Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-93.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL
REPRESENTANTE: JOASMENE SANON

APELADO: JOASMENE SANON, J. E. S.

Advogado do(a) APELADO: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - PR77850-A
Advogados do(a) APELADO: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - PR77850-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-93.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL
REPRESENTANTE: JOASMENE SANON

APELADO: JOASMENE SANON, J. E. S.

Advogado do(a) APELADO: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - PR77850-A
 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto por UNIÃO FEDERAL em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado por JOASMENE SANON e J. E. S. para determiná-la por meio de qualquer órgão com competência originária ou delegada que, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, expeça visto temporário ou autorização de residência para reunião familiar em favor do menor haitiano Jean Emmanuel Sanon (ID 288371902).

Alega, em suma, que nos termos da decisão no STJ na SLS n. 3.092/SC, a concessão de liminar para ingresso de nacionais haitianos no território brasileiro, seja por isenção de visto, seja por determinação de imediato processamento e análise do pedido, deve ser restrita a hipóteses excepcionalíssimas, sendo necessária a inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social. Afirma que o sistema que processa os pedidos de visto está operante e que a limitação de vagas de agendamento está relacionada à capacidade operacional finita, mas que os órgãos estão atuando constantemente na celeridade do processamento dos pedidos. Por isso, sustenta, a procedência do pedido importa em violação à isonomia entre os milhares de consulentes interessados no visto brasileiro. Aduz que “existe todo um raciocínio normativo a respaldar o procedimento de concessão de vistos e autorização de residência, inclusive aos nacionais haitianos, seja com base na reunião familiar, seja com base na acolhida humanitária. O ordenamento simplesmente não vislumbra a possibilidade de hipótese de dispensa de visto, que é o documento inicial a respaldar o próprio status jurídico do migrante em território nacional, conforme arts. 7º, 8º e 9º da Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 38/2023.” Ao final, postula a reforma da sentença para rejeitar a pretensão (ID 288371909).

Contrarrazões dos apelados (ID 288371916).

Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso (ID 291608914).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001239-93.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL
REPRESENTANTE: JOASMENE SANON

APELADO: JOASMENE SANON, J. E. S.

Advogado do(a) APELADO: JOAO HENRIQUE TEIXEIRA MONDIM - PR77850-A
 

 

 

V O T O

 

 

 

Cinge-se a controvérsia acerca do direito do autor Jean Emmanuel Sanon, menor haitiano, a ingressar no território brasileiro sem a exigência de visto, para fins de reunião familiar com sua mãe Joasmene Sanon, aqui residente.

A garantia do direito à reunião familiar é princípio e diretriz da política migratória nacional, assegurada aos estrangeiros em território brasileiro nos termos dos artigos 3º e 4º da Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração):

Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes: (...)

VIII - garantia do direito à reunião familiar; (...)

Art. 4º Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados: (...)

III - direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes; (...)

Segundo o art. 37 da mesma lei, o visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido, entre outros casos, ao imigrante filho de imigrante beneficiário de autorização de residência (inciso II). O art. 153, § 1º, do Decreto n. 9.199/2017, por sua vez, estabelece que o requerimento de autorização de residência para tal fim deverá respeitar os requisitos previstos em ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores.

Em cumprimento a tal comando normativo, foi editada a Portaria Interministerial n. 12/2018, que dispõe, de modo geral, sobre o visto temporário e a autorização de residência para reunião familiar no território nacional. Não obstante, considerando a gravidade da situação humanitária vivenciada no Haiti, resultando em inúmeros pedidos de acolhida e reunião familiar no Brasil por nacionais daquele país, foram editadas normas que dispõem especificamente sobre a acolhida, autorização de residência prévia e a concessão de visto temporário fundados na reunião familiar para nacionais haitianos e apátridas.

Nesse sentido, foi editada a Portaria Interministerial MJSP/MRE n. 38, de 10 de abril de 2023, que busca “criar condições para o processamento adequado e célere de vistos de reunião familiar” para nacionais haitianos e apátridas (art. 2º) e estabelece prioridade às solicitações de mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e seus grupos familiares (art. 1º, § 3º). Esta, por sua vez, define que a solicitação deve ser efetivada por meio de “formulário disponibilizado no protocolo eletrônico no sistema SEI junto ao Departamento de Migrações do Ministério da Justiça e Segurança Pública.” (art. 5º), mediante apresentação dos documentos listados no art. 6º da mesma norma (incisos I a XII).

