EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001554-43.2020.4.03.6181
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
EMBARGANTE: MARCELO DIAS DE AGUIAR
Advogados do(a) EMBARGANTE: CLARISSA DE FARO TEIXEIRA HOFLING - SP219068-A, GABRIELE DA COSTA RIBEIRO - SP426855, GIOVANNA FERRARI - SP397052-A, SOFIA VIVAN FIORAVANTI - SP472765
EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001554-43.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO EMBARGANTE: MARCELO DIAS DE AGUIAR Advogados do(a) EMBARGANTE: CLARISSA DE FARO TEIXEIRA HOFLING - SP219068-A, GABRIELE DA COSTA RIBEIRO - SP426855, GIOVANNA FERRARI - SP397052-A, SOFIA VIVAN FIORAVANTI - SP472765 EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos infringentes e de nulidade opostos pela defesa de Marcelo Dias Aguiar (id. 274250864) em face do acórdão da 11ª Turma desta Corte Regional que, por maioria, negou provimento ao seu recurso de apelação (id. 273349922), nos termos do voto da relatora, Juíza Federal Convocada Monica Bonavina, no que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Nino Toldo (id. 272829874). Vencido o Desembargador Federal José Lunardelli que dava provimento à apelação da defesa para determinar a restituição do automóvel VW/Golf, cor preta, placas ETH 3546, ano de fabricação 2011 (id. 270338174). O acórdão foi assim ementado: PROCESSUAL PENAL. PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. OPERAÇÃO VOO BAIXO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A QUO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DA ORIGEM LÍCITA DOS BENS APREENDIDOS. ART. 118 DO CÓDIGO DE PROCESO PENAL. ART. 91 DO CÓDIGO PENAL. APELAÇÃO DEFENSIVA NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. - No processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358). - Por sua vez, a teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Já o art. 120 do mesmo diploma determina que a restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. - Sem prejuízo do exposto, há que se observar, ainda, os termos do art. 91 do Código Penal, referente aos efeitos da condenação, tratando da perda de bens em favor da União. - Como já fundamentado anteriormente de forma mais detalhada, tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP. - Subsistindo dúvidas sobre a real propriedade do bem acautelado e especialmente sobre a origem dos valores para sua aquisição, não havendo comprovação da origem dos valores que teriam sido utilizados pelo apelante, na compra do veículo e não tendo se mostrado suficientes os documentos apresentados pela defesa com tal ínterim, a restituição pretendida é de ser obstada, com fundamento nos artigos 118 e 120, ambos do Código de Processo Penal. - Apelação defensiva desprovida. Nos presentes embargos infringentes pleiteia-se o prevalecimento do voto vencido para que seja restituído o automóvel VW/GOLF, cor preta, placas ETH3546, uma vez que é terceiro de boa-fé, que o adquiriu de forma lícita, bem como não é investigado pelos crimes tratados nos autos principais (id. 274250864). Os embargos infringentes foram recebidos pelo relator da apelação (id. 275076415) e redistribuídos a minha relatoria, nos termos do artigo 266, §2º, do Regimento Interno desta Corte (id. 275160788). A Procuradoria Regional da República manifestou-se pela rejeição do recurso (id. 282378580). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001554-43.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO EMBARGANTE: MARCELO DIAS DE AGUIAR Advogados do(a) EMBARGANTE: CLARISSA DE FARO TEIXEIRA HOFLING - SP219068-A, GABRIELE DA COSTA RIBEIRO - SP426855, GIOVANNA FERRARI - SP397052-A, SOFIA VIVAN FIORAVANTI - SP472765 EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Os embargos infringentes e de nulidade têm natureza jurídica de impugnação privativa da defesa, cabíveis apenas em face de acórdãos não unânimes de apelação e recurso em sentido estrito, com delimitação objetiva de matéria, pois restritos às questões jurídicas objeto de dissenso no órgão julgador. No presente caso, a discordância cinge-se à demonstração do embargante como adquirente de boa-fé e a consequente restituição do automóvel VW/Golf, cor preta, placas ETH 3546, ano de fabricação 2011. Passo, pois, a análise da divergência. O voto condutor negou provimento à apelação defensiva, de forma a entender que ainda restavam dúvidas sobre a real propriedade do bem apreendido, bem como a origem dos valores para aquisição do veículo, com a seguinte fundamentação (id. 265815804): “(...) PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS A apreensão de objetos que guardem relação com o fato criminoso, sejam estes de origem lícita ou ilícita, consiste em uma das várias diligências que podem ser realizadas no curso de uma investigação. É medida empregada, sobretudo, para preservar provas, mas também para garantir o futuro retorno da coisa ao legítimo dono e/ou sua eventual perda em favor da União (confisco). Tem-se que, no processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358). Nesse sentido, os objetos e/ou coisas apreendidas devem, em princípio, ficar sob a custódia da autoridade policial durante toda a investigação e, após a sua conclusão, deverão ser encaminhados, juntamente com os autos do inquérito, à autoridade judiciária, nos termos do art. 11 do CPP. A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé. Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Destaque-se que os dispositivos aos quais o art. 119 do CPP faz referência, quais sejam, os artigos 74 e 100 do Código Penal, tratam-se, na realidade, de disposições anteriores à reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei n.° 7.209/1984), as quais, atualmente, correspondem ao art. 91, II, do Código Penal (referente aos efeitos da condenação), in verbis: Art. 91. São efeitos da condenação: (…) II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído. Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP. Em outras palavras, tem-se que instrumentos e produtos do crime não devem ser restituídos em qualquer hipótese, bem como que outras coisas apreendidas apenas poderão ser restituídas a partir do momento em que não mais interessarem ao processo, sempre mediante comprovação de sua origem lícita. A propósito, acerca do tema ora tratado, vide os julgados que seguem: REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017) INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017) Ademais, cuidando-se a situação concreta de potencial perpetração do delito de lavagem de dinheiro incide também o arcabouço normativo disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.613/1998, que estabeleceu a inversão do ônus da prova da origem lícita do bem pelo investigado, na esteira da Convenção de Viena sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (art. 5º, item 7), da Convenção de Palermo contra o Crime Organizado Transnacional (art. 12, item 7), da Convenção de Varsóvia sobre Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (art. 3º, item 4) e da Recomendação nº 4º do Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, cabendo salientar que a Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/1998, no seu item 67, deixa evidente que essa inversão restringe-se à apreensão e ao sequestro de ativos. Nessa toada, o legislador, para viabilizar a medida assecuratória, consagrou a presunção juris tantum da ilicitude, desde, é claro, que presentes indícios suficientes (art. 4º, caput), que somente restarão afastados a partir do momento em que o interessado comprovar o contrário. Por fim, ressalte-se que o ordenamento jurídico atualmente em vigor (por força da edição da Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012) permite que a perda, em favor da União Federal, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso ocorra pelo importe equivalente quando o produto ou o proveito do crime não for encontrado (ou quando localizado no exterior), inferência passível de ser constatada pela dicção do art. 91 do Código Penal (especialmente de seus §§ 1º e 2º). Os parágrafos 1° e 2° do art. 91 do Código Penal assim dispõem: Art. 91 - São efeitos da condenação: (...) II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (…) b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012). § 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012). Destaque-se que a alteração legislativa promovida pela Lei nº 12.694/2012 decorreu das disposições sobre o tratamento de bens delineadas nas Convenções da Organização das Nações Unidas – ONU sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (Viena, promulgada pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991), sobre o Crime Organizado Transnacional (Palermo, de 15 de novembro de 2000, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de setembro de 2003), e sobre Corrupção (Mérida, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), sendo tais consideradas marcos globais referenciais sobre o tema. Nesse diapasão, o art. 5º, item 01, "a", da Convenção de Viena, esclarece que cada parte adotará as medidas necessárias para autorizar o confisco: a) do produto derivado de delitos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, ou de bens cujo valor seja equivalente ao desse produto, bem como o seu item 2 testifica que cada Parte adotará também as medidas necessárias para permitir que suas autoridades competentes identifiquem, detectem e decretem a apreensão preventiva ou confisco do produto, dos bens, dos instrumentos ou de quaisquer outros elementos a que se refere o parágrafo 1 deste Artigo, com o objetivo de seu eventual confisco. Por sua vez, os itens 02, 03 e 04 do art. 12 da Convenção de Palermo deixam assentado, respectivamente, que: os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, para efeitos de eventual confisco; se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do referido produto e