Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001072-72.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES, BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER
PACIENTE: JORGE FAGALI NETO

Advogados do(a) PACIENTE: BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR - SP24726-A, LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES - SP391660-A, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER - SP207504-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001072-72.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

IMPETRANTE: LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES, BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER
PACIENTE: JORGE FAGALI NETO

Advogados do(a) PACIENTE: BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR - SP24726-A, LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES - SP391660-A, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER - SP207504-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão de provimento liminar, impetrado por BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR, LUCAS SERAFIM e WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER em favor de JORGE FAGALI NETO, contra ato alegadamente praticado pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal nos autos da ação penal autuada sob nº 0007986-86.2008.4.03.6181, ato este consistente no indeferimento de pedido de reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente naquele feito.

 

Narra-se o seguinte na inicial (ID 284600416):

 

O Paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro (artigo 1º, inciso V e parágrafo 4º, da Lei nº 9.613/1998, c.c. artigo 29, caput, do CP, por duas vezes, na forma do artigo 60, caput, também do CP) (Doc. 01)

A acusação atribui ao Paciente, sem nenhuma prova, ter se aproximado de autoridades públicas a executivos da ALSTOM/CEGELEC, assim como ter oferecido vantagens ilícitas para a formalização de contratos com o Poder Público. Não há qualquer contrato citado ou outra evidência relacionada.

Além disso, a inicial afirma que o paciente “ocultou a natureza, origem, movimentação e propriedade de bens e valores provenientes, direta e indiretamente, de crimes contra a Administração Pública (corrupção ativa e corrupção passiva)”, desde 2001 até 2009, valendo-se de diversas contas e fundos de investimentos existentes em nome de seus filhos, além de transferir bens próprios para sua filha. [...]

No curso da instrução, constatou-se que, para o paciente, teria ocorrido a prescrição. Isso porque, como a pena máxima para o delito a ele imputado é de 10 (dez) anos, a prescrição da pretensão punitiva em abstrato ocorre em 16 (dezesseis) anos, à luz do artigo 109, inc. II, do Código Penal.

Porém, para o paciente, deve ser considerada a redução prevista no art. 115 do Código Penal, tendo em vista que possui mais de 70 anos (doc. 02). Portanto, o prazo prescricional é reduzido pela metade e passa a ser de 08 (oito) anos.

Considerando que o último marco interruptivo da prescrição ocorreu com o recebimento da denúncia em 17 de fevereiro de 2014 (Doc. 03), a prescrição da pretensão punitiva se consumou em abstrato em 14 de fevereiro de 2022. O paciente, então, requereu a extinção da punibilidade no juízo de origem.

Porém, teve seu pleito improvido pois, no entendimento da autoridade coatora, a ação penal e seu prazo prescricional estariam suspensos em razão de Habeas Corpus impetrados por outros corréus e que ainda pendem de julgamento. E é isso que dá ensejo ao constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente.

 

Argumenta-se que a suspensão da prescrição, determinada na ação penal de origem, feriria a lei, inclusive porque a “impetração de Habeas Corpus não é causa impeditiva da prescrição”. As questões prejudiciais potencialmente geradoras de suspensão da prescrição seriam apenas as previstas nos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal.

 

É de fácil constatação que a impetração de Habeas Corpus para discussão de atipicidade de conduta não se enquadra entre as causas interruptivas da prescrição.

Quando o juízo equipara os writs a tal condição, fere frontalmente o princípio da taxatividade valendo-se de analogia in mallam partem para suspender o curso prescricional.

A autoridade coatora sequer leva em consideração que os recursos que impedem o trânsito em julgado dos referidos acórdãos foram interpostos pelo próprio Ministério Aqui temos uma situação paradoxal: em benefício da persecução penal, suspende-se o curso da ação baseada em recurso da própria acusação! Ou seja, em benefício da persecução penal, afronta-se o instituto da prescrição que é o instrumento jurídico que impõe uma delimitação temporal para o exercício do poder punitivo estatal.

Mas a autoridade coatora caminha no sentido inverso. Perpetua a acusação no tempo até que se esgotem as vias jurisdicionais para julgamento de recursos da próprio Ministério Público. Público Federal.

 

Forte nisso, requer-se a concessão da ordem de habeas corpus, para declarar extinta a punibilidade do paciente quanto às imputações vertidas em seu desfavor na ação penal nº 0007986-86.2008.4.03.6181.

