APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006049-28.2019.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A
APELADO: ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogados do(a) APELADO: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006049-28.2019.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA Advogados do(a) APELANTE: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A APELADO: ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) APELADO: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelo Ministério Público Federal (ID’s 15362314 e 156362323) e pela defesa de ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA (nascido aos 05.01.1984) (ID’s 156362316 e 160048723) em face da r. sentença (ID 156362310), proferida em 25.11.2020 pela Exma. Juíza Federal Júlia Cavalcante Silva Barbosa (Vara Federal Criminal de Mato Grosso do Sul), que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu, vulgo “Galã”, como incurso nas penas do artigo 1º, “caput”, c.c. o parágrafo 4º, da Lei n.º 9.613/1998, à pena de 08 (oito) anos de reclusão, em regime FECHADO, e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, cada qual no valor de ½ (metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Na mesma oportunidade restou mantida a prisão preventiva do réu. De acordo com a denúncia (ID 156361712) ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1º, “caput”, c.c. o parágrafo 4º da Lei n.º 9.613/1998, porquanto: “No mês de fevereiro de 2018, agindo dolosamente, ELTON LEONEL ocultou a propriedade e a movimentação de valores auferidos com o tráfico internacional de drogas e de armas, mediante realizações de operações financeiras de transferências bancárias com uso de contas-correntes de terceiros, pessoas físicas e jurídicas, situados nos Estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul. Diversas contas bancárias no Paraná e no Mato Grosso do Sul foram abastecidas com dinheiro de proveniência ilícita e movimentadas a mando do denunciado. Trata-se de contas bancárias de terceiros (pessoas físicas e jurídicas) utilizadas pelo denunciado com o fim de ocultar propriedade e movimentação do dinheiro amealhado com ações criminosas. Informações extraídas de aparelhos telefônicos e documentos apreendidos pela Polícia Civil do Rio Janeiro em 28.02.2018 por ocasião da prisão em flagrante de ELTON LEONEL fazendo uso de falso documento de identidade revelaram toda a teia financeira de lavagem de dinheiro do denunciado ELTON LEONEL. Ao que restou suficientemente apurado, ELTON LEONEL comandou o esquema de operações financeiras em contas de terceiros, administradas por “doleiros”, o que será detalhadamente exposto em tópicos seguintes. 2- Crimes antecedentes Muito embora não seja o objeto da presente denúncia, necessário expor os crimes antecedentes, geradores da riqueza ilícita submetida a atos de lavagem-ocultação. Inicialmente cabe destacar que ELTON LEONEL não nasceu rico, não herdou grande fortuna, não ganhou em loteria, nem desenvolveu atividade econômica lícita que lhe permitisse receber tanto dinheiro. A explicação à origem do dinheiro é bastante simples: crime organizado. ELTON LEONEL é um sujeito com longo envolvimento criminoso e que se dedica habitualmente a ações criminosas organizadas. Pesquisa mais apurada sobre a biografia criminal do acusado revela que ele se dedica a ações criminosas há, pelo menos, desde o ano de 2005, conforme detalhamento a seguir: Ação penal n. 0000569-76.2018.4.03.6005, 2ª Vara Federal de Ponta Porã-MS. ELTON LEONEL é acusado de integrar organização criminosa com atuação transacional dedicada a tráfico de drogas e armas, em concurso com JONATHAS CARLOS GONZALES LUCAS PEREIRA THEODORO e LUIS HENRIQUE DA SILVA. Neste feito, ele foi denunciado pelas práticas de integração a organização criminosa armada internacional (art.2º, §§ 2º, 3º e 4º, inc. V da Lei 12.850), tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito (art.18 c.c art.19 da Lei 10.826/2003) e violação de sepultura (art.210 do CP). A seguir a transcrição da denúncia: (...) Em 02.05.2005, ELTON LEONEL foi preso em flagrante delito na cidade de TaubatéSP por tráfico de drogas, posse ilegal de arma de fogo, e receptação. Acabou condenado a 5 anos de reclusão pelas práticas de posse ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas. Aproveitando-se de benefício de execução penal saída temporária, ELTON evadiu-se em 2007. Em 24.03.2011, ELTON LEONEL foi preso em Pedro Juan Caballero-PY por uso de documento de identidade de seu irmão (Oliver Giovanni da Silva). Na residência onde ELTON se encontrava foram apreendidos um fuzil AR-15, duas pistolas, munições e droga. Permaneceu preso por tempo, já que foi liberado mediante recolhimento de fiança em abril de 2011. Ele mesmo admitiu em interrogatório policial no âmbito de inquérito policial n.34/2017- 6ª DISCCPAT da Polícia Civil de São Paulo. Em 27.01.2012, na cidade de São José dos Campos-SP, ELTON LEONEL foi novamente preso fazendo uso de documento de identidade falso em nome de Oliver Giovanni. Nessa ocasião, foi preso na companhia de integrantes do Comando Vermelho. Por esse fato, foi processado e condenado a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Em janeiro de 2013, não retornou ao estabelecimento após ser beneficiado com saída temporária. Em 18/11/2014, em Pedro Juan Caballero-PY, ELTON LEONEL foi novamente preso. Na companhia de Emmanuel Diaz Gomez, foi encontrado na posse de uma pistola Glock 9mm, aproximadamente 80 munições e pequena quantidade de drogas (cocaína e LSD). Dessa vez, ele apresentou documento falso em nome de Ronald Rodrigo Benitez. Esse fato ele também confirmou aos policiais civis de São Paulo quando interrogado no inquérito policial n.34/2017- 6ª DISCCPAT. Em 28.02.2018, ELTON LEONEL foi preso em flagrante na cidade do Rio de Janeiro. Ele foi abordado por policiais civis e se apresentou como José Carlos da Silva Jr. Na residência do acusado foram encontrados 6 (seis) aparelhos telefônicos, além de apreendidos documentos relacionados a ações delitivas. Por conta desses fatos, ele foi processado e condenado, mas a pena restou diminuída para 3 (três) anos de reclusão por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. ELTON LEONEL deslocava-se pelo Rio de Janeiro em veículo de luxo e levava vida de alto padrão sem exercer atividade lícia remunerada. Nos aparelhos telefônicos de ELTON EONEL ainda foram encontrados vídeos, fotos e conversas que reforçam a certeza de que ele vive de atividades criminosas, como as seguintes: - armas de fogo de uso restrito e munições (imagens 29, 215, 216, 240, 246 e videos 49, 73 e 76); - drogas e áreas de plantio (imagens 14, 223, 257, 315, 369, 707, 889, 909, 974, 1338 e videos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 74 e 77); - quantias expressivas de dinheiro em espécie (imagens 42 e 273) A título de ilustração, são expostas algumas dessas imagens: (...) Com “Pollo”, usuário de linha telefônica paraguaia 595 98241-2643, ELTON LEONEL manteve conversas, via aplicativo Telegram, relacionadas ao tráfico de drogas: (...) 3.Detalhamento dos crimes de lavagem de dinheiro O fato é que nos aparelhos telefônicos de ELTON LEONEL e documentos apreendidos pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, foram encontradas informações relacionadas a operações financeiras em contas bancárias de terceiros, pessoas físicas e jurídicas. Algumas dessas empresas situadas no Mato Grosso do Sul e Paraná. Isso deu ensejo a instauração do presente inquérito policial (IPL n.209/2018-DPF/PPA/MS), voltado a apuração de atos de lavagem de ativos praticados por ELTON LEONEL consistentes na ocultação de propriedade e de movimentação de valores auferidos com o tráfico internacional de drogas e armas mediante uso de contas bancárias em nome de terceiros. Encaminhados ao MPF relatórios de análise do material apreendido, foi requerido o afastamento de sigilo de dados bancários das contas bancárias de referência, a fim de se comprovar a realização dessas operações. Afinal, nem todas as operações estavam satisfatoriamente demonstradas por comprovantes de depósitos ou de transferências bancárias. Nos autos n. 0001631-69.2018.4.03.6000, 3ª Vara Federal de Campo Grande foi deferido afastamento de dados bancários e fiscais, reunindo-se prova irrefutável de elevada movimentação de valores pelo denunciado ELTON LEONEL. Ao final, restou comprovado que ELTON LEONEL movimentou valores em contas bancárias das seguintes pessoas físicas e jurídicas: (...) Nos aparelhos telefônicos foram identificadas trocas de mensagens com “doleiros” a respeito de depósitos nas contas bancárias. Em diálogo registrado no dia 27.02.2018 (chat #10), ELTON LEONEL (fazendo uso de nickname “Frederico Souza”) fez