Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004084-63.2016.4.03.6111

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: JOSE URSILIO DE SOUZA E SILVA

Advogados do(a) APELANTE: ANDREIA TRAVENSSOLO MANSANO - SP329468-A, ROGERIO DE SA LOCATELLI - SP241260-A, TELEMACO LUIZ FERNANDES - SP310263-A, TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004084-63.2016.4.03.6111

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: JOSE URSILIO DE SOUZA E SILVA

Advogados do(a) APELANTE: ANDREIA TRAVENSSOLO MANSANO - SP329468-A, ROGERIO DE SA LOCATELLI - SP241260-A, TELEMACO LUIZ FERNANDES - SP310263-A, TELEMACO LUIZ FERNANDES JUNIOR - SP154157-A

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R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por JOSÉ URSÍLIO DE SOUZA E SILVA em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Marília (SP) que o condenou à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, em local a ser definido pelo juízo da execução penal, na razão de um dia de pena por hora de prestação de serviço, e (ii) prestação pecuniária, no valor de 4 (quatro) salários-mínimos, em favor da União.

A denúncia (ID 167653246, pp. 9/11), recebida em 23.9.2016 (idem, pp. 14/15), narra:

Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que o denunciado José Ursílio, na qualidade de sócio e administrador da empresa "Sinergia Editora, Comunicação e Feeling Ltda.", CNPJ nº 04.190.603/0001-54 (fis. 199/201), suprimiu/reduziu tributos devidos por essa empresa mediante a omissão de operação em livro exigido pela lei fiscal, também omitida das autoridades fazendárias em declaração referente ao ano -calendário de 2009 (fis. 89/130,142/146, 199/201).

Ademais, consta que o denunciado Marcos Rogério na qualidade de sócio e administrador da empresa “Personal Prestadora de Serviços Ltda.", CNPJ nº 04.285.85610001-01, concorreu para a supressão/redução de tais tributos por meio da escrituração da operação omitida do Fisco em livro contábil dessa empresa.

Segundo restou apurado, por determinação do denunciado José Ursílio não houve o registro, na contabilidade da empresa "Sinergia Editora, Comunicação e Feeling Ltda.”, do valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), recebido por essa empresa, em 04/11/2009, a título de contraprestação por serviço prestado ao Sindicato dos Empregados no Comércio de Marília, CNPJ 52.058.773/0001-22 (fls. 85, 89/91), sendo que esse valor foi registrado pelo denunciado Marcos Rogério fraudulentamente na contabilidade da empresa "Personal Prestadora de Serviços Ltda.” como se fosse oriundo de empréstimo tomado por esta empresa junto ao citado Sindicato (fl. 78).

Consequentemente, o denunciado José Ursílio deixou de informar tal valor na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (DIRPJ) da empresa "Sinergia Editora, Comunicação e Feeling Ltda.", referente ao ano-calendário de 2009.

Desse modo, referido valor deixou de ser oferecido â tributação, ocasionando a supressão/redução de tributos nos montantes discriminados na tabela que segue, os quais foram constituídos no âmbito do procedimento administrativo nº 13830.721726/2014-62, cujo trâmite se esgotou em 04/09/2014 (fls. 145 e 151): (...)

 A sentença (IDs 167653250, pp. 117/127 e 167653251, pp. 1/7) foi publicada em 13.01.2020 (idem, p. 8).

Em seu recurso (ID 167653252, pp. 3/21), a defesa a absolvição do apelante, alegando que não havia receita tributável, pois o valor apontado no auto de infração era adiantamento de cliente, que não se caracteriza como receita. Aduz que o montante que deveria ser efetivamente tributado é baixo e faria jus à aplicação do princípio da insignificância. Alega também que o erro de escrituração não teve qualquer consequência prática, além de ter sido indevida a tributação de 10 % (dez por cento) na apuração do IRPJ.  Pede a aplicação do princípio in dubio pro reo. Subsidiariamente, pede a redução da pena-base ao mínimo legal e o reconhecimento da confissão espontânea.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 167653252, pp. 25/33).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (ID 190103386).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta pela defesa de JOSÉ URSÍLIO DE SOUZA E SILVA em face da sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90.

 

Mérito da imputação

materialidade está comprovada pelo Procedimento Administrativo Fiscal nº 13830.721726/2014-62, no qual se destacam o auto de infração (ID 167653244, pp. 14/46) e demais documentos que compõem a representação fiscal para fins penais (idem, pp. 62/66), por meio dos quais foi constatada a supressão de IRPJ e reflexos pela empresa Sinergia Editora Comunicação & Feeling Ltda-ME, mediante omissão de receitas cujo montante totalizava, na data da autuação (agosto de 2014), R$ 63.625,23 (sessenta e três mil seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e três centavos), tendo o crédito tributário sido definitivamente constituído em 04.9.2014 (ibidem, p. 72).