se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão, ser confiscados até ao valor calculado do produto com que foram misturados. A seu turno, o art. 31, item 05, da Convenção de Mérida, bem elucida que quando esse produto do delito se houver mesclado com bens adquiridos de fontes lícitas, esses bens serão objeto de confisco até o valor estimado do produto mesclado, sem menosprezo de qualquer outra faculdade de embargo preventivo ou apreensão. Também dentre as conhecidas Quarenta Recomendações do Grupo de Ação Financeira (Groupe d'Action Financière sur le Blanchiment de Capitanx - GAFI ou Financial Action Task Force on Money Laundering - FATF), do qual o Brasil é integrante desde setembro de 1999, há expressa determinação da perda visando adotar medidas para prevenir ou evitar atos que prejudiquem a capacidade do Estado para recuperar bens sujeitos à perda, obstando-se a transferência em cessão dos referidos bens apreendidos e alcançando, inclusive, valores correspondentes ao montante lavado. A Recomendação n.º 04 deixa clara a não exigência de condenação criminal prévia para a perda de bens, cabendo a inversão do ônus da prova. Nesse contexto, infere-se a plena possibilidade, com supedâneo tanto em convenções internalizadas no país como no próprio ordenamento pátrio, de que constrição destinada a fazer frente à obrigação de perda, em favor da União Federal, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso recaia sobre patrimônio até mesmo preexistente ao marco temporal tido como de perpetração da infração penal, o que é comumente conhecido como sendo medida assecuratória pelo equivalente, expediente que encontra o beneplácito da jurisprudência tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INSTRUMENTO DE DEFESA. EMBARGOS. CONTUMÁCIA DO RECORRENTE. DECISÃO ACERCA DO SEQUESTRO. NATUREZA DEFINITIVA. AJUIZAMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVO DO MEIO DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL. PRAZO DA APELAÇÃO DECORRIDO IN ALBIS. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO APELO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO. INÉRCIA. TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA/STF 267. VEDAÇÃO LEGAL À UTILIZAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA (LEI 12.016, ART. 5º, III). AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EXAME DO ARCABOUÇO FÁTICO. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O RITO DO MANDADO DE SEGURANÇA. CAPÍTULO DO MÉRITO DO SEQUESTRO. DECADÊNCIA DO MANDAMUS. RECURSO DESPROVIDO. (...) Ademais, a Lei 12.694/2012 alargou o espectro de incidência das medidas cautelares assecuratórias, ao inserir os §§ 1º e 2º do art. 91 do CP. Desse modo, o sequestro pode abranger, igualmente, bens ou valores de origem lícita, equivalentes ao produto ou proveito da infração, se estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior. (...) (STJ, RMS 49.540/RS, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017) PENAL. PROCESSO PENAL. DELITOS DOS ARTS. 19 E 20, AMBOS DA LEI N. 7.492/86, 171, DO CÓDIGO PENAL E 1º DA LEI N. 9.613/98. LAVAGEM DE DINHEIRO, BENS E VALORES. DESBLOQUEIO DE VALORES. ORIGEM LÍCITA. PROVA. INEXISTÊNCIA DE PERICULUM IN MORA. EXCESSO DE PRAZO E EXCESSO DA MEDIDA. INDISPONIBILIDADE DE VALORES NAS CONTAS BANCÁRIAS DA PESSOA JURÍDICA. (...) 4. É possível que o sequestro abranja bens ou valores lícitos do criminoso, como forma de compensação, quando não for possível localizar os bens ou valores desviados com a prática do ilícito, a teor do art. 91, §§ 1º e 2º, do Código Penal. (...) (TRF3, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 60509 - 0013288-86.2014.4.03.6181, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 08/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/06/2015) DO CASO CONCRETO Consta dos autos que Felipe Dias Aguiar teve bens apreendidos em sua residência, dentre os quais o automóvel VW/GOLF, cor preta, placas ETH 3546, ano de fabricação 2011, no bojo da “Operação Voo Baixo”, instaurada para a investigação de suposta organização criminosa voltada para o delito de tráfico transnacional ilícito de entorpecentes e lavagem de capitais provenientes da prática delituosa. Diante de tal decisão, MARCELO DIAS DE AGUIAR, pai do referido réu, entretanto, impetrou pedido de restituição, alegando ser o legítimo proprietário de referido veículo, o qual teria sido adquirido, com dinheiro obtido de trabalho lícito, não existindo qualquer ligação de tal transação comercial com as imputações formuladas contra seu filho. Afirma o peticionário, assim, tratar-se de terceiro de boa-fé, sem qualquer participação na perpetração do delito em questão, razão pela qual insurgiu-se requerendo a restituição de tal veículo, o que foi indeferido pelo juízo a quo, e irresignado o requerente, gerou-se a presente Apelação. Em que pesem os argumentos defensivos, não há que se falar em devolução dos bens apreendidos, uma vez que