APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014611-75.2023.4.03.6100
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: UNION FOODS - EMPREENDIMENTOS, PARTICIPACOES E ADMINISTRACAO DE NEGOCIOS LTDA
Advogado do(a) APELANTE: RUI BARBOSA MACIEL FILHO - PB25717-A
APELADO: ACATAUASSU GENEROS ALIMENTICIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Advogados do(a) APELADO: MARCOS VINICIUS FIGUEIREDO PORTELA - PA35421-A, WILSON SAMPAIO PORTELA JUNIOR - PA016377
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014611-75.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: UNION FOODS - EMPREENDIMENTOS, PARTICIPACOES E ADMINISTRACAO DE NEGOCIOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: RUI BARBOSA MACIEL FILHO - PB25717-A APELADO: ACATAUASSU GENEROS ALIMENTICIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogados do(a) APELADO: MARCOS VINICIUS FIGUEIREDO PORTELA - PA35421-A, WILSON SAMPAIO PORTELA JUNIOR - PA016377 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por UNION FOODS - EMPREENDIMENTOS, PARTICIPAÇÕES E ADMINISTRAÇÃO DE NEGÓCIOS LTDA. em face da r. sentença prolatada pelo Juízo da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo que, no bojo de ação ordinária por ela movida em face de ACATAUASSU GÊNEROS ALIMENTÍCIOS LTDA e do INPI, julgou improcedente o pedido por ela formulado. Cuida-se, na origem, de ação ordinária ajuizada pela apelante em que objetiva a declaração de nulidade de ato praticado pelo INPI, que concedeu a marca "FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA", sob o nº 919.479.200, no dia 6.9.2022, à ACATAUASSU GÊNEROS ALIMENTÍCIOS LTDA Defende os direitos de propriedade industrial para o termo "DADINHO", fruto de sua criação, sobre o qual a ré se apropriou. Expõe que o produto foi criado no ano de 1954 para homenagear o IV Centenário da cidade de São Paulo e que, somente após a obtenção de certo reconhecimento pelo público, obteve o apelido "DADINHO". Afirma que ao longo dos anos realizou uma série de investimentos em tecnologia, pesquisa e novos ingredientes, de maneira que seu produto ocupa até hoje posição de destaque na produção de alimentos, tendo criado, após se tornar detentora da marca, o domínio de internet "www.dadinhooriginal.com.br", através do qual expõe seus produtos e se relaciona com os seus clientes. Relata, ainda, a criação de loja online da sua marca "www.lojadadinho.com.br". Aduz ser titular de diversos pedidos de registros marcários e que estes lhe conferem o direito de propriedade e exclusividade sobre suas marcas, bem como a obrigação de zelar pela integridade material e reputação da expressão "DADINHO". Ressalta o prestígio da marca em âmbito nacional e o prestígio perante o público. Sustenta que há colidência de marcas, pois o registro de "FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA" contém "DADINHO", elemento nominativo caracterizante de sua marca, bem como que, para além da semelhança entre os signos das marcas, há identidade de classes perante o INPI (Classe 30 - Produtos Alimentícios). Declara que, em razão disso, os consumidores serão induzidos a confusão e/ou associação indevida entre os produtos. Informa que a ré obteve o registro de sua marca apenas em sede recursal, uma vez que, num primeiro momento, o INPI indeferiu o pedido de registro sob o fundamento de que haveria anterioridade registral em relação ao termo "DADINHO". O INPI contestou alegando: a) preliminarmente, que sua posição processual é a de assistência especial instituída pela Lei 9.279/96; b) no mérito, que o ato concessório do registro à ré foi praticado nos termos da lei; c) que, em que pese o signo distintivo da ré compartilhar o uso do elemento normativo "DADINHO", a autarquia entende que os sinais guardam entre si diferenças consideráveis, sobretudo no que toca ao aspecto ideológico, de modo que a convivência das marcas não parece capaz de causar confusão ou associação indevida junto ao público consumidor; d) que, enquanto o produto da autora foi popularizado como "DADINHO" em razão do formato que recebera o doce de amendoim, o sinal marcário da requerida remete ao popular "dadinho de tapioca", criado pelo chef de cozinha Rodrigo Oliveira; e) que a terminologia em disputa, na marca da corré, somente tem o seu sentido compreendido por completo quando associado aos demais elementos nominativos, ou seja, quando formada a expressão "dadinho de tapioca", não sendo cabível a dissociação do termo dos demais para estabelecer colidência marcária; f) que a expressão "dadinho de tapioca" sequer exerce, efetivamente, a função de marca, uma vez que é clara referência ao petisco, que, por sua vez, é um produto e, em sendo um produto, em tese, não pode ser apropriado exclusivamente como marca, uma vez que retiraria do patrimônio comum de todo aquele que atua no ramo de alimentos o direito de também usar essa expressão em sua real acepção; g) que, no conjunto marcário da ré, a efetiva função de marca é exercida pelo vocábulo "Filoca", que acompanha um desenho que representa um rosto humano; h) que, ainda que se considere que o termo "DADINHO" exerce o papel de marca, quando cotejadas, verifica-se que possuem conjuntos suficientemente distintos, de