APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009268-94.2016.4.03.6112
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, EDSON FRANCISCO GIRONDI
Advogados do(a) APELANTE: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873
APELADO: EDSON FRANCISCO GIRONDI, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogados do(a) APELADO: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009268-94.2016.4.03.6112 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, EDSON FRANCISCO GIRONDI Advogados do(a) APELANTE: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873 APELADO: EDSON FRANCISCO GIRONDI, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) APELADO: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por EDSON FRANCISCO GIRONDI em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Presidente Prudente (SP) que condenou o réu à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 60 (sessenta) dias-multa, no valor unitário de um salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, pelo período da pena substituída, e (ii) prestação pecuniária, no valor de 50 (cinquenta) salários-mínimos, a ser paga a instituição pública ou privada com destinação social a ser indicada pelo juízo da execução penal. A denúncia (ID 276984547, pp. 3/6), recebida em 15.5.2019 (idem, pp. 8/18), narra: A partir de data não perfeitamente apurada, porém anterior a 26 de novembro de 2009, até, ao menos, 26 de novembro de 2012, na Fazenda Santa Marina, Bairro Rural, município de Pirapozinho/SP (latitude 22°33' 19,50", longitude 51°45 '31,22"), nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente/SP o denunciado EDSON FRANCISCO GIRONDI, na qualidade de autor mediato, agindo com consciência e vontade, na função de gerente agrícola e representante legal da empresa Usina Alto Alegre Açúcar e Álcool S/A, explorou matéria-prima mineral pertencente à União, sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral e em desacordo com as determinações legais. Neste contexto, extrai-se dos Boletins de Ocorrência n° 121300 (fls. 03/04- v°) e n° 13001201 (fls. 05/07) que, em 26.11.2012, às 18:20 horas, durante patrulhamento ambiental pela propriedade rural denominada "Fazenda Santa Marina", no município de Pirapozinho/SP, policiais miliares constataram a extração irregular do minério cascalho realizado por funcionários da Usina Alto Alegre S/A. Ainda conforme consta, no local foram encontrados 01 (uma) máquina "pá carregadeira" e 03 (três) caminhões, todos de propriedade da referida usina, sendo que tais veículos estavam realizando o carregamento e transporte de cascalho in natura, material este que, segundo afirmado pelo operador da máquina Marcos Vinícius Rodrigues, seria destinado à manutenção e reparos das estradas rurais utilizadas pela empresa junto aos municípios de Pirapozinho/SP, Sandovalina/SP, Estrela do Norte/SP, entre outros. (destaquei) A sentença foi publicada em 31.5.2023 (ID 276984952). Em seu recurso (ID 276984962), o MPF pede seja fixado valor mínimo de indenização em R$ 1.140.000,00 (um milhão, cento e quarenta mil reais), a título de reparação civil de danos. A defesa, ao interpor o recurso de apelação, requereu a apresentação das suas razões nos termos do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal. Nestas (ID 278015272), requer a declaração da nulidade da sentença, ao argumento de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de prova testemunhal e da falta de oferecimento de acordo de não persecução penal (ANPP). Quanto ao mérito da imputação, pede a absolvição do réu por ilegitimidade passiva, ausência de provas de autoria, atipicidade da conduta, “pois inexistiu exploração e comercialização da matéria-prima, elementar do tipo penal em tela”; ausência de dolo e erro sobre a ilicitude do fato. Subsidiariamente requer a revogação da medida que determinou o sequestro dos bens do apelante, a desclassificação da conduta para o tipo penal do art. 55 da Lei nº 9.605/98, a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação da circunstância atenuante inominada prevista no art. 66 do Código Penal e a redução do valor da prestação pecuniária. Foram apresentadas contrarrazões ao recurso do MPF (ID 276984967), não tendo sido apresentadas contrarrazões ao recurso da defesa. A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da apelação da defesa, reconhecendo-se prejudicado o recurso da acusação (ID 278872186). É o relatório. Dispensada a revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009268-94.2016.4.03.6112 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, EDSON FRANCISCO GIRONDI Advogados do(a) APELANTE: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873 APELADO: EDSON FRANCISCO GIRONDI, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) APELADO: EMERSON DE