contato com o doleiro (identificado com o nickname “Alejandri Mesa”). ELTON LEONEL começou a enviar comprovantes dos valores depositados em contas de “laranjas” para registro da contabilidade, mas o “doleiro”/”cambista” o avisou que entraria em contato por outro número para continuar as conversas. (...) Poucos minutos depois (chat #9), agora com outro nickname (“Jose Alberto”), o doleiro, que se identificou como “Alfre”, entrou em contato e pediu a confirmação do nome da “conta” em que serão registrados os créditos informados por ELTON LEONEL. Confirmado o nome “Porsche”, ELTON passou a enviar os comprovantes de crédito. Com a contabilidade feita, o nickname “Jose Alberto” passou a ELTON LEONEL o extrato de suas movimentações. Verifica-se a ação típica de doleiro do interlocutor, que descontava 2% de cada depósito como “taxa de serviço”, bem assim se nota que a conta “Porsche”, contabilizadas apenas operações feitas no dia 27 de fevereiro de 2018, operava com saldo final superior a R$ 190.000,00. (...) A partir dos diálogos captados e das imagens trocadas, foi possível verificar pontualmente a realização de alguns dos depósitos bancários contabilizados. As transações constatadas podem ser assim esquematizadas: (...) Os dados das contas bancárias das empresas Eckert Lanchonete, Marcus Vinicius Gomes Ferreira-ME e Ral Transportadora, utilizadas para receber valores também foram localizados no material disponível nos celulares de ELTON LEONEL, em forma de printscreen. Verifica-se que as informações foram enviadas por “Alejandri Mesa” e eram repassadas aos credores de ELTON LEONEL. (...) No dia 23.02.2018 ELTON LEONEL fez contato via aplicativo Kik com pessoa de nickname “Leonardo Silva”,cobrando dívida relacionada a suas atividades ilícitas. ELTON LEONEL afirmou que na semana seguinte o dinheiro teria de estar em suas mãos (chat #40). No dia 27.02.2018, o interlocutor respondeu, enviando sucessivos comprovantes de depósitos. Entre eles está um favor da pessoa jurídica Marcus Vinicius Gomes Ferreira , realizado no dia 27.02.2018, no valor de R$ 9.360,00. (...) O comprovante foi repassado para o “doleiro” no já referido chat #9, para contabilização. No mesmo diálogo com o “doleiro”, o traficante ELTON LEONEL enviou um comprovante de depósito no valor de R$ 9.964,00, com data de 27.02.2018, em favor da mesma pessoa jurídica interposta. (...) Resta evidente, assim, a realização de transação financeira de modo a escamotear a movimentação e propriedade da quantia. No dia 27.02.2018 (chat #8), ELTON LEONEL recebeu mensagem com a fotografia de um comprovante de depósito em favor de Nikon Materiais de Construção (Itaú, ag. 7285 c/c 09070-5), no valor de R$ 30.000,00. A resposta (“vou anotar”) torna evidente se tratar de abatimento de dívida com ELTON LEONEL. (...) ELTON LEONEL repassou o comprovante ao doleiro para contabilização na conta “Porsche” (chat #9). No mesmo diálogo com o “doleiro”, ELTON LEONEL enviou imagem de um comprovante de depósito no valor de R$ 9.964,00, realizado em 27.02.2018, também em favor da Nikon Materiais de Construção. (...) No multicitado chat #10, em que ELTON LEONEL fez contato com o “doleiro”, o traficante enviou ao interlocutor, para contabilização, um comprovante de depósito realizado em 27.02.2018 em favor da empresa Ral Transportadora, no valor de R$ 9.360,00. Da mesma forma, também no chat #10, ELTON comprovou ao “doleiro” o crédito de R$ 9.964,00 para a mesma pessoa jurídica interposta, realizado no dia 27.02.2018. (...) Da conversa com o doleiro levada a efeito no chat #9 é possível extrair três depósitos, feitos na conta da pessoa jurídica interposta Ingramara Daiane de Lima MenegattiME, para pagamento ilícito em favor de ELTON LEONEL. Ele enviou para o “doleiro” comprovantes nos valores de R$ 9.000,00, R$ 11.364,00 e R$ 20.000,00, todos realizados no dia 27.02.2018. (...) No já referido chat #40, ocorrido em 23.02.2018 ELTON LEONEL fez contato via Kik com pessoa de nickname “Leonardo Silva”, cobrando-o. Ele afirmou que na semana seguinte o dinheiro teria de estar em suas mãos. No dia 27 do mesmo mês, o interlocutor respondeu, enviando 4 (quatro) comprovantes de depósitos em favor da pessoa jurídica interposta Eckert Lanchonete, nas quantias de R$ 33.000,00, R$ 9.000,00, R$ 7.000,00 e R$ 8.105,00, todos feitos no dia 27.02.2018. (...) Outrossim, no diálogo entre ELTON LEONEL e o doleiro realizado no chat #9, o investigado enviou ao cambista três comprovantes de depósito em favor da Eckert Lanchonete, nos valores de R$ 12.188,00, R$ 5.000,00 e 4.000,00. (...) Na memória dos aparelhos telefônicos apreendidos com ELTON LEONEL foram identificadas imagens de comprovantes de depósitos em favor da pessoa jurídica Iara Cristina de Araújo Queiroz Eireli. Igualmente, encontrou-se uma foto com os respectivos dados bancários utilizados por ELTON LEONEL, seja para receber valores, seja para remetê-los. (...) A utilização da conta de forma interposta teve por intento de ocultar a propriedade e a movimentação das quantias. Foram identificadas, ao todo, 14 imagens de depósitos, que podem ser assim detalhados: (...) As imagens que demonstram a realização de transações bancárias potencialmente relacionados ao crime são as que seguem: (...) No chat #45, realizado via aplicativo WahtsApp, ELTON LEONEL conversou no dia 22.02.2018 com a pessoa identificada como “James”. O interlocutor se portou na conversa como uma espécie de funcionário de ELTON LEONEL, encarregado de negociar veículos e acompanhar construções em imóveis situados no estrangeiro pertencentes ao denunciado. Nessa conversa, ELTON LEONEL pediu a “James” que negociasse uma caminhonete Toyota/Hilux, a fim de trocá-la por uma mais nova. Ao fim das negociações, ficou acertado que, para pagar a nova caminhonete, “James” entregaria o veículo de ELTON LEONEL, mais R$ 20.000,00, que deveriam ser transferidos ao vendedor. “James”, assim, forneceu a ELTON os dados bancários para pagamento da diferença. (...) Foi localizada na memória dos aparelhos de ELTON LEONEL imagem com o comprovante da transferência no valor de R$ 20.000,00, realizada no dia 23.02.2018. Ocorre que o pagamento foi feito com débito em conta bancária de empresa RL Operações Turísticas Ltda. (...) Registre-se, nesse ponto, que os dados da conta bancária utilizada para realizar o pagamento de R$ 20.000,00 estavam armazenados nos aparelhos de ELTON LEONEL do mesmo modo que os dados da conta bancária em nome de Iara Cristina Queiroz – Eireli: as duas imagens parecem de fotos tiradas de tiras de papel, coladas em um teclado de computador. (...) Do exame detido dos elementos armazenados em aparelho telefônico, foi possível, assim, compreender que o denunciado mantinha outra conta administrada por “doleiro”. Ou seja, além da “conta Porsche”, ELTON LEONEL mantinha recursos com um “doleiro” sob outra conta, denominada “Dukati”. (...) Outras imagens armazenadas no aparelho apontam o “controle da contabilidade” da mencionada conta Dukati, administrada por “doleiro”, contendo informações sobre entregas de dólares em espécie, conversões para dólares (“us”), reais (“rs”) e guaranis (“gs”). Até mesmo o pagamento efetuado com uso da conta bancária empresa RL Operações Turísticas integra o “controle de contabilidade” da conta Dukati. Com base nos “controles de contabilidade” da conta Dukati administrada por “doleiro”, ELTON LEONEL recebeu quantias elevadíssimas as decorrentes de conversão de dólares em reais, tais como as seguintes: R$ 184.012,00 em 05.02.2018; R$ 351.798,00 em 06.02.2018; R$ 794.195,00 em 15.02.2018; R$ 256.340,00 em 21.02.2018; 696.430,00 em 21.02.2018 e R$ 575.010,00 em 23.02.2018. (...) Tais “controles de contabilidade” da conta Dukati guardam, inclusive, direta pertinência com operações realizadas em algumas das contas bancárias utilizadas pelo denunciado. Os lançamentos no extrato da conta-corrente n.1245953, ag. 5247 no Banco Bradesco de Iara Cristina de Araújo Queiroz Eireli são convergentes às informações do “controle de contabilidade” (imagem 893). Basta ver a existência de depósitos em espécie nos exatos valores mencionados no “controle de contabilidade”. No dia 19.02.2018, é possível ver depósitos nos valores de R$ 9.630,00; R$ 10.000,00; R$ 4.000,00 e R$ 50.000,00. No dia 20.02.2018, ocorre operação de depósito em espécie na importância de R$ 8.500,00. E para o dia 23.02.2018 aparecem depósitos de R$ 47.000,00, R$ 6.000,00 e R$ 6.640,00 conforme abaixo: (...)" Tipificação: artigo 1º, “caput”, c.c. o parágrafo 4º, da Lei n.º 9.613/1998. O recebimento da denúncia deu-se em 07.08.2019 (ID 156361713). Sobreveio a r. sentença (ID 156362310) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA, vulgo “Galã”, como incurso nas penas do artigo 1º, “caput”, c.c. o parágrafo 4º, da Lei n.