Segundo a representação fiscal para fins penais (ID 167653244, pp. 62/66), após uma série de denúncias de omissão de receitas, a Receita Federal apurou que a empresa Personal – Editora e Prestadora de Serviços Ltda., administrada na prática pelo acusado, tinha em sua escrituração contábil um empréstimo no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) concedido supostamente pelo Sindicato dos Comerciários de Marília. Após diligências junto ao Sindicato, descobriu-se que não se tratava de empréstimo, e sim de pagamento por prestação de serviços de publicidade para a empresa Sinergia Editora Comunicação e Feeling Ltda. – ME, mediante entrega de cheque (idem, p. 11), conforme autorização de serviço assinada pelo apelante (ibidem, p. 9). Portanto, foi omitida a entrada desse valor, deixando de ser recolhidos pela empresa Sinergia o total de R$ 63.625,23 (sessenta e três mil seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e três centavos) em tributos.

A defesa questiona os critérios adotados na autuação, alegando que o referido valor não era receita, mas adiantamento de valor de cliente, de modo que só seria tributável a partir da conclusão da prestação de serviços. Alega também que a empresa Sinergia era intermediária na prestação de serviços e não iria deter o valor integral, somente sendo passível de tributação parcela ínfima do montante, o que permite a aplicação ao caso do princípio da insignificância. Sem razão.

O procedimento administrativo fiscal que culminou na lavratura do auto de infração, validamente constituído na esfera administrativa, goza de presunção de legitimidade, veracidade e legalidade. Portanto, a existência de possível vício na constituição do crédito tributário não comporta discussão neste processo, dada a independência das instâncias, tendo assim decidido esta Turma (ApCrim 0013139-37.2008.4.03.6105, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Fausto De Sanctis, j. 06.03.2018, e-DJF3 Judicial 13.03.2018).

O processo penal não é o local adequado para a desconstituição do lançamento tributário. Se o apelante, como responsável tributário da empresa, entende que a exação tributária é indevida, deveria tê-la impugnado na esfera administrada ou a questionado no juízo cível, não sendo a ação penal o locus adequado para essa discussão. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIME TRIBUTÁRIO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. JUSTA CAUSA PRESENTE. SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. 2. JUNTADA DO PROCEDIMEi9NTO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. EVENTUAIS IRREGULARIDADES. DISCUSSÃO NA SEDE PRÓPRIA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO.

1. Da leitura da denúncia, verifica-se que a materialidade se encontra devidamente narrada, em consonância com o disposto na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, havendo, inclusive, referência aos documentos acostados aos autos, de forma a comprovar a existência de crédito tributário constituído. Como é cediço, a materialidade dos crimes listados no art. 1º, inciso I a IV, da Lei n. 8.137/1990 apenas se verifica com a constituição definitiva do crédito tributário, situação que ocorre por meio do procedimento tributário devidamente instaurado. Assim, o direito penal apenas passa a ter lugar após verificada a adequada tipicidade da conduta imputada.

2. Dessa forma, não há se falar em indispensabilidade da juntada do procedimento administrativo tributário. Com efeito, o procedimento administrativo tributário e a íntegra dos documentos tributários foram analisados em sede própria. Portanto, eventual irregularidade ou equívoco no procedimento tributário deveria ter sido impugnado na via própria, que não é a criminal. Nesse contexto, não se revela indispensável a juntada dos documentos tributários, mas apenas a comprovação da constituição definitiva do crédito tributário. Eventual desconstituição do que foi averiguado tributariamente não pode ser feito no juízo criminal, cabendo ao recorrente se valer dos meios próprios para tanto.

3. Em suma: a) para o início da ação penal, basta a prova da constituição definitiva do crédito tributário (SV 24), não sendo necessária a juntada integral do PAF correspondente; b) a validade do crédito fiscal deve ser examinada no Juízo cível, não cabendo à esfera penal qualquer tentativa de sua desconstituição. c) caso a defesa entenda que a documentação apresentada pelo Parquet é insuficiente e queira esmiuçar a dívida, pode apresentar cópia do referido PAF ou dizer de eventuais obstáculos administrativos; d) se houver qualquer obstáculo administrativo para o acesso ao procedimento administrativo fiscal respectivo, é evidente que a parte pode sugerir ao Juiz sua atuação até mesmo de ofício, desde que aponte qualquer prejuízo à defesa, que possa interferir na formação do livre convencimento do julgador. No ponto, a regra contida no art. 156 do CPP é de clareza solar.