maneira que a convivência é insuscetível de, em tese, causar confusão ou associação indevida junto ao público consumidor (id 287685407). A ACATAUASSU GÊNEROS ALIMENTÍCIOS contestou alegando: a) que é reconhecida por todo o estado do Pará pela marca "Filoca Alimentos" em razão da qualidade de seus produtos; b) que cumpriu com todas as obrigações estipuladas pela autarquia, conforme se pode verificar do Certificado Nacional de Registro; c) que a marca em disputa não é a única registrada, uma vez que possui, por exemplo, o registro da da marca "Filoca Alimentos Pão de Queijo de Marajó"; d) que o termo "dadinho de tapioca" refere-se apenas ao formato do produto, não existindo qualquer ligação com a marca da empresa demandante; e) que todos os produtos da autora possuem a expressão "DADINHO", enquanto que somente um produto seu apresenta a mesma expressão, de maneira que não pode ser considerada imitação de marca por ser considerado termo expressivo e vocativo, que claramente se refere à marca descritiva no segmento a que se destina e impossibilitada de registro exclusivo, sendo certo que "DADINHO" é simplesmente o diminutivo de "dado"; f) que a expressão "DADINHO" enquanto marca é fraca em razão da sua natureza evocativa; g) que expressões pouco originais ou de fraco potencial criativo são impossibilitadas de serem registradas como marca exclusiva; h) que a expressão "dadinho de tapioca" está inteiramente ligada ao produto alimentício nacionalmente conhecido; i) que a jurisprudência entende que a concessão do uso exclusivo de uma marca nesses casos criaria monopólio indevido, uma vez que a concorrência ficaria impedida de anunciar produtos do mesmo formato aos seus consumidores; i) que expressões que, a rigor, não deveriam ser admitidas como marca por força do óbice contido no art. 124, VI, da LPI, acabam sendo registradas pela autarquia, ficando sujeitas a terem sua exclusividade mitigada; j) a possibilidade de marca com pouca originalidade conviverem harmonicamente; l) a impossibilidade de confusão ou associação indevida, uma vez que as empresas possuem 2.500 quilômetros de distância; m) que o ajuizamento da presente ação representa uma tentativa desesperada da demandante de obter o reconhecimento da notoriedade de sua marca sem passar pela via administrativa (Resolução nº 107/2013 do INPI) (id 287685413). Em 30/8/2023, proferida decisão indeferindo a antecipação dos efeitos da tutela provisória de urgência (id 287685419). Em 5/9/2023, o INPI manifesta desinteresse na produção de outras provas além das já trazidas aos autos (id 287685422). Em 25/9/2023, a parte autora apresentou réplica na qual reiterou os termos da inicial (id 287685423). Em 5/12/2023, foi prolatada a r. sentença que julgou improcedente o pedido autoral sob o fundamento de que não houve infringência ao art. 124, incisos XIX e XXIII, da LPI. Confira-se (id 287685737): "Conforme bem asseverado pelo INPI em contestação, em que pese o compartilhamento do elemento nominativo DADINHO com a marca da autora, no que toca ao aspecto ideológico, os sinais guardam entre si diferenças consideráveis. O produto da autora, que é seu carro-chefe, foi popularizado como “dadinho” em razão do formato que recebera o conhecido doce de amendoim, redundando na marca de mesmo nome. O sinal marcário da ré, por sua vez, remete ao popular “dadinho de tapioca”, de modo que a terminologia em disputa, somente tem o seu sentido compreendido por completo na marca impugnada, quando associado aos demais elementos nominativos “dadinho de tapioca”, restando afastada a alegada colidência marcaria. Assiste razão, ainda à corré Acatauassu, ao afirmar que o elemento nominativo “dadinho” é meramente evocativo, ou seja, traz em seu nome característica do produto ou serviço que representa, não podendo dessa forma, exigir-se a exclusividade de seu uso. (...) Ademais, a marca da corré é mista, com a junção do elemento figurativo e nominativo, sendo necessário a análise de ambos os elementos para verificar eventual colidência, devendo-se levar em conta também o elemento gráfico e fonético. No presente caso, a única semelhança, de fato, encontra-se na palavra “dadinho”, comum a ambas as marcas. (...) Também não vislumbro a possibilidade de confusão do público alvo, considerando que a expressão tem ligação intrínseca com o formato do produto feito de tapioca, comum no ramo da alimentação. Vale destacar que eventuais indeferimentos pelo INPI de outros pedidos de registro de marcas nas quais constava a expressão DADINHO, não é parâmetro para refutar a decisão objeto dos autos. Destaco, por fim, que a autarquia ré, como órgão responsável por executar as normas que regulam a propriedade industrial, possui corpo técnico qualificado para analisar os pedidos de registro de marca, de modo que as suas decisões não podem ser substituídas por análise subjetiva produzida pelo Poder Judiciário, a quem compete analisar a legalidade do procedimento administrativo. Assim, não há motivos para a reparação judicial almejada no procedimento administrativo que conduziu à concessão do registro da marca “dadinho” ora questionada, eis que devidamente fundamentada. No tocante ao ônus de sucumbência, entendo que não são devidos