º 9.613/1998, à pena de 08 (oito) anos de reclusão, em regime FECHADO, e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, cada qual no valor de ½ (metade) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Na mesma oportunidade restou mantida a prisão preventiva do réu. Em suas razões de Apelação (ID 156362323), o Ministério Público Federal requereu a exasperação da pena-base pelos vetores culpabilidade e personalidade. Pontua que “a culpabilidade é elevada, tendo em vista a intensidade do dolo na conduta do réu. Isso porque, obtinha lucros expressivos com a atividade criminosa, o que lhe proporcionava uma vida regada de luxos. Outrossim, a lavagem de dinheiro por intermédio de transações financeiras vultosas ocorreu ao longo de anos. Elementos que reunidos demonstram uma maior reprovabilidade de sua conduta”. Aduz, ademais, a personalidade negativa do réu diante da sua desonestidade, maldade e perversidade e que também ele “nunca exerceu atividade lícita, vivendo exclusivamente do crime e para o crime, sendo esse o seu projeto negativo de vida escolhido”. Que o increpado dedica-se ao menos desde 2005 às atividades criminosas e que “evadiu-se do sistema prisional e, por fim, elaborou um milionário plano de fuga, que somente não se concretizou porque foi descoberto pela Secretária de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro”, o que revelaria que ele não ostenta personalidade voltada à observância das regras estatais”, insistindo na reiteração de condutas criminosas. Em suas razões de Apelação a defesa de ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA (ID160048723) alega, em síntese: a) a nulidade da sentença em razão da incompetência da Justiça Federal, nos termos do artigo 83 do Código de Processo Penal, competindo à 40ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ o processamento e julgamento do feito. Aduz que o apelante nunca fora processado tampouco condenado por tráfico internacional de drogas, não havendo justificativa para fixar a competência da Justiça Federal. Menciona que a obtenção das provas da movimentação financeira objeto da denúncia ocorreu em virtude de ordem judicial emanada pelo juízo da 40ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, que determinou a realização de perícia nos telefones apreendidos por ocasião da prisão em flagrante do réu por uso de documento falso. Pontua, ademais, que “a competência jurisdicional deve ser fixada pela regra da prevenção, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro se trata de crime permanente, tendo as transações financeiras sido praticadas de forma fracionada em mais de uma localidade, razão pela qual, o Juiz competente para a análise e julgamento dos fatos deve ser àquele que adotou a primeira medida relativa ao processo, no caso, o Douto Juízo que autorizou a realização das perícias nos telefones apreendidos”; b) cerceamento de defesa em razão do indeferimento de diligências requeridas (oitiva de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia e expedição de ofício à empresa responsável pelo aplicativo de mensagens “Kik”) pela Defesa quando da Resposta à Acusação e reiteradas na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. A necessidade de realização das provas seria comprovar a versão do réu de que desconheceria tanto o aplicativo de mensagem “Kik”, cujas mensagens lhes são imputadas, quanto a identificação das pessoas físicas e jurídicas a que a denúncia faz alusão; c) ilicitude das provas obtidas quando da realização da busca e apreensão encetada na residência imputada ao apelante, nos termos do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal e artigo 157 do Código de Processo Penal. Aduz que o apelante não autorizou a realização de busca domiciliar no endereço diligenciado e que “não se pode considerar válida uma suposta autorização de ingresso no domicílio do apelante, que teria sido dada por uma garota de programa, que estava temporariamente hospedada no domicílio de ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA na condição de convidada”, bem como que “considerando que a apreensão do telefone celular onde as mensagens objeto do presente processo se deu em razão de ilegal postura policial, ilícita por derivação a prova daí advinda”; d) inépcia da denúncia pois esta não demonstrou a relação entre o crime subjacente gerador do produto e a aquisição dissimulada de qualquer bem, tendo havido imputação genérica. No mérito, aduz a inexistência de comprovação dos crimes subjacentes. Esclarece que não haveria como justificar uma acusação de tráfico de drogas, posse ilegal de arma de fogo e receptação ocorrida em 2005 servir como subjacente a uma lavagem de 2018. Também não haveria como sustentar o uso de documento falso como subjacente à lavagem, já que incapaz de gerar produto. Os delitos de organização criminosa armada internacional, tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito e violação de sepultura igualmente não seriam hábeis para enquadramento como crime subjacente, isto porque o único crime que serviria como tal, por gerar produto apto à lavagem - tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito, o réu fora absolvido, motivo pelo qual postulou a absolvição nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”). Aduziu, ainda, que o increpado deve ser absolvido com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CPP (“não existir prova suficiente para a condenação”), na medida em que não houve a identificação dos representantes das pessoas jurídicas mencionadas na denúncia, tampouco a individualização precisa das pessoas físicas, que teriam servido para a lavagem de dinheiro, o que seria necessário a fim de se estabelecer um liame entre elas e o acusado. Demais disso, aventou que o réu nunca se utilizou do aplicativo de mensagem “Kik” “em que foram encontradas supostas provas materiais do crime de lavagem de dinheiro, tais como comprovantes de depósitos nas contas das pessoas físicas e jurídicas mencionadas na denúncia.” Pontua que sem as diligências que foram requeridas nas fases processuais pertinentes “somada à negativa peremptória do apelante acerca do não conhecimento das pessoas físicas e jurídicas que estampam a peça incoativa ministerial, a não identificação e inquirição das pessoas físicas responsáveis pelas empresas, bem como as pessoas físicas que teriam recebido valores, verte insustentável a tese acusatória”. Aduz, outrossim, a atipicidade do delito de lavagem de dinheiro ante a tese da “ausência do elemento subjetivo especial, qual seja: a intenção de lavar, de reciclar, de completar as três fases necessárias ao branqueamento do capital”. Esclarece que “o fato descrito pelo Ministério Público Federal na denúncia é ATÍPICO, pois não trazem qualquer ato demonstrativo da intenção do apelante em reinserir na economia valores ou bens com aparência de licitude”. Em caso de entendimento contrário, postula a redução da pena-base para o mínimo legal. Requer o afastamento da reincidência considerada na segunda fase dosimétrica, bem ainda da agravante disposta no artigo 62, inciso I, do Código Penal, porquanto esta última não fora descrita na denúncia. Requer, por fim, o afastamento da causa de aumento estampada no parágrafo quarto do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998 porquanto não houve pluralidade de crimes de lavagem, mas sim um único ato de lavagem de dinheiro, renovado em sua materialidade típica a cada nova conduta. Em decisão proferida em 25.02.2021 (ID 156362322), independentemente do pedido de revogação de prisão preventiva, o juízo a quo considerou não ter havido alteração fática, mantendo a prisão preventiva do réu. Recebidos os recursos, com contrarrazões (ID 156362331 e 160535834). Oficiando nesta instância (ID 160903778), o órgão ministerial opinou pelo pelo provimento do recurso ministerial para aumentar a pena-base pelo vetor personalidade, com a consequente majoração da pena de multa, bem como pelo desprovimento da apelação do réu. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006049-28.2019.