APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001042-33.2021.4.03.6114
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MANOEL TELES DE SOUSA
Advogado do(a) APELADO: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001042-33.2021.4.03.6114 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MANOEL TELES DE SOUSA Advogado do(a) APELADO: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS, em face do v. acórdão que negou provimento à apelação da autarquia. Insurge-se o INSS, alegando que o v. acórdão incorreu em omissão ao manter a r. sentença que reconheceu a decadência do direito de revisão da autarquia, e afastou a devolução de valores percebidos indevidamente. Sustenta o afastamento da decadência para afastar “ilegalidade na cumulação de benefícios”. Prequestiona a matéria. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001042-33.2021.4.03.6114 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MANOEL TELES DE SOUSA Advogado do(a) APELADO: EDIMAR HIDALGO RUIZ - SP206941-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): Sabido não se prestarem os embargos de declaração à alteração do pronunciamento judicial quando ausentes omissão, obscuridade, contradição ou erro material a ser sanado (art. 1.022 do NCPC), competindo à parte inconformada lançar mão dos recursos cabíveis para alcançar a reforma do ato judicial (STJ, ED no AG Rg no Ag em REsp n. 2015.03.17112-0/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJE de 21/06/2016) A via integrativa é efetivamente estreita e os embargos de declaração não se vocacionam ao debate em torno do acerto da decisão impugnada, sendo a concessão de efeito infringente providência excepcional e cabível, apenas, quando corolário natural da própria regularização do vício que embalou a oposição daquele remédio processual, o que não é o caso dos autos. Transcrevo o voto condutor do julgado: Do caso concreto – decadência do direito de revisão A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal – STF). Ademais, para os benefícios concedidos desde o início da vigência da Lei n. 9.784/1999, o prazo decadencial a incidir é o de dez anos (MP n. 138, de 2003), contados da data em que foi praticado o ato administrativo (ou da percepção do primeiro pagamento, conforme o caso), salvo comprovada má-fé. Tal prazo há de ser aplicado, inclusive, quando o ato administrativo houver sido praticado anteriormente à vigência da Lei 9.784/1999 (e depois da revogação da Lei 6.309/1975). Nessa hipótese, conta-se o prazo a partir da entrada em vigor da Lei 9.784/1999, ante a impossibilidade de sua retroação, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com entendimento pacificado pelo STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.114.938/AL (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, Unânime, julgado em 14/4/2010), os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 1º/2/1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato. Considerando-se, ademais, que o elastecimento do prazo de 5 (cinco) anos – artigo 54 da Lei n. 9.784/1999 – para 10 (dez) anos – MP n. 138, de 19 de novembro de 2003 (convertida na Lei n. 10.839/2004) – se deu antes do decurso de 5 (cinco) anos da vigência da Lei n. 9.784/1999, em qualquer hipótese, tanto para benefícios concedidos antes quanto para os concedidos após o advento da Lei n. 9.784/1999, o prazo decadencial aplicável é de 10 (dez) anos. No presente caso, verifica-se que o autor percebia desde 01/05/1995 o benefício de auxílio-acidente. Período após, em 28/04/2004, passou a parte autora a receber o benefício aposentadoria por tempo de contribuição. Em 12/03/2020, foi instaurado procedimento administrativo constatando a acumulação dos benefícios, passando a exigir a devolução do valor de R$ 95.198,96 pela parte autora. Quanto à legalidade do processo de revisão, pelo INSS, do ato concessório do benefício previdenciário da parte impetrante, cumpre ressaltar, desde logo, que a Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais. Neste sentido a posição jurisprudencial do STF, expressa nas Súmulas 346 e 473, com o seguinte teor: Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Súmula 473: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. No entanto, o poder-dever da Administração de anular seus próprios atos não é ilimitado no tempo, ficando sujeito, como se verá, à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica. No âmbito do Direito Previdenciário, foi estipulado, pela primeira vez, pela Lei n.º 6.309, de 15-12-1975, prazo decadencial de cinco anos para a revisão, por parte da Administração, dos processos de interesse dos beneficiários. Eis o teor do seu artigo 7.