honorários advocatícios ao INPI, ante o requerimento do próprio INPI para atuar no feito como litisconsorte necessário especial (sui generis). (...) Diante do exposto, julgo improcedente o pedido e resolvo o processo COM JULGAMENTO DO MÉRITO, a teor do artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios a favor do advogado da corré Acatauassu, os quais arbitro em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil". Ato contínuo, a parte demandante opôs embargos de declaração alegando omissão na r. sentença quanto ao item "c" da inicial, notadamente para declarar a marca “DADINHO” como marca notoriamente conhecida, nos termos do art. 126 da Lei de Propriedade Industrial (id 287685740), os quais, apesar de conhecidos, foram rejeitados (id 287685742). Em 26/2/2024, a UNION FOODS apresentou apelação na qual alegou: a) preliminarmente, a nulidade da r. sentença por vício de motivação, uma vez que o r. decisum não trouxe qualquer razão fática para aplicação do termo "DADINHO" como vulgar, genérico e/ou fraco; b) a nulidade da r. sentença por não ter apreciado o pedido alternativo de reconhecimento da distintividade da marca em razão do secondary meaning; c) no mérito, que possui registro da marca "DADINHO" na forma nominativa, de maneira o uso do termo é exclusivo no ramo que lhe cabe, independentemente do elemento figurativo que acompanhe a expressão ou da logotipia que lhe possa ser atribuída com grafismos ou não; d) que a marca da apelada é uma tentativa de desconfigurar e diluir a marca "DADINHO", uma vez que a ré destacou o termo na forma escrita, não cumprindo com os critérios de disponibilidade e distintividade; e) que a sua marca, por ser nominativa, composta por uma única expressão, implica na proteção ao termo em si, impossibilitando o registro de terceiros sob qualquer estilização; f) que o uso do termo "DADINHO" pela apelada gera grande possibilidade de confusão no público consumidor; g) que o termo "DADINHO" não descreve e não guarda qualquer relação com seus produtos, sendo, ao contrário, fruto de muito investimento ao longo dos 70 anos de existência no mercado, a evidenciar que não se trata de marca vulgar/evocativa; h) que a sua marca não é genérica, uma vez que, em razão do fenômeno do secondary meaning, adquiriu distintividade suficiente em razão dos altos investimentos por ela empregados; i) que o INPI, ao conceder o registro à ré, desrespeitou os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da segurança jurídica; j) que o Instituto incorreu em contradição ao indeferir o registro da marca "Dadinhos de Tapioca" ao chef Rodrigo Oliveira, dono do famoso restaurante Mocotó, e alegar, em sede de contestação, que a marca da apelada remete ao popular "dadinho de tapioca"; l) que a utilização do termo "dadinho de tapioca" por Rodrigo apenas se deu em razão de autorização conferida pela UNION FOODS, valendo apenas para suas receitas e para a venda em seu restaurante; m) a notoriedade da marca "DADINHO"; n) a colidência direta entre o signo distintivo de sua marca e o registro que se pretende anular; o) que a apelada incorreu no crime previsto no art. 189 da LPI ao utilizar o termo "DADINHO" (id 2876857440). Pugna pela anulação da r. sentença por vício de motivação e por ser citra petita. Requer a declaração de nulidade do registro da marca sob o nº 919.479.200, bem como que seja determinado que a apelada se abstenha de utilizar marcas que contenham a expressão "DADINHO", bem como qualquer característica visual que reproduza ou imite, no todo ou em parte, as suas marcas, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00. Por fim, requer a condenação da apelada ao pagamento de verba sucumbencial em 20% sobre o valor da condenação. O INPI (id 287685751) e a ACATUASSU GÊNEROS ALIMENTÍCIOS (id 287685752) apresentaram contraminuta. Vieram os autos à conclusão. É o relatório. jsg
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014611-75.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: UNION FOODS - EMPREENDIMENTOS, PARTICIPACOES E ADMINISTRACAO DE NEGOCIOS LTDA Advogado do(a) APELANTE: RUI BARBOSA MACIEL FILHO - PB25717-A APELADO: ACATAUASSU GENEROS ALIMENTICIOS LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogados do(a) APELADO: MARCOS VINICIUS FIGUEIREDO PORTELA - PA35421-A, WILSON SAMPAIO PORTELA JUNIOR - PA016377 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Dos fatos Busca a apelante a reforma da r. sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do registro da marca da ré ("FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA"), registrada sob o nº 919479200. Em linhas gerais, alega que é proprietária do termo "DADINHO" e que o registro da marca impugnada nunca poderia ter sido concedido pelo INPI, em razão da anterioridade registral; da distintividade e notoriedade de sua marca; da possibilidade de confusão e/ou associação indevida no público consumidor. Sustenta, ainda, que a marca “DADINHO”, de sua titularidade, deve ser considerada notoriamente conhecida, nos moldes do artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial. Das Preliminares - da nulidade da sentença por vício de motivação e da não apreciação do pedido de declaração como marca notoriamente