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA Advogados do(a) APELANTE: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A APELADO: ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogados do(a) APELADO: EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A, RENAN SANTANA CARVALHO - SP348180-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998) O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO Da alegada incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. A defesa do réu sustenta a nulidade da sentença em razão da incompetência da Justiça Federal, porquanto, nos termos do artigo 83 do Código de Processo Penal, competiria à 40ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ o processamento e julgamento do feito. Aduz, para tanto, que o apelante nunca fora processado tampouco condenado por tráfico internacional de drogas, não havendo justificativa para fixar a competência da Justiça Federal. Menciona que a obtenção das provas da movimentação financeira objeto da denúncia ocorreu em virtude de ordem judicial emanada pelo juízo da 40ª Vara Criminal do Rio de Janeiro/RJ, que determinou a realização de perícia nos telefones apreendidos por ocasião da prisão em flagrante do réu por uso de documento falso. Pontua, ademais, que “a competência jurisdicional deve ser fixada pela regra da prevenção, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro se trata de crime permanente, tendo as transações financeiras sido praticadas de forma fracionada em mais de uma localidade, razão pela qual, o Juiz competente para a análise e julgamento dos fatos deve ser àquele que adotou a primeira medida relativa ao processo, no caso, o Douto Juízo que autorizou a realização das perícias nos telefones apreendidos.” Da análise dos autos, é possível entrever que a denúncia enfatizou que ELTON LEONEL integraria organização criminosa dedicada especialmente à prática do tráfico internacional de drogas e armas, com atuação na região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, ou seja, com nítido caráter transnacional. Inclusive, vale registrar que o increpado fora condenado nos autos da Ação Penal n.º 0000569-76.2018.403.6005, perante a 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, em razão de liderança de organização criminosa transnacional relacionada à prática de crimes de tráfico internacional de drogas e armas, à uma pena de 19 (dezenove) anos e 20 (vinte) dias de reclusão, além do pagamento de 857 (oitocentos e cinquenta e sete) dias-multa, pelo crime descrito no artigo 2º, “caput”, e parágrafos 2º e 4º, V, da Lei n.º 12.850/2013 (fls. 99/105 do ID 136127141, ID 136127142 e fls. 01/126 do ID 136127143 dos autos n.º 0000569-76.2018.403.6005). Ora, de acordo com a imputação, os valores lavados seriam oriundos da prática reiterada dos crimes supramencionados, não dizendo respeito ao crime de uso de documento falso que tramitou perante a Justiça Estadual do Rio de Janeiro/RJ, sendo digno de nota que em se tratando de infração subjacente de competência da Justiça Federal, o processamento e julgamento da ação relativa à lavagem de dinheiro também será da mesma competência, nos termos do artigo 2º, inciso III, da Lei n.º 9.613/1998. Nesta toada, ainda que o juízo da 40ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro/RJ tenha sido o primeiro a determinar as medidas relativas aos elementos informativos que acabaram por fundamentar a presente ação penal, certo é que os dados coligidos diziam respeito ao cometimento de crimes de competência da Justiça Federal, o que afasta a tese defensiva de competência da Justiça Estadual. Da alegada nulidade de ingresso dos policiais no domicílio do apelante e da ilicitude das provas obtidas. A defesa do réu alega a ilicitude das provas obtidas quando do ingresso dos policiais no domicílio do apelante, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, nos termos do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, e artigo 157 do Código de Processo Penal. Aduz que o apelante não autorizou a realização de busca domiciliar no endereço diligenciado e que “não se pode considerar válida uma suposta autorização de ingresso no domicílio do apelante, que teria sido dada por uma garota de programa, que estava temporariamente hospedada no domicílio de ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA na condição de convidada”, bem como que “considerando que a apreensão do telefone celular onde as mensagens objeto do presente processo se deu em razão de ilegal postura policial, ilícita por derivação a prova daí advinda”. Da análise do que consta nos autos a entrada dos policiais no domicílio do réu foi autorizada por Beatriz Santos Ramos, que acompanhava o increpado no momento da prisão e ocupava o imóvel diligenciado, o que confere validade ao ato de busca e apreensão. A alegada preliminar já foi objeto de apuração em outras oportunidades, tendo o próprio Superior Tribunal de Justiça conferido validade ao ato, sedimentando no caso concreto que (ID 156362270): “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. DENÚNCIA. INÉPCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIMES EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA. 1. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que a ausência de elementos acidentais, tais como a data e o local exato em que os fatos ocorreram, não enseja, por si só, a inépcia da inicial. Precedentes. 3. O só fato de não constar da exordial a identificação do terceiro que teria agido em concurso com o recorrente é insuficiente para invalidar a aludida peça, uma vez que até mesmo nos crimes em que o concurso de pessoas é necessário, o que não ocorre na espécie, a ausência de individualização dos demais agentes não macula a vestibular, pois, a par de ser possível o seu aditamento para nela incluir tal informação até a prolação de sentença, o certo é que o desconhecimento da autoria dos outros envolvidos não descaracteriza a prática delitiva, cuja comprovação somente será possível ao término da instrução processual. Precedentes. 4. No caso dos autos, não se constata na vestibular qualquer defeito capaz de dificultar ou impedir o exercício do direito de defesa pelo recorrente, tendo o Ministério Público consignado que, em concurso com terceiro não identificado, inseriu em Carteira Nacional de Habilitação materialmente verdadeira, eis que confeccionada com espelho autêntico, declarações de nome, nascimento, filiação, registro civil e cadastro de pessoa física que não se referiam à sua pessoa, cuja fotografia, impressão digital e assinatura constavam no documento, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a verdadeira identidade do acusado, narrativa que lhe permite o exercício da ampla defesa e do contraditório. BUSCA E APREENSÃO. INGRESSO DOS POLICIAIS NO IMÓVEL EM QUE O RÉU E SUA ACOMPANHANTE ESTAVAM HOSPEDADOS. AUTORIZAÇÃO DA OCUPANTE. INVALIDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. 1. Havendo nos autos elementos de convicção que demonstram que o ingresso dos policiais no imóvel em que o recorrente e sua acompanhante estavam hospedados ocorreu mediante autorização desta última, e inexistindo qualquer comprovação de que o réu tenha se insurgido contra a incursão, é inviável a anulação das provas decorrentes da medida, sendo certo, outrossim, que para se se concluir de forma diversa seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência incompatível com a via eleita. 2. Recurso desprovido.” (STJ, RHC n. 100.433/RJ, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 29/8/2018) (grifei) De mais a mais, a questão restou bem pontuada na sentença no sentido de que (ID 156362312): “(...) 51. Ainda em sede preliminar, a defesa alega a nulidade da busca e apreensão realizada no domicílio do acusado, na cidade do Rio de Janeiro, ocasião na qual se colheram os elementos de prova basilares da denúncia. O defensor sustenta que ELTON LEONEL foi surpreendido por policiais em um estúdio de tatuagem, distante do endereço vasculhado, e que em momento algum autorizou a entrada dos agentes no apartamento que ocupava. Tendo em vista que os policiais não portavam mandado judicial e não teriam sido autorizados pelo morador, alega-se que a medida foi ilícita, bem como seriam ilícitas, por derivação, as provas colhidas naquelas circunstâncias. 52. Contudo, nos termos do inquérito policial, a higidez do ato de busca e apreensão se funda na autorização de entrada concedida aos policiais por BEATRIZ SANTOS RAMOS, que acompanhava ELTON LEONEL no momento da prisão e também ocupava o imóvel diligenciado, ao tempo dos fatos. Embora a defesa alegue que BEATRIZ não tinha domicílio no local, mas apenas estava lá na condição de hóspede, passando uns dias, em verdade, a relação jurídica dela com a residência vasculhada pouco se distingue da de ELTON LEONEL, no que importa à questão levantada. 53.Com efeito, o Código Civil define domicílio como o lugar onde a pessoa natural estabelece sua residência com ânimo definitivo (art. 70). Todavia, no caso concreto em exame, tanto BEATRIZ quanto ELTON LEONEL lá estavam com a intenção de passar uma temporada, sem qualquer ânimo de ali se estabelecer definitivamente. Portanto, ambos eram igualmente hóspedes no imóvel, sendo incoerente alegar que a autorização de entrada franqueada por ela valesse menos que a dada por ele. Em verdade, nos termos da doutrina e da jurisprudência pacífica, o regime jurídico atinente ao domicílio estende-se outrossim aos lugares onde os agentes estejam hospedados, no que diz respeito à aplicação da norma do art. 50, XI, da CF/1988. 