Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000478-92.2019.4.03.6124

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000478-92.2019.4.03.6124

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA como incurso nas penas do artigo 334-A, §1º, inciso I, c/c o artigo 62, inciso IV do Código Penal.

Consta da denúncia (Id 278029124):

1 – DOS FATOS

1. Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que em 17 de outubro de 2018, por volta das 16:00hs, na Rodovia SP-463, no município de Vitória Brasil/SP, ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA, de maneira livre, consciente e voluntária, mediante promessa de recompensa, transportou mercadoria proibida pela lei brasileira, praticando fato assimilado por lei especial a contrabando.

2. Segundo restou apurado, na data e local supramencionados, após abordagem de policiais militares rodoviários em fiscalização de rotina, o denunciado foi preso em flagrante, pois, na condução do veículo GM/Spin, placas OOD-8841, estava transportando grande quantidade de cigarros importados do Paraguai, desacompanhados de documentação a demonstrar sua regular importação. O autuado admitiu que pegou o veículo já carregado no Estado do Paraná e que receberia R$ 1.000,00 (mil reais) para levar o veículo com os cigarros até a cidade de Itumbiara/GO (fl. 3).

3. ROMUALDO afirmou para os policiais que foi contratado por um amigo de nome “Barbosa” para ir até o Estado do Paraná, próximo ao Paraguai, para pegar o veículo e depois levá-lo até Itumbiara/GO.

4. Durante a vistoria do veículo, os policiais rodoviários constataram grande quantidade de pacotes de cigarros estrangeiros no seu interior. Observaram que eram cigarros de marcas diversas e oriundos do Paraguai e que estes ocupavam todo o porta-malas, o banco traseiro e também o banco do passageiro (fl. 5).

5. Segundo consta, foram encontrados 21.127 (vinte e um mil, cento e vinte e sete) maços de cigarro das marcas EIGTH, MILL, BLUE, MILL VERMELHO e EURO, de origem estrangeira (fls. 50/63), importados irregularmente, cujo valor total da mercadoria é de R$ 105.635,00 (cento e cinco mil, seiscentos e trinta e cinco reais), e os tributos suprimidos montam R$ 80.254,82 (oitenta mil, duzentos e cinquenta e quatro reais e oitenta e dois centavos).

6. O artigo 2º c/c o artigo 3º do Decreto-lei nº 399/68 equiparou ao delito de contrabando o transporte de cigarros de origem estrangeira, coadunando os fatos narrados ao quanto disposto no §1º, inciso I, do artigo 334-A do Código Penal.

7. Ainda, quanto à regulamentação do artigo 3º do DL 399/68, denota-se que a importação de cigarros no território nacional somente é permitida a pessoas jurídicas que possuam registro especial, nos termos da Instrução Normativa n° 770/2007 da Receita Federal (em especial nos arts. 2º e 3º) e da Lei nº 9.532/97 (arts. 44 a 54), restando evidente, no caso em questão, a clandestinidade da introdução da mercadoria no país.

8. A materialidade e autoria do delito encontram-se amplamente demonstradas nos autos pelo auto de prisão em flagrante lavrado (fl. 02), depoimentos dos agentes policiais (fls. 03/05), autos de apresentação e apreensão (fls. 07/08), Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 28/34) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e Demonstrativo Presumido de Tributos Suprimidos (fls. 50/63).

2 – DA TIPIFICAÇÃO PENAL

9. Perpetrando os fatos acima descritos, o denunciado ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA, de maneira livre, consciente e voluntária, transportou, mediante promessa de recompensa, mercadoria proibida pela lei brasileira, praticando fato assimilado por lei especial a contrabando, incorrendo na conduta tipificada no artigo 334-A, §1º, inciso I, c/c o artigo 62, inciso IV, ambos do Código Penal.”

 

A denúncia foi recebida em 14/10/2019 (Id 278029284).

Após a instrução, sobreveio sentença (Id 278029418), da lavra do MM. Juiz Federal : FERNANDO CALDAS BIVAR NETO e publicada em 13/06/2022, que julgou procedente a denúncia para condenar o réu pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1.º, inciso I do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, reprimenda substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários-mínimos, serem pagos de maneira parcelada pelo mesmo prazo de duração da pena privativa de liberdade fixada. Também foi condenado ao réu ao perdimento dos cigarros e à inabilitação para dirigir veículo automotor.