não demonstrada a condição de terceiro de boa-fé de MARCELO DIAS DE AGUIAR. Como já fundamentado anteriormente de forma mais detalhada, tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP. Primeiramente, é de se ressaltar que, em que pese a declaração acostada à fl. 1 do ID n. 135358904, fato é que a documentação do veículo sequer estava regularizada em nome do peticionário MARCELO DIAS DE AGUIAR, de modo a comprovar a propriedade indubitável do peticionário, sendo que o CRLV do veículo encontrava-se em nome de terceiro José Carlos Januário, que, conforme consta da referida declaração trazida aos autos, teria vendido o veículo automotor a Décio Cassio Rogante, e, este, posteriormente, a MARCELO DIAS DE AGUIAR, trâmites todos sem a devida regularização no órgão competente. Inclusive, os depósitos realizados por MARCELO tampouco foram feitos à pessoa de Décio ou mesmo José Carlos, mas sim a terceira pessoa, in casu, Silvana Vera Rios, o que teria sido feito, segundo o peticionário, a pedido do vendedor Décio, não existindo nos autos o contrato de compra e venda com tais termos, ou mesmo manifestação de tal pessoa nesse sentido. Ainda que assim não fosse e se desconsiderasse o imbróglio no pagamento e irregularidade formal do documento do veículo, a legítima propriedade do bem, nos termos do que preconiza o art. 120 do Código de Processo Penal, como já argumentado alhures, engloba não apenas a demonstração de que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse, o que não foi realizado devidamente pela defesa do requerente. Conforme trazido pelo órgão acusatório, Felipe Dias Aguiar foi investigado nos autos principais pela prática dos delitos do artigo 35, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei nº 13.343/2006, sendo possível infirmar suas atividades ilícitas ao menos entre 24 de setembro de 2019 e 26 de novembro de 2019. Isto porque, dentre os fatos imputados a Felipe, consta que o acusado foi flagrado, em 24 de setembro de 2019, em pista de pouso clandestina localizada em Alcinópolis/ MS, carregando aeronave com fardos que aparentavam ser entorpecentes. Além disso, em 26 de novembro de 2019, Felipe teria pousado aeronave no município de Americana/SP, circunstância na qual agentes policiais prenderam no local outros dois membros da organização criminosa na posse de 507 (quinhentos e sete) quilos de cocaína. E, conforme é possível extrair-se da documentação acostada pelo próprio peticionário, foi justamente durante este intervalo de tempo que MARCELO DIAS DE AGUIAR adquiriu o veículo ora requerido. Vê-se, a esse respeito, que o cheque utilizado para o pagamento de parte do automóvel apreendido foi depositado em 23 de outubro de 2019, momento, portanto, no qual Felipe auferiria receita decorrente do tráfico de drogas. Inclusive, como bem apontado pela r. sentença a quo, o automóvel foi apreendido em endereço ligado a Felipe, indicando ser este o real proprietário do bem. Ainda a esse respeito, válido ressaltar que não foram acostados aos autos quaisquer informações precisas sobre o momento processual em que se encontra o referido feito principal, nem se já foram realizadas as perícias devidas no veículo apreendido e o conteúdo de tais eventuais laudos, o que torna, por si só, prematura a devolução de referido bem ao considerar-se a fase inicial em que se encontram as investigações, no qual, por certo, ainda não foi proferida sentença em primeiro grau, desautorizando a conclusão de que MARCELO DIAS trata-se, de fato, de terceiro de boa-fé. Dessa forma, somente ao final das investigações poderá ser aclarado se, realmente, o apelante era o verdadeiro proprietário do veículo e as razões para que tal bem se encontrasse na residência de Felipe, fazendo-se absolutamente necessário, portanto, o término da instrução processual, para a possível delineação da legalidade do bem. Nesse sentido, veja-se o seguinte precedente desta E. 11ª Turma, in verbis: INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017) - destaque nosso. Assim, nesse contexto, a demonstração de que MARCELO DIAS DE AGUIAR possui renda lícita não comprova, per se, que o dinheiro utilizado para pagar o cheque apresentado possui a mesma origem, e não adveio das atividades irregulares de Felipe. Frise-se, por fim, que a referida “Operação Voo Baixo” trata, além dos delitos de tráfico e organização voltada para o tráfico ilícito de entorpecentes, também dos delitos de lavagem de dinheiro, costumeiramente utilizados por tal organização criminosa, o que torna ainda mais importante o esclarecimento minucioso da legalidade da origem dos valores utilizados para a aquisição dos bens apreendidos. Com tais considerações, subsistindo dúvidas sobre a real propriedade do bem acautelado e especialmente sobre a origem dos valores para sua aquisição, não havendo comprovação da origem dos valores que teriam sido utilizados pelo apelante MARCELO DIAS DE AGUIAR, na compra do veículo e não tendo se