APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA
Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente pedido de declaração de inexigibilidade de débito. Inconformada, a parte autora alega, em síntese, a inexigibilidade dos valores recebidos de boa-fé. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. O Ministério Público Federal manifestou-se apenas pelo prosseguimento de feito. É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan: Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a declaração de inexigibilidade de valores indevidamente recebidos a título de benefício assistencial. A e. Relatora proferiu voto em que negou provimento à apelação da parte autora, mantendo a r. sentença de improcedência do pedido de declaração de inexigibilidade de débito. Com a devida vênia, divirjo da e. Relatora no tocante ao não provimento da apelação da parte autora. DO PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos". "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular procedimento administrativo, não implica na suspensão ou cancelamento unilateral do benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e no CNIS. DO ATO ILÍCITO Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta ou omissão. Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002: “Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.” “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a repará-lo.” No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé”. Também, no Decreto n. 3.048/99: “Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício: [...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] § 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).” DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua percepção. A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007). Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013, 10ª ed., p. 54/61). CASO DOS AUTOS A parte autora obteve a concessão de benefício assistencial - PCD em 2003. Em 14/12/2020, o INSS expediu ofício noticiando a existência de irregularidades na manutenção do benefício assistencial concedido à parte autora, por superação da renda per capita familiar do valor de ¼ do salário-mínimo vigente, resultando, inicialmente, na cobrança de 18/01/2019 a 14/12/2020, posteriormente ampliada para 30/09/2015 a 30/12/2022 no montante de R$ 106.969,83. Na revisão do benefício, verificou-se que o marido da autora realizava recolhimentos, em tese, como contribuinte individual. Contudo, cabe aqui apontar que o autor efetuou o recolhimento nos valores de 5% do salário-mínimo, a partir de julho de 2013, anote-se, regulares perante a autarquia (ID 287493079 págs. 21/31). Ante a alíquota incidente, pressupõe-se que: o marido da autora é um contribuinte facultativo de baixa renda ou um microempreendedor individual-MEI. Em ambos os casos, não há como se presumir que o marido da autora aufira qualquer rendimento, acima ou abaixo de um salário-mínimo - o que somente seria possível mediante a realização de um estudo social ou acesso às declarações de rendimento. Retornando ao exame da tese fixada pelo e. STJ no Tema 979, tem-se por princípio que, para se configurar a não exigência da devolução dos valores, o segurado ou beneficiário deve comprovar “sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”. Certo é que, da análise dos documentos acostados aos autos, não vislumbro a possibilidade de caracterizar por parte da autora qualquer indícativo de ato ilícito ou fraudulento praticado com o fito de dar ensejo a suposto pagamento indevido do benefício, tampouco, má-fé pela eventual superação da renda per capita familiar para a manutenção do benefício, uma vez que tal fato não está demonstrado no processo administrativo. No que tange à boa-fé objetiva no recebimento dos valores, constata-se dos autos que: as informações de uma suposta ou presumida renda de uma salário-mínimo mensal do marido da autora constam no sistema do INSS desde 2013; a família está devidamente inscrita no CAD Único (o que autoriza o esposo da autora em contribuir para a previdência na ordem 5% do salário a título de contribuinte facultativo de baixa renda); a autora percebeu por quase duas décadas um benefício pago mensalmente pelo INSS, sem qualquer intercorrência; a autora não trabalha e não retornou ao trabalho; a família não alterou suas condições econômicas, pelo menos desde a última atualização do CAD Único e; por fim, não há qualquer omissão de informações à administração por parte da autora ou de seu esposo como o escopo de manter o benefício de forma irregular. Assim, cabe perguntar: qualquer pessoa de conhecimento médio saberia que estava incorrendo em irregularidades perante a autarquia por quase uma década? Penso que não. Destarte, está devidamente comprovada a boa-fé objetiva da parte autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos. Por fim, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em suposto desacordo com a norma legal. Sendo assim, entendo inexigível a cobrança do débito pelo INSS, nos termos da r. sentença. Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da causa. Ante o exposto, com a máxima vênia da e. Relatora, voto para dar provimento à apelação da parte autora. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004005-30.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLEUNICE VALENTIM MOURA
Advogado do(a) APELANTE: DALVA APARECIDA SOARES DA SILVA - SP364684-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo, sendo-lhe dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade (artigo 37 da CF/1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do STF, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF/1988), além da Lei n. 9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial."
Por sua vez, à luz do Código Civil (artigo 876), percebe pagamento indevido todo "aquele que recebeu o que não era devido" e, por consequência, "fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, /quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, são repetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em 24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2017.