conhecida Alega a apelante que a r. sentença é nula, por carecer de motivação e não ter apreciado todos os pedidos trazidos na inicial. Com parcial razão a apelante neste ponto. Considerando o efeito devolutivo da apelação, a implicar novum iudicium e substituição da decisão de primeiro grau pela de segundo, eventual vício de motivação - a rigor, a sentença, segundo penso está bem motivada - fica suprido pelo exame do recurso. Extrai-se da exordial que há pedido de declaração da marca como notoriamente conhecida, ex vi do art. 126 da LPI (id 287685388, fls. 32): "c) Declarar a marca “DADINHO” de titularidade da parte Autora como marca notoriamente conhecida nos moldes do artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial". Realmente, a sentença não enfrentou referido pleito. Instado a se manifestar por meio de embargos de declaração, o juízo a quo entendeu pela ausência de omissão no decisum (id 287685742): "Consta claramente na fundamentação da sentença embargada os motivos pelos quais este Juízo decidiu pela improcedência do pedido, inclusive quanto ao pleito subsidiário, de modo que nova discussão sobre o tema se mostra inoportuna tanto para o momento processual como para o presente recurso. (...) Diante do exposto, conheço dos presentes embargos, porque tempestivos, e os REJEITO, no mérito, restando mantida a sentença prolatada". No entanto, é desnecessária a declaração de nulidade da sentença, pois o artigo 1.013, caput, § 1º e § 3º, III, do CPC estabelece que o recurso de apelação devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (caput), sendo objeto de apreciação e julgamento, as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas (§ 1º), salientando-se que se deve decidir desde logo o mérito, casos em que for constatada omissão no exame de um dos pedidos (§ 3º, III). Nesse sentido, Dinamarco e Araken: Nos casos em que o juiz haja deixado de examinar a demanda em relação a uma das partes instaladas na relação processual, ou desconsiderado por omissão um dos fundamentos da demanda, ou omitido o exame de alguma das parcelas do pedido, nisso reside uma transgressão ao direito de ação, constitucionalmente assegurado. Mas o § 1ª do art. 1.013 do Código de Processo Civil preserva a validade da sentença no caso de omissão somente quanto a um ou alguns dos fundamentos, ao estabelecer que, em apelação, todas as questões de fato ou de direito suscitadas em primeiro grau reputam-se devolvidas à instância superior. A consequência prática é que, em vez de anular a sentença, nesses casos o tribunal apreciará a questão não examinada pelo juiz e dará à causa, pelo mérito, a solução que merecer (salvo quando o exame desse fundamento depender de prova não realizada em primeiro grau apesar de regularmente requerida - caso de anulação da sentença). O vigente Código de Processo Civil pôs uma pá de cal sobre essa questão ao estabelecer que, em apelação, "se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo" (art. 1.013, § 3°, inc. III) (DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil v. III. 9. ed., rev. e atual. SP: Editora JusPodivm, 2024, p. 358). Finalmente, reputa-se citra petita (ou infra petita, pois os vocábulos citra e infra significam aquém) a sentença em que o juiz desconsiderar um dos pedidos a que estava constrangido a julgar. Por exemplo: o autor A pleiteou a reintegração na posse do imóvel e perdas e danos perante o réu B; a sentença acolhe o pedido de reintegração, mas não julga, quer acolhendo, quer rejeitando, o pedido sucessivo de perdas e danos. O vício citra petita ocorre, frequentemente, nos processos de objeto complexo (v.g., a omissão do julgamento de um dos pedidos cumulados, da reconvenção ou da denunciação da lide). Tendo a sentença deixado de analisar o pedido de declaração de marca notoriamente conhecida, nos termos do art. 126 da LPI e, estando o feito em condições de imediato julgamento, passo à análise do pleito, com fulcro no art. 1.013, § 3º, III, do CPC. Do mérito Do pedido de declaração de marca notoriamente conhecida Segundo jurisprudência do C. STJ, cabe ao INPI o reconhecimento da notoriedade da marca. Cuida-se de caso de reserva de atuação à autoridade administrativa, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes. Desta forma, quanto a esse pedido, entendo a parte autora carente de ação. Confira-se o seguinte julgado: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE MARCAS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA. ART. 126 DA LEI 9.279/96. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA HIPÓTESE PREVISTA NA NORMA LEGAL. MÁ-FÉ. PRESUNÇÃO AFASTADA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 174 DA LEI 9.279/96. ABSTENÇÃO DE USO. INDEFERIMENTO. INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES À EMENTA "[...] 