Segundo consta do portal do Ministério da Justiça e Segurança Pública[1], a “solicitação pode ser realizada pela pessoa haitiana residente no Brasil, que obteve residência por acolhida humanitária (chamante) e deseja trazer familiares residentes no Haiti (chamado)” e, para tanto, será utilizado o sistema Migrante web, acessado pela plataforma gov.br[2]. Ainda, é informado na página que “quando a autorização é aprovada, o MJSP envia uma comunicação para o MRE para autorizar a Embaixada do Brasil em Porto Príncipe a conceder o visto temporário para fins de reunião familiar”.

Pois bem.

No caso, os autores afirmam que “é inviável para o(a) Autor(a) que reside no Haiti, realizar requerimento de asilo político via administrativa, em virtude do enorme prazo para a concessão do requerimento” (f. 5, ID 288371828), o que indica a não formalização de qualquer solicitação administrativa de reunião familiar ou pedido de visto. Entre os documentos juntados aos autos, não há qualquer um que evidencie a realização de tal requerimento ou a impossibilidade de fazê-lo. Os printscreens de f. 24-25 do ID retro não permitem verificar a autoria ou tentativa de pedido, além de não se referirem ao sistema atualmente utilizado para tal fim.

Vale dizer que o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo Interno na Suspensão de Liminar e de Sentença n. 3.092/SC, concluiu pela possibilidade de os cidadãos haitianos dirigirem-se aos tribunais para declaração e efetivação de seus direitos, obtendo o exame individual de sua situação e os remédios previstos na legislação, em atenção aos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da proteção da criança e do adolescente, da tutela da família como base da sociedade e do direito ao convívio familiar.

Tal possibilidade, contudo, não prescinde da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades de solução administrativa, sob pena de indevida intervenção judicial em atos executivos, em violação ao princípio da separação dos poderes.

Veja-se o teor daquele julgado:

AGRAVO INTERNO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. ESTRANGEIROS MENORES DE IDADE AFASTADOS DOS GENITORES. ACOLHIDA HUMANITÁRIA DE HAITIANOS. EFEITO MULTIPLICADOR. SUSPENSÃO GENÉRICA DE TODAS E QUALQUER MEDIDA LIMINAR SOBRE O TEMA, PRESENTE OU FUTURA. PONDERAÇÃO DE VALORES E RAZOABILIDADE. EXAME INDIVIDUALIZADO DE CADA SITUAÇÃO. 1. A intervenção do Poder Judiciário em atos executivos deve ficar restrita a hipóteses excepcionalíssimas, em observância ao postulado constitucional da divisão de poderes. 2. O indesejado efeito multiplicador deve ser sopesado e examinado em harmonia com o dever de cumprimento das estipulações constitucionais e com a proteção dos direitos fundamentais da pessoa, em ponderação de valores e sob o critério da razoabilidade, sem tolher o exercício da jurisdição e o direito de obtenção de decisões judiciais, in genere, pelos cidadãos. 3. Primazia da proteção da criança e do adolescente, da tutela da família como base da sociedade e do direito ao convívio familiar. 4. Salvaguarda da possibilidade de os cidadãos se dirigirem ao tribunal para a declaração e a efetivação dos seus direitos, obtendo o exame individual da sua situação e os remédios previstos na legislação, inclusive a obtenção de medidas liminares. Direito fundamental da pessoa que tem de receber, em Estado de Direito, a proteção jurisdicional. 5. A Segunda Turma do E. STF, ao julgar o Habeas Corpus 216.917, impetrado contra a Presidência do Superior Tribunal de Justiça em decorrência da Suspensão de Liminar e de Sentença ora em exame, concedeu, de ofício, a ordem, para restabelecer a decisão liminar proferida, com base em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e na proteção de direitos fundamentais. 6. Permissão às instâncias inferiores para o exame concreto e individualizado de cada caso que lhes é trazido, exigindo-se que, com prudência e com cautela, diante da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social no Brasil, deliberem sobre a concessão ou não das medidas liminares. 7. Agravos Internos providos para reformar a decisão objurgada e reestabelecer as liminares de origem. (STJ – AgInt na SLS n. 3.092/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, j. 7/12/2022, DJe 15/12/2022)