mostrado suficientes os documentos apresentados pela defesa com tal ínterim, a restituição pretendida é de ser obstada, com fundamento nos artigos 118 e 120, ambos do Código de Processo Penal. Assim, de rigor a manutenção da decisão levada a efeito pelo MM. Juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo/SP, devendo, assim, ser negado provimento ao recurso de Apelação interposto por MARCELO DIAS DE AGUIAR. (...)” Por sua vez, o voto vencido entendeu demonstrada a boa-fé do ora embargante, assim como comprovada a aquisição com proveitos lícitos, senão vejamos: “(...) Diferentemente da e. Relatora, entendo que o veículo deve ser restituído ao ora apelante, o qual sequer é investigado nos autos nº 0004460-62.2018.403.6181, pelos motivos que passo a expor. Assim dispõe o art. 63-B da Lei 11.343/2006, in verbis: Art. 63-B. O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e objeto de medidas assecuratórias quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Compulsando os autos, tenho que o apelante demonstrou a aquisição lícita do automóvel que pretende lhe seja restituído, por meio das transações declinadas nos autos. Vejamos. O ora apelante é terceiro de boa-fé, não investigado nos autos supracitado, não tendo qualquer relação com os supostos delitos perpetrados por seu filho Felipe Dias Aguiar. Ademais, demonstrou ser o legítimo proprietário do bem em questão, o qual adquiriu da pessoa de Décio Cassio Rogante, pela quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), utilizando, como meio de pagamento, a entrega de seu veículo antigo VW/Fox 1.0 Route, cor prata, placas DWC 1768, ano de fabricação 2007, mais a quantia de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), representada pelo cheque n. 002126, emitido pelo próprio apelante, nominal a Silvania Vera Rios, conforme instruído pelo alienante Décio. E, para comprovar o quanto alegado, juntou os documentos necessários para tanto (ID135358903, ID 135358904, ID 135358905, ID 135358906). Além de ter preenchido o cheque, no valor de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), nominal a Silvânia, o qual foi depositado em sua conta bancária, conforme extrato de ID 135358905, também transferiu seu antigo veículo (VW/Fox 1.0 Route, cor prata, placas DWC 1768, ano de fabricação 2007) diretamente a ela (ID 135358903), conforme solicitado por Décio. Necessário esclarecer, por oportuno, que a realização de depósito em dinheiro no valor de R$ 10.000,00 em 16 de outubro de 2019, citado na decisão recorrida, consta do extrato bancário de Silvânia, que somente foi juntado aos autos para comprovar o depósito do cheque no valor de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) feito pelo ora apelante (ID 135358905), a pedido do alienante do veículo vindicado. Portanto, não se trata de valor em dinheiro depositado na conta do apelante. Aliás, não há nada que ligue esse depósito em dinheiro ao ora recorrente. Ressalte-se, por fim, que o fato de o veículo ter sido apreendido na casa de seu filho, bem como de se constatar que o cheque utilizado para o pagamento de parte do automóvel apreendido fora depositado em 23 de outubro de 2019, período em que seu filho Felipe teria participado (como piloto) do crime de tráfico de drogas, não são suficientes para se presumir que tal bem fora adquirido com o dinheiro proveniente de seu filho, como quer fazer crer a acusação. Nestes termos, entendo ter sido demonstrado que o ora apelante é terceiro de boa-fé, bem como que adquiriu o veículo apreendido de forma lícita, razão pela qual o veículo lhe deve ser restituído. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para determinar a restituição do automóvel VW/GOLF, cor preta, placas ETH 3546, ano de fabricação 2011 ao ora apelante. (...)” Aqui, entendo que o voto vencido deve prevalecer. Inicialmente, rememoro o contexto fático, no qual consta dos autos que o veículo VW/Golf, cor preta, placas ETH 3546, ano de fabricação 2011 foi apreendido em endereço ligado a Felipe Dias de Aguiar, filho do ora embargante e foi denunciado na ação penal nº 5003065-13.2019.4.03.6181 pela prática dos delitos do artigo 35, caput c.c. o artigo 40, I, da Lei 13.343/2006. De acordo com o órgão acusatório, Felipe foi flagrado, em 24/09/2019, em pista de pouso clandestina localizada em Alcinópolis/MS, carregando aeronave com fardos que aparentavam ser entorpecentes. Além disso, em 26 de novembro do mesmo ano, pousou aeronave no município de Americana/SP, local onde foi preso em flagrante com outros dois membros da organização criminosa, na posse de 507 kg (quinhentos e sete quilos) de cocaína (id. 135358909). Neste contexto, o embargante formulou pedido de restituição do veículo, sob o argumento que é pessoa idônea, não integra organização criminosa, tampouco foi alvo de qualquer investigação e/ou acusação formal, que a aquisição do veículo foi legítima, bem como ostenta capacidade financeira suficiente, além do