Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0004963-49.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

EMBARGANTE: MARIA CRISTINA HERRADOR RAITZ

Advogado do(a) EMBARGANTE: EKETI DA COSTA TASCA - SP265288-A

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0004963-49.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

EMBARGANTE: MARIA CRISTINA HERRADOR RAITZ

Advogado do(a) EMBARGANTE: EKETI DA COSTA TASCA - SP265288-A

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

ORIGEM: 3ª VF CRIMINAL DE CAMPO GRANDE MS  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de embargos infringentes e de nulidade interpostos por MARIA CRISTINA HERRADOR RAITZ CERVENCOVE (13/02/1962) contra acórdão da c. 5ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação do Ministério Público Federal e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da defesa para absolver a ré da imputação do delito do artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 c.c. o artigo 14, inciso II do Código Penal, e reduzir a sanção pecuniária de modo proporcional à pena privativa de liberdade, de modo a resultar as penas de 03 (três) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto e pagamento de 12 (doze) dias-multa, pela prática do crime do artigo 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/98, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, vencido o e. Des. Federal Paulo Fontes que dava provimento ao apelo defensivo em maior amplitude, para absolver a acusada da prática do crime definido no art. 1°, § 1°, inciso II, da Lei nº 9.613/1998, por considerar a conduta atípica (art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal).

A ementa foi lavrada nos seguintes termos (ID 275649977 - Págs. 207/208):
 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 1°, §1°, II DA LEI 9.613198. LAVAGEM DE CAPITAIS. ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 7.492/86. EVASÃO DE DIVISAS. NULIDADE DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL. PROVAS ILICITAS. VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. PENA BASE. ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.

1. A designação, substituição e convocação de Juizes Federais sujeitam-se a critérios administrativos de conveniência e oportunidade dos Tribunais para a melhor administração da Justiça, o que não implica ofensa ao principio do juiz natural.

2. A Corte Suprema ao avaliar situações envolvendo a violação de prerrogativas de advogados, apresentou entendimento que a garantia constitucional não se destina ao acobertamento da prática de crimes, tampouco se aplica o sigilo quando não envolvido o interesse do cliente.

3. A culpabilidade é a medida fundamental da responsabilidade do agente e busca aferir a intensidade ou o grau de culpa com o qual se perseguiu o resultado lesivo.

4. No cálculo da pena de multa devem ser observados os mesmos parâmetros para fixação da sanção privativa de liberdade.

5. Apelação defensiva provida em parte. Recurso do Ministério Público Federal desprovido”.
 

No recurso interposto, aduz a recorrente, em síntese, que (ID 275649977 - Págs. 211 e ss.):

- o Colegiado não agiu com acerto ao desacolher a violação do princípio do Juiz Natural, cuja vulneração restou devidamente comprovada, pois a prolação da sentença não se deu pelo magistrado responsável pela instrução criminal;

- o ato de transportar mala com recursos financeiros não configura o delito de lavagem de capitais, inexistindo prova de que objetivasse proceder ao branqueamento de haveres, bem assim que tinha ciência da origem espúria destes;

- não lhe foi ensejada oportunidade para se contrapor à imputação acerca da origem do numerário, tido por proveniente de traficância;

- sua condenação restou assentada em provas ilícitas, em desapreço às prerrogativas estabelecidas aos causídicos, atentando contra o sigilo profissional destes, sendo certo, ainda, que a apontada invalidade contaminou o feito desde a sua fase inquisitiva, abarcando, inclusive, a prolação da sentença;

- não comete o crime de lavagem de dinheiro o advogado que recebe honorários como contraprestação de serviços efetivamente prestados na elaboração de defesa técnica de seu cliente, razão pela qual se torna impossível investigar causídico constituído em função dos honorários por ele recebidos;

- não é dever do advogado investigar a origem dos honorários recebidos pela prestação de um serviço jurídico, tampouco não é seu dever informar o Estado a respeito de bens e valores movimentados por seus clientes, em respeito ao sigilo profissional.

Em arremate, requer o conhecimento e provimento dos embargos infringentes, para acolher integralmente o voto vencido.

