014874-44.2022.4.03.6100. Rel. Des. Fed. RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO, DJ 22/03/2024). Em face do exposto, dou provimento à apelação, reconhecendo a legalidade da exigência de certidão consular e da certidão de antecedentes criminais do país de origem. É como voto.
Art. 234. O pedido de naturalização ordinária se efetivará por meio da:
I - apresentação da Carteira de Registro Nacional Migratório do naturalizando;
II - comprovação de residência no territorio nacional pelo prazo mínimo requerido;
III - demonstração do naturalizando de que se comunica em língua portuguesa, consideradas as suas condições;
IV - apresentação de certidões de antecedentes criminais expedidas pelos Estados onde tenha residido nos últimos quatro anos e, se for o caso, de certidão de reabilitação; e
V - apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem.
Art. 57. Os refugiados, asilados políticos e apátridas requerentes de naturalização ficam dispensados de apresentar os seguintes documentos:
I - atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem, legalizado junto à repartição consular brasileira e traduzido por tradutor público, no Brasil, previstos nos Anexos I e II; e
II - certidão ou inscrição consular, emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome e filiação do interessado.
- A concessão da nacionalidade brasileira para estrangeiro é ato político do Estado, cujo mérito não está sujeito à revisão judicial. Entretanto, a discussão nestes autos limita-se à documentação necessária ao recebimento e ao processamento do pedido de naturalização, mais precisamente a exigência de determinados documentos do impetrante, procedimento cuja legalidade submete-se ao controle do Poder Judiciário.
- A questão discutida nos autos é eminentemente de direito, qual seja, potencial violação ao direito fundamental de nacionalidade, não sendo necessária a dilação probatória. Legítimo o manejo de mandado de segurança pelo recorrido para discutir o suposto ato coator da autoridade impetrada.
- No caso concreto, a parte impetrante obteve autorização de ingresso em território nacional sob o fundamento de acolhida humanitária e pretende sua naturalização ordinária.
- A autoridade impetrada exigiu a apresentação de certidão de nascimento e de certidão ou inscrição consular para o processamento do pedido de naturalização, com fundamento na portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública nº 623, de 13/11/2020.
- O apelante possui Carteira de Registro Nacional Migratório com validade até 15/07/2029 e autorização de residência no Brasil por prazo indeterminado.
- Muito embora esta Corte Regional reconheça a flexibilização das exigências documentais em casos excepcionais, o impetrante está com sua situação migratória regularizada, de forma que não há situação de risco, perda ou perecimento de direito.
- Acrescente-se que os benefícios que se conferem aos refugiados devem ser exercidos nos limites dos procedimentos atinentes a esta condição, e não de forma generalizada, alcançando outros expedientes aplicáveis a estrangeiros em geral, como a naturalização ordinária.
- Preliminares rejeitadas. Remessa necessária e apelação parcialmente providas.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. EXIGÊNCIAS DE DOCUMENTOS. DECRETO 9.199/2017. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA 623 DE 13/11/2020. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIAÇÃO DOCUMENTAL.
1. A naturalização ordinária é concedida ao estrangeiro que satisfizer os seguintes requisitos exigidos pela Lei 13.445/17 (Lei de Migração), com regulamentação do Decreto 9.199/2017.
2. A Portaria Interministerial 623 /2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Anexo I e art. 57, II, aponta os documentos que devem instruir o pedido administrativo de naturalização ordinária.
3. Portanto, é legal a exigência da apresentação de certidão consular e certidão de antecedentes criminais do país de origem.
4. De fato, é consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização destas exigências documentais quando o pedido de naturalização tiver como requerente o indivíduo solicitante de refúgio, atendendo ao disposto no art. 57 da Portaria 623/2020. Isto porque tais pessoas chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, enfrentando dificuldades financeiras que as impedem de retornar ao país de origem para reunir a documentação necessária, que, muitas vezes, também lhes é sonegada diante de situação de perseguição, crises sociais ou humanitárias.
5. No presente contexto, não foi comprovada a condição de solicitante de refúgio/acolhida humanitária. Além disso, a legislação sobre o tema deve ser observada.
6. A Lei de Migração aponta em seu art. 121 que devem ser observadas as disposições da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997 , nas situações que envolvam refugiados e solicitantes de refúgio. Já a Lei 9.474/1997 estabelece que não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que sejam residentes do território nacional.
7. Especificamente nos casos de migrantes haitianos, a Portaria interministerial 13/2020, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e pelo Ministério das Relações Exteriores, que dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti, traz em seu art. 9º, a previsão de que a obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria e o registro perante a Polícia Federal implicam desistência de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado.
8. Logo, o caso concreto, deve ser afastada a flexibilização das exigências, uma vez que o solicitante de naturalização possui sua situação migratória regularizada, visto que possui Carteira de Registro Nacional Migratório em caráter permanente e possui registro na Polícia Federal (ID 286598857), não existindo ameaça, perda ou extinção de direitos.
9. Além disso, é importante considerar que a flexibilização documental poderia violar o princípio da igualdade material. Isso aconteceria ao conceder ao recorrido condições mais favoráveis em comparação com outros estrangeiros em situação semelhante.
10. Apelação provida.