º: Art. 7º - Os processos de interesse de beneficiários e demais contribuintes não poderão ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo. Tal lei vigorou de 01-02-1976 (primeiro dia do segundo mês seguinte ao da publicação) a 12-04-1992, quando foi revogada pela Medida Provisória n. 302, de 10-04-1992, em vigor a partir de 13-04-1992, posteriormente convertida na Lei n.º 8.422/92. O referido art. 7.º foi reproduzido no art. 214 da CLPS de 1976 e, com brevíssimas modificações, no art. 207 da CLPS de 1984. Com o advento da Lei n.º 8.213/91, não houve previsão de prazo decadencial para a revisão do ato concessório do benefício previdenciário por parte da Administração, o que somente veio a se modificar com a entrada em vigor da Lei n.º 9.784/99 (em 01-02-1999), que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e que, em seu art. 54, estabeleceu o prazo decadencial de cinco anos. Eis a íntegra do art. 54: Art. 54 - O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º - No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º - Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Posteriormente, a MP 138 (publicada no D.O.U. de 20-11-2003), convertida na Lei n.º 10.839/04, acrescentou o art. 103-A à Lei n.º 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para o INSS anular atos administrativos, salvo comprovada má-fé: Art. 103-A - O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º - No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º - Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. Vista a evolução legislativa quanto ao tema, impende dizer que é pacífico o entendimento do egrégio STJ no sentido de que o prazo decadencial de cinco anos estabelecido pela Lei 9.784/99 só pode ser contado a partir do início da sua vigência, ante a impossibilidade de sua retroação. Eis algumas ementas, que traduzem tal posição: ADMINISTRATIVO - ATO ADMINISTRATIVO: REVOGAÇÃO - DECADÊNCIA - LEI 9.784/99 - VANTAGEM FUNCIONAL - DIREITO ADQUIRIDO - DEVOLUÇÃO DE VALORES. 1. Até o advento da Lei 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF. 2. A Lei 9.784/99, ao disciplinar o processo administrativo, estabeleceu o prazo de cinco anos para que pudesse a Administração revogar os seus atos (art. 54). 3. A vigência do dispositivo, dentro da lógica interpretativa, tem início a partir da publicação da lei, não sendo possível retroagir a norma para limitar a Administração em relação ao passado. 4. Ilegalidade do ato administrativo que contemplou a impetrante com vantagem funcional derivada de transformação do cargo efetivo em comissão, após a aposentadoria da servidora. 5. Dispensada a restituição dos valores em razão da boa-fé da servidora no recebimento das parcelas. 6. Segurança concedida em parte. (MS n. 9.112-DF, STJ, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 16-02-2005) RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. LEI 9.784/99. PRAZO. 5 ANOS. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. Conforme o art. 54 da Lei 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Entretanto, não há como atribuir-lhe incidência retroativa, de modo a impor, para os atos praticados antes da sua entrada em vigor, o prazo qüinqüenal com termo inicial na data do ato. Recurso provido. (REsp n. 624697-RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, in DJ 01-08-2005) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARGO PÚBLICO. HABILITAÇÃO LEGAL. FALTA. EXONERAÇÃO EX OFFICIO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. MÁ-FÉ. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. I - O prazo decadencial para a Administração anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados decai em cinco anos, contados de 1º/2/1999, data da entrada em vigor da Lei nº 9.784/99. Contudo, o decurso do tempo não é o único elemento a ser analisado para verifiação da decadência administrativa. Embora esta se imponha como óbice à autotutela tanto nos atos nulos quanto nos anuláveis, a má-fé do beneficiário afasta sua incidência. II - Na hipótese dos autos, a impetrante foi contratada em 15/6/1985 E retornou ao serviço público por meio de portaria concessiva de anistia de 24/11/1994. Muito posteriormente, em 20/8/2007, teve contra si instaurado processo administrativo disciplinar, que culminou na sua exoneração ex officio em 24/1/2008. III - Incumbiria à Administração Pública expor, no ato decisório, as razões de fato e de direito que fundamentariam a não-aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99, analisando especificamente a existência de má-fé da impetrante. A falta de motivação, neste ponto, acarreta a nulidade do ato de exoneração. Sentença concedida para reconhecer a nulidade da Portaria 8/2008 por vício de motivação, determinando-se a reintegração da impetrante no cargo em que retornou por anistia. (MS n. 13.407 - DF, Rel. Min. Félix Fischer, Terceira Seção, j. em 05-12-2008) De outra banda, a inexistência, entre a revogação da Lei n.