Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009303-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: SHISOH MOKUM CLANDIUS

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009303-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: SHISOH MOKUM CLANDIUS

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta por SHISOH MOKUM CLANDIUS, cidadão camaronês, em mandado de segurança impetrado em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando o recebimento e processamento do pedido de autorização de residência, com base em reunião familiar, sem a apresentação da certidão consular ou documento contendo filiação e da certidão de antecedentes criminais emitida no país de origem.

 

A r. sentença de fls. 75/79 denegou a segurança. Sem condenação em honorários advocatícios.

 

Razões recursais do impetrante (fls. 95/110), oportunidade em que pugna pela reforma da sentença, sob o fundamento de que sua condição se assemelha ao do apátrida, razão pela qual a exigência da referida documentação viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Afirma não ter condições materiais para se deslocar para outro estado da federação e efetuar o pagamento das taxas para a expedição destes documentos, sem o comprometimento da sua subsistência.

 

Contrarrazões da União Federal.

 

Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta Corte.

 

Parecer do Ministério Público Federal (fls. 123/129), no sentido do provimento do recurso.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009303-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: SHISOH MOKUM CLANDIUS

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

A Lei nº 13.445/2017 estabelece que a política migratória brasileira se rege, dentre vários princípios e diretrizes, pela garantia do direito à reunião familiar (art. 3º, VIII) e, no ponto, assegura ao migrante em território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o“direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes”(art. 4º, III).

 

Tal possibilidade de ingresso no país, a fim de viabilizar a reunião familiar, possui previsão no art. 37 da norma referenciada,in verbis:

 

“Art. 37. O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma;

II - filho de imigrante beneficiário de autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;

III - ascendente, descendente até o segundo grau ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência; ou

IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda”.

 

O artigo 31, caput, da Lei nº 13.445/17 ainda estabeleceu que o procedimento e os prazos para a autorização de residência serão disciplinados pela norma regulamentadora.

 

Neste sentido, o artigo 129 do Decreto n. 9.199/2017 elenca os documentos necessários à instrução do requerimento de autorização de residência, in verbis:

 

"Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:

I - requerimento de que conste a identificação, a filiação, a data e o local de nascimento e a indicação de endereço e demais meios de contato;

II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte;

III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II;

IV - comprovante de recolhimento das taxas migratórias, quando aplicável;

V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e

VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência.

§ 1º Para fins de instrução de pedido de nova autorização de residência ou de renovação de prazo de autorização de residência, poderá ser apresentado o documento a que se refere o inciso II docaputou documento emitido por órgão público brasileiro que comprove a identidade do imigrante, mesmo que este tenha data de validade expirada.

§ 2º A legalização e a tradução de que tratam o inciso III docaputpoderão ser dispensadas se assim disposto em tratados de que o País seja parte.

§ 3º A tramitação de pedido de autorização de residência ficará condicionada ao pagamento das multas aplicadas com fundamento no disposto neste Decreto."

 

Conquanto a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária e, bem por isso, em assegurar o direito à reunião familiar, há que se cumprir procedimentos próprios constantes da legislação, no que diz com a regularização migratória, razão pela qual não se permite afastar, indiscriminadamente, a exigência a todos imposta a viabilizar a entrada e permanência do estrangeiro no país, que exigem o cumprimento de critérios específicos.

 

No caso concreto, o impetrante instruiu a ação mandamental com os seguintes documentos:

 

1 - Passaporte em seu nome, emitido pela República de Camarões em 29 de dezembro de 2016, com validade até 29 de dezembro de 2021 e ingresso no território nacional em 25 de abril de 2017 (fls. 18/19);

2 – CPF (fl. 20);

3 – Solicitação de refúgio datada de 20 de junho de 2018 (fl. 21);

4 – Contrato de locação de imóvel residencial (fls. 22/29);

5 – Documento emitido em língua francesa (fls. 30/33);

6 - Certidão do nascimento do filho do impetrante, R.J.C.M., ocorrido em 02 de janeiro de 2018 (fl. 34).