O ilustrado representante ministerial manifestou-se pelo desprovimento do recurso (ID 279222901).

Este, o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Seção
 

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 0004963-49.2015.4.03.6000

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

EMBARGANTE: MARIA CRISTINA HERRADOR RAITZ

Advogado do(a) EMBARGANTE: EKETI DA COSTA TASCA - SP265288-A

EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

ORIGEM: 3ª VF CRIMINAL DE CAMPO GRANDE MS

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Como se verifica do relatório, a questão que está em debate nestes embargos infringentes relaciona-se à corporificação da figura delitiva capitulada no art. 1°, §1°, inciso II, da Lei n° 9.613/98.

Assim, o recurso deve ser conhecido apenas nessa parte, uma vez que a respeito do pleito de reconhecimento de nulidade da sentença não houve discrepância entre os votantes, tendo o voto vencido consignado a respeito que:

Acompanho a e. Relatora em relação à inexistência de nulidade da sentença. Conforme fundamentado no voto, não houve ofensa ao princípio do juiz natural, pois a designação, substituição e convocação de Juízes Federais atendeu aos critérios administrativos de conveniência e oportunidade deste Tribunal Regional para melhor administração da Justiça”.
 

No que concerne à presente apreciação, tem-se que o voto preponderante, exarado pela MMª. Juíza Federal Louise Filgueiras, salienta que o delito de lavagem de dinheiro consiste no mascaramento de recursos de origem ilícita, provenientes de infração penal antecedente, no caso, de apontado tráfico de drogas, comprovado através de processos criminais integrantes da chamada “Operação Beirute”.

Assevera que o conjunto probatório aponta a autoria delitiva da ré, condenada em primeira instância, e também afasta dúvidas quanto à sua conduta volitiva em praticar o crime previsto no artigo 1º, § 1º, II, da Lei 9.613/98.

Dessa interpretação discordou o e. Des. Federal Paulo Fontes, prolator do voto-vencido, para quem a materialidade do ilícito e o dolo da acusada não restaram configurados.

Ressalta que para tanto não basta a ocultação de valores, sendo necessária a comprovação de atividade voltada à legitimação dos recursos escusos e tal circunstância não restou comprovada na espécie, restando revelada apenas a existência de importâncias ocultas em transporte pela ré.

Acentua que não resultou demonstrada a vontade livre e consciente por parte da recorrente em reverter a origem ilícita do dinheiro, não se cogitando de crime de lavagem embasado em mera posse de numerários.

Realça que o e. STF, na APN 470, já deliberou que os atos dissimulados empregados no recebimento de valores ilícitos não constituem crime autônomo de lavagem de dinheiro.

Sintetizados os posicionamentos conflitantes, inclino-me pela preponderância do voto vencido.

De início, calha uma breve digressão dos fatos, elucidando-se que em 02/04/2015 a ora embargante, advogada militante no âmbito criminal, foi surpreendida em fiscalização de rotina na rodoviária de Campo Grande/MS, em meio a um deslocamento que intencionava efetivar até Corumbá/MS, transportando em sua bagagem a quantia de US$ 390.000,00 (trezentos e noventa mil dólares americanos).

Além do numerário, localizaram-se em seus pertences apontamentos acerca de acusados na denominada “Operação Beirute”, voltada à investigação de perpetração de tráfico internacional de droga e que redundara em apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes, mais de uma tonelada de cocaína, em localidades distintas, dentre as quais Santos/SP e Guarujá/SP.

Nesse contexto, houve o oferecimento de denúncia contra a ora recorrente, a qual, em Primeiro Grau de Jurisdição, sofreu condenação à pena de 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime semiaberto, além de 65 (sessenta e cinco) dias-multa, sendo o valor da multa correspondente a 1/30 (um trigésimo) do valor do maior salário mínimo, pela prática do crime do artigo 1°, § 1º , II, da Lei 9.613/1998, e pela tentativa do crime do artigo 22, parágrafo único, da nº Lei 7.492/86, em concurso formal.

