APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005155-42.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: SONIA RODRIGUES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005155-42.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: SONIA RODRIGUES FERREIRA Advogado do(a) APELANTE: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): Trata-se de ação previdenciária proposta por SONIA RODRIGUES FERREIRA em face do INSS, cujos pedidos consistem em: a) declaração de invalidade do ato administrativo que constatou indícios de irregularidade na concessão do benefício de auxílio-doença NB 31/604.031.618-0; b) declaração de irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, cujo montante perfaz a quantia de R$6.782,59 (seis mil, setecentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos) – ID 89857514 – pág. 03/15. A r. sentença (ID 89857514 – pág. 111/114) julgou o pedido improcedente. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$500,00 (quinhentos reais), nos termos do artigo 85, § 8°, do CPC/15, observando-se o disposto no artigo 98, §3º do CPC/2015. Sentença não submetida ao reexame necessário. A parte autora interpôs apelação (ID 89857514 – pág. 120/125) requerendo a reforma da decisão para reconhecer a boa-fé da segurada e declarar a inexigibilidade do débito decorrente das prestações recebidas indevidamente. Sustenta invalidade do ato administrativo. Sem contrarrazões. Subiram os autos a este E. Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005155-42.2017.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: SONIA RODRIGUES FERREIRA Advogado do(a) APELANTE: ELAINE CRISTINA PINTO ALEXANDRE - SP272643-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte, sem prejuízos das matérias que eu deva, de ofício, conhecer para preservar a ordem pública e o Erário. Consta dos autos que em 20/05/2015, após realizar entrevista pessoal para enquadramento da apelante como segurada especial no pedido de benefício de auxílio-doença NB 31/609.300.778-6 (DER 04/02/2015), o INSS constatou que a parte autora recebeu benefício NB 31/604.031.618-0 (DIB 08/11/2013 – DCB 05/07/2014) de forma irregular, uma vez que não preenchia a qualidade de segurada especial, conforme constatado na entrevista mencionada. Assim, a autarquia previdenciária iniciou procedimento de cobrança referente aos valores recebidos de forma indevida, cujo montante perfazia a quantia de R$6.782,59 (seis mil, setecentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos) na época da apuração (ID 89857514 – pág. 95/97). No procedimento administrativo para apuração de possível irregularidade na concessão do benefício, foram apontados os seguintes indícios: “b) nas entrevistas rurais, anteriores a este benefício, que constam no sistema, realizadas requerimentos 75299368 (E/NB 31/505.846.103-6) e 77992435 (E/NB 3I/560.8I3.536) respectivamente em 10/01/2006 e 24/09/2007, a conclusão dos servidores que realizaram as entrevistas foi que a requerente não se enquadrava corno trabalhadora rural segurada especial; c) na entrevista rural realizada quando do requerimento da aposentadoria por idade rural E/NB 147.812.885-0, em 30/05/2011 (indeferida), a conclusão do servidor que realizou a entrevista foi que a requerente não se enquadrava como trabalhadora rural segurada especial: d) na entrevista rural realizada quando do requerimento do auxilio -doença E/NB 31/609.300.778-6 (DER em 23/01/2015), a conclusão do servidor que realizou a entrevista foi que a requerente não se enquadra como trabalhadora rural segurada especial. Salientamos que esta entrevista foi realizada em 20/05/2015, para fins de regularizar o benefício, urna vez que não constava no processo; e) considerando que a interessada tem como último vínculo empregatício - Cooperativa Agrícola Mista de Adamantina Admissão em 01/12/1 989 e Demissão em 02/04/1990; considerando que em todas as entrevistas rurais (procedidas por diferentes servidores), em nenhum período houve enquadramento como segurada especial, o vínculo como segurado especial, embora conste como indicador positivo no CNIS, não poderia ser considerado; assim sendo, o benefício não poderia ter sido concedido uma vez que na data do início da doença (DII) não possuía a qualidade de segurado, em infringência ao artigo 15 da Lei 8.213/1991 e artigos 13 e 14 cio Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n5 3.048/99”. (ID 89857514 – pág.105/106). A controvérsia dos autos restringe-se à validade do ato de revisão de benefício concedido, bem como a necessidade ou não de devolução/restituição dos valores recebidos indevidamente pela parte autora referente ao NB 31/604.031.618-0, concedido de forma irregular. O art. 103-A da Lei 8.213/91 dispõe que: Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1° No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2° Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade que importe impugnação à validade do ato. Ademais, o Supremo Tribunal já assentou entendimento de que diante de indícios de ilegalidade, a Administração deve exercer seu poder-dever e anular seus próprios atos, sem que isso importe em contrariedade ao princípio da segurança jurídica. Nesse sentido, as súmulas 346 e 473 do E. STF: "A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos" (Súmula 