54. Por fim, embora alegue que BEATRIZ teria autorizado a entrada dos policiais em razão de ter sido pressionada pelos agentes, a defesa não esboçou qualquer empenho para fazer prova da conduta abusiva que imputa aos servidores e assim afastar a presunção relativa de legitimidade da qual são revestidos os atos destes. Tanto é que a defesa sequer teve a iniciativa de arrolar BEATRIZ para depor como testemunha na presente ação penal, a fim de provar a versão dos fatos invocada e assim desincumbir-se do ônus probatório quanto às alegações de nulidade da diligência de apreensão, que lhe é imposto, quanto ao fato alegado, nos termos do art. 156, caput, do CPP c/c art. 373, II, do CPC. 55. Não se trata, portanto, de considerar que o relato dos investigadores constitua uma “verdade sacralizada”, como dito em memoriais defensivos, mas sim de aplicar ônus que é legalmente imputado à defesa, no sentido de provar a ocorrência dos fatos alegados, que dariam ensejo à nulidade da diligência. (...) 57. Sendo assim, deve prevalecer a versão dos fatos apresentada pelos agentes públicos, segundo a qual BEATRIZ autorizou a entrada dos policiais na residência.” Superada, portanto, a alegação de nulidade da busca e apreensão e da ilicitude das provas dela decorrentes. Da alegada inépcia da denúncia. Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. Cumpre salientar que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 também do Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal). A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores se mostra pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal, sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito: “HABEAS CORPUS - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO - POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA - COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA PELO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (RISTF, ART. 192, "CAPUT", NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009) - ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DECISÓRIA - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS - SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - ILIQUIDEZ DOS FATOS - CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME DE MATÉRIA FÁTICO- -PROBATÓRIA - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' - RECONHECIMENTO DA PLENA CORREÇÃO JURÍDICA DA DECISÃO AGRAVADA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO” (STF, HC 140629 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 04-08-2017 PUBLIC 07-08-2017) - destaque nosso. “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. SURSIS PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não se verifica supressão de instância na análise, pelo Tribunal do Estado, de matéria já abordada pelo juízo de primeiro grau. 2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação do crime, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa. 3. As disposições veiculadas na Lei nº 10.259/01 não alteraram o patamar do sursis processual, que continua sendo disciplinado pelos preceitos inscritos no art. 89 da Lei nº 9.099. 4. Recurso ordinário improvido” (STJ, RHC 28.236/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015) - destaque nosso. Dentro desse contexto, a defesa do réu aduziu a inépcia da denúncia pois esta não teria demonstrado a relação entre o crime subjacente gerador do produto e a aquisição dissimulada de qualquer bem, tendo havido imputação genérica. Com efeito, em que pese a argumentação tecida, entendo inconsistentes suas alegações na medida em que a denúncia ofertada nesta relação processual permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas ao réu, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades e complexidades que este feito contém). Destaque-se, ademais, que a inicial acusatória a que foi feita referência adimple exatamente o conteúdo que o Código de Processo Penal exige de tal peça processual, a teor do art. 41 anteriormente transcrito, tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos (com as circunstâncias pertinentes), qualifica o acusado e classifica o crime que, em tese, teria sido perpetrado, de modo que ela se coaduna com as conclusões firmadas tanto pelo C. Supremo Tribunal Federal como do E. Superior Tribunal de Justiça (ementas citadas acima) no sentido de que, uma vez cumprido o art. 41 do Código de Processo Penal, apta se mostra a exordial acusatória. Foi descrita na exordial a existência de indícios suficientes da materialidade das infrações subjacentes relacionadas à organização criminosa com atuação internacional dedicada ao tráfico de drogas e armas. Restou narrado, ainda, para além da infração subjacente, a forma pela qual era realizado o branqueamento do capital advindo dos crimes subjacentes, ou seja os mecanismos utilizados para ocultar e dissimular a origem ilícita dos bens e valores, os quais estariam consubstanciados em inúmeros depósitos pulverizados em contas de diversas pessoas físicas e jurídicas, tudo de molde a ocultar e dissimilar a origem dos valores movimentados. Sem prejuízo do exposto, importante ser dito que o réu apresentou resposta à acusação (nos termos preconizados pelos arts. 396 e 396-A, ambos do Código de Processo Penal), salientando-se que nela houve a devida alegação de tema pertinente à tentativa de formação do convencimento do r. juízo a quo no sentido de absolver o increpado dos fatos imputados, donde se conclui, extreme de dúvidas, que a denúncia contida nestes autos não era inepta, tanto que possibilitou o exercício do direito de defesa pelo réu. Portanto, completamente impertinente a alegação de que a inicial acusatória teria ofendido, maculado ou dificultado o exercício constitucional do direito de defesa (assegurado a todo e qualquer acusado sob o pálio do devido processo legal e de seus corolários - ampla defesa e contraditório), motivo pelo qual de rigor o rechaçamento da preliminar em comento, cabendo ressaltar, ainda, que, nos termos do entendimento sufragado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ocorre a preclusão da tese de inépcia da denúncia quando ocorre a sobrevinda de sentença penal condenatória que apreciou preliminar de inépcia e a refutou (precisamente o caso dos autos), conforme é possível ser aferido do julgado que segue: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO DA TESE DE DEFESA, ANTE A SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. Com a superveniência de sentença condenatória - que considerou apta a denúncia e as provas suficientes para a condenação - resta superada a alegação de inépcia da denúncia, que não teria descrito, suficientemente, o fato delituoso e todas as suas circunstâncias, quanto ao ora paciente. II. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a análise da alegação de insuficiência de provas, para a condenação dos pacientes, não pode ser feita na via estreita do writ, eis que demanda reexame minucioso de matéria fático-probatória, insuscetível de ser realizado, em sede de habeas corpus. III. Agravo Regimental desprovido” (AgRg no HC 190.234/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/05/2014) - destaque nosso. Da alegação de cerceamento de defesa ante o indeferimento de provas. A defesa aduz cerceamento de defesa em razão do indeferimento de diligências requeridas (oitiva de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia e expedição de ofício à empresa responsável pelo aplicativo de mensagens “Kik”) pela Defesa quando da Resposta à Acusação e reiteradas na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. A necessidade de realização das provas seria comprovar a versão do réu de que desconheceria tanto o aplicativo de mensagem “Kik”, cujas mensagens lhes são imputadas, quanto a identificação das pessoas físicas e jurídicas a que a denúncia faz alusão. Com efeito, compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que o julgador, de maneira fundamentada, indefira provas que repute nitidamente impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito procrastinatório. Aliás, o ato de indeferimento de realização de provas inúteis para a solução da questão trazida ao conhecimento do Poder Judiciário encontra previsão no Código de Processo Penal (que, em seu art. 400, § 1º, dispõe que as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias), salientando-se que a jurisprudência tanto do C. Supremo Tribunal Federal como do E. Superior Tribunal de Justiça refutam ilações de cerceamento do direito de defesa em situações em que houve o indeferimento de pretensão probatória na justa medida em que tal deliberação passa pelo filtro discricionário do julgador (que analisa se o pugnado guarda relevância para o caso concreto) - a propósito: “Constitucional e Processo Penal. Agravo regimental em RHC. Crime de pornografia infantil (art. 241, caput, da Lei n. 8.069/90, com a redação dada pela Lei n. 10.764/03). Testemunha desconhecedora dos fatos e do réu. Indeferimento da oitiva. Decisão fundamentada (artigo 400, § 1º, do CPP): Testemunha habilitada em informática e/ou direito eletrônico. Oportunidade de juntada de documento pertinente a tais conhecimentos técnicos. Ausência de afronta à ampla defesa. Decisão monocrática que nega seguimento a pedido ou recurso em contrariedade com a jurisprudência do Tribunal (artigos 21, § 1º, e 192 do RISTF). Precedentes. 