Interpostos recursos por ambas as partes, o do MPF foi improvido e o defensivo, parcialmente acolhido, para absolver a ré da imputação do artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, mantendo-se, em votação majoritária, a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ensejando a agilização dos presentes embargos.

Pois bem; quanto aos fatos retratados, de logo não se ignora a extrema inusualidade de se deparar com pessoa portando tal ordem de valores ao empreender viagem.

A situação se exaspera dado o contexto fático-probatório que cerca o episódio (antecedente prática de traficância em aparente conexidade com o evento em referência) e também porque a justificativa apresentada padece de fragilidade. Em síntese, diz-se que o transporte do numerário se relacionaria ao execício profissional da acusada e que o numerário haveria de ser deslocado até a cidade de Corumbá/MS, conforme deliberado em tratativas com clientes, sendo desconhecida tanto a origem ilícita do numerário como o fato de se cuidar de uma região fronteiriça. Ora, tal versão ficou isolada ante os sólidos subsídios de convicção em sentido contrário.

A bem da verdade, dos elementos probatórios reunidos, há vestígios de que houve anterior prática de tráfico de drogas - reporto-me aqui à Operação Beirute e às ações criminais de nºs. 0003875-71.2014.403.6109; 0004020-30.2014.4.403.6109; 0005879-81.2014.403.6109 e 0007557-34.2014.403.6109 - e também de que a quantia localizada em poder da recorrente derivasse da ilicitude. Para evitar tautologia - o voto vencedor cuidou de forma percuciente do assunto -, cito apenas os apontamentos/anotações com ela encontrados e que acenariam a tal correlação.

Contudo, vale esclarecer ser noção frequente na jurisprudência a de que o mero ato de transportar importâncias decorrentes de atividades ilícitas não serve à comprovação, por si só, do crime de ocultação de capitais.

Abalizada doutrina também encampa referida tese, ao pontuar, na abordagem do art. 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro, que Ocultar expressa o ato de esconder a coisa, tirar de circulação, subtrair da vista. Traduz o conceito de uma atividade com que se procura impedir ou dificultar o encontro da coisa. Consuma-se com o simples encobrimento da coisa através de qualquer meio, desde que o agente o faça com a intenção de, no futuro, converter o bem em um ativo lícito.” (DE LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. 6ª ed., JusPODIVM, 2021, pág. 676 - destaquei).

Compreende-se que, para a cabal configuração delituosa, cujo objeto está na proteção da ordem econômico-financeira, o escamoteamento dos recursos financeiros deve estar conjugado a subsídios probantes outros que venham a revelar a presença do elemento subjetivo na conduta do acusado, demonstrando que seu intento estava em atribuir às importâncias uma compleição de licitude.

Reside nesse particular o motivo de minha adesão ao voto vencido.

No caso em exame, percebe-se precariedade probatória justamente no que tange à intenção de branqueamento dos numerários, tendo o magistrado sentenciante adotado o raciocínio de que a corporificação do tipo penal em referência vincula-se, basicamente, à ocultação de valores e a presença na conduta do agente do elemento volitivo voltado a tal finalidade (a ocultação) (ID 275649978 - Pág. 234).

Por sua vez, o acórdão nada adita de relevante nesse particular, qual seja, a intenção de recolocar o numerário na economia formal, infirmando-lhe a gênese espúria.

Tal pensamento não condiz com a moderna tendência jurisprudencial, a entender que simples comportamento de manter, às ocultas, valores derivados de prática ilícita não é bastante à consubstanciação do crime em estudo. A intenção, como dito, deve residir no branqueamento de capitais.

Por outros termos, resta imprescindível a demonstração de que a ação do apontado agente tinha por objetivo não apenas esconder os haveres, mas encobrir a própria origem ilícita destes, apartando-os da ação criminosa pretérita, com vistas à sua progressiva reinclusão na economia formal, com ares de liceidade.

Destarte, na ausência de demonstração cabal da vontade da acusada concatenada à reintrodução do dinheiro na economia formal com aparência de licitude, outra medida não colhe senão a sua absolvição no que pertine à prática do delito previsto artigo 1º, “caput”, e § 2º, inciso I, da Lei n. 9.613/98, na esteira do sustentado pelo voto vencido.