 

Depreende-se da documentação apresentada que o impetrante, enquanto aguardava o processamento do pedido de refúgio, teve um filho em território nacional, o que o motivou a ingressar com o pedido de autorização para residência.

 

Em que pese a argumentação desenvolvida neste recurso, a Certidão de Antecedentes Criminais – válida - do país de origem, bem como as Certidões de Nascimento e Consular, devidamente legalizadas e traduzidas, são exigidas pelo art. 129, III e V, do Decreto nº 9.199/2017, assim como pelo art. 234, V, no caso de naturalização ordinária. Ademais, não se mostra irrazoável tal exigência, na medida em que a própria Lei de Migração, em seu artigo 30, §1º, em regra, impede a concessão de autorização de residência "a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado".

 

Ademais, já é assegurado ao solicitante, a partir do protocolo do seu requerimento de refúgio, o direito de residência provisória até o julgamento de seu pleito, nos termos do art. 31, §4º, da Lei nº 13445/2017, in verbis:

 

"Art. 31. Os prazos e o procedimento da autorização de residência de que trata o art. 30 serão dispostos em regulamento, observado o disposto nesta Lei.

(…)

§ 4º O solicitante de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida fará jus a autorização provisória de residência até a obtenção de resposta ao seu pedido."

 

Assim, não há justificativa racional para flexibilizar a exigência documental, conforme requerido, a fim de viabilizar a discussão do mesmo direito em dupla via procedimental.

 

Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente – ou naturalização ordinária - sem a observância das exigências próprias. O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio.

 

No mesmo sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional:

 

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM E DE DOCUMENTO CONTENDO FILIAÇÃO. LEI 13.445/2017. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o processamento do pedido de autorização de residência no Brasil com base em reunião familiar, sem a apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e de certidão consular ou documento contendo filiação.

2. A apresentação de certidão de antecedentes pode ser dispensada para os refugiados. Não há, porém, amparo legal a que se dispense tal apresentação na hipótese de pedido de residência fundado em reunião familiar.

3. Destaque-se que oart. 31 da Leinº 13.445/2017 determina observância aos termos do regulamento, no caso, o Decreto nº 9.199/2017, que prevê no seu art. 129, V, a necessidade de apresentação de "certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos".Diante do direito positivado, não há espaço para negar-lhe vigência, até porque de inconstitucionalidade não se cogita.Precedente.

4. No que tange à exigência de apresentação de documento contendo filiação, o Decreto nº 9.199/2017 também prevê a sua obrigatoriedade no artigo 129, inciso III, com a finalidade de proceder à correta identificação do migrante. Logo, não há ilegalidade ou abuso de poder no ato da autoridade impetrada.

5. Apelação desprovida."

(AC nº 5003551-76.2021.4.03.6100, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, 3ª Turma, p. 06/06/2022).

 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA. REUNIÃO FAMILIAR. SEM A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS EXIGIDOS NOS ATOS NORMATIVOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Com relação ao pedido de “reunião familiar”, cabe esclarecer que, de acordo com a Lei de Migração, existem diversos tipos de visto.

2. Sobre o visto temporário, a lei esclarece que poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil, entre as várias hipóteses listadas, para “acolhida humanitária” e para “reunião familiar”.

3. A Lei de Migração estabelece que o visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento.

4. Quanto ao direito de reunião familiar, a lei expressamente garante o direito ao cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes.

5. A análise da legislação pertinente, demonstra que há necessidade da apresentação de visto tanto para a reunião familiar como para a acolhida humanitária.

6. A despeito da afirmação de que a parte agravada é solicitante do pedido de refúgio, o certo é que não há nos autos comprovação quanto ao reconhecimento do pleito.