OLIVEIRA LONGHI - SP113373-A, MARIA BEATRIZ FERREIRA - SP495873 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Observo, inicialmente, que a ausência de contrarrazões da acusação ao recurso da defesa não implica nulidade (CPP, art. 565), conforme já decidiu esta Turma (ApCrim nº 0000373-08.2015.4.03.6104, Rel. Juiz Federal Convocado Alessandro Diaferia, j. 10.10.2017, e-DJF3 17.10.2017). Nulidade da sentença A defesa alega, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova testemunhal. Sem razão. Essa questão foi analisada e decidida por esta Turma nos autos nº 5000394-88.2023.4.03.6112, que, por unanimidade, negou provimento à carta testemunhável, nos seguintes termos: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CARTA TESTEMUNHÁVEL. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. DECISÃO IRRECORRÍVEL. 1. A decisão que indefere a oitiva de testemunha no âmbito processual penal não é passível de recurso, pois não se enquadra na hipótese do inciso II do art. 593 do Código de Processo Penal, na medida em que cabe ao juiz, na condução do processo, indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (CPP, art. 400, § 1º). Por isso, o juízo de origem, corretamente, não conheceu da apelação interposta. Quanto ao recurso em sentido estrito, também não houve desacerto do juízo ao não o conhecer, na medida em que faltava-lhe pressuposto processual. 2. A carta testemunhável, tirada da decisão que não conheceu do recurso em sentido estrito (CPP, art. 639, I), não pode ser provida porque, no caso, como dito acima, o não conhecimento do recurso decorreu do evidente não cabimento da apelação que havia sido interposta pela parte, cabimento esse que consubstancia pressuposto necessário ao processamento do recurso. 3. Carta testemunhável não provida. Portanto, rejeito a alegação de cerceamento de defesa. Acordo de não persecução penal (ANPP) A defesa pede a nulidade do processo por não ter sido oferecido ANPP, conforme previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal. Sem razão. O ANPP é possível para fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que a denúncia ainda não tenha sido recebida, sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF): DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRARDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL E DE RELEVÂNCIA TEMÁTICA. INTERESSE SUBJETIVO DAS PARTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PERTINENTE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). LEI N. 13.964/2019. RETROTIVIDADE ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. [...] 6. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que “o acordo de não persecução penal (ANPP), introduzido pela Lei 13.964/2019, esgota-se na fase pré-processual, não sendo possível aplicá-lo ao presente feito” (ARE 1.254.952-AgR, Rel. Min. Edson Fachin). No mesmo sentido: HC 191.464-AgR, de minha relatoria; ARE 1.293.627-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli; e ARE 1.294.303-AgR-segundo-ED, Relª. Minª. Rosa Weber). 7. Agravo a que se nega provimento. (ARE 1.419.591, AgR/SP, Pleno, Rel. Ministro Roberto Barroso, j. 27.3.2023, Publicação 30.5.2023) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APELO EXTREMO INADMITIDO COM FUNDAMENTO NO TEMA Nº 339. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DIRIGIDO A ESTA SUPREMA CORTE CONTRA DECISÃO DA ORIGEM QUE APLICA A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TIPICIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE NO SENTIDO DA RETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.964/2019 NO QUE DIZ RESPEITO À POSSIBILIDADE DE INICIAR TRATATIVAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, DESDE QUE NÃO RECEBIDA A DENÚNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 3. Pleito de análise de eventual viabilidade de acordo de não persecução penal. A orientação deste STF é no sentido de que o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. Precedentes. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 1.407.465, AgR/SP, Pleno, Rel. Ministra Rosa Weber, j. 22.8.2023, Publicação 08.9.2023) No mesmo sentido: ARE 1.397.410 AgR/PR, Pleno, Rel. Ministra Rosa Weber, j. 03.11.2022, Publicação 23.11.2022; HC 228.760/RJ Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 03.7.2023, Publicação 07.8.2023; HC 191.464/SC, Primeira Turma, Rel. Ministro Roberto Barroso, j. 11.11.2020, Publicação 26.11.2020. Nessa mesma linha é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ): AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. FURTO QUALIFICADO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. CABIMENTO ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRECEDENTES. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE DE OFÍCIO. MIGRAÇÃO DE QUALIFICADORA PARA A PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA, SEM ACRÉSCIMO DE PENA. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "A norma do art. 28-A do CPP, que trata do acordo de não persecução penal, somente é aplicável aos processos em curso até o recebimento da denúncia" (AgRg no REsp 1882601/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, DJe 12/3/2021). 2. No caso dos autos, além do recebimento da denúncia criminal, o agravado já teve a condenação confirmada em apelação, o que afasta a aplicação do disposto no art. 28-A do Código de Processo Penal - CPP. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, "mesmo na hipótese de exame de recurso exclusivo da defesa, não há reformatio in pejus quando é deslocada a fundamentação utilizada para atribuir valoração negativa a uma circunstância judicial para outra, desde que tal proceder não implique exasperação da reprimenda imposta ao Réu" (AgRg no REsp n. 1.959.903/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 14/3/2022). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.306.044/SC, Quinta Turma, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, j. 24.10.2023, DJe 27.10.2023) No caso, o recebimento da denúncia ocorreu em 15.5.2019 (ID 276984547, pp. 8/18), antes do início da vigência da Lei nº 13.964/2019, de modo que não é possível, no caso, o ANPP. Não sendo possível o acordo, não há que falar em nulidade da sentença por falta de oferecimento do ANPP. Rejeito, portanto, a alegação. Mérito da imputação A defesa pede a absolvição do réu por ausência de provas de autoria. Alega, em síntese, que atua como engenheiro agrônomo da empresa e não tem legitimidade para figurar no polo passivo da ação penal, vez que é mero funcionário sem autoridade suficiente para aprovar e executar qualquer projeto da Usina Alto Alegre. Sem razão. Essa questão foi analisada pela Turma no Habeas Corpus nº 5012775-05.2021.4.03.0000, tendo, por unanimidade, sido denegada a ordem em acórdão assim ementado: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o trancamento de ação penal pela via do habeas corpus, dada a sua excepcionalidade, só tem cabimento em situações de manifesta atipicidade da conduta, presença de causa extintiva da punibilidade ou ausência mínima de materialidade e autoria delitivas. 2. O paciente foi denunciado pela prática do crime de exploração de matéria-prima pertencente à União (minério cascalho) sem autorização legal (Lei n° 8.176/91, art. 2º, caput). Como anotado pelo Ministério Público Federal, o paciente não foi denunciado por ser representante legal da empresa (apesar de ter se apresentado como tal perante policiais militares ambientais, sendo identificado como pessoa responsável pelo gerenciamento da unidade sucroalcooleira), e sim por ter sido responsável por determinar a extração dos minérios, possuindo cargo de considerável nível hierárquico que possibilitava que determinasse a terceiros a realização de atividade extrativista irregular e, inclusive, recebesse o auto de infração ambiental. [...] 4. Ordem denegada. A defesa pleiteia a absolvição do réu por atipicidade da conduta, argumentando que não houve finalidade lucrativa na extração da matéria-prima. Nesse ponto, assiste-lhe razão porque, de fato, a conduta narrada é atípica. O art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 considera crime contra o patrimônio, na modalidade usurpação, a exploração de matéria-prima pertencente à União sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Entretanto, o art. 3º, § 1º do Decreto-Lei nº 227/67 (Código de Mineração), na redação dada pela Lei nº 9.314/96, tornou atípica a conduta de extrair recursos minerais à míngua de autorização legal, desde que o material obtido tenha sido utilizado para abertura de vias de transporte e que não haja comercialização, nos seguintes termos: § 1º. Não estão sujeitos aos preceitos deste Código os trabalhos de movimentação de terras e de desmonte de materiais in natura, que se fizerem necessários à abertura de vias de transporte, obras gerais de terraplenagem e de edificações, desde que não haja comercialização das terras e dos materiais resultantes dos referidos trabalhos e ficando o seu aproveitamento restrito à utilização na própria obra. No caso, não houve intuito de comercialização e nesse sentido manifestou-se o Ministério Público Federal em seu parecer, conforme trechos que cito (ID 278872186): Segundo o DNPM, é a ausência de comercialização que define a legalidade da conduta daquele que explora a matéria in natura sem autorização prévia do órgão responsável (id 276984483 - pág. 22). [...] Tratando-se de crime previsto em norma penal em branco, imperioso atentar-se à norma infralegal que o complementa, privilegiando uma interpretação restritiva da proibição. E o Decreto-lei 