º 6.309/75 pela Medida Provisória n. 302 (em 13-04-1992) e a entrada em vigor da Lei n.º 9.784/99 (em 01-02-1999), de prazo decadencial para a anulação dos atos administrativos referentes à concessão de benefícios previdenciários não significa, entretanto, que a Administração pudesse anular tais atos a qualquer tempo. Em decorrência dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, subprincípios do Estado de Direito, e da consequente necessidade de estabilidade das situações jurídicas criadas pela própria Administração, quando delas decorram efeitos favoráveis aos particulares, o poder-dever de anular seus atos deve ser limitado no tempo, sempre quando, associada ao transcurso de um certo período, encontrar-se situação que, frente a peculiares circunstâncias, exija a proteção jurídica de beneficiários de boa-fé. Nesse sentido, a jurisprudência contemporânea do STF, conforme se constata das seguintes decisões: Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido. (MS n. 22357-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, in DJ 05-11-2004) Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processos administrativo. 8. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV). (MS n. 24.268-0, Tribunal Pleno, Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, in DJU 17-09-2004) Em suma, no período compreendido entre 13-04-1992 (data da revogação da Lei n.º 6.309/75) e 01-02-1999 (início da vigência da lei n. 9.784), embora inexistisse prazo decadencial para a revisão dos atos administrativos, há de se examinar a possibilidade de revisão à luz do princípio da segurança jurídica. Nesta ordem de ideias, para considerar-se indevida a anulação, operada pela própria autarquia, de atos administrativos concessivos de benefícios previdenciários, não basta o transcurso, por si só, de um dado tempo, mas este associado a um conjunto de circunstâncias que, dadas as suas peculiaridades, inflijam ao beneficiário um gravame desmedido à sua confiança nas instituições e à necessária estabilidade das situações e relações jurídicas. Por fim, com a edição da MP 138/03 que, como visto, modificou o prazo decadencial, na esfera previdenciária, de cinco para dez anos, há de se perquirir qual o prazo a incidir no caso em que o benefício previdenciário tenha sido concedido na vigência da Lei 9.784/99 (quando o prazo era de cinco anos). Em havendo sucessão de leis, a mais nova estabelecendo prazo decadencial maior que a antiga, a doutrina é uníssona no sentido de que se aplica o novo prazo, contando, porém, para integrá-lo, o tempo transcorrido na vigência da lei antiga (CÂMARA LEAL, Antonio Luís da. Da prescrição e Decadência, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 91; BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, v. I. 12. ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda., 1959, p. 369; MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. São Paulo: Freitas Bastos, 1946, p. 247). Neste diapasão, e considerando que a MP 138/03 foi editada antes do transcurso de cinco anos desde a vigência da Lei 9.784/99, verifica-se, na prática, que: 1 - para os benefícios concedidos desde o início de vigência desta (desde 01-02-1999, portanto), o prazo decadencial a incidir é o de dez anos, contados da data em que foi praticado o ato administrativo (ou da percepção do primeiro pagamento, conforme o caso), salvo comprovada má-fé; 2 - o prazo decadencial de dez anos também deve ser aplicado quando o ato administrativo foi praticado anteriormente à vigência da Lei 9.784/99 (e depois da revogação da Lei 6.309/75), desde que não se perfaça violação ao princípio da segurança jurídica, como antes comentado. Nessa hipótese, conta-se o prazo a partir da entrada em vigor da Lei 9.784/99, ante a impossibilidade de sua retroação, conforme entendimento do STJ, também já explicitado. De fato, este foi o entendimento firmado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no recurso especial repetitivo n. 1114938-AL, da Relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14-04-2010, o qual foi representativo de controvérsia: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO. 1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial e 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99). Ressalva do ponto de vista do Relator. 2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784/99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus benefíciários. 