Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006908-13.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VICTORIA EDUARDA DE BARROS MOREIRA DE SOUZA
REPRESENTANTE: ARIANA DA SILVA BARROS

Advogados do(a) APELADO: ALECIO PADOVANI NETO - SP367572-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006908-13.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: VICTORIA EDUARDA DE BARROS MOREIRA DE SOUZA
REPRESENTANTE: ARIANA DA SILVA BARROS

Advogados do(a) APELADO: ALECIO PADOVANI NETO - SP367572-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O Senhor Desembargador Federal Toru Yamamoto:

Trata-se de ação de cobrança de ressarcimento ao erário ajuizado pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em face de VICTORIA EDUARDA DE BARROS MOREIRA DE SOUSA, representada por sua genitora Ariana da Silva Barros, objetivando a condenação da ré à restituição de valores recebidos indevidamente a título de pensão por morte.

A r. sentença julgou improcedente o pedido, extinguindo o feito com resolução de mérito, condenando o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios em percentual mínimo do valor da causa atualizado.

Irresignada, a ré apela, aduzindo, que a fraude com a administração não se confunde com erro administrativo, não podendo eximir o beneficiário a ressarcir os valores indevidamente recebidos, conforme Tema 979/STJ.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.

É o relatório.

O órgão do Ministério Público opinou pelo provimento do recurso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006908-13.2016.4.03.6105

RELATOR: Gab. 28 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: VICTORIA EDUARDA DE BARROS MOREIRA DE SOUZA
REPRESENTANTE: ARIANA DA SILVA BARROS

Advogados do(a) APELADO: ALECIO PADOVANI NETO - SP367572-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O Senhor Desembargador Federal Toro Yamamoto:

Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.

Trata-se de ação de cobrança de ressarcimento ao erário, objetivando a condenação da ré à restituição de valores recebidos indevidamente a título de pensão por morte, em virtude do falecimento de seu genitor, ante a ocorrência de fraude no vínculo empregatício de Lucinei Moreira de Sousa, instituidor da pensão, junto a empresa Tranvolt Eletrônica Industria e Comércio Ltda – ME.

Aduz que o benefício consta da lista da operação El Cid e que, notificada a apresentar defesa no processo administrativo, a ré não se manifestou. Alega que o benefício recebido indevidamente deve ser ressarcido.

Como se observa, restou assegurado à parte ré o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa, não havendo vícios processuais a ensejar a anulação do procedimento de cobrança executado pela autarquia previdenciária.

Entretanto, a controvérsia posta nos autos versa acerca do propósito e alcance do comando constitucional que dispõe acerca da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, estabelecida no artigo 37, §5º, CF, in verbis:

"Art. 37

(...)§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento ".

O Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema nº 666 de repercussão geral, nos autos do RE 669.069, firmou a tese de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil", não alcançando essa tese, entretanto, os prejuízos ao patrimônio da administração pública que decorram de atos de improbidade e de ilícitos penais.

Embora nesse julgamento a discussão do tema tenha se limitado às balizas do conflito de interesses submetido ao Judiciário, que se tratava de uma ação de reparação de dano por acidente automobilístico, o eminente relator do recurso extraordinário em questão, saudoso Ministro Teori Zavascki, destacou em seu voto, ao ressaltar jurisprudência do STF (MS 26.210-9, relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 10/10/2008), a imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes de ilícitos penais praticados contra a administração pública, in verbis:

"(...)Em suma, não há dúvidas de que o fragmento final do § 5º do art. 37 da Constituição veicula, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio público. Esse sentido deve ser preservado.

Todavia, não é adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado, ou limitado apenas pelo (a) conteúdo material da pretensão a ser exercida - o ressarcimento - ou (b) pela causa remota que deu origem ao desfalque no erário - um ato ilícito em sentido amplo. O que se mostra mais consentâneo com o sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, afirmando como tese de repercussão geral a de que a imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais."(g.n.).

Outrossim, verifico que o caso em apreço versa sobre fraude no recebimento de benefício previdenciário, mediante informações inverídicas quanto a vínculos empregatícios

O Superior Tribunal de Justiça decidiu a questão, em regime de repetitividade, no Tema 979, referente a. devolução de valores recebidos por força de interpretação errônea e má aplicação da lei, decidindo pela não devolução, quando ocorrer erro material da administração, restando a possibilidade de devolução somente na hipótese de erro em que os elementos do caso concreto não permitam concluir pela inequívoca presença da boa-fé objetiva.

Assim, verifico que o caso em apreço versa sobre fraude mediante recebimento indevido de beneficio.