No mesmo sentido, tem decidido reiteradamente esta 4ª Turma:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. ESTRANGEIROS. HAITIANOS. INGRESSO NO PAÍS SEM VISTO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ NA SLS Nº 3.092/SC. AUSÊNCIA NOS AUTOS DE COMPROVAÇÃO DE PRÉVIA TENTATIVA ADMINISTRATIVA DE OBTENÇÃO DO VISTO E FALTA DE PERÍCIA SOCIAL. TUTELA RECURSAL ANTECIPADA CASSADA. RECURSO DESPROVIDO - O agravo interno interposto pela UNIÃO contra a decisão que indeferiu o efeito suspensivo está prejudicado, pois passa-se ao julgamento de mérito do agravo de instrumento interposto, cujos fundamentos abarcam a pretensão da agravante. - Depois das sucessivas decisões exaradas em reclamações da União perante o Superior Tribunal de Justiça, consistente nas decisões que deferiam o ingresso de haitianos no Brasil sem o visto, outro não pode ser o entendimento senão a mudança de posicionamento por parte deste Relator. Não basta a análise do caso concreto à luz dos princípios constitucionais. É necessário verificar se as partes postulantes ao ingresso no Brasil de forma excepcional sem o visto, em específico no caso de haitianos, esgotaram as possibilidades administrativas para a obtenção do visto e se houve a adoção prévia de medidas instrutórias nos autos de origem de informações viáveis, inclusive perícia social no Brasil, pois, caso contrário, haveria afronta ao decidido pela Corte Especial na SLS 3.092/SC. - Na espécie, não há prova nos autos de origem de que os ora agravantes tenham exaurido as possibilidades administrativas para obtenção do visto. Meras alegações sem prova, no sentido de que não teriam conseguido o agendamento perante a embaixada brasileira, não comprovam o cumprimento daquela condição exigida pela Corte Superior. Se não houve sequer a comprovação do primeiro requisito ordenado pelo STJ para a análise da possibilidade de concessão de eventual tutela de urgência para o ingresso dos haitianos no território nacional, tampouco foi possível a realização de perícia social. Sobre esta última é possível constatar que o juízo de origem até determinou a realização do ato, no entanto, na data em que a perícia seria realizada, a perita nomeada informou que não encontrou o endereço informado nos autos como sendo o do agravante residente no Brasil, razão pela qual os trabalhos foram prejudicados e se aguarda o pronunciamento da parte autora naqueles autos. Além da não comprovação do exaurimento da tentativa administrativa de obtenção do visto, sequer foi possível a localização do agravado residente no Brasil para a realização da perícia social. Ambos os requisitos para eventual análise de concessão da tutela de urgência devem ser avaliados conjuntamente. À falta de ambos, não é possível considerar a plausibilidade do direito de a parte obter a antecipação da tutela. O caso em tela ainda apresenta mais uma circunstância duvidosa quanto à possibilidade de ingresso da menor de idade no Brasil, como bem observou a Procuradoria da República da Terceira Região em seu parecer: a ausência de prova de que a genitora da menor de idade concorde expressamente com a vinda da criança ao Brasil. - Tutela recursal antecipada cassada e desprovido o agravo de instrumento. (TRF3, 4ª Turma, AI n. 5011995-94.2023.4.03.0000, Rel. Des. Federal ANDRE NABARRETE NETO, j. 23/05/2024)