 

Requisitadas informações à autoridade de origem, foram elas prestadas (ID 284784505 e seguintes).

 

A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem de habeas corpus (ID 284845335).

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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IMPETRANTE: LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES, BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER
PACIENTE: JORGE FAGALI NETO

Advogados do(a) PACIENTE: BELISARIO DOS SANTOS JUNIOR - SP24726-A, LUCAS FERNANDO SERAFIM ALVES - SP391660-A, WAGNER ROBERTO FERREIRA POZZER - SP207504-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 6ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Examino o conteúdo da impetração.

 

A controvérsia trazida neste habeas corpus é atinente à eventual ocorrência de prescrição da pretensão punitiva deduzida pelo Ministério Público Federal em face de JORGE FAGALI NETO na ação penal autuada sob nº 0007986-86.2008.4.03.6181.

 

A imputação existente na origem em desfavor do paciente foi bem sintetizada nas informações prestadas pelo Juízo a quo, das quais ora me valho (ID 284784511, p. 2):

 

Consta da denúncia que, desde 1997 até, no mínimo, 2008, JORGE FAGALI NETO, JOSE GERALDO VILLAS BOAS e JEAN PIERRE COURTADON teriam ocultado a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes de corrupção ativa e passiva, mediante sua manutenção no exterior, perfazendo o total de US$ 7.5 milhões em contas situadas na Suíça, bem como através de numerosas transações financeiras, como saques e transferências para diversas contas em bancos situados no exterior, visando à ocultação dos valores ilícitos. Além disso, JORGE FAGALI NETO teria, desde 2001 até, no mínimo 2009, ocultado a natureza origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes de corrupção ativa e passiva, valendo-se de diversas contas e de fundos de investimentos existentes em nome de seus filhos, bem como teria transferido bens próprios para sua filha.

 

A denúncia foi formulada em face do paciente e de outros acusados, a partir do complexo contexto fático atinente a suposto esquema de fraudes a licitações, corrupção e lavagem de capitais no âmbito do setor de energia do Estado de São Paulo. No caso de JORGE FAGALI NETO, as imputações foram de práticas do crime de lavagem de capitais provenientes de crimes contra a Administração Pública. Os fatos teriam ocorrido entre 1998 e 2008, com relação a uma das condutas; e de 2001 a 2009, com relação a outra (p. 4 do ID 284600417 – cópia da exordial acusatória).

 

A denúncia foi recebida em 17 de fevereiro de 2014 (ID 284784511, p. 3).

 

Em 22 de janeiro de 2018, o Juízo de origem determinou a suspensão da ação penal com relação a todos os réus, bem como do curso da prescrição, até a sobrevinda de decisão definitiva nos HCs de números 0014358-23.2015.403.0000 e 0003548-18.2017.403.0000. Trata-se de dois writs de minha relatoria, em que esta E. Corte, pela unanimidade dos membros da Décima Primeira Turma, concedeu ordens de habeas corpus em favor de dois corréus da ação penal, quais sejam, Jonio Kahan Foigel e Romeu Pinto Júnior, para trancar a ação com relação a eles no que tange à imputação de prática de lavagem de dinheiro (o que foi estendido a Thierry Charles Lopez de Arias). Contra tais decisões, o Ministério Público Federal interpôs recursos de natureza extraordinária. Anote-se que a defesa do paciente JORGE FAGALI NETO também impetrou habeas corpus no âmbito desta ação principal. A ordem foi denegada por esta Corte, ante a compreensão de que havia distinção relevante entre o caso e aqueles em que houve concessão da ordem (HC º 5000672-68.2018.4.03.0000, de minha relatoria).

Foi em tal cenário que entendeu o magistrado ser cabível a suspensão integral da ação e da prescrição, “em razão da conexão entre as imputações formuladas pelo órgão acusador” (cópia da decisão no ID 284600420).

 

Não se pode ignorar que as rr. decisões em pauta afirmam a inadequação típica de uma das imputações formuladas na denúncia. e caso os w. Acórdãos sejam confirmados, carreará Inegáveis efeitos sobre sobre a produção da prova oral. haja vista que atuais réus poderão ser eventualmente ouvidos como testemunhas quanto aos crimes remanescentes, hipótese descabida em caso de alteração do que foi julgado pelo E. TRF-3.