'Da mesma forma que ocorre com a marca de alto renome, compete ao INPI avaliar a marca como notoriamente conhecida, caracterizando malferimento ao princípio da separação dos poderes e, consequentemente, invasão na seara do mérito administrativo da autarquia federal qualquer digressão do Poder Judiciário a esse respeito' [...]". (STJ, REsp 1994997 / PE, RECURSO ESPECIAL 2022/0094049-1, v.u., RELATORA Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA, DATA DO JULGAMENTO 28/02/2023, DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 02/03/2023). A razão para tanto é a expertise da autarquia especializada no reconhecimento dos elementos caracterizadores na notoriedade. Ilustra o ponto trecho bastante esclarecedor das Diretrizes de Análise de Marcas, atualizadas pelo INPI em 11/12/2012: Tendo em vista que a Convenção de Paris não dá qualquer definição de notoriedade, nem, tampouco, estabelece critérios para sua apreciação, o INPI, na qualidade de autoridade competente para apreciar matéria dessa natureza, considera a questão observando se a marca possui certo conhecimento no Brasil, no segmento de mercado idêntico ou similar. A solução ainda se apoia no princípio da razoável duração do processo, uma vez que o reconhecimento da notoriedade da marca, a demandar profunda pesquisa no segmento de mercado relativo ao bem certamente demandaria tempo significativo para resolução do feito. A repartição funcional de competência entre o Poder Judiciário e a autoridade administrativa, sumarizando a cognição processual, abrevia o curso do processo, favorecendo o mais rápido julgamento do caso. Do pedido de nulidade do registro da marca da apelada ACATAUASSU A apelante conta que a marca "DADINHO" foi fruto da criação de espírito há pelo menos 70 anos para homenagear o IV Centenário da cidade de São Paulo. Declara que, após obter certo reconhecimento do público, obteve o apelido de "DADINHO", incorporado pelos fabricantes como nome real do produto e apresentação como marca. Ressalta que vem fazendo diversos investimentos em tecnologia, pesquisa e novos ingredientes, a fim de permitir que seu produto ocupe lugar de destaque na produção de alimentos. Relata que, após se tornar detentora da marca, criou o domínio de internet (www.dadinhooriginal.com.br), por meio do qual expõe seus produtos ao conhecimento do público, realizando, ainda, a publicidade destes e o relacionamento com seus clientes. Expõe que a marca "DADINHO" exerce função importante agregando sentimento de afeto em seus clientes, além da lembrança da infância, bons momentos com pessoas especiais. Outrossim, releva que o doce é motivo de verdadeira nostalgia de muitas gerações, sendo sucesso desde os anos 50 com prestígio do público-alvo e notoriedade do consumidor brasileiro. Aduz que, em razão de tamanha notoriedade, a marca se expandiu para diversas linhas de produto existentes no mercado, sempre explorando o termo como forma de prestígio e reconhecimento conquistados por todos esses anos de existência. Ressalta que, na comparação entre marcas, deve-se levar em consideração que atualmente a marca "DADINHO" visa à proteção de vários produtos do ramo alimentício, não somente o doce tradicional que perdura por todos esses anos. Em razão disso, afirma ser titular de diversos registros perante o INPI, de maneira que o termo "DADINHO" se tornou de exclusividade sua, sendo-lhe conferida a propriedade e proteção em todo o território nacional, bem como o direito de zelar pela sua integridade material e moral. Pois bem. Afasto a alegação da apelante no sentido de que a concessão da marca registrada sob o nº 919.479.200, “FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA”, viola a exclusividade e causa concorrência desleal em relação às marcas da UNION FOODS, sob o fundamento de que o consumidor está exposto a um ambiente de insegurança e confusão pela existência de marcas com mesma grafia, fonética e afinidade mercadológica. Quanto aos sinais não registráveis como marca, dispõem os incisos XIX e XXIII do art. 124 da Lei 9276/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial: (...) XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; (...) XXIII - sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia. Como bem fundamentado pela sentenciante, Exma. Juíza Federal Diana Brunstein, a "marca da corré é mista, com a junção do elemento figurativo e nominativo, sendo necessária a análise de ambos os elementos para verificar eventual colidência, devendo-se levar em conta também o elemento gráfico e fonético". Acrescenta o INPI, em contestação, que, "em que pese o compartilhamento do elemento nominativo DADINHO com a marca da autora, no que toca ao aspecto ideológico, os sinais guardam entre si diferenças consideráveis. O produto da autora, que é seu carro-chefe, foi popularizado como “dadinho” em razão do formato que recebera o conhecido doce de amendoim, redundando na marca de mesmo nome. O sinal marcário da ré, por sua vez, remete ao popular “dadinho de tapioca”, de modo que a terminologia em disputa, somente tem o seu sentido compreendido por completo na marca impugnada, quando associado aos demais elementos nominativos “dadinho de tapioca”, restando afastada a alegada colidência marcaria". Saliento, nesse mesmo sentido, que o termo "DE TAPIOCA", agregado ao nome "DADINHO", empregado pela corré ACATAUASSU GENEROS ALIMENTICIOS LTDA, faz da expressão "FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA" unidade significativa própria, apta a se diferenciar inequivocamente da marca "DADINHO". Não bastasse isso, à junção do elemento nominativo da marca, soma-se ao do