346)."A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial" (Súmula 473). Importante esclarecer que a declaração de nulidade do ato administrativo possui, em regra, efeito ex tunc, isto é, a anulação produz efeitos retroativos até a data da edição do ato, anulando todas as consequências passadas, presentes e futuras do ato invalidado. A anulação de um ato administrativo só pode ser justificada pela sua ilegalidade ou ilegitimidade, ou seja, por uma invalidade substancial e irremediável que decorra de uma violação evidente ou velada das normas e princípios jurídicos. Desta feita, ao constatar a ilegalidade na concessão do benefício e iniciar procedimento administrativo de apuração e cobrança dos valores, respeitado o contraditório e ampla defesa, a autarquia agiu em conformidade com o ordenamento jurídico, motivo pelo qual é valido o procedimento de cobrança combatido nesta demanda. Quanto à devolução dos valores recebidos indevidamente, o STJ pacificou a questão em exame de matéria repetitiva (Tema 979, STJ). A tese jurídica fixada foi a seguinte: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021). Além disso, no mesmo julgamento, foi estabelecida a exigência de modulação para que os efeitos do caso representativo de controvérsia abrangessem "os processos que já estavam em curso, na primeira instância, a partir da divulgação desta decisão judicial", ou seja, a partir de 23/04/2021. Das deliberações sobre o julgamento em tela, é possível extrair as seguintes conclusões: a) o pagamento decorrente de interpretação errônea da lei não é suscetível de repetição; b) o pagamento decorrente de erro material ou operacional é suscetível de repetição, salvo comprovação da boa-fé do segurado; c) a exigência de comprovação da boa-fé recai sobre os processos distribuídos a partir de 23 de abril de 2021; d) quando admitida, a repetição permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado. No caso dos autos, o processo foi distribuído em 29/02/2016 (ID 89857514- pág.02) e redistribuído por dependência/prevenção em 16/07/2019 (ID 89857514- pág.01). Portanto, afasta-se a aplicação do tema 979, do STJ, conforme modulação de efeitos acima exposta, cujo precedente é de observância obrigatória, aproveitando à parte autora, não lhe recaindo o ônus de provar sua boa-fé. Da análise de todo o conjunto probatório acostado aos autos, em especial o Procedimento Administrativo, não restou caracterizada má-fé da apelante que, desde o ano de 2006, no mínimo, apresenta-se como trabalhadora rural segurada especial perante o INSS, muito embora a autarquia não reconheça tal qualidade. Isto, aliado à documentação médica que instruiu o pedido de auxílio-doença, bem como todos os outros pedidos de concessão de benefício por incapacidade que possuem os mesmos contornos fáticos, apontam para a boa-fé da beneficiária no recebimento das prestações, embora, repita-se, no presente caso não há necessidade de tal comprovação por parte da segurada. Diante de todo o exposto, dou provimento ao apelo para reformar a r. sentença e declarar a irrepetibilidade dos valores recebidos de forma indevida pela parte autora ante seu caráter alimentar e ausência de comprovada má-fé. Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Código de Processo Civil/2015, e da Súmula 111 do STJ, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ. TEMA 979 DO STJ. MODULAÇÃO DE EFEITOS. NÃO INCIDÊNCIA DA TESE NOS PROCESSOS AJUIZADOS EM DATA ANTERIOR À DECISÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. ÔNUS PROBATÓRIO. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE BOA-FÉ POR PARTE DO SEGURADO.
1. O art. 103-A da Lei 8.213/91 dispõe que “o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.
2. O STF já assentou entendimento de que diante de indícios de ilegalidade, a Administração deve exercer seu poder-dever e anular seus próprios atos, sem que isso importe em contrariedade ao princípio da segurança jurídica. No mesmo sentido são as súmulas 346 e 473, ambas do STF.
3. Ao constatar a ilegalidade na concessão do benefício e iniciar procedimento administrativo de apuração e cobrança dos valores, respeitado o contraditório e ampla defesa, a autarquia age em conformidade com o ordenamento jurídico, motivo pelo qual é valido o procedimento de cobrança.
4. Quanto à devolução dos valores recebidos indevidamente, o assunto foi discutido no Tema 979, do STJ, cuja tese firmada é a seguinte “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
5. Com a modulação dos efeitos o Tema 979 só é aplicável “aos processos que já estavam em curso, na primeira instância, a partir da divulgação desta decisão judicial", ou seja, a partir de 23/04/2021.
6. No caso dos autos, o processo foi distribuído em 29/02/2016 e redistribuído por dependência/prevenção em 16/07/2019. Portanto, afasta-se a aplicação do tema 979, do STJ, cujo precedente é de observância obrigatória, aproveitando à parte autora, não lhe recaindo o ônus de provar sua boa-fé.
7. Da análise de todo o conjunto probatório acostado aos autos não restou caracterizada má-fé da apelante. Diante da ausência de comprovação da má-fé da segurada, cumulado com o caráter alimentar do benefício, os valores recebidos de forma indevida são irrepetíveis.
8. Apelo da parte autora provido.