fato de a residência em que o bem foi apreendido ser sua moradia e, finalmente, que seu filho (Felipe Dias de Aguiar) é verdadeiro alvo da investigação e com ele reside. Pois bem, no processo penal, a apreensão de bens constitui medida assecuratória e tem a finalidade de garantir o ressarcimento do prejuízo causado pelo cometimento do delito, bem como de assegurar o futuro perdimento em favor da União dos produtos e proveitos do crime, além de evitar que o acusado obtenha lucro ou preserve ganhos e/ou vantagens decorrentes da conduta ilícita. Acrescenta-se que, em razão da natureza provisória, não ofendem o princípio da presunção de inocência e do devido processo legal, pois não resulta na perda automática da propriedade dos bens onerados, mas apenas os resguarda de possível dissipação e somente repercutirão no patrimônio do requerente caso sobrevenha condenação transitada em julgado. No plano legislativo, a medida deve se basear em indícios da origem ilícita dos bens, nos termos do artigo 126 do Código de Processo Penal e do artigo 3º do Decreto-Lei 3.240/41, ao passo que pela exegese do artigo 4º da Lei 9.613/98 c.c. artigo 91, §§1º e 2º do Código Penal, autoriza-se o decreto de medidas assecuratórias diante de sinais suficientes da infração penal, ainda que se trate de bens de origem lícita, tendo em vista que tal medida visa garantir, em caso de condenação, tanto a perda do proveito ou produto do crime, como o ressarcimento dos danos causados e o pagamento de pena de multa, custas processuais e demais obrigações pecuniárias impostas. No caso do tráfico de drogas, a Lei 11.343/2006 assegura o sequestro de bens, direitos e valores quando sejam produto do crime ou constituam proveito da prática ilícita, condicionando seu levantamento à comprovação da origem lícita. Como se viu do voto condutor, a restituição de coisas apreendidas somente pode ser deferida quando não mais interessarem ao processo, a teor do artigo 118 do Código de Processo Penal, bem como se veda a devolução bens e valores, mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal, auferidos com recursos de origem ilícita, ressalvado o direito do terceiro proprietário de boa-fé e, ainda, é indispensável que não haja dúvida acerca do direito do requerente (artigos 119 e 120 do Código de Processo Penal). Destaco que, no intuito comprovar a assertividade de suas alegações, o embargante afirma que adquiriu o veículo de Décio Cassio Rogante, pelo valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), mediante a entrega de seu automóvel VW/Fox 1.0 Route, cor prata, placas DWC 1768, ano de fabricação 2007, mais a quantia de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais), conforme documentação que juntou: (i) CRLV do veículo VW Golf em nome de José Carlos Januário e autorização da transferência (DUT) para o embargante (id. 135358903 - fls. 01); (ii) declaração de José Carlos Januário q ue o veículo foi negociado por Décio Rogante com o Marcelo Dias de Aguiar (id. 135358904); (iii) documento de compra do veículo VW Fox 1.0 Route, placas DWC 1768/SP, em 02/05/2018, pelo valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais) (id. 146839492); (iv) autorização de transferência (DUT) do automóvel VW/Fox para pessoa indicada pelo vendedor Décio Rogante (Sra. Silvania Vera Rios) para receber o pagamento (id. 135358903 - fls. 02); (v) cheque no valor de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais) nominal a Silvania Vera Rios e extrato bancário dela que comprova o crédito em sua conta (id.135358905 - fls. 02 e id. 13558906); (vi) contratos de compra e venda de cana-de-açúcar (total estimado de 2.100 toneladas das safras 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021) firmados em março/2018 por Marcelo Dias de Aguiar com Raízen Energia, cultivada em propriedades rurais localizadas no município de Dourado/SP (id. 135358914 e id. 135358915); e, (vii) declaração de IRPF, ano-calendário 2019, que indica o embargante como proprietário de empresa ou firma individual e produtor agropecuário, com rendimentos pagos por Cooperativa de Crédito Credicitrus (R$ 8.022,32), receita resultante da atividade rural (R$ 162.984,78) e patrimônio consistente em bens imóveis rurais (município de Dourado/SP), dois automóveis diferentes do tratado nestes autos e capital investido na cooperativa Credicitrus (id. 269741829). Penso que a defesa logrou demonstrar as condições legais e fáticas suficientes para restituição do bem, na medida em que sua aquisição legítima foi comprovada e, embora a sucessão de transferências do veículo, ficou bem delineada a cadeia de propriedade, sendo certo que em bens transmissíveis pela tradição, de valor não tão significativo, é natural e corriqueira a rotatividade. Ademais, o fato de a aquisição do veículo ocorrer em datas próximas e/ou no mesmo ano que as supostas atividades ilícitas do filho do embargante não tem o condão de fragilizar a boa-fé a licitude da