figurativo, escrito sobre um fundo de cor bege/marrom e ainda acompanhado por rosto de mulher. Portanto, não vejo tentativa, pela corré ACATAUASSU, de desconfigurar ou diluir a marca "DADINHO". Comparando as logomarcas, não vislumbro, sob nenhum ângulo, semelhança ou lembrança, ao não ser o uso comum do termo "DADINHO", que nada mais é do que o diminutivo da palavra "dado". Por isso, me parece correta conclusão que chegou a sentença ao afirmar que "o elemento nominativo “dadinho” é meramente evocativo, ou seja, traz em seu nome característica do produto ou serviço que representa, não podendo dessa forma, exigir-se a exclusividade de seu uso". Colaciono abaixo as logomarcas da empresa ré e da apelante, que evidenciam as diferenças entre ambas e a incapacidade de causar confusão entre os consumidores: Reforça-se, assim, a possibilidade de convivência das marcas. Desse modo, embora o termo "DADINHO" faça alusão a característica do produto pioneiro produzido pela UNION FOODS, este, em verdade, é um termo genérico, relativo ao formato geométrico (dado) no diminutivo, podendo coexistir com marcas que contenham "dadinho de tapioca"; "dadinho de chocolate"; "dadinho de queijo", etc. Não há sentido na alegação do apelante de que a sentença mal apreciou o caso ao lhe atribuir o ônus de demonstrar que o termo "DADINHO DE TAPIOCA" teria se tornado comum. Em realidade, ao agregar "FILOCA ALIMENTOS" a "DADINHO DE TAPIOCA" e empregar elemento figurativo, a apelada distinguiu suficientemente sua marca da apelante. O C. Superior Tribunal de Justiça, ao declarar que marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admite a sua utilização por terceiros de boa-fé. "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA CUMULADA COM ABSTENÇÃO DO USO. MARCA EVOCATIVA. CUNHO FRACO. CONVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. CONFUSÃO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. No recurso, a parte demandante menciona contradição do INPI em razão do indeferimento do pedido de registro da marca "DADINHOS DE TAPIOCA" apresentado pelo chef Rodrigo Oliveira, e a alegação apresentada pela autarquia em sua contestação ao declarar que a marca da apelada remete ao popular dadinho de tapioca. Não há como considerar contraditória a postura adotada pelo Instituto, pois o pedido de registro feito em 2018 era para a marca nominativa "DADINHOS DE TAPIOCA" e não mista “FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA”. Igualmente, não vejo contradição na postura do INPI de negar registro a marcas que também continham o termo "DADINHO", por confusão com a marca "DADINHO" da apelante (DADINHO´S; DADINHO BITZ; DADINHO ROLL; DADINHO LIKE). Isso, segundo a apelante, revelaria a ilegalidade do registro da marca da apelada, que da mesma forma traz o termo "DADINHO". Como exposto anteriormente à exaustão, o fato de "FILOCA ALIMENTOS" ter sido agregado a "DADINHOS DE TAPIOCA", diferencia suficientemente a marca da apelada da da apelante. Com relação ao fenômeno mercadológico da distintividade adquirida, no caso, a expressão “DADINHO” não indica a aquisição de uma 'eficácia distintiva', tal como o termo iPhone em relação à marca Apple, na perspectiva do 'secondary meaning'. O significado de 'secondary meaning' foi bem exposto pelo apelante como fenômeno linguístico e psicológico que ocorre na mente do consumidor, gerador de suficiente e necessária distintividade, capaz de se distinguir dos demais concorrentes. O problema é que no caso dos autos a apelante não produz prova de circunstância de fato atributiva de distintividade extrínseca ao termo “DADINHO”. Muito embora o produto da apelante tenha esse nome, não me convenci da transcendência (distintividade extrínseca) do termo, o que se poderia fazer mediante a demonstração de que a significativo número de brasileiros “DADINHO” evocasse tão somente o doce comercializado pela apelante. Nesse sentido, a demonstração poderia ser feita, por exemplo, mediante ampla pesquisa de mercado que constatasse o defendido 'secondary meaning', devidamente acompanhada de minucioso relatório sobre a metodologia a tanto utilizada. Conclusão Reconhecida a sentença citra petita, por não ter apreciado o pedido de declaração da marca como notoriamente conhecida (art. 126 da LPI), afastei a necessidade de decretação de nulidade da r. sentença e, ex vi do art. 1013, §1º e §3º, III do CPC (causa madura), passei à análise da questão. Por entender que compete ao INPI avaliar previamente o pleito, reconheci a carência da ação, motivo pelo qual não conheço do recurso de apelação quanto ao tema. No que se refere ao pedido de nulidade do registro da marca da apelada ACATAUASSU, conheço do recurso de apelação e lhe nego provimento. Da verba honorária Majoro a verba honorária, fixada na r. sentença, em 2%, nos termos do artigo 85, § 11º do Código de Processo Civil. Dispositivo Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso de apelação e, nessa extensão, nego-lhe provimento. Verba honorária majorada na forma acima explicitada. É como voto.
Esses vícios todos representam errores in procedendo. Formam, em virtude dessa qualidade, o mérito da apelação que impugna o ato viciado. Também podem ser conhecidos ex officio.