1. O princípio do livre convencimento racional, previsto no § 1º do art. 400 do CPP, faculta ao juiz o indeferimento das provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Precedentes: HC 106.734, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 04/05/20110; HC nº 106.734/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 4/5/11; HC 108.961, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe de 08/08/2012; AI nº 741.442/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 15/6/11; AI nº 794.090/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 10/2/11; e AI nº 617.818/SP-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 22/11/10 e RHC 115.133/DF, rel. Min. Luiz Fux. (...)” (STF, RHC 126853 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2015 PUBLIC 15-09-2015) - destaque nosso. “PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. TESE NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DEFENSIVO DE PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Precedentes do STJ e do STF. (...)” (STJ, RHC 102.063/SP, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019) - destaque nosso. “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PECULATO. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP NÃO CARACTERIZADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. ART. 109, IV, C/C ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. EARESP 386.266/SP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. PEDIDO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DE E. A. INDEFERIDO. (...) 2. Segundo a orientação desta Corte, a produção de provas é ato orientado pela discricionariedade do julgador. Assim, compete a ele, a partir da análise dos fatos e das provas, sopesar e decidir, fundamentadamente, quais as diligências necessárias, indeferindo aquelas que considerar desnecessárias ou meramente protelatórias. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 638.795/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 22/06/2016) - destaque nosso. “PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO MAJORADO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELA DEFESA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AFIRMAÇÕES GENÉRICAS E INERENTES AO TIPO PENAL. OCORRÊNCIA. APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA DE FOGO. PRESCINDIBILIDADE. USO EVIDENCIADO POR OUTROS MEIOS DE PROVAS. 1. A caracterização de cerceamento do direito de defesa pelo indeferimento de alguma prova requerida pela parte possui como condicionante possível arbitrariedade praticada pelo órgão julgador, e não simplesmente a consideração ou entendimento da parte pela indispensabilidade de sua realização. Logo, poderá o magistrado, em estrita observância à legislação de regência e com fito de formar sua convicção, entender pela necessidade ou não da produção de determinada prova, desde que fundamente o seu entendimento de forma adequada e oportuna, como ocorreu na hipótese. Nesse contexto, não verifico a arguida ilegalidade, uma vez que o indeferimento do pedido de expedição de ofício ao banco se deu de forma fundamentada. (…)”. (STJ, HC n. 301.620/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 12/12/2018) (grifei) “HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. ACAREAÇÕES. DILIGÊNCIA CONSIDERADA INÚTIL PELO JUÍZO A QUO. INDEFERIMENTO MOTIVADO DA PROVA. IMPRESCINDIBILIDADE NÃO DEMONSTRADA IN CASU. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JULGADOR. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Não obstante o acusado, no processo penal, tenha direito à produção de provas, o d. Magistrado tem discricionariedade para indeferir aquelas que reputar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, desde que em decisão fundamentada. Precedentes. III - Não constitui constrangimento ilegal o indeferimento de acareações de testemunhas ou mesmo da simples oitiva de alguma delas, se o d. Magistrado da causa, analisando os outros elementos constantes nos autos, decide fundamentadamente que a prova é desnecessária para a formação de seu convencimento, como ocorreu in casu. IV - Verifica-se, assim, que foram declinadas justificativas plausíveis para a negativa ao pleito da d. Defesa. Ademais, não comprovada de plano a imprescindibilidade da diligência, para se concluir em sentido oposto, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência incompatível com a via eleita. Precedentes. Habeas corpus não conhecido.” (STJ - HC: 711895 SP 2021/0394870-6, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Julgamento: 15/03/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2022) (grifei) E, no presente caso, a diligência requerida pela defesa, não se mostrou necessária ao deslinde da questão, como bem fundamentou o juízo a quo ao indeferi-la: “41. Prosseguindo na análise das preliminares aventadas, rejeito também o pedido para conversão do julgamento em diligência, afastando a alegação de cerceamento de defesa deduzida em razão do indeferimento das diligências requeridas pelo defensor. 42. Com efeito, as decisões que indeferiram tais diligências não representaram empecilho ao desempenho defensivo, constituindo, em verdade, legítimo exercício do dever funcional do magistrado, a quem, na condução do processo penal, incumbe zelar pela observância dos princípios da razoável duração do processo e da economia processual. Foi para que o juiz pudesse evitar que a máquina do Judiciário seja movimentada de forma desnecessária ou que o desfecho da ação penal venha a ser inutilmente postergado, que o art. 400, §1º, do CPP assegurou-lhe o poder de indeferir a produção de provas requeridas pelas partes, quando as considere irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. É o que foi feito no presente caso. 43. Tal como se dá em relação a qualquer demanda de caráter processual, o deferimento de diligências probatórias exige que se averigue o interesse da parte na providência pleiteada, isto é, que se verifique, ainda que em tese, a utilidade-necessidade e a adequação da medida pleiteada para a consecução da finalidade visada pelo requerente. Não é o que ocorre, contudo, quanto às diligências requestadas. Senão vejamos. 44. A defesa requereu a expedição de ofício à empresa responsável pelo aplicativo de mensagens “KIK”, para que esta respondesse às seguintes indagações: A) se as mensagens trocadas pelos usuários do aplicativo são armazenadas em servidores e, em caso positivo, se as mensagens atribuídas ao defendido estão armazenadas; B) se há a possibilidade de manipulação das mensagens trocadas através do aplicativo, seja por “sistema espião”, hackeamento da conta ou espelhamento desta; e, C) se houve algum tipo de requisição judicial ou mesmo policial solicitando informações a respeito da conta do aplicativo supostamente utilizado pelo defendido. 45. Contudo, embora provocado, o peticionante se absteve de explicar de que modo as respostas a tais indagações poderiam ser úteis à defesa do réu. 46. Ora, pela lógica da dinâmica processual, a produção de qualquer prova somente se faz útil à defesa quando seu resultado puder corroborar alguma das teses defensivas. Todavia, quanto ao mérito da presente demanda, o acusado se limita a alegar que o celular onde foram encontradas as mensagens suspeitas não lhe pertence e que jamais utilizou e nem mesmo conhecia o aplicativo “KIK”. Nesse cenário, não se vislumbra nada que a empresa responsável pelo aplicativo seja capaz de informar que possa, ainda que em tese, respaldar as alegações do réu, o qual sustenta jamais ter tido contato com o aplicativo ou com o aparelho celular em que o programa se encontrava instalado. A expedição de ofício à referida empresa seria, portanto, medida impertinente, à vista da linha adotada pela defesa, devendo então ser indeferida com fulcro no art. 400, §1º, do CPP. 47. Ainda no caso de que o requerimento dessa diligência tenha o objetivo de corroborar outro eventual viés defensivo, mesmo assim seria necessário que a defesa indicasse, ainda que genericamente, o fato que pretende provar com essas providências, o que tampouco foi feito. 