A sentença transitou em julgado para a acusação.

Apela a defesa (Id 278029423), requerendo:

“1. Preliminarmente: a não aceitação de “parecer” do MPF, em grau recursal, por violação aos artigos 610 e 613 do CPP e ao art. 5º, II, LIV e lV, da CF. Caso, porém, seja aceita tal manifestação ministerial, requer-se a intimação da DPU para, no exercício do contraditório e da ampla defesa, também manifestar-se novamente nos autos em relação ao referido parecer e ao recurso;

2. No mérito:

2.1. Seja absolvido ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA em virtude de a) não existirem provas seguras da autoria; e/ou b) diante da insuficiência de prova para a sua condenação (princípio do in dubio pro reo) e/ou c) em virtude da atipicidade de sua conduta (erro de tipo - do art. 20, caput, CP), nos termos do art. 386, incisos III ou V ou VII CPP;

2.2. Alternativamente, seja desclassificado o crime em que ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA foi incurso e condenado, para o previsto no art. 334, caput, CP (descaminho) e, em seguida, seja intimado o MPF para apresentar a suspensão condicional do processo, conforme art. 383, caput, e §1º, CPP;

3. No caso de eventual manutenção do mérito condenatório, requer:

3.1 sejam consideradas todas as circunstâncias do art. 59 do CP favoráveis recorrente, e aptas a subsidiarem o redimensionamento da pena-base no mínimo legal;

3.2. sejam compensadas a agravante prevista no art. 62, IV, CP pela confissão prevista no art. 65, III, “d”, CP c/c enunciado 545, da súmula do STJ, ou, alternativamente, seja afastada a agravante do art. 62, IV, CP.”

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (Id 278029427) e em seu parecer, opinou pelo “parcial provimento do apelo defensivo, tão somente para efetuar a compensação entre atenuante e agravante na segunda fase da dosimetria da pena, mantendo-se, no restante, a sentença condenatória, nos termos em que foi preferida” (Id 278189838).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000478-92.2019.4.03.6124

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APELANTE: ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

ROMUALDO PEREIRA DE SOUZA foi condenado pela prática do delito descrito no artigo 334-A, §1.º, inciso I do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, reprimenda substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários-mínimos, serem pagos de maneira parcelada pelo mesmo prazo de duração da pena privativa de liberdade fixada, por ter sido flagrado, em 17/10/2018, conduzindo veículo carregado com 21.127 (vinte e um mil, cento e vinte e sete reais) maços de cigarros, provenientes do Paraguai, mercadoria proibida, em território brasileiro, nos termos da denúncia.

Da oferta de parecer pelo Ministério Público

Preliminarmente, anoto que o parecer do Ministério Público oferecido em segundo grau de jurisdição, quando este está atuando apenas como “custos legis”, e não como parte na ação, não dá direito ao contraditório, não sendo causa de nulidade a falta de manifestação da defesa.

Neste sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. (1) IMPETRAÇÃO UTILIZADA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) PARECER MINISTERIAL EM SEGUNDO GRAU. MANIFESTAÇÃO APÓS A OITIVA DA DEFESA. ATUAÇÃO COMO CUSTOS LEGIS. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.

2. Após a manifestação do Ministério Público em segunda instância, na condição de fiscal da lei, não há contraditório a ser assegurado, pois o parecer não possui natureza de ato da parte. Precedentes.

3. Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 227.414/MG, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 5/6/2014, DJe de 20/6/2014.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA APÓS PARECER MINISTERIAL NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO CUSTOS LEGIS. PRECEDENTES.

1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática que negou seguimento ao habeas corpus, porquanto é entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça que o Ministério Público, ao apresentar parecer em segundo grau de jurisdição, salvo nos casos de ação originária, atua como custos legis (art. 610 do CPP) e, portanto, inexiste violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC n. 195.965/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/8/2013, DJe de 12/9/2013.)

 

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. FUNÇÕES ESSENCIAIS E INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (ARTIGOS 127 E 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). NÍTIDA DISTINÇÃO ENTRE A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO DOMINUS LITIS, AO OFERECER CONTRARRAZÕES À APELAÇÃO DA DEFESA E, COMO CUSTOS LEGIS, AO OFERTAR PARECER NOS AUTOS DO RECURSO. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO.

1. O Procurador de Justiça, ao ofertar parecer em recurso de apelação no qual o Promotor de Justiça oferecera contrarrazões, não viola os princípios do devido processo legal e do contraditório.