A contexto, confira-se revelador excerto de voto exarado no Excelso Pretório pelo Min. Edson Fachin, no Inq 4633:

Entretanto, tal agir não se subsome, com a perfeição que exige o princípio da estrita legalidade, a quaisquer das ações típicas descritas no art. 1º, § 1º, II, da Lei n. 9.613/1998, pois mero transporte, por si só, não configura atos de ocultação, tampouco de dissimulação das respectivas quantias. Aliás, embora o aludido dispositivo legal elenque a movimentação e a transferência de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal como ações típicas e equiparadas ao crime de lavagem de capitais, estas devem ser voltadas à finalidade específica de afastar o produto de crime anterior de sua origem, não admitindo a aderência subjetiva pelo dolo eventual.”.

(Segunda Turma, julgado em 08/05/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 07-06-2018 PUBLIC 08-06-2018).
 

Em sincronia, os seguintes precedentes jurisprudenciais, do c. STJ e também desta e. Corte:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE PRESENTE. 2. FURTO DE COMBUSTÍVEL E REVENDA. CRIME TRIBUTÁRIO. NÃO EMISSÃO DE NOTA. CONTRADIÇÃO. 3. LAVAGEM DE CAPITAIS. DOLO DE OCULTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO. 4. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. VÍNCULO SUBJETIVO ENTRE OS DENUNCIADOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. 5. PRÁTICA EM TESE DE CRIMES. POSSIBILIDADE EM REGRA DE EMENDATIO. NARRATIVA INCOMPLETA. SUBSUNÇÃO CONTROVERSA. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR. 6. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.

(…)

3. Igualmente, não é possível aferir em que momento houve o crime de lavagem de dinheiro, porquanto a narrativa se refere à subtração de combustível ou mesmo à sonegação de tributo referente ao combustível, sem que se tenha narrado de que forma os denunciados estariam tentando camuflar a origem dos valores provenientes das referidas infrações penais. A inicial acusatória não narra sequer a primeira fase do crime de lavagem, mas apenas a subtração do combustível por um dos denunciados, com sua venda aos outros três denunciados. Note-se que o combustível é o próprio objeto do delito de furto e de receptação, não havendo descrição de eventual tentativa de dissimular a origem dos valores obtidos com mencionados delitos. Assim, diante da ausência de narrativa do "elemento subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando tais ações, atingir o propósito de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de quaisquer dos crimes indicados na norma incriminadora", encontra-se deficientemente imputado o crime de lavagem de dinheiro trazido na denúncia.

(...)

(RHC 98.228/PA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 1º, INCISO I, E § 1º, INCISO II, DA LEI Nº 9.613/98 (EM REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 12.683/12). MATERIALIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA. CONDUTA QUE NÃO DISSIMULOU A ORIGEM DE VALORES RECEBIDOS COM A PRÁTICA DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. APELAÇÃO DA DEFESA PROVIDA.

1. A materialidade do delito não restou sobejamente demonstrada, não estando patenteado o mecanismo da lavagem.

2. A Lei nº 9.613 de 1998 descreve o crime de lavagem ou ocultação de bens, que consiste no ato de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores que sejam frutos de crimes.

3. Para o crime restar configurado não basta apenas o simples ato de ocultação, de esconder bens de origem delitiva, havendo a necessidade de estar demonstrada uma atividade voltada à simulação, dando uma roupagem legítima a recursos escusos.

4. Deve estar demonstrado também elemento subjetivo que é a vontade de lavar o capital, de reinseri-lo na economia formal com aparência de licitude. 

5. O fato de haver ocultado em seu veículo o dinheiro proveniente de tráfico de entorpecentes não aponta a sua intenção de branqueá-lo, dando aparência de licitude da obtenção dos valores.

6. Não há previsão legal no ordenamento pátrio do crime de lavagem amparado na mera posse, guarda ou movimentação do produto, desacompanhados de um atuar voltado ao distanciamento do dinheiro sujo, ou seja, à reciclagem do capital.