[...]

Dessa forma, os excluídos não poderão ser ouvidos como testemunhas enquanto pendentes os recursos Interpostos ao STJ e STF. Contudo, o quadro probatório será possível de alteração em caso de confirmação dos julgados e seu transito em julgado, quando livres da imputação, os excluídos poderão ser arrolados como testemunhas, em algumas hipóteses processual mente possíveis. De outra face, a Instrução processual encontra-se em fase final, destinada ao interrogatório dos réus e eventuais diligências decorrentes do artigo 402 do Código de Processo Penal, não subsistindo ato ou medida urgente a ser tomada a fim de preservação da utilidade processual.

Ante a motivação supra, de rigor a suspensão integral do feito até o deslinde final dos recursos interpostos em face dos vv. Acórdãos proferidos nos autos n's 0003548-18.2017.403.0000/SP e 0014358-23.2015.403.0000/SP.

Com efeito, verifica-se a ocorrência de questão prejudicial homogênea, em que o deslinde, segundo lição de doutrinadores clássicos [...]

Ao tratar do tema das questões prejudiciais, estabelece a legislação vigente (citam-se os arts. 92 a 94 do CPP) [...]

No que pertine à prescrição, confira-se o disposto no artigo 116 do Código Penal [...]

Embora apressada leitura dos dispositivos processuais acima transcritos possa levar ao entendimento de que somente são cabíveis questões prejudiciais quando houver pendência de natureza cível, a verdade é que elas se aplicam também a fatos pendentes de natureza criminal, corno o julgamento definitivo de crime conexo e os demais apurados em ação penal, o que aqui ocorre. Isto, como decorrência do exercício de ampla defesa, incontestável direito constitucional dos réus. De outra face, ressalto que a suspensão se estende ao prazo prescricional (artigo 116 cio Código Penal), enquanto não resolvida em definitivo a questão que impede o regular tramite do feito, não representando, dessa forma, prejuízo à persecução penal.

 

Posteriormente, o paciente peticionou nos autos da ação principal, requerendo o reconhecimento da extinção de sua punibilidade. O Juízo indeferiu o pedido, em decisão cujos fundamentos transcrevo (ID 284600421):

 

Em relação ao pedido de extinção de punibilidade, verifico que JORGE FAGALI NETO foi denunciado como incurso no delito previsto no artigo 1º, V e §4º da Lei nº 9.613/1998, por duas vezes, por fatos praticados nos períodos entre 1998 a 2008 e entre 2001 a 2009. A pena máxima cominada em abstrato para o delito de lavagem de dinheiro é de 10 (dez) anos. Assim, a prescrição da pretensão punitiva se verifica com o transcurso do prazo de 16 (dezesseis) anos, nos termos do artigo 109, inciso II, do Código Penal.

Pois bem. Verifico que o denunciado é nascido em 07/05/1943 (Id. 271433243), tendo completado 70 (setenta) anos de idade em 07/05/2013, de forma a atrair a incidência da norma do artigo 115 do Código Penal, segundo a qual deve ser reduzido de metade o prazo de prescrição quando o criminoso for, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

Assim, a prescrição da pretensão punitiva para este crime é reduzida de 16 (dezesseis) anos para 08 (oito) anos. Observo, porém, que não se passaram 08 anos entre a data dos fatos (períodos entre 1998 a 2008 e entre 2001 a 2009) e a denúncia que foi recebida em 17/02/2014.

Além disso, a presente ação penal e o prazo prescricional encontram-se suspensos desde 22/01/2018, por decisão judicial de ID. 35189648-pág.70/78, aguardando-se o trânsito em julgado dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região no HC nº 0003368-18.2017.603.0000 e no HC nº 0016338- 23.2013.603.0000.

Dessa forma, não reconheço a prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime previsto no artigo 1º, V e §4º da Lei nº 9.613/1998.

 

A ordem de habeas corpus deve ser concedida. Constata-se, aqui, que o Juízo de origem proferiu decisão sem amparo legal ao suspender o curso do prescrição da pretensão punitiva exercida em face de JORGE FAGALI NETO, como passo a expor. Por consequência, resta maculado o ato coator, na medida em que deixa de reconhecer a prescrição em decorrência de suspensão inválida do curso desta.