A sentença citra petita pode ser corrigida por intermédio de embargos de declaração, suprindo a omissão. Não suprida a falha, oportunamente, no julgamento da apelação – recurso de modo algum condicionado à prévia interposição dos embargos de declaração, conforme proclamou, com razão, a jurisprudência prevalecente do STJ –, ao órgão ad quem não é vedado emendar a sentença e acrescentar-lhe, originariamente, o capítulo faltante, porque o art. 1.013, § 3.º, III, inovadoramente, permite julgar o pedido omitido. Era caso de anular o ato e restituir o processo ao órgão a quo para que outro seja proferido no direito anterior. No entanto, a jurisprudência do STJ já assentara que o tribunal poderá suprir a falta da disposição e julgar todos os pedidos diretamente. Assim, o art. 1.013, § 3.º, III, recepcionou o entendimento dominante (ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. Parte II - Recursos em Espécie - Apelação. Ed. 2021, Revista dos Tribunais, p. RB-7.41).
1. Ação ajuizada em 27/9/2018. Recurso especial interposto em 10/2/2022. Autos conclusos à Relatora em 12/5/2022.
2. O propósito recursal, além de verificar se houve negativa de prestação jurisdicional, consiste em definir: (i) se a marca da recorrida se submete à proteção especial do art. 126 da Lei 9.279/96 (marca notória); (ii) se a má-fé da recorrente pode ser presumida;
(iii) se a pretensão anulatória está prescrita e (iv) se deve ser vedado o uso, por parte da recorrente, da expressão ZEQUINHA.
3. Devidamente enfrentadas as questões invocadas pelas partes, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente.
4. A ausência de prequestionamento impede o exame do recurso especial quanto às questões sobre as quais não houve manifestação no acórdão recorrido.
5. A proteção especial conferida pelos arts. 126 da Lei de Propriedade Industrial e 6º bis (1) da Convenção da União de Paris refere-se a marcas registradas em outros países que, segundo avaliação da autoridade competente (INPI), qualificam-se como notoriamente conhecidas no respectivo segmento de atividades, apesar de não terem sido depositadas no Brasil.
6. Hipótese dos autos a que não se pode aplicar a consequência jurídica das normas precitadas (proteção especial), haja vista o não preenchimento de seu suporte fático: a marca da recorrida não se origina de registro feito no exterior e não foi reconhecida como notória pelo INPI.
7. Afastada a circunstância que serviu de fundamento para o Tribunal de origem reconhecer estar caracterizada a má-fé da recorrente ao postular registros perante o INPI (notoriedade da marca da recorrida), revela-se inaplicável o conteúdo normativo do art. 6º bis (3) da CUP, que versa sobre a imprescritibilidade da pretensão anulatória de marca obtida de má-fé.
8. A Lei 9.279/96 contém regra expressa dispondo que a pretensão de se obter a declaração de nulidade de registro levado a efeito pelo INPI prescreve em cinco anos, contados da data da sua concessão (art. 174).
9. O primeiro registro obtido pela recorrente - acobertado pelos efeitos da prescrição da pretensão anulatória deduzida pela recorrida - confere proteção ao elemento nominativo que constitui o objeto do pedido de abstenção de uso, de modo que o indeferimento de tal postulação é medida impositiva.
10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, marcas compostas por elementos descritivos, evocativos ou sugestivos podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhante (precedentes).
2. "A questão acerca da confusão ou associação de marcas deve ser analisada, em regra, sob a perspectiva do homem médio (homus medius), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade" (REsp 1336164/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 19/12/2019).
3. Em que pese a existência do mesmo vocábulo ("extra"), a escrita e a fonética das marcas diferem-se pela adição do adjetivo "bom", resultando em inequívoca distinção entre as expressões "Extra" e "Extrabom", esta última caracterizada por elementos visuais próprios em seu logotipo, afastando a possibilidade de causar confusão ao homem médio.
4. Considerando não ser a recorrida proprietária exclusiva do prefixo "EXTRA", tampouco havendo circunstância apta a ensejar erro por parte do público consumidor, deve ser mantido o registro no INPI das marcas "SUPERMERCADO EXTRABOM" e "EXTRABOM".
5. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de nulidade de registro de marca cumulada com pedido de abstenção de uso".
(REsp n. 1.929.811/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 21/3/2023, g.n.).
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE MARCA NOTORIAMENTE CONHECIDA. CARÊNCIA DA AÇÃO. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO PRÉVIA PELO INPI. NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA PELO INPI. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA DAS MARCAS.
- Busca a apelante a reforma da r. sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do registro da marca da ré ("FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA"), registrada sob o nº 919479200. Alega que é proprietária do termo "DADINHO" e que o registro da marca impugnada nunca poderia ter sido concedido pelo INPI, em razão da anterioridade registral; da distintividade e notoriedade de sua marca; da possibilidade de confusão e/ou associação indevida no público consumidor. Sustenta que a marca “DADINHO”, de sua titularidade, deve ser considerada notoriamente conhecida, nos moldes do artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial.
- Alega a apelante que a r. sentença é nula, por carecer de motivação e não ter apreciado todos os pedidos trazidos na inicial. Considerando o efeito devolutivo da apelação, a implicar novum iudicium e substituição da decisão de primeiro grau pela de segundo, eventual vício de motivação - a rigor, a sentença, bem motivada - fica suprido pelo exame do recurso.