7. Na verdade, transportar os valores recebidos com a prática dos crimes de tráfico transnacional de drogas é um desdobramento natural, ou seja, um mero exaurimento da prática criminosa antecedente.

8. Assim, não restaram demonstrados a materialidade do crime de lavagem de dinheiro e nem o dolo do acusado, razão pela qual a conduta é atípica.

9. Apelação da defesa provida”.

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0004553-64.2010.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 29/06/2022, DJEN DATA: 04/07/2022 – destaquei).
 

Vale transcrever, ainda, excerto de julgado desta c. Quarta Seção:

 

EMBARGOS INFRINGENTES. "OPERAÇÃO OCEANOS GÊMEOS" LAVAGEM DE DINHEIRO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO DE PABLO ALEGADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. REJEITADA. ABSOLVIÇÃO DE ELIZABETH MANRIQUE ALBEAR. AUSÊNCIA DE DOLO. CONDUTAS DE LAVAGEM PRATICADAS POR PABLO RAYO MONTAÑO E MIGUEL FELMANAS. CONDUTAS DE INTERNALIZAÇÃO DO DINHEIRO E AS SEGUINTES AQUISIÇÕES OU COMPRAS DE BENS DECORRENTES DO MESMO VALOR INTERNALIZADO. CRIME ÚNICO DE LAVAGEM. AQUISIÇÕES DE OBRAS DE ARTE - CAVALOS E JÓIAS - CRIMES DA MESMA ESPÉCIE - QUE OCORRERAM EM CONSIÕES SEMELHANTES DE TEMPO - LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS.

(...)

IV - No tocante às condutas de internalização do dinheiro e subsequentes aquisições de bens, a forma como foram narradas na denúncia e posteriormente comprovadas, durante a instrução processual, demonstra que a internalização do dinheiro (no caso, R$ 814.000,00) configura a primeira fase da lavagem, qual seja, a ocultação do valor ilícito, enquanto as condutas subsequentes, consistentes na aquisição de alguns bens, caracterizam a segunda fase, ou seja, a dissimulação para a consequente integração de tais bens na economia formal, condutas tais que foram praticadas no mesmo contexto fático e que envolviam o mesmo valor, com a finalidade única (ou seja, mesmo elemento subjetivo) de lavar essa específica quantia de dinheiro ilícito internalizada no país.

V - Portanto, foi praticada uma sequência de atos por Pablo e Miguel, em coautoria, voltada ao ato final de integração do mesmo capital ilícito na economia formal. Ressalte-se, capital internalizado no país justamente para tal fim.

VI - O caput do artigo 1º, da Lei n.º 9.613/1998, descreve dois comportamentos distintos, quais sejam, ocultar e dissimular. Entretanto, não se deve olvidar que se trata de crime de ação múltipla, em que a realização de qualquer das condutas descritas concretiza a consumação do delito de lavagem de dinheiro, desde que, por óbvio, acompanhada do elemento subjetivo do tipo (finalidade de reinserir o dinheiro "sujo" na economia formal, de forma a dar-lhe aparência de lícito). Portanto, inadmissível aqui o concurso de delitos no caso em que o agente pratica as duas ações descritas no tipo penal, dentro do mesmo contexto fático e sobre o mesmo numerário.

(...)

IX - A absolvição de Elizabeth Manrique Albear deve ser mantida. Da leitura da denúncia, não verifico a narrativa de condutas praticadas pela ora embargante que se caracterizem como crime de lavagem de dinheiro, na modalidade ocultação, sobretudo diante da ausência do elemento subjetivo, qual seja, a vontade ou intenção de limpar o capital e reinseri-lo no círculo econômico com aparência lícita.

X - As condutas de guardar e utilizar bens móveis valiosos (ressalte-se, os quais sequer foram individualizados na denúncia), notadamente jóias (aliás, mulheres costumam ser presenteadas pelos maridos com jóias) não são condutas que se subsumem ao art. 1º da Lei n.º 9.613/98 (vigente à época dos fatos), se desprovidas do elemento subjetivo do delito.