O INSS em revisão notificou o segurado que apresentou defesa, foi constatada a irregularidade, sendo aberto inquérito policial e ação penal, onde não restou configurada a culpa da autora.

Ressalte-se que, recentemente, ao apreciar o tema nº 897 de repercussão geral, nos autos do RE 852475, o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa", o que vai ao encontro do posicionamento adotado neste caso, pois, como destacado pelo E. Min. Teori Zavascki em seu voto no RE 669.069, "pode-se agregar entre as ações de ressarcimento imprescritíveis, sem ofensa a esse entendimento estrito, as que têm por objeto danos decorrentes de ilícitos penais praticados contra a administração pública, até porque tal espécie de ilícito é, teoricamente, mais grave que o de improbidade administrativa"(g.n.).

Denota-se assim que, a despeito da tese fixada no RE 852475 se referir apenas aos atos ímprobos, os ilícitos penais que desencadeiem danos ao erário igualmente devem ser atingidos pela imprescritibilidade, pois ostentam maior potencial danoso e gravidade da conduta que os atos de improbidade.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. FRAUDE. MÁ-FÉ COMPROVADA. CABÍVEL A DEVOLUÇÃO.

- In casu, não há que se falar em prescrição, pois a concessão do benefício decorreu de fraude. Ressalte-se que o art. 103-A, da Lei nº 8.213/91, determina que o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

- O disposto no § 1º da Lei de Benefícios, renumerado pela Lei n. 10.820, de 17.12.2003, prestigia a boa-fé, uma vez que apenas em caso de dolo, fraude ou má-fé a cobrança se faz em parcela única.

- Constitui entendimento jurisprudencial assente que, tratando-se de verba de natureza alimentar, os valores pagos pelo INSS em razão de concessão indevida de benefício não são passíveis de restituição, salvo comprovada má-fé do segurado.

- Ação penal já transitada em julgada em que a autoria dolosa fora comprovada no conjunto processual (fls. 103/107).

- Crédito em prisma amolda-se com perfeição ao contorno dos autos a regra veiculada no § 5º do art. 37, da Lei Maior, clarividente que a pretensão deduzida aos autos trate-se de ressarcimento ao Erário proveniente de ato ilícito praticado contra a Administração.

- Honorários advocatícios, que ora estipulo em R$ 1.000,00 (mil reais), observado o disposto nos artigos 11 e 12, da Lei nº 1060/50 e art. 98 do CPC.

- Apelação do INSS provida".

(TRF3, AC 0001447-07.2015.4.03.6134, Oitava Turma, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, j. 23/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 09/11/2017).

Com relação à existência (ou não) de obrigação de devolver os valores recebidos decorrentes de benefício cassado ou pago a maior, há jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que somente não haveria de ser determinada a devolução se efetivamente constatado erro administrativo, situação que denotaria a presença de boa-fé do segurado - nesse sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. IRREPETIBILIDADE.

1. Na forma dos precedentes desta Corte, incabível a restituição de valores indevidamente recebidos por força de erro no cálculo, quando presente a boa-fé do segurado.

2. Somado a tal condição, há de ser considerado que as vantagens percebidas pelo segurado possuem natureza alimentar, pelo que se afigura a irrepetibilidade desses importes.

3. Agravo regimental a que se nega provimento".

(AgRg no Ag 1341849/RS, SEXTA TURMA, Rel. MINISTRO OG FERNANDES, julgado em 02/12/2010, DJe 17/12/2010).

O Superior Tribunal de Justiça decidiu a questão, em regime de repetitividade, nos seguintes termos:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.

2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.

4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.

5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).

6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.

8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.

9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.

(1ª Seção, REsp 1381734/RN, j. 10/03/2021, DJe 23/04/2021, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES).

Assim a devolução de tais valores, contudo, não é cabível, tendo em vista a boa-fé da apelada, eis que a autora pleiteou o beneficio e a autarquia concedeu, apesar de ter averiguado fraude no vínculo empregatício do instituidor, a autora não apresentou documentos ou fez declarações inverídicas, o erro na concessão decorreu fraude contra a administração, tendo os culpados condenados a encarcerramento.

No mesmo sentido, a jurisprudência da 7ª Turma desta C. Corte:

PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO JUDICIAL. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIOS INACUMULÁVEIS NO PERÍODO ABRANGIDO PELA CONDENAÇÃO. ERRO EXCLUSIVO DO INSS. MÁ APLICAÇÃO DA LEI CONFIGURADA. INDEFERIMENTO INDEVIDO DO MELHOR BENEFÍCIO. BOA-FÉ OBJETIVA DEMONSTRADA. PERCEPÇÃO DA IRREGULARIDADE PELO HOMEM COMUM. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO PARA COMPREENSÃO DO FATO. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO PREVIDENCIÁRIO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO IMPETRANTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.