227/67 expressamente dispensa de autorização a movimentação de terras e o desmonte de materiais in natura para a consecução de abertura de vias de transporte, obras gerais de terraplenagem e de edificações. A norma não faz distinção quanto ao perímetro da obra em que utilizada a matéria-prima, estabelecendo como única restrição que não haja comercialização e que o aproveitamento dos materiais fique restrito à obra. De acordo com a Lei n° 8.176/91, a exploração de minerais tem o sentido de comercialização, já que se trata de previsão de crimes contra a ordem econômica, isto é, condutas que lesionam o patrimônio da União. No caso, a empresa em que o recorrente trabalhava no cargo de gerente não era dedicada à extração nem à comercialização de minerais em pequena ou larga escala. Por outro lado, toda a prova testemunhal foi no sentido de que o material foi direcionado para reparos nas estradas que cercavam a propriedade. Desse modo, ao final da instrução processual não restou cabalmente demonstrado que houve a extração de material pertencente à União com intuito de comercialização. Se a autorização era desnecessária, ausente está um dos elementos essenciais do tipo penal, o que torna o comportamento do recorrente atípico, devendo ser absolvido, como pleiteia a defesa. Observo, ainda, que este Tribunal já decidiu no sentido de que o crime de usurpação de produto ou matéria-prima da União exige, para a sua configuração, a finalidade comercial, como se verifica nos seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA. ART. 2º DA LEI 8.176/1991. ABSOLVIÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DA FINALIDADE COMERCIAL DO PRODUTO EXTRAÍDO. REALIZAÇÃO DE TESTE NA EMBARCAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. ART. 55 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. MATERIALIDADE E TIPICIDADE DA CONDUTA CARACTERIZADAS. ABSOLVIÇÃO DE UM DOS DELITOS NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. DELITO REMANESCENTE QUE COMPORTA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ABERTURA DE VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA EVENTUAL PROPOSTA DO BENEFÍCIO DO ART. 89 DA LEI FEDERAL 9.099/1995. SÚMULA 337 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA. - Para a caracterização do delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, a matéria-prima deve ter sido explorada sem a autorização do órgão competente, vale dizer, sem (ou em desacordo com) a autorização emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876, de 02.05.1994, que, em seu art. 3º, estatui: a autarquia DNPM terá como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa, competindo-lhe, em especial: (...) III- acompanhar, analisar e divulgar o desempenho da economia mineral brasileira e internacional, mantendo serviços de estatística da produção e do comércio de bens minerais; VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade do disposto na legislação minerária; (...) IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal(...). - In casu, restou devidamente demonstrado que o réu NATAL TENORIO DA SILVA era o responsável pela atividade de lavra que estava em curso em área próxima ao porto, fora dos limites autorizados pela Licença de Operação n. 5100511 (fls. 08/10), outorgada à empresa "Mineração Água Vermelha Ltda.". - Com relação à finalidade do produto extraído, o r. juízo sentenciante, ao condenar o acusado pelo delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, não logrou encontrar indícios de que a extração de areia no local irregular estava sendo efetuada com fins econômicos. Sua condenação deu-se com base no argumento de que o dolo necessário ao tipo penal é genérico e, portanto seria "irrelevante a existência ou não de finalidade comercial". - Ocorre que, existe posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o crime de usurpação de produto ou matéria-prima da União exige, para sua configuração, a finalidade comercial do produto extraído, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização, devendo restar demonstrado, portanto, o fim lucrativo da extração (...), isto é, para o enquadramento da conduta no tipo do art. 2º, não basta a mera configuração de extração mineral sem a devida autorização, exigindo-se, ainda, a utilização comercial ou venda do produto; em outras palavras, a finalidade especial de exploração de matéria-prima a caracterizar usurpação contra o patrimônio da União (in PAULSEN, Leandro, Crimes Federais, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 183). Precedente. - Com relação à finalidade comercial do produto extraído, entendo não ter restado comprovada no caso concreto, o que desautoriza sua condenação no delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991. Ainda que não haja prova contundente de