48. A outra decisão indeferitória contra a qual se insurge a defesa diz respeito à identificação e posterior intimação de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia, para que prestassem depoimento na audiência de instrução. Ocorre que, nos termos do art. 396-A do CPP, cabe ao acusado, em sede de resposta à acusação, arrolar as testemunhas cuja oitiva deseje, incumbindo-lhe, no mesmo ensejo, qualificá-las e requerer-lhes a intimação. 49. Ora, de acordo com o mencionado dispositivo processual, é ônus da parte interessada qualificar as testemunhas arroladas, o que pressupõe a respectiva identificação. Essa tarefa não pode ser transferida à máquina do Judiciário sem qualquer justificativa razoável. Não obstante, a defesa se limita a alegar que não pode proceder conforme o art. 396-A porque “não possui qualquer tipo de contato” com as testemunhas arroladas. Não há indicativos de que a parte tenha diligenciado ou tomado qualquer providência com vistas a identificar e obter os dados de qualificação das pessoas cuja oitiva pleiteia, tampouco aponta qualquer óbice razoável que justifique o requerimento ao Juízo. Pela ausência de demonstração da necessidade de que tal providência fique a cargo do Judiciário, o requerimento deve ser considerado impertinente e portanto indeferido com fulcro no art. 401, §1º, do CPP. 50. Por fim, registro que, ao contrário do que aduz o requerente, o deferimento de diligências inúteis e desnecessárias implicaria, sim, prejuízo, tanto para este processo em particular, que teria sua duração injustificadamente prolongada, quanto ao sistema de Justiça como um todo, cujos recursos materiais e humanos seriam desperdiçados na execução de atos imprestáveis ou desnecessários. Por corolário, tem-se que o indeferimento de providências tais, de modo fundamentado, como se deu no presente caso, é legítimo e não constitui qualquer empecilho à ampla defesa, que deve ser exercida com atenção aos ditames da boa-fé, exigível de quem, de qualquer forma, intervenha no processo.” Não há, pois, que se falar em cerceamento de defesa ante o indeferimento de diligência consubstanciada na identificação e oitiva de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia, até porque em tais contas os valores teriam transitado temporariamente, com ulterior encaminhamento a contas de casa de câmbio, como muito bem pontuado pelo juízo a quo na decisão que refutou a Resposta à Acusação. De idêntico modo, impertinente o pedido de expedição de ofício à empresa de aplicativo KIK porquanto não demonstrada a utilidade, a necessidade e a relevância da medida, já que o increpado nega a propriedade do celular e alega desconhecer referido aplicativo. Rechaçada, portanto, a referida preliminar arguida pela defesa. Dos delitos antecedentes e/ou subjacentes. A defesa aduz a inexistência de comprovação dos crimes subjacentes. Esclarece que não haveria como justificar uma acusação de tráfico de drogas, posse ilegal de arma de fogo e receptação ocorrida em 2005 servir como subjacente a uma lavagem de 2018. Também não haveria como sustentar o uso de documento falso como subjacente à lavagem, já que incapaz de gerar produto. Os delitos de organização criminosa armada internacional, tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito e violação de sepultura igualmente não seriam hábeis para enquadramento como crime subjacente, isto porque o único crime que serviria como tal, por gerar produto apto à lavagem - tráfico internacional de armas de fogo de uso restrito, o réu fora absolvido, motivo pelo qual postulou a absolvição nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”). O chamado delito de lavagem de dinheiro é crime derivado de outro, não existindo sem a comprovação da existência de uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. In casu, há indícios suficientes nos autos para se concluir acerca de inúmeras infrações subjacentes. Os elementos amealhados revelam que desde ao menos o ano de 2005 o increpado se dedicaria de modo obstinado a diversas atividades criminosas, tendo, inclusive, sido condenado por tráfico de drogas e por posse irregular de arma de fogo de uso permitido, por fatos ocorridos naquele ano perante a 1ª Vara Criminal de Taubaté/SP (ID 156361704 – fl. 60). Para além deste episódio, outros também são indicativos de que ele continuou a desenvolver a traficância, tais como os descritos no item 95 da sentença “Em 24/03/2011, ELTON foi preso em flagrante em Pedro Juan Caballero/PY por uso de documento de identidade de seu irmão (Oliver Giovanni da Silva) e, na residência onde se encontrava, foram apreendidos 01 fuzil AR-15, duas pistolas, munições e drogas. b) Em 18/11/2014, ELTON LEONEL foi preso em flagrante no município de Pedro Juan Caballero/PY por encontrar-se na posse de 01 pistola Glock 9mm, aproximadamente 80 munições e pequena quantidade de drogas (cocaína e LSD)” (ID 156362310). Não obstante a tais fatos, o réu foi condenado nos autos da Ação Penal n.º 0000569-76.2018.403.6005, perante a 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, em razão de liderança de organização criminosa transnacional relacionada à prática de crimes de tráfico transnacional de drogas e armas, cuja atuação principal perfazia-se na região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a uma pena de 19 (dezenove) anos e 20 (vinte) dias de reclusão, além do pagamento de 857 (oitocentos e cinquenta e sete) dias-multa, pelo crime descrito no artigo 2º, “caput”, e parágrafos 2º e 4º, V, da Lei n.º 12.850/2013 (fls. 99/105 do ID 136127141, ID 136127142 e fls. 01/126 do ID 136127143 dos autos n.º 0000569-76.2018.403.6005). Cumpre ainda salientar que foram encontradas no aparelho celular do réu diversas fotos de drogas, armamento e de vasta quantia de dinheiro em espécie o que evidencia eficazmente o envolvimento de ELTON LEONEL com a traficância, conforme é possível inferir da denúncia (ID 156361712). Nesta toada, deve ser refutada a alegação defensiva no sentido de que os crimes perpetrados em 2005 não serviriam como subjacente à lavagem, notadamente quando se há indícios mais do que suficientes de que o réu há pelo menos desde aquela data faz das atividades criminosas o seu meio de vida, o que nos induz à conclusão de que os recursos movimentados não teriam outra origem que não a espúria. É de se notar, portanto, indícios fortes e suficientes de que o patrimônio por ele auferido advém dos lucros obtidos de seu extenso currículo criminoso, em especial advindo de organização criminosa voltada aos lucrativos tráficos de drogas e de armas. De idêntico modo, deve ser refutada a tese defensiva de que por ter sido o increpado absolvido pela prática do delito de tráfico internacional de armas, tal delito não serviria como infração subjacente, porquanto apesar de nos autos 0000569-76.2018.403.6005 ele não ter sido condenado por tal delito, certo é que o fora por liderar organização criminosa justamente atrelada à traficância de armas e de drogas. De mais a mais, como mencionado anteriormente, prescinde-se da necessidade de condenação em relação ao crime subjacente para que se configure o delito de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da sua consecução, o que é a hipótese dos autos. Da ocultação e/ou dissimulação. O crime de lavagem de dinheiro descrito na peça vestibular estaria consubstanciado na pulverização do capital ilícito a partir da realização de inúmeras operações bancárias em nome de terceiros, com o objetivo de ocultar a propriedade de valores espúrios. Com efeito, as infrações subjacentes descritas nos autos e levadas a efeito pelo réu ao longo de anos trouxe-lhe vantagem econômica, permitindo-lhe amealhar vultoso patrimônio, não existindo nos autos qualquer arrazoado que nos permita deduzir que este patrimônio tenha outra origem que não os proventos da traficância (de drogas e de armas). Nos celulares que foram apreendidos em poder de ELTON LEONEL pelos fatos ocorridos aos 28.02.2018 na cidade do Rio de Janeiro/RJ (uso de documento falso), após perícia, foi possível entrever a realização de diversas operações financeiras em contas bancárias de terceiros, a mando do increpado, a partir do método de pulverização, geralmente em quantias inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), tudo com o objetivo de ocultar a origem e a propriedade do dinheiro amealhado com ações criminosas (fls. 07/15 do ID 156361705). A partir da análise da troca de mensagens por meio do aplicativo “Kik” foi possível entrever o réu ulizando-se de nickname “Frederico Souza” e indivíduos de nickname “Leonardo Silva” e “José Aldo”, onde esses últimos encaminhavam comprovantes de depósitos realizados em diversas contas ao primeiro, cujos valores eram