- Extrai-se da exordial que há pedido de declaração da marca como notoriamente conhecida, ex vi do art. 126 da LPI. A sentença não enfrentou referido pleito (citra petita). Desnecessária a declaração de nulidade da sentença, pois o artigo 1.013, caput, § 1º e § 3º, III, do CPC estabelece que o recurso de apelação devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (caput), sendo objeto de apreciação e julgamento, as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas (§ 1º), salientando-se que se deve decidir desde logo o mérito, casos em que for constatada omissão no exame de um dos pedidos (§ 3º, III).
- Segundo jurisprudência do C. STJ, cabe ao INPI o reconhecimento da notoriedade da marca. Cuida-se de caso de reserva de atuação à autoridade administrativa, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes. Configurada a carência da ação. Expertise da autarquia especializada no reconhecimento dos elementos caracterizadores na notoriedade, conforme consignado nas Diretrizes de Análise de Marcas, atualizadas pelo INPI em 11/12/2012.
- Aplicação do princípio da razoável duração do processo. O reconhecimento da notoriedade da marca, a demandar profunda pesquisa no segmento de mercado relativo ao bem certamente demandaria tempo significativo para resolução do feito. A repartição funcional de competência entre o Poder Judiciário e a autoridade administrativa, sumarizando a cognição processual, abrevia o curso do processo, favorecendo o mais rápido julgamento do caso.
- Afastada a alegada violação de exclusividade e de concorrência desleal em relação às marcas da UNION FOODS. O termo "DE TAPIOCA", agregado ao nome "DADINHO", empregado pela corré ACATAUASSU GENEROS ALIMENTICIOS LTDA, faz da expressão "FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA" unidade significativa própria, apta a se diferenciar inequivocamente da marca "DADINHO". À junção do elemento nominativo da marca, soma-se ao do figurativo, escrito sobre um fundo de cor bege/marrom e ainda acompanhado por rosto de mulher.
- Não constatada tentativa, pela corré ACATAUASSU, de desconfigurar ou diluir a marca "DADINHO". Comparadas as logomarcas, não há, sob nenhum ângulo, semelhança ou lembrança, ao não ser o uso comum do termo "DADINHO", que nada mais é do que o diminutivo da palavra "dado".
- Possibilidade de convivência das marcas. Embora o termo "DADINHO" faça alusão a característica do produto pioneiro produzido pela UNION FOODS, este é um termo genérico, relativo ao formato geométrico (dado) no diminutivo, podendo coexistir com marcas que contenham "dadinho de tapioca"; "dadinho de chocolate"; "dadinho de queijo", etc.
- Rejeitada a alegação da apelante de que a sentença mal apreciou o caso ao lhe atribuir o ônus de demonstrar que o termo "DADINHO DE TAPIOCA" teria se tornado comum. Em realidade, ao agregar "FILOCA ALIMENTOS" a "DADINHO DE TAPIOCA" e empregar elemento figurativo, a apelada distinguiu suficientemente sua marca da apelante.
- Inocorrência da alegada contradição do INPI em razão do indeferimento do pedido de registro da marca "Dadinhos de Tapioca" apresentado pelo chef Rodrigo Oliveira. O pedido de registro feito era para a marca nominativa "DADINHOS DE TAPIOCA" e não mista “FILOCA ALIMENTOS DADINHO DE TAPIOCA”.
- Inocorrência da alegada contradição na postura do INPI, ao negar registro a marcas que também continham o termo "DADINHO", por confusão com a marca "DADINHO" da apelante (DADINHO´S; DADINHO BITZ; DADINHO ROLL; DADINHO LIKE). O fato de "FILOCA ALIMENTOS" ter sido agregado a "DADINHOS DE TAPIOCA" diferencia suficientemente a marca da apelada da da apelante.
- Com relação ao fenômeno mercadológico da distintividade adquirida, no caso, a expressão “DADINHO” não indica a aquisição de uma 'eficácia distintiva'. A apelante não produz prova de circunstância de fato atributiva de distintividade extrínseca ao termo “DADINHO”. Muito embora o produto tenha esse nome, não há transcendência (distintividade extrínseca) do termo, o que se poderia fazer mediante a demonstração de que a significativo número de brasileiros “DADINHO” evocasse tão somente o doce comercializado pela apelante. A demonstração poderia ser feita, por exemplo, mediante ampla pesquisa de mercado que constatasse o defendido 'secondary meaning', devidamente acompanhada de minucioso relatório sobre a metodologia a tanto utilizada.
- Em síntese: reconhecida a sentença citra petita, por não ter apreciado o pedido de declaração da marca como notoriamente conhecida (art. 126 da LPI), afastada a necessidade de decretação de nulidade da r. sentença e, ex vi do art. 1013, §1º e §3º, III do CPC (causa madura), analisada a questão. Por entender que compete ao INPI avaliar previamente o pleito, reconhecida a carência da ação. Não conhecido do recurso de apelação quanto ao tema. No que se refere ao pedido de nulidade do registro da marca da apelada ACATAUASSU, conhecido o recurso de apelação e não provido.
- Majorada a verba honorária, fixada na r. sentença, em 2%, nos termos do artigo 85, § 11º do Código de Processo Civil.
- Conhecido, em parte, do recurso de apelação e, nessa extensão, não provido.