4. Recurso em habeas corpus improvido.

(RHC 94.288/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, j. 22.05.2018, DJe 30.05.2018)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. IRREGULARIDADES NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. QUESTÃO NÃO DIRIMIDA NA SEARA CÍVEL. INVIABILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. INÉPCIA DA INICIAL. REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP PREENCHIDOS. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO.

1. Conforme orientação desta Corte Superior, "a tese de nulidade do procedimento fiscal não pode ser dirimida no bojo da ação penal, na qual a Fazenda Pública não é parte ou exerce o contraditório, porquanto o Juízo criminal não possui competência para anular o lançamento tributário, passível de revisão apenas por meio de recurso administrativo, ação cível ou mandado de segurança (RHC n. 61.764/RJ, Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 2/5/2016, grifou-se)

2. Se a alegação de nulidade no procedimento não chegou a ser dirimida em ação anulatória na seara cível, é inviável a pretensão de desconstituição do crédito tributário no juízo criminal, sobretudo na via mandamental.

3. Verificando-se que houve clara exposição do liame existente entre as supostas condutas do recorrente e os fatos delitivos em apuração, de forma suficiente a dar início à persecução penal na via judicial e garantir o pleno exercício da defesa ao acusado, inviável o acolhimento da pretensão de inépcia da denúncia.

4. Recurso improvido, cassando-se a liminar deferida.

(RHC nº 113.899/AC, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 6.10.2020, DJe 15.10.2020)

Ademais, consta do procedimento administrativo fiscal que a empresa não impugnou o lançamento do crédito tributário (ID 167653244 p. 72).

Por fim, os auditores fiscais que participaram das diligências confirmaram em juízo o teor da representação (ID 167653249, pp. 12/20 e 21/25), afirmando que o valor pago pelo Sindicato dos Comerciários de Marília deveria ter sido contabilizado como receita e, caso a empresa Sinergia tivesse efetivamente feito um empréstimo para a empresa Personal, isso deveria ter sido somente posteriormente escriturado dessa forma, incidindo sobre a transação imposto sobre operações financeiras (IOF).

autoria está igualmente comprovada, não havendo controvérsia quanto à condição do apelante de sócio administrador da empresa à época dos fatos, conforme ficha cadastral da empresa Sinergia Editora, Comunicação e Feeling Ltda. (ID 167653244, pp. 44/46) e demais provas produzidas na fase administrativa, policial e em contraditório judicial.

Em juízo (ID 167653249, pp. 48/61), o apelante declarou que houve um erro na contabilidade; que sempre foi zeloso, mas eram muitas empresas para administrar e acabou passando um equívoco. Todavia, ainda que fosse verdade, isso não o exime de responsabilidade.

Quanto ao elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, o que, por consequência, acarreta a supressão ou a diminuição dos tributos devidos, sendo prescindível a vontade dirigida à fraude. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA PELO TRIBUNAL REGIONAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. SÚMULAS 7 E 83/STJ. NEGATIVA DE AUTORIA E ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Verifica-se que o entendimento do Tribunal a quo está em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a conduta omissiva de não prestar declaração ao Fisco, com o fim de obter a redução ou supressão de tributo, quando atinge o resultado almejado, consubstancia crime de sonegação fiscal, na modalidade do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/1990 (REsp 1.637.117/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe de 13/03/2017).

2. De mais a mais, nota-se que o dolo, enquanto elemento subjetivo do tipo capitulado no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, é o genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos" (AgRg no AREsp nº 1.225.680/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 24/8/2018).

(STJ, AgRg no REsp nº 1961473, Quinta Turma, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, v.u., j. 19.04.2022, p. 25.04.2022)

Não procede a tese de ausência de dolo, sob o argumento de que mero erro contábil. Como gestor, o apelante tinha o dever legal de tomar as providências necessárias para manter a regularidade contábil e fiscal da empresa.

O administrador tem o domínio dos fatos tributários empresariais e não pode, convenientemente, sustentar que não teria responsabilidade pela contabilidade ou pelas obrigações tributárias da empresa, atribuindo-as a terceiros.

O responsável legal da sociedade empresarial que não se certifica da ausência do recolhimento do tributo assume o risco por eventual ilícito tributário e/ou penal, razão pela qual eventual desconhecimento da ilicitude não o exime de responsabilidade, pois anui com a produção do resultado, que poderia antever.