2. O Ministério Público tem como uma de suas funções essenciais à garantia da ordem jurídica, atuando em prol dela como custos legis (Constituição Federal, art. 127), mercê do exercício de uma das funções institucionais que é a de promover, privativamente, a ação penal pública (Constituição Federal, art. 129, I), situações que não se confundem.

3. Precedentes: HC n. 81.436/MG, Rel. o Ministro Néri da Silveira, Segunda Turma, j. em 11/12/2001, e RE n. 99.116-6/MT, Rel. o Ministro Alfredo Buzaid, Primeira Turma, DJ de 16/03/84.

4. Recurso em habeas corpus não provido.

(RHC 107584, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/06/2011, DJe-186 DIVULG 27-09-2011 PUBLIC 28-09-2011 EMENT VOL-02596-01 PP-00066 RTJ VOL-00233-01 PP-00099)

 

PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARECER. SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. CUSTOS LEGIS. CONTRADITÓRIO. INEXISTÊNCIA. MANIFESTAÇÃO DA DEFESA. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

1. A emissão de parecer pelo Ministério Público, em segundo grau de jurisdição, como custos legis, não rende ensejo a contraditório, não sendo causa de nulidade a falta de manifestação da defesa.

2. Atua o órgão do Parquet, em tal caso, como fiscal da lei e não como parte. Precedentes do STJ e do STF.

3. Ordem denegada.

(HC n. 163.972/MG, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/11/2010, DJe de 29/11/2010.)

Da materialidade

A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante (Id 278029125 - Pág. 5/8); Auto de Apresentação e Apreensão (Id 278029125 - Pág. 11/12); Laudo de Perícia Criminal Federal (Id 278029128 - Pág. 14/18 e Id 278029129 - Pág. 1/3); Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e Demonstrativo Presumido de Tributos Suprimidos (Id 278029130 - Pág. 14/18).

Da documentação consta a quantidade de maços de cigarros apreendidos – 21.127 – e sua origem – Paraguai – não declarados e desprovidos de documentação fiscal.

E a importação dos cigarros apreendidos é proibida, quer porque fabricados por empresas não inscritas no registro de sociedades importadoras, quer porque desprovidos de controle sanitário pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, exigências prescritas pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.593/77, no artigo 47 da Lei n.º 9.532/97 e no art. 81, § 1º, X, da Lei n.º 9.782/99.

Da autoria

Quanto à autoria do crime de contrabando, previsto no art. no artigo 334-A, §1.º, inciso I do Código Penal, depreende-se que o réu foi preso em flagrante delito, por transportar 21.127 maços de cigarros de origem estrangeira, oriundos do Paraguai e sem documentação fiscal de sua regular importação.

Em seu depoimento perante o juízo, o réu confessou a prática da conduta criminosa, dizendo que foi contratado por uma pessoa de nome “Barbosa” para levar o carro até Itumbiara/GO, mediante o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais), mas que ao chegar ao local o carro já estava carregado com as mercadorias. Alegou que só aceitou fazer este serviço porque estava desempregado e precisava do dinheiro.

No mesmo sentido foram colhidos os depoimentos dos Policiais Militares Rodoviários Rogério Santiago e Eder Fazolli, os quais informaram que o réu era o responsável pelo transporte dos cigarros de origem estrangeira encontrados no veículo.

Alega a defesa que não resta configurado o crime de contrabando, pois não existe a elementar necessária para a tipificação deste crime, que é o transporte por meio de uma fronteira internacional.

Tal alegação não pode ser acolhida. Para a configuração do crime de contrabando é desnecessária a comprovação de que o réu tenha importado e introduzido a mercadoria em território nacional, basta que o réu tenha ciência da origem estrangeira dos produtos e participe da introdução, transporte, venda, depósito, e outras condutas previstas no tipo penal específico (artigo 334-A do CP). Neste sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO II DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. PENA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Prisão em flagrante. Materialidade e a autoria incontestes.

2. Não há a necessidade de que o agente tenha participado da internação do produto proibido no país para que esteja configurado o crime de contrabando, bastando o cometimento da conduta de transportar cigarros de origem estrangeira sem a regular documentação de importação da mercadoria.