 

É incontroverso que a prescrição ostenta natureza material, interferindo no próprio exercício do dever-poder estatal de punir delitos. Trata-se de causa extintiva da punibilidade, prevista no art. 107, IV, do Código Penal, e que se consubstancia como perda do ius puniendi estatal pelo decurso do tempo, dentro de marcos legalmente previstos.

Como instituto penal que interfere diretamente no exercício da punibilidade (é dizer, na possibilidade de imposição ou efetivação das sanções penais em um caso), a prescrição é regulada estritamente por lei. Em outros termos: apenas norma com status legal ou superior pode disciplinar a prescrição e prever suas hipóteses de configuração, interrupção ou suspensão. Isso decorre não só do âmbito de proteção do art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, como também de toda a sistemática de regência dessa matéria pela lei penal. Afinal, a legislação destaca de maneira expressa e específica cada uma das hipóteses de suspensão do prazo prescricional. É o caso dos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal; do art. 366 do mesmo estatuto; do art. 89 da Lei 9.099/95; da falta de autorização parlamentar para processamento de congressistas denunciados no curso do mandato (Constituição da República, art. 53, § 5º). É evidente que, se o ordenamento permitisse que autoridades suspendessem a prescrição seguindo seus próprios juízos de adequação ou conveniência, não haveria razão para delimitar de maneira específica, pontual e rara quais são as circunstâncias que permitem ou acarretam tal suspensão. A conclusão só pode ser uma: a de que normas de suspensão do prazo prescricional se submetem à reserva legal estrita no Direito pátrio.

 

Visto isso, deve-se examinar se a decisão de suspensão – aquela cujos efeitos foram o fundamento central da decisão combatida nesta impetração - foi proferida em caso abarcado por uma das hipóteses normativas autorizadoras da suspensão da prescrição. A resposta é negativa.

Conforme transcrição supra, lê-se que o Juízo invocou como fundamento as disposições dos arts. 92 a 94 do Código de Processo Civil. Ocorre que as normas em tela preveem a suspensão da prescrição apenas para casos nos quais haja questões prejudiciais externas heterogêneas, isto é, prejudiciais a serem decididas na esfera civil, com impacto na ação penal. No artigo 92, trata-se das ações de estado. Já no artigo 93, abre-se a possibilidade de que outras ações em que se discutem questões prejudiciais para a ação penal gerem a suspensão desta, desde que elas sejam “da competência do juízo cível”. A opção legislativa é expressa e específica: dentre as possíveis prejudiciais, apenas a constatação de prejudiciais externa heterogêneas pode levar à suspensão do processo; não, porém, as homogêneas, como se fez na ação de origem, ao arrepio da lei.

Não se vislumbra, seja nesses dispositivos, seja em outros enunciados normativos, autorização para suspensão da prescrição na hipótese em análise. Assim, e diante de sua invalidade (porquanto não lastreada em comando ou permissivo legal), não deve a decisão produzir efeitos no cálculo da prescrição da pretensão punitiva em face do paciente. Registre-se ser pacífico que o art. 116, I, do Código Penal, remete aos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal (cuja não incidência ao caso foi analisada acima). Nesse sentido são as lições de Cezar Roberto Bitencourt (Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2019), Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2017), e de Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio A. Delmanto (Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010). Portanto, não fornece ele sustentação para a decisão de suspensão aqui examinada.

Há mais. O que a decisão proferida pelo Juízo a quo em 2018 acarretou, por via oblíqua, foi uma negativa de eficácia a uma ordem de habeas corpus concedida por este Tribunal. Ao utilizar seu critério individual de adequação, o magistrado não apenas agiu sem amparo legal, como também suspendeu a produção de efeitos de uma decisão colegiada desta Corte. A ação de habeas corpus é, obviamente, remédio constitucional de cumprimento imediato. Os recursos interpostos em seu bojo não possuem efeito suspensivo automático (ope legis); apenas se o órgão ad quem conferir tal efeito (ope judicis, portanto) é que ele poderá existir. Não foi o que se deu. A suspensão não se deu por determinação dos Tribunais Superiores (os quais, de resto, negaram provimento aos recursos interpostos pelo MPF), mas sim por decisão do órgão inferior, justamente aquele incumbido de cumprir o édito.