7. A Lei de Migração a lei é expressa e clara quanto às modalidades de interessados (migrante, imigrante, refugiado etc) e quanto aos tipos de pedidos (naturalização ordinária, extraordinária, provisória, visto de residência, autorização de residência) estipulando para cada qual a documentação necessária, não havendo, pois, razão para qualquer interpretação "integrativa" ou, como alega o agravado, "mais benéfica”, visto que não há lacuna legislativa.

8. Destaque-se que qualquer medida do Poder Judiciário, estaria suprimindo a necessidade de concessão de visto pelas autoridades diplomáticas, ignorando o procedimento legal previsto para tanto e burlando o princípio da independência e harmonia entre os poderes.

9. Agravo de instrumento provido."

(AI nº 5000127-56.2022.4.03.0000, Rel. Des. Federal Marli Ferreira, 4ª Turma, DJEN 11/07/2023).

 

 

Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo impetrante, a fim de manter hígida a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009303-97.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: SHISOH MOKUM CLANDIUS

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

V O T O - V I S T A
 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO: Trata-se de apelação interposta por Shisoh Mokum Clandius contra sentença proferida em mandado de segurança com pedido liminar que julgou improcedente o pedido para que fosse determinado à autoridade impetrada o recebimento e o processamento do requerimento de autorização de residência para fins de reunião familiar sem a apresentação de certidão consular e de certidão de antecedentes criminais do país de origem.

O e. Relator negou provimento à apelação, sob o entendimento de que os documentos cuja dispensa o impetrante requer são exigidos pelo artigo 129, III e V, do Decreto nº 9.199/2017, e de que a flexibilização documental conferida aos refugiados deve ser exercida “nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio”.

Para melhor examinar a questão em debate, pedi vista dos autos e, após detida análise de todo o processado e das razões deduzidas pelas partes, com a devida vênia da relatoria, passo a apresentar divergência, por entender que a condição de solicitante de refúgio não constitui óbice à análise do pedido de residência, mas, ao reverso, deve ser sopesada em consonância com a compreensão que tem sido admitida pela jurisprudência, no sentido de admitir-se a flexibilização documental.

De início, destaco que a permanência de estrangeiro em território nacional é um ato discricionário de competência do Poder Executivo, com ampla liberdade para decidir sobre a conveniência e a oportunidade da sua autorização, tendo sempre em vista o atendimento ao interesse público. Logo, por se tratar de um ato de soberania, não está sujeito ao controle meritório do Poder Judiciário. Contudo, cabe o controle jurisdicional quando está sob exame a legalidade formal do ato administrativo, como no caso ora em análise, o que não representa interferência no mérito administrativo ou afronta ao princípio constitucional da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal).

Segundo a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), a residência poderá ser autorizada ao imigrante que tenha filho brasileiro, com intuito de reunião familiar:

Art. 30. A residência poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses:
 
I - a residência tenha como finalidade:
 
(...)
 
i) reunião familiar;

 

Art. 37. O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante:
 
(...)
 
II - filho de imigrante beneficiário de autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;

Por sua vez, o Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, exige a apresentação de documento que comprove filiação e certidão de antecedente criminal para fins de instrução do pedido de autorização de residência, nos seguintes termos (destacamos):

Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:
 
(...)
 
III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II;
 
(...)
 
V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos;

Já a Portaria interministerial nº 12, de 14/06/2018, que dispõe sobre “o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar”, informa sobre o tema:

Art. 7º O requerimento de autorização de residência para reunião familiar deverá ser instruído com os seguintes documentos:
 
(...)
 
VI - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos;

Assim, a exigência de apresentação dos documentos em debate encontra respaldo legal e infralegal.

O recorrido juntou duas certidões de registro criminal emitidas pelo Ministério da Justiça de Camarões e reconhecidas pela Embaixada do Brasil em Yaoundé (ID 163196658 - Pág. 16 e ss). Os documentos, portanto, suprem parcialmente as exigências do artigo 129, III e V, do Decreto 9.199/2017, visto que informam a inexistência de registros criminais em nome do seu titular, contêm os dados de filiação e estão legalizados.