3. Dosimetria da pena. A pena deve ser mantida, nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria.

3. Mantido o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, “c” do CP.

4. Recurso da defesa desprovido.

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5005073-11.2021.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 10/08/2022, Intimação via sistema DATA: 15/08/2022) (g.n.)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. CIGARROS. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE TELECOMUNICAÇÃO. USO DE DOCUMENTO PARTICULAR FALSO. DOSIMETRIA DA PENA.

1. O fato de não ser o proprietário das mercadorias não afasta a responsabilidade do acusado pela prática do crime de contrabando. Com efeito, comprovado que ele contribuiu, de forma consciente, para a prática do crime (ainda que como motorista não proprietário da carga), responde por ele, nos termos do art. 29 do Código Penal.

2. O crime de contrabando prescinde de dolo específico, pois o tipo penal não traz, em sua redação o chamado especial fim de agir. Basta a existência de dolo genérico para que o crime se aperfeiçoe. No caso, o dolo está comprovado pelo conjunto probatório e, principalmente, pela confissão do réu, que admitiu ter sido contratado para o transporte de cigarros contrabandeados.

3. Para a aplicação da excludente do erro de tipo prevista no art. 20 do Código Penal, deve ficar comprovada a ignorância do agente sobre qualquer elemento do tipo penal (subjetivo, objetivo ou normativo). No caso, o dolo foi comprovado. Por isso, não há que se falar em erro de tipo, pois não se está diante de falsa representação da realidade, mas de conduta praticada num contexto de inafastável compreensão do ilícito.

4. (...)

7. Apelação da acusação parcialmente provida. Apelação da defesa não provida. (g.n.)

(TRF3, processo 0000273-60.2018.4.03.6003, relator Desembargador Federal Nino Toldo, 11ª Turma, julgado em 16.03.2021, publicado em 22.03.2021).

Também não merece acolhida a alegação de que o réu desconhecia a origem das mercadorias por ele transportada. Conforme bem consignou a sentença “o erro de proibição, previsto no art. 21, do Código Penal, é aplicável quando demonstrado, pelo conjunto probatório, que o agente inequivocamente não possuía os meios que lhe viabilizassem o conhecimento do ilícito penal, o que não é o caso destes autos.” Além disso, não subsiste a tese defensiva acerca da ausência de demonstração do elemento subjetivo do tipo penal em questão, que é o dolo genérico, consistente na vontade consciente dirigida ao transporte de cigarros de origem estrangeira. Não se exige elemento subjetivo específico.

Da desclassificação do delito e da aplicação do princípio da insignificância

Quanto ao pedido de desclassificação do crime de contrabando para o crime de descaminho, com a consequente aplicação do princípio da insignificância, anoto que não pode ser acolhido.

A conduta imputada ao réu – introdução clandestina de cigarros em território nacional - não configura crime de descaminho e sim de contrabando, previsto no art. 334-A, §1º, IV do CP, conforme tem decidido o STF (v.g. HC 120783/DF, rel. Min. Rosa Weber – j. 25.03.14), pelo que, por essa ótica, inviável a incidência do princípio da insignificância, independentemente do valor dos tributos elididos, na medida em que o bem jurídico tutelado envolve o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas.

Dispõe a jurisprudência:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARRO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. BEM JURÍDICO PROTEGIDO ALÉM DA ARRECADAÇÃO FISCAL. SAÚDE, SEGURANÇA E MORALIDADE PÚBLICA. INVIABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Os Tribunais Superiores possuem entendimento consolidado de que o princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta abrange outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública. Precedentes do STF e do STJ 2. Agravo regimental desprovido.

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1928901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 25/05/2021, DJe 28/05/2021)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONTRABANDO.INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a introdução clandestina de cigarros em território nacional, em desconformidade com as normas de regência, configura o delito de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância, por tutelar interesses que transbordam a mera elisão fiscal.

2. Não pode ser no writ enfrentada argumentação dependente de revisão interpretativa dos elementos probatórios dos autos, mas, apenas, a verificação, de plano, de grave violação de direitos do acusado/apenado, o que, na espécie, não ocorreu, sendo incabível o exame da desclassificação, porquanto demandaria revolvimento de prova.

3. Agravo regimental improvido.

(STJ, AgRg no RHC 118.270/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019) (grifo nosso)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO DE CIGARROS (ART. 334, § 1º, "D", DO CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. O cigarro posto mercadoria importada com elisão de impostos, incorre em lesão não só ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. Precedente: HC 100.367, Primeira Turma, DJ de 08.09.11.