aquisição, ainda mais porque está comprovada que a capacidade financeira e patrimônio compatível de Marcelo Dias de Aguiar, o qual ostenta a condição de produtor rural estabelecido, inclusive proprietário das terras onde cultiva cana-de-açúcar destinada à produção de álcool, com safras já negociadas com usina de renome. E, do que consta dos autos, não há único indício de seu envolvimento com as atividades criminosas de seu filho (Felipe Dias de Aguiar), tampouco que o veículo tenha sido utilizado ou fosse destinado ao uso na conduta delitiva e/ou pela organização criminosa, uma vez que não há prova de alteração estrutural, além de que seu valor comercial não é muito condizente com um eventual intento de ocultação ou branqueamento de valores ilícitos. Finalmente, a manutenção de constrição do bem até o encerramento da instrução processual, da qual não se tem notícia atualizada do estágio que se encontra, bem como função como instrumento garantidor de ressarcimento de danos causados também deve ser analisada à luz dos elementos de prova produzidos pela acusação e este feito se ressente de outros fundamentos que o só fato do bem ter sido apreendido na residência Felipe Dias de Aguiar, indício que se contrapõe insatisfatoriamente as demais provas e esclarecimentos trazidos pelo embargante. Ante o exposto, acolho os embargos infringentes e de nulidade opostos pela defesa de Marcelo Dias Aguiar. É como voto.
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Embargos Infringentes e de Nulidade opostos pela Defesa de MARCELO DIAS AGUIAR em face de acórdão proferido pela Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, por maioria, negou provimento ao seu recurso de apelação, de forma a manter a sentença de improcedência referente ao pedido de restituição do automóvel VW/Golf, cor preta, placas ETH 35464, ano de fabricação 2011.
O e. Relator, Desembargador Federal Maurício Kato, em seu judicioso voto, dá provimento aos Embargos Infringentes e de Nulidade, a fim de que seja restituído o automóvel para o embargante.
Em que pesem as ponderações, externadas pelo e. Relator, ouso divergir do seu posicionamento, a fim de NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes e de Nulidade.
Cumpre destacar que o veículo fora apreendido no bojo da "Operação Voo Baixo", a qual foi instaurada para investigação de suposta organização criminosa voltada para a prática dos delitos de tráfico de transnacional de entorpecentes e de lavagem de capitais.
Por outro lado, como bem alinhavado pela Juíza Federal Convocada Monica Bonavina em seu voto, proferido por ocasião do julgamento do recurso de apelação, subsistem dúvidas sobre a origem dos valores utilizados pelo embargante na compra do veículo.
Nesse sentido, ficou consignado o seguinte:
Primeiramente, é de se ressaltar que, em que pese a declaração acostada à fl. 1 do ID n. 135358904, fato é que a documentação do veículo sequer estava regularizada em nome do peticionário MARCELO DIAS DE AGUIAR, de modo a comprovar a propriedade indubitável do peticionário, sendo que o CRLV do veículo encontrava-se em nome de terceiro José Carlos Januário, que, conforme consta da referida declaração trazida aos autos, teria vendido o veículo automotor a Décio Cassio Rogante, e, este, posteriormente, a MARCELO DIAS DE AGUIAR, trâmites todos sem a devida regularização no órgão competente. Inclusive, os depósitos realizados por MARCELO tampouco foram feitos à pessoa de Décio ou mesmo José Carlos, mas sim a terceira pessoa, in casu, Silvana Vera Rios, o que teria sido feito, segundo o peticionário, a pedido do vendedor Décio, não existindo nos autos o contrato de compra e venda com tais termos, ou mesmo manifestação de tal pessoa nesse sentido.
Ainda que assim não fosse e se desconsiderasse o imbróglio no pagamento e irregularidade formal do documento do veículo, a legítima propriedade do bem, nos termos do que preconiza o art. 120 do Código de Processo Penal, como já argumentado alhures, engloba não apenas a demonstração de que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse, o que não foi realizado devidamente pela defesa do requerente.
Conforme trazido pelo órgão acusatório, Felipe Dias Aguiar foi investigado nos autos principais pela prática dos delitos do artigo 35, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei nº 13.343/2006, sendo possível infirmar suas atividades ilícitas ao menos entre 24 de setembro de 2019 e 26 de novembro de 2019. Isto porque, dentre os fatos imputados a Felipe, consta que o acusado foi flagrado, em 24 de setembro de 2019, em pista de pouso clandestina localizada em Alcinópolis/ MS, carregando aeronave com fardos que aparentavam ser entorpecentes. Além disso, em 26 de novembro de 2019, Felipe teria pousado aeronave no município de Americana/SP, circunstância na qual agentes policiais prenderam no local outros dois membros da organização criminosa na posse de 507 (quinhentos e sete) quilos de cocaína.