No contexto dos autos, foi comprovado que o apelante agiu de forma livre e consciente, inexistindo qualquer dúvida acerca da sua responsabilidade criminal pelos fatos.  O lançamento de um valor considerável (R$ 150.000,00) como empréstimo, ao invés de receita - transações completamente distintas e com consequências tributárias diferentes -, infirma qualquer tese de inexistência de dolo, de sorte que não há dúvida de que a omissão de rendimentos não decorreu de negligência ou ignorância, mas do claro objetivo de reduzir a tributação devida. Além disso, a defesa não apresentou prova alguma que pudesse amparar a sua tese e contestar a consistência do que foi apurado pela Receita Federal, encargo que era seu, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal.

Registro que, no julgamento da Ação Penal nº 0004811-27.2013.403.6111, em que a contabilidade da empresa Personal foi alvo de denúncia, inclusive pelo empréstimo contabilizado em seus livros (e que não existiu), o juízo absolveu JOSÉ URSÍLIO DE SOUZA E SILVA sob o fundamento de que houve erro contábil, porém, como lançado nessa sentença (ID 167653251, p. 21), consignou que o equívoco era em relação à empresa Personal, não tendo sido abordados os efeitos quanto à empresa Sinergia, beneficiária direta da omissão.

Portanto, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, mantenho a condenação de JOSÉ URSÍLIO DE SOUZA E SILVA pela prática do crime previsto no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90, nos termos da denúncia.

 

Dosimetria da pena

Passo ao reexame da dosimetria da pena.

Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, acima do mínimo legal, considerando negativos os antecedentes do réu.

A defesa pede a fixação da pena-base no mínimo legal, afirmando que não há justificativa para sua exasperação. Sem razão.

O apelante possui diversas condenações com trânsito em julgado, dentre elas: i) pelo crime do art. 138, c.c. o art. 141, II e III, do Código Penal, por fatos ocorridos em 09.11.2012, com trânsito em julgado em 11.5.2017 (ID 167653247, p. 12/13); ii) pelo crime do arts. 21, 22 e 23, II, da Lei nº 5.250/67, por fatos de 25 e 29.8.2007, com trânsito em julgado em 12.4.2012 (idem, p. 61). Essas condenações são anteriores aos fatos desta ação penal (04.9.2014), de modo que está correta a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

Portanto, mantenho a pena-base privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias atenuantes e reconheceu a circunstância agravante da reincidência, na fração de 1/6 (um sexto), ante a condenação com trânsito em julgado em 27.9.2010 (ID 167653247, pp. 66/67), o confirmo, ficando a pena intermediária privativa de liberdade mantida em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão.

Rejeito a pretensão da defesa de reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea porque o apelante negou ter praticado o crime em todas as oportunidades que teve para se manifestar.

Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de diminuição ou de aumento de pena, o que confirmo, de modo que a pena privativa de liberdade definitiva fica mantida em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão.

Quanto à pena de multa, o juízo a fixou em 15 (quinze) dias-multa, observando os mesmos critérios do sistema trifásico para a sua quantificação, o que mantenho, assim como o valor unitário do dia-multa.

 

Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade

Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, §§ 2º e 3º), assim como a substituição dessa pena por duas penas restritivas de direitos, nos termos estabelecidos na sentença.

 

Conclusão

Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I e II, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA.

1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

2. O procedimento administrativo fiscal que culminou na lavratura do auto de infração, validamente constituído na esfera administrativa, goza de presunção de legitimidade, veracidade e legalidade. Portanto, a existência de possível vício na constituição do crédito tributário não comporta discussão neste processo, dada a independência das instâncias. O processo penal não é o local adequado para a desconstituição do lançamento tributário.

3. O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 é o dolo genérico. O administrador tem o domínio dos fatos tributários empresariais e não pode, convenientemente, sustentar que não teria responsabilidade pela contabilidade ou pelas obrigações tributárias da empresa, atribuindo-as a terceiros.

4. No contexto dos autos, foi comprovado que o apelante agiu de forma livre e consciente, inexistindo qualquer dúvida acerca da sua responsabilidade criminal pelos fatos.  O lançamento de um valor considerável como empréstimo, ao invés de receita - transações completamente distintas e com consequências tributárias diferentes -, infirma qualquer tese de inexistência de dolo, de sorte que não há dúvida de que a omissão de rendimentos não decorreu de negligência ou ignorância, mas do claro objetivo de reduzir a tributação devida.

5. Dosimetria da pena. O apelante possui diversas condenações com trânsito em julgado, anteriores aos fatos desta ação penal, de modo que está correta a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

6. Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.