4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

6 – In casu, verifica-se que o impetrante obteve a concessão dos benefícios de auxílio-acidente por infortúnio laboral em 14/12/1995 (NB 102.188.519-0) e, concomitantemente, a partir de 01/07/2010, da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 153.713.983-2).

7 - No entanto, o segurado propôs ação judicial em 23/05/2012 (Processo n. 0002814-95.2012.4.03.6126), visando converter a aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. O pleito veio a ser acolhido em sede recursal por esta Corte, tendo o INSS sido condenado em proceder à conversão postulada,  pagando as prestações atrasadas do benefício, a partir da data da citação (15/08/2012), acrescidas de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios (ID 874152).

8 - Ao cumprir a obrigação de fazer em 28/11/2016, o INSS cessou o benefício de auxílio-acidente, em razão da vedação à cumulação do referido beneplácito com a aposentadoria especial. Não se verifica qualquer ilegalidade no procedimento adotado pela Autarquia Previdenciária quanto a este aspecto.

9 - O risco relativo aos infortúnios laborais passou a ser objeto de proteção previdenciária com o advento da Lei n. 5.316/67, que assegurava uma renda mensal compensatória ao acidentado que viesse a comprometer permanentemente mais de 25% (vinte e cinco por cento) de sua capacidade laboral e não preenchesse os requisitos para usufruir de outras prestações previdenciárias por incapacidade. Na época, a renda mensal do referido auxílio equivalia a 25% (vinte e cinco por cento) do salário de contribuição devido ao empregado no dia do acidente, consoante o disposto nos artigos 7º, caput, e 6º, II, da Lei 5.316/67.

10 - Posteriormente, além de atribuir a qualidade de renda vitalícia ao auxílio-acidente, a Lei 6.367/76 majorou sua renda mensal, ao alterar o coeficiente de 25% (vinte e cinco) para 40% (quarenta por cento) do salário de contribuição devido pelo empregado no dia do acidente.

11 - Embora tenha mantido o caráter vitalício do benefício, a Lei 8.213/91, em sua redação original, alterou a forma de cálculo da renda mensal do benefício, para conformá-la com a gravidade das sequelas produzidas pelo infortúnio laboral, em atenção ao princípio da seletividade, previsto no artigo 194, III, da Constituição Federal. Assim, o valor do auxílio-acidente passou a ser de 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou 60% (sessenta por cento) do valor do salário-de-contribuição do segurado vigente na data do sinistro, conforme a intensidade da redução permanente da capacidade laboral do segurado.

12 - A referida gradação do coeficiente segundo a gravidade das sequelas, todavia, foi suprimida com o advento da Lei 9.032/95, que alterou o parágrafo 1º do artigo 86 da Lei 8.213/91, a fim de estabelecer a renda mensal do auxílio-acidente em 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício do segurado.

13 - O próprio caráter vitalício dessa prestação indenizatória veio a ser posteriormente revogado com a modificação do artigo 86, §2º, da Lei 8.213/91 pela Lei 9.528/97, estabelecendo a vedação da cumulação do auxílio-acidente com qualquer outra aposentadoria.

14 - A fim de resolver o dissenso jurisprudencial acerca da continuidade da percepção do auxílio-acidente por aqueles que já houvessem preenchido os requisitos para a aposentadoria por ocasião da entrada em vigor da Lei 9.528/97, o C. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 507: "A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho".

15 - Desse modo, como o termo inicial da aposentadoria especial, consignada no título judicial formado no bojo do Processo n. 0002814-95.2012.4.03.6126, foi fixado na data da citação (15/08/2012), ou seja, após a entrada em vigor da Lei 9.528/97, a cessação do auxílio-acidente era de rigor.

16 - Por outro lado, o débito consignado no benefício recebido pelo impetrante decorre exclusivamente da impossibilidade de cumulação da aposentadoria especial com os benefícios de auxílio-acidente e de aposentadoria por tempo de contribuição, no período entre as datas da citação (15/08/2012) e de sua cessação (31/10/2016).

17 - Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente. Precedentes.

18 - No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má aplicação da lei.

19 - Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento, exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)

20 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).

21 - Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, a partir da referida data, em razão da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material.