Com relação ao fato de terem sido expedidos há mais de 90 dias contados da data da tentativa de requerimento, entendo que não é motivo para sua rejeição pela autoridade administrativa, visto que: (i) a Lei 13.445/2017, o Decreto nº 9.199/2017 e a Portaria Interministerial nº 12/2018 não fazem menção à validade da certidão, como o fazem com relação a outros documentos; (ii) as certidões foram emitidas em Camarões quando o apelado já se encontrava em solo brasileiro, de forma que está suficientemente atestado seu histórico criminal no país africano; e (iii) em consulta ao sítio do Ministério da Justiça e Segurança Pública que traz orientações sobre o pedido de autorização de residência com base em reunião familiar (https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/imigracao/autorizacao-residencia/autorizacao-de-residencia-por-reuniao-familiar) consta que “fica a critério da autoridade administrativa competente por apreciar a autorização de residência, aceitar certidões de antecedentes criminais que não observam o prazo de 90 dias”, tratando-se, portanto, de mera liberalidade administrativa, que deve ser afastada sobretudo em razão da condição de solicitante de refúgio do recorrido - atestada pelo documento ID 163196658.

Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal tem se consolidado no sentido da flexibilização das exigências documentais quando o pedido de visto ou de autorização de residência tem como requerente refugiado ou solicitante de refúgio, os quais invariavelmente enfrentam dificuldades sociais e financeiras que os impossibilitam de apresentar a documentação necessária - frequentemente sonegada pelas autoridades consulares em razão do seu status. Assim, prevalece o entendimento da necessidade de mitigação da rigidez burocrática procedimental, considerando que a regularização migratória é de interesse da própria administração pública e representa condição essencial para que estrangeiros possam usufruir de seus direitos fundamentais no Brasil. Confira-se:

 

APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA OFICIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA DEFINITIVA DE ESTRANGEIRO. EXIBIÇÃO INCOMPLETA DOS DOCUMENTOS EXIGIDOS PELA NORMA APLICÁVEL. INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO REQUERENTE. DIREITO DE REUNIÃO FAMILIAR. DIREITO DE REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA. APELAÇÃO DA AGU DESPROVIDA. 

1. Trata-se de remessa oficial e recurso de apelação interposto pela Advocacia Geral da União em mandado de segurança impetrado contra ato do Delegado de Polícia Federal de Controle de Imigração (DELEMIG/DREX/SR/DPF/SP), com a finalidade de garantir o recebimento e regular processamento de pedido de autorização de residência definitiva de estrangeiro independentemente da apresentação do passaporte válido, da certidão consular ou documento contendo filiação e da certidão de antecedentes criminais emitida no país de origem.

2. Conforme informações e documentos acostados, o impetrante é nacional da República Democrática do Congo e é casado com brasileira desde 29/01/2021, conforme certidão de casamento e demais documentos anexados à inicial. Relata, em suma,  que o seu pedido de autorização de residência definitiva não foi recebido em razão da ausência dos documentos aludidos, o que está obstando o seu direito à reunião familiar e à regularização migratória. 

3. A apelante, de seu turno, argumenta não haver comprovação quer do direito líquido e certo da impetrante, quer do ato legal ou abusivo que o feriu ou que o ameaçou. As razões da apelante não prosperam.  

4. Os direitos à reunião familiar e à regularização migratória são assegurados pelo ordenamento pátrio, corolários ainda dos princípios da prevalência dos direitos humanos, da preservação da dignidade humana e da cooperação internacional que informam as relações internacionais do Estado brasileiro. 

5. Nesse sentido, no plano dos instrumentos internacionais, os principais marcos relativos à proteção conferida à família estão apresentados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 16); no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 23); na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951.