que efetivamente não havia um objetivo comercial, não se pode ignorar o relato de mais de 07 (sete) testemunhas reafirmando que, no dia dos fatos, se estava realizando um teste com a embarcação para simplesmente para aderir-se automaticamente à versão acusatória de que a extração de areia estava sendo feita no local com fins de comercialização. Ademais, o réu manteve a mesma versão dos fatos, tanto no inquérito policial, como perante o juízo. [...] - Apelação defensiva parcialmente provida. (ApCrim 0005480-27.2015.4.03.6106, Décima Primeira Turma, Relator Des. Federal Fausto de Sanctis, j. 12.03.2020, e-DJF3 Judicial 1 16.04.2020, destaquei) PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. EXTRAÇÃO CLANDESTINA DE AREIA. ARTIGO 55 DA LEI 9.605 /98. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ART. 40 DA LEI N. 9.605/1998. NECESSIDADE DE CAUSAR DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. CONDUTA PRATICADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 386, INC. III, DO CPP. ARTIGO 2 º DA LEI 8.176 /91. CONDUTA TÍPICA. MATERIALDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA RERFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 5. Do crime tipificado no art. 2º da Lei nº 8.176/91. Para a caracterização do delito em questão, não é necessária a aferição do montante de matéria-prima extraída, pois neste tipo de crime o dano não se restringe ao patrimônio monetariamente auferido pela conduta criminosa, mas àquele causado ao ente público em relação à violação do seu direito sobre a exploração dos bens minerais, assegurado constitucionalmente. Com relação à finalidade comercial do produto extraído, há posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o crime de usurpação de produto ou matéria-prima da União exige, para sua configuração, a finalidade comercial, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização, devendo restar demonstrado, portanto, o fim lucrativo da extração. No caso concreto, tal finalidade lucrativa é nítida. Primeiramente, porque os peritos atestaram que a extração irregular da areia ocorreu pela vontade consciente e deliberada de explorar a atividade comercial de maneira irregular. Além disso, o próprio réu reconheceu, em sede judicial, que a empresa Fábio Extratora Terraplanagem e Comércio de Areia LTDA., de que era responsável, extraiu recursos minerais (areia) em área de preservação permanente. Conduta típica. [...] 10. Recurso parcialmente provido. (ApCrim 0002298-32.2008.4.03.6121, Quinta Turma, Relator Des. Federal Paulo Fontes, j. 26.08.2019, e-DJF3 Judicial 1 03.09.2019, destaquei) Portanto, ausente um dos elementos essenciais do tipo penal, provejo o recurso da defesa para absolver o réu, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal. Fica prejudicada a análise dos demais pedidos da defesa, bem como da apelação da acusação, que pretendia a fixação de valor mínimo de indenização dos danos causados pela infração (CPP, art. 387, IV), o que só seria possível em caso de condenação. Como consequência do ora decidido, determino o imediato levantamento das constrições patrimoniais realizadas nestes autos, tendo em vista o disposto no art. 386, parágrafo único, II, do Código de Processo Penal, que prevê a revogação das medidas cautelares provisórias (que incluem as medidas assecuratórias de sequestro, arresto e hipoteca de bens móveis e imóveis) como consequência da absolvição do réu. Posto isso, DOU PROVIMENTO à apelação da defesa para, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, absolver EDSON FRANCISCO GIRONDI da imputação de prática do crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91, ficando prejudicado o exame do recurso da acusação, nos termos da fundamentação supra. Expeça-se carta de ordem ao juízo de origem, para que proceda ao levantamento das constrições patrimoniais determinadas nestes autos, independentemente do trânsito em julgado do acórdão. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. USURPAÇÃO DE BEM DA UNIÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANPP. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. Inexistência de nulidade da sentença por cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova testemunhal. Questão analisada e decidida pela Turma nos autos de carta testemunhável.
2. O acordo de não persecução penal (ANPP) é possível para fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que a denúncia ainda não tenha sido recebida. Precedentes do STF e do STJ.
3. O delito previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91 exige, para sua configuração, a finalidade comercial, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização. No caso, o material extraído não tinha destinação comercial.
4. Apelação da defesa provida. Apelação da acusação prejudicada.