E, conforme é possível extrair-se da documentação acostada pelo próprio peticionário, foi justamente durante este intervalo de tempo que MARCELO DIAS DE AGUIAR adquiriu o veículo ora requerido. Vê-se, a esse respeito, que o cheque utilizado para o pagamento de parte do automóvel apreendido foi depositado em 23 de outubro de 2019, momento, portanto, no qual Felipe auferiria receita decorrente do tráfico de drogas.
Inclusive, como bem apontado pela r. sentença a quo, o automóvel foi apreendido em endereço ligado a Felipe, indicando ser este o real proprietário do bem. Ainda a esse respeito, válido ressaltar que não foram acostados aos autos quaisquer informações precisas sobre o momento processual em que se encontra o referido feito principal, nem se já foram realizadas as perícias devidas no veículo apreendido e o conteúdo de tais eventuais laudos, o que torna, por si só, prematura a devolução de referido bem ao considerar-se a fase inicial em que se encontram as investigações, no qual, por certo, ainda não foi proferida sentença em primeiro grau, desautorizando a conclusão de que MARCELO DIAS trata-se, de fato, de terceiro de boa-fé.
(...)
Assim, nesse contexto, a demonstração de que MARCELO DIAS DE AGUIAR possui renda lícita não comprova, per se, que o dinheiro utilizado para pagar o cheque apresentado possui a mesma origem, e não adveio das atividades irregulares de Felipe.
Frise-se, por fim, que a referida “Operação Voo Baixo” trata, além dos delitos de tráfico e organização voltada para o tráfico ilícito de entorpecentes, também dos delitos de lavagem de dinheiro, costumeiramente utilizados por tal organização criminosa, o que torna ainda mais importante o esclarecimento minucioso da legalidade da origem dos valores utilizados para a aquisição dos bens apreendidos.
Com tais considerações, subsistindo dúvidas sobre a real propriedade do bem acautelado e especialmente sobre a origem dos valores para sua aquisição, não havendo comprovação da origem dos valores que teriam sido utilizados pelo apelante MARCELO DIAS DE AGUIAR, na compra do veículo e não tendo se mostrado suficientes os documentos apresentados pela defesa com tal ínterim, a restituição pretendida é de ser obstada, com fundamento nos artigos 118 e 120, ambos do Código de Processo Penal.
Assim, de rigor a manutenção da decisão levada a efeito pelo MM. Juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo/SP, devendo, assim, ser negado provimento ao recurso de Apelação interposto por MARCELO DIAS DE AGUIAR.
O ordenamento jurídico pátrio determina a inversão do ônus da prova com respeito à origem lícita do produto ou outros bens sujeitos a confisco nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, crime organizado transnacional e corrupção, conforme estabelece o artigo 5º item 7, da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, promulgada pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991; o artigo 12, item 7, Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n.º 5015, de 12 de março de 2004; e o artigo 54, item 1, letra “c”, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo decreto 5687, de 31 de janeiro de 2006.
Ademais, é importante frisar que a interpretação conferida ao artigo 11, item 6, da Convenção de Palermo, é no sentido de que o direito interno de cada país não pode retratar diferentemente as disposições da Convenção, caso o Estado a tenha recepcionado sem ressalvas.
Esse é o caso do Brasil, o qual, quando da promulgação do decreto que aprovou o texto da referida Convenção (Decreto 5015, de 12 de março de 2004) consignou, ainda, em seu artigo 2º, que quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção estão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional.
Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes e de Nulidade.
É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. SEQUESTRO DE BENS. REPARAÇÃO DE DANOS. PROVA DA ORIGEM LÍCITA. ARTIGO 63-B DA LEI 11.343/2006. ARTIGOS 118 A 120 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CAPACIDADE FINANCEIRA.
1. O sequestro de bens e valores está compreendido no rol de medidas de constrição patrimonial de natureza assecuratória de futura indenização ou reparação de danos decorrentes da prática delitiva, pagamentos de despesas processuais e penas pecuniárias, bem como evitar que o acusado obtenha lucro ou preserve ganhos e/ou vantagens decorrentes da conduta ilícita.
2. A Lei de Drogas assegura o sequestro de bens, direitos e valores quando sejam produto do crime ou constituam proveito da prática ilícita, condicionando seu levantamento à comprovação da origem lícita.
3. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo e desde que não haja dúvida sobre o direito do reclamante.
4. Embargos infringentes acolhidos.