6. Na legislação pátria, o direito de reunião familiar tem seu conteúdo previsto na Constituição Federal, quando esta garante a proteção familiar, sem distinção entre nacionais e estrangeiros (arts. 226 e 227 da Constituição), e na Lei de Migração (Lei n.º 13.445/2017).

7. De seu turno, o direito à regularização migratória está expresso como diretriz da política migratória brasileira, conforme art. 3º da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), regulamentada pelo Decreto 9.199/2017.

8. O art. 7º  da Portaria Interministerial nº 12, de 13.06.2018 dispõe sobre os documentos que deverão instruir o requerimento de autorização de residência para reunião familiar. No que concerne à comprovação da filiação, consoante o inciso III do art. 7º da referida Portaria, admite-se a apresentação alternativa de certidão de nascimento, casamento ou certidão consular. No caso dos autos, o impetrante apresentou certidão de nascimento, suprindo, portanto, a exigência de comprovação de filiação.

9. De seu turno, a apresentação do passaporte e da certidão de antecedentes criminais de seu país de origem demandaria acesso à repartição consular de seu país de origem, situada em Brasília. A circunstância de ser assistido pela Defensoria Pública da União evidencia a insuficiência de recursos do impetrante como razão bastante que o impede de providenciar referida documentação. 

10. Outrossim, cumpre destacar a informação trazida aos autos pelo Ministério Público Federal (IDE 267830356) oficiante nesta instância recursal de que a Embaixada da República Democrática do Congo emitiu comunicado oficial público de que não emite a segunda via do passaporte enquanto estiver pendente pedido de reconhecimento da condição de refugiado. 

11. Diante deste contexto, vez que o vínculo familiar está suficientemente comprovado, não se mostra razoável obstar o processamento do pedido de residência definitiva no país em razão da ausência de alguns dos documentos a que está impossibilitado de obter por razões devidamente comprovadas nos autos.

12. Cumpre destacar que a regularização migratória é condição para que estrangeiros usufruam de seus direitos fundamentais e de serviços públicos essenciais para a prática da vida civil no país, sendo, portanto, de interesse da Administração cooperar para sua promoção e efetivação. 

13. Desta feita, o recurso de apelação não comporta provimento, devendo a sentença prolatada na origem - no sentido de conceder parcialmente a segurança para determinar que a ausência de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem, certidão consular, documento contendo filiação ou passaporte válido não represente óbice ao processamento ou deferimento do pedido de autorização de residência para reunião familiar da impetrante - ser mantida em sua integralidade.

14. Recurso de apelação e remessa necessária a que se nega provimento.
 
(TRF3, 3ª Turma, ApelRemNec - 5008836-16.2022.4.03.6100, Relator Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, data do julgamento: 10/10/2023, data da intimação via sistema: 19/10/2023)

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. SOLICITANTE DE REFÚGIO. DIREITO À REUNIÃO FAMILIAR. RECURSO PROVIDO. 

I. Nos termos da Lei nº 13.445/2017, a residência poderá ser autorizada ao imigrante com o intuito de reunião familiar, devendo o pedido ser instruído com os documentos constantes no artigo 129 do Decreto nº 9.199/2017.

II. Por sua vez, a Portaria Interministerial nº 03/2018, Anexo VI e Portaria Interministerial nº 12, artigo 7º, a apresentação de certidão de antecedente criminal ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente do local em que o imigrante tenha residido nos últimos cinco anos, bem como passaporte válido e certidão de nascimento consularizada para identificação do requerente. Contudo, além da parte impetrante não possuir os referidos documentos, ainda é solicitante de refúgio.

III. Nessa esteira, não parece razoável exigir que a parte impetrante dirija-se até a República Federal da Somália para obter os documentos necessários para instruir o seu processo para concessão de residência, haja vista que, além de se tratar de pessoa hipossuficiente assistida pela Defensoria Pública da União, sendo-lhe, inclusive, concedida o benefício da assistência jurídica gratuita, ainda é pessoa solicitante de refúgio.