2. O crime de contrabando incide na proibição relativa sobre a importação da mercadoria, presentes as conhecidas restrições dos órgãos de saúde nacionais incidentes sobre o cigarro.

3. In casu, a) o paciente foi condenado a 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea d, do Código Penal (contrabando), por ter adquirido, para fins de revenda, mercadorias de procedência estrangeira - 10 (dez) maços, com 20 (vinte) cigarros cada - desacompanhadas da documentação fiscal comprobatória do recolhimento dos respectivos tributos; b) o valor total do tributo, em tese, não recolhido aos cofres públicos é de R$ 3.850,00 (três mil oitocentos e cinquenta reais); c) a pena privativa de liberdade foi substituída por outra restritiva de direitos.

4. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que "não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda" (HC 118.359, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 11.11.13). No mesmo sentido: HC 119.171, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJ de 04.11.13; HC 117.915, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 12.11.13; HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 14.12.12. 5. Ordem denegada.

(STF, HC 118.858, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 03/12/2013, DJe 17/12/2013) (grifo nosso)

 

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. A tipicidade penal não pode ser percebida como exame formal de subsunção de fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso, para se verificar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.

2. O princípio da insignificância reduz a incidência de proibição aparente da tipicidade legal e torna atípico o fato, apesar de lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.

3. Para aplicação do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e também aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

4. Impossibilidade de incidência, no contrabando de cigarros, do princípio da insignificância. Não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda.

5. Ordem denegada.

(STF, HC 118.359, Rel. Min. Carmen Lúcia, Segunda Turma, j. 05/11/2013, DJe 08/11/2013) (grifo nosso)

Em todos os seus pressupostos de constituição provado o delito e comprovada a autoria dolosa imputada ao réu, é de rigor a manutenção do veredicto condenatório.

Da dosimetria da pena

Passo ao exame da dosimetria da pena.

Na primeira fase da dosimetria, o Magistrado a quo reconheceu a existência de uma única circunstância negativa: a culpabilidade exacerbada do réu, tendo em vista a elevada quantidade de cigarros contrabandeados (21.127 maços). E, considerando que esta quantidade de cigarros evidencia a maior lesividade à saúde pública com efetivo potencial de atingir a saúde de relevante quantidade de pessoas, entendeu que seria adequada a aplicação da fração de 1/4 da pena, resultando na pena-base de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Postula a defesa a redução da pena-base para o mínimo legal, considerando todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP como favoráveis.

A tese da defesa não prospera.

Esta Décima Primeira Turma adota critério idêntico ao do Magistrado para a quantidade de maços em questão. Considerando os patamares utilizados por esta Turma nos casos semelhantes, verifica-se que o montante da exasperação, de 06 (seis) meses, é o determinado.

Na segunda fase da dosimetria, o juiz considerou a atenuante da confissão como circunstância preponderante à agravante da paga/promessa de recompensa, diminuindo a pena em 04 (quatro) meses, resultando na pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Ainda que o entendimento jurisprudencial que tem prevalecido seja pela compensação entre a atenuante e agravante, na hipótese, o pedido da defesa de compensação não pode ser acolhido, pois seria  prejudicial ao réu, uma vez que seria mantida a pena-base de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses, ao passo que o critério adotado na sentença é mais favorável a ele.

Também não pode ser afastada a agravante do art. 62, IV do CP porque efetivamente ocorreu a paga/promessa de recompensa, como confessado pelo próprio réu.

Na terceira fase da dosimetria, não foram aplicadas causas de aumento ou de diminuição de pena.

Assim, a pena definitiva resta fixada em 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

Foi fixado o regime aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33 do CP.

O juízo, acertadamente, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública indicada pelo juízo da execução e prestação pecuniária de 05 (cinco) salários-mínimos.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE CONTRABANDO PARA DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante; Auto de Apresentação e Apreensão; Laudo de Perícia Criminal Federal; Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e Demonstrativo Presumido de Tributos Suprimidos.

2. Da documentação consta a quantidade de maços de cigarros apreendidos – 21.127 – e sua origem – Paraguai – não declarados e desprovidos de documentação fiscal.