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ESTRANGEIRO. HAITI. AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM. VISTO HUMANITÁRIO PARA REUNIÃO FAMILIAR. RECURSO DA UNIÃO PROVIDO. - A questão do ingresso dos haitianos com vista à reunião familiar, consoante decisão proferida pelo STJ, no SLS 3092-SC não está suspensa, tendo sido autorizada às instâncias inferiores a análise das liminares e tutelas com critério e cautela, desde que se observem se houve exaurimento das possibilidades administrativas de e medidas instrutórias de informação viáveis. - A análise do pleito, em sede de apelação, é possível, motivo pelo qual passo a análise do mérito. - Informam os recorridos que WIDLINE JOSEPH reside no Brasil há vários anos, conforme se observa em seu visto anexado, e quer trazer seu filho ENDY VICTORY SANON, residente no Haiti. Requerem a acolhida humanitária, tendo em vista a grave crise que acomete o Haiti, relatando, inclusive a impossibilidade de obtenção de visto perante a embaixada do Brasil em Porto Príncipe. - No caso concreto, está demonstrado nos autos que a autora WIDLINE JOSEPH se encontra residente em território nacional, cuja estada, considerando os documentos acostados aos autos, presume-se regular. Na presente ação se pleiteia o ingresso de seu filho ENDY VICTORY SANON, em território nacional, sem a necessidade de visto. - Não se afigura razoável, nem proporcional, o não recebimento do pedido dos vistos, mormente quando a parte se propuser a regularizar os documentos, nos termos do art. 37, da Lei de Imigração nº 13.445/2017. Precedente jurisprudencial. - Por outro lado, a União não está inerte quanto à situação dos haitianos que objetivam acolhida humanitária, tanto que foi editada a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 38, de 10 de abril de 2023, que dispõe sobre a concessão de autorização de residência prévia e a respectiva concessão de visto temporário para fins de reunião familiar para nacionais haitianos e apátridas, com vínculos familiares no Brasil, ratificando os objetivos norteadores da política migratória. - Cabe destacar que o Superior Tribunal de Justiça, no precedente supracitado (SLS Nº 3092-SC) ponderou que a intervenção do Poder Judiciário deve ficar restrita a hipóteses excepcionalíssimas e reforçou a necessidade de demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis inclusive perícia social no Brasil, para que sejam deferidas as liminares e tutelas nos casos de ingresso sem visto dos haitianos. - Desta forma, levando-se em conta todas estas considerações, bem como o acervo probatório constante nos autos, que não traz elementos que comprovem o exaurimento da via administrativa, penso que a melhor saída seja o indeferimento do pedido. - Preliminar rejeitada. Apelação da União provida. (TRF3, 4ª Turma, ApCiv n. 5031317-07.2021.4.03.6100, Rel. Des. Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, j. 22/04/2024)

ESTRANGEIRO. HAITI. INGRESSO NO TERRITÓRIO NACIONAL SEM VISTO. REUNIÃO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE. SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. A presente ação foi proposta por JAMESON SIMILIEN e CARINE ISME, naturais do Haiti, com o intuito de assegurar a entrada no Brasil da segunda autora, atualmente residente no Haiti, sem necessidade de apresentação de visto, em razão de reunião familiar. 2. Determina a Portaria Interministerial nº 29, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores: "O visto temporário previsto nesta Portaria terá prazo de validade de 180 (cento e oitenta) dias e será concedido exclusivamente pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe." 3. O único órgão com competência para a concessão do visto é a Embaixada brasileira na capital do Haiti, mesmo porque trata-se de atribuição do Poder Executivo, de forma que a interferência do Judiciário configuraria uma violação ao Princípio da Separação dos Poderes, do devido processo legal e da isonomia com outros estrangeiros que corretamente aguardam o desenrolar dos procedimentos administrativos, sem solicitar a interferência do Poder Judiciário. 4. No recente julgamento do SLC Nº 3062/SC, o STJ decidiu suspender liminares em processos ajuizados por cidadãos haitianos em desfavor da União com o objetivo de obter o deferimento de decisões que lhes garantam o ingresso no território nacional, na condição de imigrante, sem a necessidade de visto, justificando que, na quase totalidade dos casos, os migrantes não formularam prévio requerimento administrativo de visto perante a embaixada de Porto Príncipe, buscando, via judicial, ultrapassar a etapa consular para ingressarem no Brasil. 5. "As determinações judiciais que obrigam a União a garantir o ingresso de migrantes haitianos sem visto, determinando o imediato processamento e a análise do pedido de visto, bem como a admissão excepcional dos migrantes ou o imediato processamento e a análise do pedido de admissão, além de irem contra as normas legais previstas para o ingresso no País, têm gerado um risco de comprometimento da política migratória nacional." 6. Em que pese a notória crise humanitária pela qual passa o Haiti, os tramites administrativos para emissão do visto devem ser seguidos, uma vez que o Poder Judiciário não possui ferramentas para avaliar os casos em que devem ou não ser permitido o ingresso de estrangeiro em território nacional, mesmo porque os documentos apresentados mostram-se frágeis até para comprovar os vínculos familiares entre os autores. Portanto, a decisão de primeiro grau foi ao encontro dos princípios da legalidade, da isonomia e do devido processo legal, respeitando também a separação dos poderes, um pilar das nações democráticas. 7. Apelação desprovida. (TRF3, 4ª Turma, ApCiv n. 5007435-79.2022.4.03.6100, Rel. Des. Federal MARLI MARQUES FERREIRA, j. 09/04/2024)

Não demonstrado, portanto, o esgotamento da via administrativa (ou a impossibilidade de fazê-lo), nos moldes da decisão proferida no AgInt na SLS n. 3.092/SC, resta rejeitar a pretensão.

Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO à apelação da União para julgar improcedente o pedido dos autores, nos termos da fundamentação supra.

Por consequência, REVOGO a liminar concedida no ID 288371886.

Pela sucumbência, condeno os autores no pagamento das custas e dos honorários advocatícios à União, que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 85, §§ 3º, 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade das verbas ficará condicionada à hipótese do art. 98, § 3º, da lei processual.

É como voto.

 

[1] Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/migracoes/autorizacao-de-residencia-haitianos-e-apatridas#:~:text=Em%2010%20de%20abril%20de,24%20de%20maio%20de%202017. Acesso em 12/06/2024.

[2] https://migrante.mj.gov.br/login. Acesso em 12/06/2024.

 

[1] Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/migracoes/autorizacao-de-residencia-haitianos-e-apatridas#:~:text=Em%2010%20de%20abril%20de,24%20de%20maio%20de%202017. Acesso em 12/06/2024.

[2] https://migrante.mj.gov.br/login. Acesso em 12/06/2024.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. ESTRANGEIRO. MENOR HAITIANO. PEDIDO DE INGRESSO NO TERRITÓRIO NACIONAL, INDEPENDENTEMENTE DE VISTO, PARA REUNIÃO FAMILIAR. DECISÃO NO AGINT NA SLS N. 3.092/SC. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DO EXAURIMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS. AUSÊNCIA. APELAÇÃO DA UNIÃO PROVIDA.

1. A garantia do direito à reunião familiar é princípio e diretriz da política migratória nacional, assegurada aos estrangeiros em território brasileiro nos termos dos artigos 3º e 4º da Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração).

2. Segundo o art. 37 da mesma lei, o visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido, entre outros casos, ao imigrante filho de imigrante beneficiário de autorização de residência (inciso II). O art. 153, § 1º, do Decreto n. 9.199/2017, por sua vez, estabelece que o requerimento de autorização de residência para tal fim deverá respeitar os requisitos previstos em ato conjunto dos Ministros de Estado da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores.

3. A Portaria Interministerial MJSP/MRE n. 38, de 10 de abril de 2023, busca “criar condições para o processamento adequado e célere de vistos de reunião familiar” para nacionais haitianos e apátridas (art. 2º) e estabelece prioridade às solicitações de mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência e seus grupos familiares (art. 1º, § 3º).

4. No julgamento do Agravo Interno na Suspensão de Liminar e de Sentença n. 3.092/SC, o C. Superior Tribunal de Justiça concluiu pela possibilidade de os cidadãos haitianos dirigirem-se aos tribunais para declaração e efetivação de seus direitos, obtendo o exame individual de sua situação e os remédios previstos na legislação, em atenção aos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da proteção da criança e do adolescente, da tutela da família como base da sociedade e do direito ao convívio familiar. Tal possibilidade, contudo, não prescinde da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades de solução administrativa, sob pena de indevida intervenção judicial em atos executivos, em violação ao princípio da separação dos poderes. Precedentes da Quarta Turma.

5. Não demonstrado nos autos o esgotamento da via administrativa (ou a impossibilidade de fazê-lo), nos moldes da decisão proferida no AgInt na SLS n. 3.092/SC, resta rejeitar a pretensão.

6. Apelação da União conhecida e provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu CONHECER E DAR PROVIMENTO à apelação da União para julgar improcedente o pedido dos autores, REVOGAR a liminar concedida no ID 288371886. Pela sucumbência, condenar os autores no pagamento das custas e dos honorários advocatícios à União, arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do art. 85, §§ 3º, 4º, III, e 8º, do CPC. A exigibilidade das verbas ficará condicionada à hipótese do art. 98, § 3º, da lei processual, nos termos do voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY (Relator), com quem votaram a Des. Fed. LEILA PAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.