XI - Além disso, os poucos diálogos decorrentes de interceptações telefônicas, que registram Elizabeth tratando de remessa de dinheiro para Pablo, utilizados pelo voto condutor para condená-la pela prática do crime acima descrito, a meu ver, são insuficientes, pois, além de não provarem nenhuma ocultação de bens por ela praticada (conduta pela qual foi denunciada) também não vêm corroborados por outros elementos de prova, produzidos em juízo e sob o crivo do contraditório, que demonstrem sua eventual coautoria com o então marido, na prática do crime de lavagem de dinheiro, na modalidade ocultação.

XII - Embargos infringentes providos”.

(TRF 3ª Região, QUARTA SEÇÃO, EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 46253 - 0006251-86.2006.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 20/04/2017, e-DJF3 Judicial 05/05/2017 - destaquei)
 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO aos embargos infringentes na parte em que conhecidos, com vistas à preponderância do voto vencido, para absolver a acusada da prática do crime definido no art. 1°, § 1°, inciso II, da Lei nº 9.613/1998, na forma da fundamentação.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. LAVAGEM DE CAPITAIS. ARTIGO 1º, §1º, II, DA LEI 9.613/98. DIVERGÊNCIA SOBRE A CORPORIFICAÇÃO DELITIVA. INOCORRÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO NA CONDUTA DA ACUSADA. RECURSO PROVIDO.

- A divergência motivadora destes embargos infringentes relaciona-se à corporificação da figura delitiva capitulada no art. 1°, §1°, inciso II, da Lei n° 9.613/98.

- Não conhecimento do recurso nas parcelas alheias à referida discussão.

- É noção frequente na jurisprudência a de que o mero ato de transportar importâncias decorrentes de atividades ilícitas não serve à comprovação, por si só, do crime de ocultação de capitais.

- Compreende-se que, para a cabal configuração delituosa, hão de existir subsídios probantes reveladores da presença do elemento subjetivo na conduta do acusado, a demonstrar que seu intento estava em atribuir às importâncias uma compleição de licitude.

- No caso sob exame, percebe-se precariedade probatória precisamente no que tange à intenção de branqueamento dos numerários.

- Ao êxito do intento acusatório restaria imprescindível a demonstração de que a ação da ré tinha por objetivo não apenas esconder os haveres, mas encobrir a própria origem ilícita do dinheiro, apartando-o da ação criminosa pretérita, com vistas à sua progressiva reinclusão na economia formal, com ares de liceidade.

- À míngua de demonstração cabal da vontade da acusada voltada à reintrodução do dinheiro na economia formal com aparência de licitude, premente se faz a sua absolvição no que pertine à prática do delito previsto artigo 1º, “caput”, e § 2º, inciso I, da Lei n. 9.613/98, na esteira do sustentado pelo voto vencido. Precedentes.

- Pertinência da proclamação imediata de deliberação favorável à ré, face à consolidação de situação de empate apta a propiciar a aplicação da nova redação do art. 615, § 1º, do CPP, trazida pela Lei nº 14.836/2024.

- Recurso provido, na parte em que conhecido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, após os votos dos Desembargadores Federais ALI MAZLOUM (Relator), JOSÉ LUNARDELLI, PAULO FONTES e MAURICIO KATO, no sentido de dar provimento aos Embargos Infringentes e de Nulidade, e os votos dos Desembargadores Federais ANDRÉ NEKATSCHALOW, FAUSTO DE SACTIS, NINO TOLDO e HÉLIO NOGUEIRA, que divergiram do relator para negar provimento aos Embargos Infringentes e de Nulidade, a Quarta Seção, diante do empate na votação e em atenção ao disposto no § 1º do Art. 615 do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 14.836, de 08 de abril de 2024), DEU PROVIMENTO aos Embargos Infringentes e de Nulidade na parte em que conhecidos, com vistas à preponderância do voto vencido, para absolver a acusada da prática do crime definido no art. 1°, § 1°, inciso II, da Lei nº 9.613/1998, nos termos do voto do Desembargador Federal ALI MAZLOUM (Relator), que lavrará o acórdão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.