IV. Portanto, em face da excepcionalidade do caso concreto, deve ser afastada a exigência de tais documentos, podendo ser substituídos por outros que atendam aos mesmos fins, observando-se aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

V. Apelação a que se dá provimento.
 
(TRF3, 6ª Turma, ApCiv - 5036855-66.2021.4.03.6100, Relator Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, data do julgamento: 28/04/2023, da intimação via sistema: 03/05/2023)

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA FINS DE REUNIÃO FAMILIAR. MITIGAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO FORMALMENTE EXIGIDA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS.

1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de processamento de procedimento de regularização da permanência de estrangeiro no Brasil, a despeito da falta de documentação formalmente exigida.

2. É consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização das exigências documentais quando o pedido de visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar tiver como requerente indivíduo oriundo de países que notadamente enfrentam crises sociais e humanitárias. Isto porque tais pessoas chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, enfrentando dificuldades financeiras que as impedem de retornar ao país de origem para reunir a documentação necessária, que, muitas vezes, também lhes é sonegada em razão do pedido de refúgio.

3. Pondera-se também que a rigidez burocrática procedimental deve ser mitigada considerando-se que a regularização migratória é de interesse primordial da própria Administração Pública e representa condição essencial para que estrangeiros possa usufruir de seus direitos fundamentais no exercício da vida civil no Brasil.

4. No caso dos autos, os impetrantes compõem mesmo grupo familiar, são nacionais do Iemên e solicitantes de refúgio. Acrescenta-se que inexiste consulado ou embaixada do Iemên no Brasil. É caso de aplicação, por equiparação, da dispensa prevista na Portaria Interministerial nº 11, de 04 de maio de 2018, para os casos de pedidos de naturalização.

5. Apelação e remessa oficial desprovidos.
 
(TRF3, 3ª Turma, ApelRemNec - 5008608-46.2019.4.03.6100, Relator Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, data do julgamento: 07/06/2021, da intimação via sistema: 09/06/2021)

Na presente demanda, o apelante é natural de Camarões, solicitante de refúgio e comprovadamente hipossuficiente, haja vista ser assistido pela Defensoria Pública da União e beneficiário da justiça gratuita. Além disso, é residente em São Paulo/SP, sendo que seu país de origem possui representação consular apenas em Brasília/DF. Diante desse quadro, sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entendo descabida a exigência de documentos cuja obtenção seja excessivamente onerosa para o imigrante, que, reitere-se, é solicitante de refúgio. 

Assim, aplicável por analogia a flexibilização prevista no artigo 121 do Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), e no artigo 43 da Lei nº 9.474/97 (Lei do Refúgio):

Art. 121, Decreto 9.199/2017. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica do refugiado será considerada pelos órgãos da administração pública federal quando da necessidade de apresentação de documentos emitidos por seu país de origem ou por sua representação diplomática ou consular.

Art. 43, Lei 9.474/97. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares.

Ressalto também a possibilidade do processamento concomitante entre a solicitação de refúgio e o requerimento de autorização de residência para reunião familiar, uma vez que a própria Lei 13.445/17 prevê a concessão de autorização de residência para o refugiado, nos termos do seu artigo 30, II, "e":

Art. 30. A residência poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses:

(...)

II - a pessoa:

(...)

e) seja beneficiária de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida;

Ainda sobre este último ponto e ciente das peculiaridades das diferentes modalidades de autorização de residência, no juízo de ponderação entre o refúgio e a autorização de residência para reunião familiar, deduz-se no caso concreto que esta se apresenta como um instituto mais estável e menos suscetível a mudanças de ordem política, razão pela qual deve ser prestigiada à luz das diretrizes e princípios da Lei de Migração, diploma que inovou o regime migratório brasileiro, como ensina o professor André de Carvalho Ramos em sua obra Curso de Direitos Humanos: 

"Ao contrário do agora revogado Estatuto do Estrangeiro (adotado na ditadura militar e inspirado na doutrina de segurança nacional), a nova lei é fruto da constatação de que negar direitos, gerar entraves burocráticos na regularização migratória, atuar com arbítrio e sem coerência, são condutas que não reduzem o deslocamento de pessoas, mas apenas degradam as condições de vida do migrante, bem como prejudicam empresas, trabalhadores e a sociedade em geral.