3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato. 4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor. Ao referir, no item 2 acima, a possibilidade de violação ao princípio da segurança jurídica relativamente ao benefício concedido antes da edição da Lei 9.784/99 (e depois da revogação da Lei 6.309/75), devo esclarecer que a vislumbro em duas situações: a primeira quando, já antes da edição da indigitada Lei 9.784/99, houve o transcurso de um tempo considerável (geralmente mais de cinco anos), aliado a um conjunto de circunstâncias acima mencionadas (idade do beneficiário, estado de saúde e situação econômica, por exemplo) que, dadas as suas peculiaridades, inflijam ao beneficiário um gravame desmedido à sua confiança nas instituições e à necessária estabilidade das situações e relações jurídicas; a segunda quando, não obstante o transcurso de um tempo curto (menos de cinco anos) entre o ato concessório do benefício e a edição da lei que regula o processo administrativo federal, houve a fluência de um prazo relativamente longo durante a vigência desta lei, até a revisão do benefício, de sorte que os dois lapsos temporais somados representem um prazo total excessivamente largo, o qual, aliado às circunstâncias e consequências acima explicitadas, também demande a aplicação do princípio da segurança jurídica, ainda que, tecnicamente, não tenha ocorrido a decadência (pela não fluência de dez anos após a Lei 9.784/99). Frise-se que, nessa última hipótese, não se está a aplicar simplesmente um princípio jurídico (segurança jurídica) onde deveria incidir apenas uma regra (decadência); o caso diz respeito a um dado tempo que, embora tenha transcorrido, em parte, em época de vigência de lei disciplinadora de prazo decadencial, fluiu, em sua parte inicial, em época em que inexistia regra de decadência, de sorte que se trata de situação transitória e excepcional que abarca períodos em que regentes duas disciplinas jurídicas distintas, razão pela qual entendo adequada, se presentes os requisitos acima, a aplicação do referido princípio constitucional. Na mesma linha de raciocínio, para os processos administrativos anteriores à vigência da Lei 6.309/75, o prazo decadencial de cinco anos é contado a partir de 01-02-1976, data em que entrou em vigor, até 12-04-1992, quando foi revogada pela Medida Provisória 302/92, sem prejuízo da aplicação do princípio da segurança jurídica, consoante acima exposto. Assim, nos termos da fundamentação exposta, concluo que se operou a decadência para o INSS revisar a concessão dos benefícios em acumulação, pois deveria tê-lo feito dentro do prazo de 10 anos a contar da data do ato concessório, o que não ocorreu, uma vez que o processo de revisão da concessão do benefício de auxílio-acidente ocorreu somente em 12/03/2020, mais de 16 (dezesseis) anos depois do início da situação de irregularidade por acumulação indevida (2004). O afastamento da decadência, a fim de possibilitar a cessação do benefício inacumulável, somente seria viável na presença de prova cabal de má-fé ou fraude. Precedentes nesse sentido: E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA CONFIGURADA. SUCUMBÊNCIA. - Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória n. 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1º/8/1997. Repercussão Geral no RE n. 626.489. - Decorridos mais de 10 (dez) anos entre a data inicial do benefício e a do ajuizamento da ação, resta configurada a decadência do direito à revisão (artigo 103 da Lei n. 8.213/1991). - Não cabe cogitar da não incidência da decadência sobre as questões não apreciadas pela Administração, uma vez que o STJ afastou definitivamente a incidência dessa tese no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos n. 1.648.336/RS e 1.644.191/RS (Tema n. 975). - Em virtude da sucumbência, deve a parte autora pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, porém, suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. - Apelação desprovida. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5000468-67.2022.4.03.6116, DES. FED. DALDICE MARIA SANTANA, 9ª TURMA, 31/08/2023). DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. DECADÊNCIA RECONHECIDA. - Cumpre esclarecer que no julgamento de 11.12.19 do tema repetitivo 975 pela Primeira Seção do C. STJ firmou-se a tese de que se aplica o prazo decadência de dez anos, na forma do art. 103, caput, da Lei 8213/91, às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário. - O C. STJ assentou que os benefícios concedidos antes de 27 de junho de 1997 estão sujeitos a prazo decadencial de 10 (dez) anos contados da data em que entrou em vigor a mencionada norma e os benefícios concedidos a partir de 28.06.1997 estão sujeitos ao prazo decadencial de 10 (dez) anos, contados do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão que indeferiu o pleito administrativo. - No caso dos autos, concedido o benefício em 2006, com primeiro pagamento em 2007, na data do ajuizamento da ação em 2019 já havia se operado a decadência, na forma do inciso II, do art. 487, do CPC. - Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015 e a gratuidade da justiça. - Apelação do autor desprovida. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5004043-81.2019.4.03.6183, DES. FED. GILBERTO JORDAN, 9ª TURMA, 26/05/21). Destarte, diante da inequívoca ausência de má-fé por parte do beneficiário, e considerando que, entre a data de concessão indevida do benefício e a data da revisão administrativa operada pelo INSS, transcorreram mais de dez anos, cumpre reconhecer que o direito à modificação do ato concessório já estava fulminado pela decadência. Por conseguinte, considerando que, hoje, legal a acumulação, é devida a manutenção do auxílio-acidente NB-94/105.708.047-8 concomitantemente à percepção da aposentadoria por tempo de contribuição NB-42/133.963.751-8. E, tendo ocorrido a decadência para o INSS revisar os benefícios de auxílio-acidente e aposentadoria por tempo de contribuição, não há se falar em devolução de valores percebidos indevidamente. Não merece acolhida, pois, a irresignação da autarquia. Deve a Autarquia, pois, abster-se de efetuar qualquer cobrança ou desconto em razão da acumulação entre os benefícios NB-42/133.963.751-8. e NB-94/105.708.047-8 apurada. Da leitura da razões apontadas pelo embargante, não visualizo qualquer omissão, contradição, obscuridade e/ou erro material, a ser sanado, requisitos estes indispensáveis à interposição dos embargos de declaração, porquanto a decisão recorrida está devidamente fundamentada com a apreciação dos pontos relevantes e controvertidos necessários para o deslinde da questão sub judice. A circunstância de o acórdão decidir fundamentadamente contrário às pretensões do recorrente não autoriza o uso dos embargos de declaração, nem se confunde com ausência de motivação. Em verdade, percebe-se que o presente recurso trata de rediscutir o mérito do julgado recorrido, providência incompatível com a via eleita dos embargos de declaração. A propósito, sobre a questão veja-se a jurisprudência do e. STF: EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OPOSIÇÃO, RESPECTIVAMENTE, EM 27.03.2019 E EM 28.03.2019. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ATUAÇÃO PERANTE CORTES SUPERIORES. LEGITIMIDADE DO PARQUET ESTADUAL PARA ATUAR COMO PARTE, DE FORMA AUTÔNOMA, RESGUARDADA A ATUAÇÃO DO MPF COMO CUSTOS LEGIS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração não constituem meio hábil para reforma do julgado, sendo cabíveis somente quando houver no acórdão omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 2. A parte Embargante busca rediscutir a matéria, com objetivo de obter excepcionais efeitos infringentes. 3. Embargos de declaração ambos rejeitados. (STF, RE 810482 AgR-ED/SP, rel. Ministro EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 09/10/2019) O prequestionamento numérico, por sua vez, tal como pretendido, é tido pelas Cortes Superiores como despropositado. O debate dos temas no julgado é que permite o acesso às instâncias superiores, não a mera citação de dispositivos legais ou constitucionais (ARE 1.073.395 AgR, rel. Ministro LUIZ FUX, 1ª Turma, DJE 271 de 18-12-2018). Nada obstante, cumpre consignar que, conforme o art. 1.025 do CPC, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Ante o exposto, voto por rejeitar os embargos de declaração. /gabcm/gdsouza
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO EMBARGADO.
- Os embargos de declaração têm por objetivo o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional devida, não se prestando a nova valoração jurídica dos fatos e provas envolvidos na relação processual, muito menos a rediscussão da causa ou correção de eventual injustiça.
- Os argumentos apresentados não impressionam a ponto de recomendar o reparo da decisão, porquanto o movimento recursal é todo desenvolvido sob a perspectiva de se obter a alteração do decreto colegiado em sua profundidade, em questionamento que diz respeito à motivação desejada, buscando o ora recorrente, inconformado com o resultado colhido, rediscutir os pontos firmados pelo aresto.
- O órgão julgador não se vincula aos preceitos indicados pelas partes, bastando que delibere aduzindo os fundamentos para tanto considerados, conforme sua livre convicção.
- Prevalência do entendimento da Seção especializada de que o "escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada ocorrência de qualquer das hipóteses de cabimento previstas em lei." (AR n.º 5001261-60.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, j. 29.4.2020).
- Embargos de declaração rejeitados.