22 - In casu, o débito previdenciário decorre de erro exclusivo do INSS, consubstanciado em má aplicação da lei. Realmente, a Autarquia Previdenciária negligenciou seu dever de orientar e esclarecer o impetrante sobre seus direitos sociais e o modo de exercê-los, conforme preconiza o artigo 88 da Lei n. 8.213/91, bem como a garantia do benefício mais vantajoso, ao não deferir a aposentadoria especial a que ele fazia jus.

23 - Tal equívoco só veio a ser retificado posteriormente, mediante a propositura de ação judicial que reconheceu os períodos de labor sob condições especiais prestado pelo impetrante e,. consequentemente, deferiu a prestação vindicada.

24 - Em tais circunstâncias fáticas, a boa-fé objetiva do segurado perante o INSS decorre da própria situação objetiva. Não se pode exigir da população que ela tenha conhecimento técnico especializado a ponto de compreender a ilegalidade do ato administrativo que indeferi prestação previdenciária a que faz jus.

25 - Aliás, o pagamento do auxílio-acidente e da aposentadoria por tempo de contribuição só ocorreu porque o INSS se equivocou quanto à natureza do benefício que deveria ter sido deferida, já que não reconheceu, em toda a sua extensão, os períodos trabalhados sob condições especiais, não tendo o impetrante concorrido para tal equívoco administrativo.

26 - Em decorrência, configurado o erro exclusivo da Administração Pública, consubstanciado em má aplicação da lei, o reconhecimento da inexigibilidade do débito previdenciário é medida que se impõe, mormente em razão da comprovada boa-fé objetiva do impetrante e dos caráter alimentar dos benefícios previdenciários, razão pela qual merece reforma a sentença de 1º grau de jurisdição.  

27 - Sem condenação do INSS no pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei n. 12.016 de 2009.

28 - Isentado o INSS das custas processuais.

29 - Apelação do impetrante provida. Sentença reformada. Segurança concedida.

(TRF-3, 7ª Turma, ApCiv 5000139-98.2017.4.03.6126, j. 24/06/2021, Intimação via sistema DATA: 02/07/2021, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO).

Ante ao exposto, nego provimento à apelação do INSS mantendo a r. sentença proferida, nos termos da fundamentação.

É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ERRO ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Trata-se de ação de cobrança de ressarcimento ao erário, objetivando a condenação da ré à restituição de valores recebidos indevidamente a título de pensão por morte, em virtude do falecimento de seu companheiro, ante a ocorrência de fraude na aposentadoria por tempo de contribuição que deu origem ao beneficio da autora.

2. Como se observa, restou assegurado à parte ré o contraditório e a ampla defesa na esfera administrativa, não havendo vícios processuais a ensejar a anulação do procedimento de cobrança executado pela autarquia previdenciária.

3. Entretanto, a controvérsia posta nos autos versa acerca do propósito e alcance do comando constitucional que dispõe acerca da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, estabelecida no artigo 37, §5º, CF, in verbis:

4. O Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema nº 666 de repercussão geral, nos autos do RE 669.069, firmou a tese de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil", não alcançando essa tese, entretanto, os prejuízos ao patrimônio da administração pública que decorram de atos de improbidade e de ilícitos penais.

5. Embora nesse julgamento a discussão do tema tenha se limitado às balizas do conflito de interesses submetido ao Judiciário, que se tratava de uma ação de reparação de dano por acidente automobilístico, o eminente relator do recurso extraordinário em questão, saudoso Ministro Teori Zavascki, destacou em seu voto, ao ressaltar jurisprudência do STF (MS 26.210-9, relatado pelo Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 10/10/2008), a imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes de ilícitos penais praticados contra a administração pública.

6. O INSS em revisão notificou o segurado que apresentou defesa, foi constatada a irregularidade e caberia ao INSS cessar o beneficio, porém não o fez e ainda concedeu a pensão por morte a autora.

7. Ressalte-se que, recentemente, ao apreciar o tema nº 897 de repercussão geral, nos autos do RE 852475, o Colendo Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que "são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa", o que vai ao encontro do posicionamento adotado neste caso, pois, como destacado pelo E. Min. Teori Zavascki em seu voto no RE 669.069, "pode-se agregar entre as ações de ressarcimento imprescritíveis, sem ofensa a esse entendimento estrito, as que têm por objeto danos decorrentes de ilícitos penais praticados contra a administração pública, até porque tal espécie de ilícito é, teoricamente, mais grave que o de improbidade administrativa"(g.n.).

8. Denota-se assim que, a despeito da tese fixada no RE 852475 se referir apenas aos atos ímprobos, os ilícitos penais que desencadeiem danos ao erário igualmente devem ser atingidos pela imprescritibilidade, pois ostentam maior potencial danoso e gravidade da conduta que os atos de improbidade.

9. Apelação improvida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.