A propósito, especificamente sobre devolução de valores recebidos em razão de erro da Administração, o STJ, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.381.734/RN – Tema 979), julgado em 10/3/2021, DJe 23/4/2021, assim deliberou sobre a matéria:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
Desse julgamento é possível extrair as seguintes conclusões: (i) o pagamento indevido decorrente de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela Administração Previdenciária não é suscetível de repetição; (ii) o pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o erro (boa-fé objetiva); (iii) a hipótese de repetição em razão de erro da Administração Previdenciária atinge somente os processos distribuídos desde 23/4/2021 (modulação dos efeitos); (iv) admitida a repetição, é permitido o desconto do percentual de até 30% do valor mensal do benefício do segurado.
Sobre a boa-fé objetiva, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (STJ, REsp n. 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
Por sua vez, a boa-fé subjetiva está relacionada a intenção do agente, contrapondo-se à má-fé (pressuposto do ilícito civil), a qual não se presume e deve ser demonstrada.
Neste caso, a ação foi ajuizada em 6/3/2023, depois, portanto, do julgamento do Tema n. 979, estando fora do alcance da modulação dos efeitos do julgado.
Consta dos autos que à autora foi concedido o benefício de amparo assistencial à pessoa com deficiência (NB 87/129.036.978-7), no âmbito administrativo, desde 26/11/2003 (DIB).
Realizada a revisão periódica administrativa, o INSS identificou indício de irregularidade na manutenção do benefício, uma vez que a renda per capita do grupo familiar passou a ser igual ou superior a ¼ do salário mínimo vigente (art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993).
Extrai-se do Ofício n. 202003396431, de 14 de dezembro de 2020, da Coordenação de Monitoramento Operacional de Benefícios, o seguinte trecho:
“1. O Instituto Nacional do Seguro Social, por intermédio do ofício de defesa, comunicou a V.Sa. a apuração dos indícios de irregularidade no Benefício de Nº 87/1290369787.
2. O recebimento indevido do benefício em análise deve-se a existência de renda de LAELSON CAETANO DE MOURA, conforme contribuições como contribuinte individual, cabendo cobrança administrativa dos valores recebidos indevidamente, correspondente ao(s) período(s) de 18/01/2019 a 14/12/2020, corrigido monetariamente, conforme artigo 175 do Decreto n.º 3048/99. Os valores devidos perfazem o montante de R$ 24.511,25 (vinte e quatro mil, quinhentos e onze reais e vinte e cinco centavos).”
Dessa forma, entende o INSS que a autora não mais preenchia os requisitos necessários à concessão e manutenção do benefício, faltando-lhe a miserabilidade.
Do conjunto probatório carreado aos autos não há elementos capazes de ilidir essa constatação e demonstrar que, de fato, remanescia situação de miserabilidade depois de alterada a renda per capita do grupo familiar. Seria ônus da parte postulante, do qual, neste caso, ela não se desincumbiu.
Enfim, em conformidade com as provas colacionadas aos autos, está claro erro administrativo pelo não cumprimento da determinação legal, prevista no artigo 21 da Lei n. 8.742/1993 (LOAS), de rever o benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
Em razão desse erro remanesce a obrigação da parte beneficiária devolver os valores, nos termos delineados no Tema n. 979 do STJ.
Ademais, não há demonstração de que "não lhe era possível constatar o pagamento indevido" do benefício assistencial, conforme ressalva disposta na tese jurídica fixada.
Em decorrência, impõe-se a manutenção da sentença.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- Retornando ao exame da tese fixada pelo e. STJ no Tema 979, tem-se por princípio que, para se configurar a não exigência da devolução dos valores, o segurado ou beneficiário deve comprovar “sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
- Certo é que, da análise dos documentos acostados aos autos, não vislumbro a possibilidade de caracterizar por parte da autora qualquer indicativo de ato ilícito ou fraudulento praticado com o fito de dar ensejo a suposto pagamento indevido do benefício, tampouco, má-fé pela eventual superação da renda per capita familiar para a manutenção do benefício, uma vez que tal fato não está demonstrado no processo administrativo.
- No que tange à boa-fé objetiva no recebimento dos valores, constata-se dos autos que: as informações de uma suposta ou presumida renda de uma salário-mínimo mensal do marido da autora constam no sistema do INSS desde 2013; a família está devidamente inscrita no CAD Único (o que autoriza o esposo da autora em contribuir para a previdência na ordem 5% do salário a título de contribuinte facultativo de baixa renda); a autora percebeu por quase duas décadas um benefício pago mensalmente pelo INSS, sem qualquer intercorrência; a autora não trabalha e não retornou ao trabalho; a família não alterou suas condições econômicas, pelo menos desde a última atualização do CAD Único e; por fim, não há qualquer omissão de informações à administração por parte da autora ou de seu esposo como o escopo de manter o benefício de forma irregular.
- Destarte, está devidamente comprovada a boa-fé objetiva da parte autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa.
- Apelação provida.