Evidentemente, a situação em nada se parece com as excepcionais circunstâncias de suspensão da prescrição em casos de repercussão geral ou recursos representativos de controvérsia. Nesses casos, trata-se de suspensão extraordinária, determinada a toda uma multiplicidade de processos por ordem dos Tribunais Superiores, até resolução de questão relevante que afetará a todas aquelas ações. Agem as Cortes Superiores na função de tribunais de uniformização nacional, suspendendo a prescrição exatamente como implicação de uma decisão geral de suspensão de ações em curso. Aqui, trata-se de decisão de Juízo de primeiro grau, especificamente voltada a uma ação, sem amparo legal, em tentativa de postergar o cumprimento de uma ordem de habeas corpus exarada por esta Corte.

Um terceiro fator de invalidade da suspensão da prescrição decorre do fato de que esta foi decretada em desfavor do paciente sem que ele sequer fosse parte (ou beneficiário direto) de um dos habeas corpus mencionados na decisão de primeiro grau. Ao contrário, não havia ordem de habeas corpus ou concessão de extensão em seu favor; não obstante, a decisão determinou que não corresse prescrição da pretensão punitiva em face dele, devido à existência de recursos de natureza extraordinária interpostos pelo Ministério Público em writs não relacionados ao paciente. É patente a ausência de amparo normativo da decisão: tratar-se-ia da primeira hipótese, em todo o direito penal pátrio, de suspensão da prescrição como consequência da mera interposição de recurso pelo Ministério Público – e essa hipótese se aplicaria a corréus da ação principal, como é o caso do ora paciente.

 

As três razões acima demonstram a ilegalidade da decisão do Juízo a quo, proferida em 2018, no que tange à suspensão do prazo prescricional; cada uma delas é, por si, suficiente a que se chegue a tal conclusão. Como consequência, deve-se examinar a ocorrência da prescrição sem consideração à suspensão determinada na origem.

 

A prescrição é fenômeno extintivo da punibilidade que ocorre quando transcorrido determinado lapso temporal sem causa interruptiva, nos termos do ordenamento. Ausente fixação de pena com trânsito em julgado para a acusação, deve-se considerar a pena máximo do crime em abstrato como parâmetro de aferição da prescrição. Tratando-se de imputação de prática do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98), a pena máxima que se poderia cominar é de dez anos; assim, o prazo prescricional, em regra, seria de dezesseis anos (Código Penal, art. 109, II). Tendo em vista que o paciente completou setenta anos de idade antes de proferida sentença, reduz-se tal lapso à metade (Código Penal, art. 115), ou seja, a oito anos.

Não transcorreram oito anos entre o fim de cada uma das condutas imputadas (anos de 2008 e 2009) e a data de recebimento da denúncia (17 de fevereiro de 2014). O lapso se perfez, porém, dessa data em diante, devido à ausência de causa interruptiva desde então (ou de suspensão válida). Assim, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em relação ao paciente JORGE FAGALI NETO.

Registro não ter sido considerado, aqui, um eventual acréscimo de pena decorrente de potencial aplicação do art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98, tendo em conta o art. 119 do Código Penal (pacificamente aplicado à continuidade delitiva genérica do art. 71 do CP, análoga à “habitualidade” prevista no art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/98). Mesmo que se o considerasse, ter-se-ia caso de concessão da ordem de ofício. Isso porque, embora não houvesse, nessa hipótese, ato indevido na origem (posto que o prazo prescricional de dez anos não teria transcorrido quando da decisão de primeiro grau, proferida no início de 2023), o prazo teria se completado em fevereiro do corrente ano, quando já em processamento este habeas corpus.

 

Um último apontamento acerca da situação na origem. O ato coator (ou seja, a decisão que, baseando-se na anterior suspensão inválida, não reconheceu a prescrição) incorreu em equívoco ao mencionar quais os habeas corpus cujo trânsito se aguardava. Confira-se (ID 284784513):

 

Além disso, a presente ação penal e o prazo prescricional encontram-se suspensos desde 22/01/2018, por decisão judicial de ID. 35189648-pág.70/78, aguardando-se o trânsito em julgado dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região no HC nº 0003368-18.2017.603.0000 e no HC nº 0016338- 23.2013.603.0000.