Estabelece-se, com o novo marco legal, a regra geral de vedação da discriminação e proibição do arbítrio na entrada, permanência e saída compulsória do migrante, com várias menções ao direito de ser informado e de obter assistência jurídica integral. Essas normas serão valiosos instrumentos para orientar a ação de agentes públicos envolvidos nas questões migratórias e deverão pautar a interpretação do Poder Judiciário, quando provocado para coibir abusos e discriminações".

Ante o exposto, com a renovada vênia da relatoria, voto por dar provimento à apelação, concedendo a ordem para determinar à autoridade impetrada o recebimento e o processamento do pedido de autorização de residência com base em reunião familiar sem a exibição de certidão consular ou documento contendo filiação e da certidão de antecedentes criminais emitida no país de origem.

É o voto.


E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA COM BASE EM REUNIÃO FAMILIAR. DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO. DISPENSA. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO.

1 - Conquanto a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária e, bem por isso, em assegurar o direito à reunião familiar, há que se cumprir procedimentos próprios constantes da legislação, no que diz com a regularização migratória, razão pela qual não se permite afastar, indiscriminadamente, a exigência a todos imposta a viabilizar a entrada e permanência do estrangeiro no país, que exigem o cumprimento de critérios específicos.

2 - No caso concreto, o impetrante instruiu a ação mandamental com os seguintes documentos: Passaporte em seu nome, emitido pela República de Camarões em 29 de dezembro de 2016, com validade até 29 de dezembro de 2021 e ingresso no território nacional em 25 de abril de 2017; CPF; Solicitação de refúgio datada de 20 de junho de 2018; Contrato de locação de imóvel residencial; Documento emitido em língua francesa; Certidão do nascimento do filho do impetrante, R.J.C.M., ocorrido em 02 de janeiro de 2018.

3 - Depreende-se da documentação apresentada que o impetrante, enquanto aguardava o processamento do pedido de refúgio, teve um filho em território nacional, o que o motivou a ingressar com o pedido de autorização para residência.

4 - Em que pese a argumentação desenvolvida neste recurso, a Certidão de Antecedentes Criminais – válida - do país de origem, bem como as Certidões de Nascimento e Consular, devidamente legalizadas e traduzidas, são exigidas pelo art. 129, III e V, do Decreto nº 9.199/2017, assim como pelo art. 234, V, no caso de naturalização ordinária. Ademais, não se mostra irrazoável tal exigência, na medida em que a própria Lei de Migração, em seu artigo 30, §1º, em regra, impede a concessão de autorização de residência "a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado".

5 - Ademais, já é assegurado ao solicitante, a partir do protocolo do seu requerimento de refúgio, o direito de residência provisória até o julgamento de seu pleito, nos termos do art. 31, §4º, da Lei nº 13445/2017. Assim, não há justificativa racional para flexibilizar a exigência documental, conforme requerido, a fim de viabilizar a discussão do mesmo direito em dupla via procedimental.

6 - Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente – ou naturalização ordinária - sem a observância das exigências próprias. O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio. Precedentes desta Corte.

7 – Apelação interposta pelo impetrante desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo o julgamento, a Turma, nos termos do artigo 942/CPC, por maioria, negou provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, com quem votaram os Des. Fed. ADRIANA PILEGGI e CONSUELO YOSHIDA, vencidos os Des. Fed. RUBENS CALIXTO e NERY JUNIOR, que lhe davam provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.