3. E a importação dos cigarros apreendidos é proibida, quer porque fabricados por empresas não inscritas no registro de sociedades importadoras, quer porque desprovidos de controle sanitário pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, exigências prescritas pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.593/77, no artigo 47 da Lei n.º 9.532/97 e no art. 81, § 1º, X, da Lei n.º 9.782/99.

4. Quanto à autoria do crime de contrabando, previsto no art. no artigo 334-A, §1.º, inciso I do Código Penal, depreende-se que o réu foi preso em flagrante delito, por transportar 21.127 maços de cigarros de origem estrangeira, oriundos do Paraguai e sem documentação fiscal de sua regular importação.

5. Em seu depoimento perante o juízo, o réu confessou a prática da conduta criminosa, dizendo que foi contratado por uma pessoa de nome “Barbosa” para levar o carro até Itumbiara/GO, mediante o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais), mas que ao chegar ao local o carro já estava carregado com as mercadorias. Alegou que só aceitou fazer este serviço porque estava desempregado e precisava do dinheiro.

6. No mesmo sentido foram colhidos os depoimentos dos Policiais Militares Rodoviários, que informaram que o réu era o responsável pelo transporte dos cigarros de origem estrangeira encontrados no veículo.

7. Para a configuração do crime de contrabando é desnecessária a comprovação de que o réu tenha importado e introduzido a mercadoria em território nacional, basta que o réu tenha ciência da origem estrangeira dos produtos e participe da introdução, transporte, venda, depósito, e outras condutas previstas no tipo penal específico (artigo 334-A do CP). Precedentes.

8. Também não merece acolhida a alegação de que o réu desconhecia a origem das mercadorias por ele transportada. Conforme bem consignou a sentença “o erro de proibição, previsto no art. 21, do Código Penal, é aplicável quando demonstrado, pelo conjunto probatório, que o agente inequivocamente não possuía os meios que lhe viabilizassem o conhecimento do ilícito penal, o que não é o caso destes autos.” Além disso, não subsiste a tese defensiva acerca da ausência de demonstração do elemento subjetivo do tipo penal em questão, que é o dolo genérico, consistente na vontade consciente dirigida ao transporte de cigarros de origem estrangeira. Não se exige elemento subjetivo específico.

9. Quanto ao pedido de desclassificação do crime de contrabando para o crime de descaminho, com a consequente aplicação do princípio da insignificância, anoto que não pode ser acolhido. A conduta imputada ao réu – introdução clandestina de cigarros em território nacional - não configura crime de descaminho e sim de contrabando, previsto no art. 334-A, §1º, IV do CP, conforme tem decidido o STF (v.g. HC 120783/DF, rel. Min. Rosa Weber – j. 25.03.14), pelo que, por essa ótica, inviável a incidência do princípio da insignificância, independentemente do valor dos tributos elididos, na medida em que o bem jurídico tutelado envolve o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas. Precedentes.

10. Na primeira fase da dosimetria, o Magistrado a quo reconheceu a existência de uma única circunstância negativa: a culpabilidade exacerbada do réu, tendo em vista a elevada quantidade de cigarros contrabandeados (21.127 maços). E, considerando que esta quantidade de cigarros evidencia a maior lesividade à saúde pública com efetivo potencial de atingir a saúde de relevante quantidade de pessoas, entendeu que seria adequada a aplicação da fração de 1/4 da pena, resultando na pena-base de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

11. Não prospera o pedido da defesa de redução da pena-base para o mínimo legal, tendo em vista a inexistência de circunstâncias judiciais favoráveis.

12. Na segunda fase da dosimetria, o juiz considerou a atenuante da confissão como circunstância preponderante à agravante da paga/promessa de recompensa, diminuindo a pena em 04 (quatro) meses, resultando na pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão.

13. O pedido da defesa de compensação de ambas não pode ser acolhido, pois seria mantida a pena-base de 02 (dois) anos e 06 (meses), acarretando “reformatio in pejus”. Também não pode ser afastada a agravante do art. 62, IV do CP porque efetivamente ocorreu a paga/promessa de recompensa, como

14. Na terceira fase da dosimetria, não foram aplicadas causas de aumento ou de diminuição de pena. Assim, a pena definitiva resta fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

15. Foi fixado o regime aberto de cumprimento da pena, nos termos do art. 33 do CP.

16. O juízo, acertadamente, substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública indicada pelo juízo da execução e prestação pecuniária de 05 (cinco) salários-mínimos. confessado pelo próprio réu.

17. Recurso desprovido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.