 

As numerações sequer são compatíveis com habeas corpus originários do TRF-3. Anote-se que a decisão de suspensão da ação penal, proferida em 22/1/2018, mencionou os writs corretos: 0014358-23.2015.403.0000 e 0003548-18.2017.403.0000. Talvez por essa confusão, o Juízo e o órgão ministerial não tenham se atentado para o fato de que ambas as decisões transitaram em julgado. A primeira delas (HC 0014358-23.2015.403.0000), em 6 de novembro de 2018; a segunda (0003548-18.2017.403.0000), em 2 de setembro de 2020 (conforme consultas no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal). É de se dizer que, mesmo que fosse admissível a suspensão da prescrição (o que, como se viu, não era o caso), não haveria mais razão para manter suspensa toda a ação penal e a prescrição após a rejeição dos recursos ministeriais no HC 0014358-23.2015.403.0000. Tratava-se da mesma questão de direito do HC 0003548-18.2017.403.0000; isso, somado à impossibilidade de revisão de matéria fática em recursos de natureza extraordinária, leva à conclusão clara pela aplicação do entendimento plasmado no referido habeas corpus, o que implicaria o prosseguimento da ação desde fins de 2018. Não foi o que se deu: manteve-se a suspensão, inclusive depois do trânsito em julgado do segundo habeas corpus (qual seja, o de número 0003548-18.2017.403.0000). Independentemente da análise concreta por parte do órgão de origem, certo é que a suspensão da prescrição não encontra amparo no ordenamento.

 

 

Ante o exposto, CONCEDO a ordem de habeas corpus, para reconhecer a extinção da pretensão punitiva vertida em face do paciente JORGE FAGALI NETO na ação penal de nº 0007986-86.2008.4.03.6181, com fulcro nos artigos 107, IV; 109, II; 110, caput, e 115, todos do Código Penal.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE CAPITAIS. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO. HIPÓTESES. RESERVA LEGAL. DECISÃO INVÁLIDA. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Habeas corpus impetrado com vistas ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em ação penal, após denegação do pedido em primeiro grau de jurisdição. O lapso não teria transcorrido diante de determinação, exarada pelo Juízo de origem na ação penal, de suspensão do processo e do prazo prescricional até trânsito em julgado de decisões concessivas de habeas corpus, as quais haviam sido proferidas por esta Corte anteriormente (e cujos pacientes eram outros réus na ação principal, e não o paciente da presente impetração).

2. É certo que a prescrição ostenta natureza material, interferindo no próprio exercício do dever-poder estatal de punir delitos. Trata-se de causa extintiva da punibilidade, prevista no art. 107, IV, do Código Penal, e que se consubstancia como perda do ius puniendi estatal pelo decurso do tempo, dentro de marcos legalmente previstos.

3. Como instituto penal que interfere diretamente no exercício da punibilidade, a prescrição é regulada estritamente por lei. Em outros termos: apenas norma com status legal ou superior pode disciplinar a prescrição e prever suas hipóteses de configuração, interrupção ou suspensão. Inteligência do art. 5º, XXXIX, da Constituição da República, e do plexo normativo de regência da matéria.

4. No caso concreto, a decisão de suspensão da prescrição não se lastreou em nenhuma das hipóteses legais que determinam ou autorizam tal medida. A invocação dos artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal é indevida, porquanto tais dispositivos são expressos e específicos em autorizar a suspensão apenas nos casos de prejudicial externa heterogênea (isto é, casos de competência do juízo civil em sentido amplo), e não em outras ações de natureza penal. Já as ações mencionadas pela decisão de primeiro grau eram habeas corpus relativos ao processo suspenso.

5. A ação de habeas corpus é, obviamente, remédio constitucional de cumprimento imediato. Os recursos interpostos em seu bojo não possuem efeito suspensivo automático (ope legis); apenas se o órgão ad quem conferir tal efeito (ope judicis, portanto) é que ele poderá existir. Não foi o que se deu. A suspensão não se deu por determinação dos Tribunais Superiores (os quais, de resto, negaram provimento aos recursos interpostos pelo MPF), mas sim por decisão do órgão inferior, justamente aquele incumbido de cumprir o édito.

6. Reconhecida a invalidade da suspensão do prazo prescricional, com a consequente desconsideração de efeitos, constata-se a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva existente em desfavor do paciente na ação penal principal.

7. Prescrição reconhecida. Ordem concedida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu CONCEDER A ORDEM de habeas corpus, para reconhecer a extinção da pretensão punitiva vertida em face do paciente JORGE FAGALI NETO na ação penal de nº 0007986-86.2008.4.03.6181, com fulcro nos artigos 107, IV; 109, II; 110, caput, e 115, todos do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.