posteriormente encaminhados para uma conta na casa de câmbio do Paraguai por intermédio de “doleiro” (que descontava o valor de 2% pelos serviço), conforme mensagem trocada com indivíduo de nickname “Alejandri Mesa”, posteriormente alterado para “José Alberto” e com indivíduo de nickname “Charles Franco 1”. Conforme consta no ID 156361705 fls.17/20 ao longo do dia 27.02.2018 o nickname “Leonardo Silva” efetivou diversos depósitos bancários pulverizados em nome de terceiros (ECKERT LANCHONETE LTDA ME, MARCUS VINÍCIUS GOMES FERREIRA, RAL TRANSPORTADORA LTDA ME, INGRAMARA DAIANE DE LIMA MENEGATTI e NIKON MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E TRANSPORTADORA EIRELI), encaminhando os comprovantes a ELTON LEONEL para controle, tendo totalizado no dia uma quantia de aproximadamente R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), sendo apenas para a empresa ECKERT LANCHONETE LTDA ME cerca de R$ 78.000,00 cindido em diversos depósitos. É de se notar diálogo neste dia entre o nickname “Frederico Souza” e “Leonardo Silva” em que o primeiro oferta 30 Kg de droga “Tem 30l com ze” “O que mais preciso e o peruano top” (fl. 20 do ID 156361705), restando claro tratar-se da venda de entorpecente. Ainda, de acordo com o ID 156361705 (fls. 17 e seguintes) consta na mesma data o nickname “José Aldo” encaminhando para o controle de ELTON LEONEL foto de comprovante de depósito bancário na conta da empresa NIKON MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO E TRANSPORTADORA EIRELI na quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Consta, ainda, na sequência, o encaminhamento por ELTON LEONEL por meio do nickname “Frederico Souza” dos comprovantes de depósitos bancários para indivíduo de nickname “Alejandri Mesa”, que confirma o recebimento dos depósitos e pede para se contatarem por meio do nickname “José Alberto”. Ato contínuo, o réu continua a encaminhar os comprovantes de depósitos, os quais são confirmados por “José Alberto”, que questiona se o nome da conta no exterior para depósito seria “Porshe ainda?”, oportunidade em que o réu confirma e recebe o extrato da conta com os créditos efetivados (ID 156361705 – fls. 17 e seguintes). Como bem pontuado pelo juízo a quo “o teor dos diálogos examinados não deixa margem a dúvida razoável sobre a natureza dos negócios empreendidos entre os interlocutores. Fica claro que os valores transferidos às contas bancárias das diversas pessoas já referidas constituíam pagamentos realizados em favor de uma mesma pessoa: o usuário do KIK de codinome ‘Frederico Souza’, que era também quem ordenava os depósitos e posteriormente dispunha dos valores depositados como seus” (ID 156362310). Não menos oportuno destacar em acréscimo que o COAF informou em Relatório (RIF 34400317332462) operações supeitas envolvendo as referidas pessoas jurídicas relacionadas a ELTON LEONEL (ID 21214681 – fls 28 e seguintes do Incidente de Quebra n.º 00016316920184036000), tendo a magistrada esclarecido que “em face do material identificado pela perícia, foi deferido, nos autos n. 0001631-69.2018.4.03.6000, o afastamento do sigilo de dados bancários e fiscais, a partir do que se confirmou cabalmente a ocorrência dos depósitos nas contas titularizadas pela pessoas físicas e jurídicas acima citadas.” (ID 156362310) Portanto, os valores que eram movimentados em contas de terceiros se originaram do lucro das infrações, de modo que a realização de inúmeras operações bancárias em nome de outrem nada mais era do que um mecanismo de afastar o dinheiro de sua origem criminosa. Aduz a defesa que o fato descrito pelo Ministério Público Federal na denúncia seria atípico porquanto não teria sido demonstrada a intenção de reinserção na economia de valores ou bens de modo formal. Como já explicitado anteriormente, não há a necessidade para a configuração do delito de lavagem que se configure as três etapas. Dispensa-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. Aduziu, ainda, a defesa que o increpado deve ser absolvido com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CPP (“não existir prova suficiente para a condenação”), na medida em que não houve a identificação dos representantes das pessoas jurídicas mencionadas na denúncia, tampouco a individualização precisa das pessoas físicas, que teriam servido para a lavagem de dinheiro, o que seria necessário a fim de se estabelecer um liame entre elas e o acusado. Tal fundamento deve ser rechaçado, como já explicitado anteriormente quando da análise das preliminares, diante da dispensabilidade da identificação de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia, já que em tais contas os valores teriam transitado temporariamente, com ulterior encaminhamento a contas de casa de câmbio. Em suma, o objetivo era o de tirar a visibilidade do dinheiro espúrio para que este transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Para tanto, eram realizadas operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção. Comprovada, portanto, a materialidade do crime de lavagem de dinheiro. Da autoria delitiva e elemento subjetivo. Aventou a Defesa que o réu nunca se utilizou do aplicativo de mensagem “Kik” “em que foram encontradas supostas provas materiais do crime de lavagem de dinheiro, tais como comprovantes de depósitos nas contas das pessoas físicas e jurídicas mencionadas na denúncia.” A autoria delitiva restou bem delineada. Consoante a Informação de Polícia Judiciária n.º 104/2019- DPF/PPA/MS a análise das conversas mantidas com outras pessoas através do aplicativo de mensagem “KIK” foram extraídas dos arquivos relativos ao celular SAMSUNG SM – J510MN, IMEI 254169084307979 apreendido em poder do réu em fevereiro de 2018 (ID 156361705 – fl. 17). Demais disso, como bem esclarecido pelo juízo a quo: “ (...) Sem receio de fusionar a análise da materialidade com a da autoria, pelas razões já justificadas, anoto que há fartos e vigorosos elementos que demonstram que os aparelhos celulares apreendidos e periciados pertencem ao réu. No mesmo sentido, colhem-se dos referidos aparelhos robustas provas sobre a materialidade dos atos de ocultação. Senão, vejamos: a) os aparelhos foram encontrados no interior do apartamento que ELTON admitiu que estava ocupando ao tempo da apreensão; b) as pessoas físicas e jurídicas titulares das contas bancárias onde foram feitos os depósitos eram domiciliadas nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul, unidades da federação com as quais ELTON mantém estreito e notório vínculo, como se verá adiante; c) o teor dos diálogos deixa claro que os valores depositados eram posteriormente remetidos ao exterior, através de “doleiros”, sendo também de conhecimento notório o envolvimento de ELTON com o tráfico internacional de drogas; d) o usuário “Frederico Souza”, em dado diálogo, oferece a um interlocutor 30kg de um produto, ao que o interlocutor respondeu que precisava que fosse “da peruana” e “top”, deixando claro que se estava a tratar da venda de entorpecentes; e) em outro diálogo, o usuário diz que necessita usar uma pista de pouso do interlocutor, indicando a existência de uma estrutura voltada ao tráfico transnacional de entorpecentes. As conversas pinçadas pela acusação, cujo teor claramente diz respeito ao tráfico internacional de drogas, reforçam os outros elementos a indicar que o usuário de codinome “Frederico Souza” é ELTON LEONEL. Isto em razão de todo o histórico do réu, relatado na denúncia, dando conta do seu conhecido e duradouro envolvimento com o tráfico de drogas na fronteira. A circunstância em que ELTON foi preso no Rio de Janeiro, em flagrante pelo uso de documento ideologicamente falso, também corrobora a percepção de que, à época dos fatos apurados, ele persistia fazendo do crime seu meio de vida e tentava ocultar sua real identidade a fim de furtar8-se à aplicação da lei penal. As joias e o dinheiro em espécie apreendidos no apartamento ocupado por ELTON e ainda as fotos de drogas e de armas de alto poder destrutivo encontradas nos celulares periciados apenas reforçam todo o acervo que dá conta das atividades criminosas do réu. Diferente do que quer fazer crer a defesa, a narrativa da acusação, apontando o extenso histórico criminal do réu, não têm simplesmente o intuito de indicar que o capital movimentado proviria especificamente dos delitos ali referidos, mas vale também para demonstrar que há muitos anos ELTON desenvolve atividades criminosas de grande monta e não há sinais de que desempenhe qualquer profissão lícita. Essas evidências, iluminadas pela experiência social, bastam para afastar qualquer dúvida razoável sobre a origem dos vultosos montantes movimentados pelo réu e induzem à inescapável conclusão de que tal capital somente pode ser produto de atividades criminosas.” Outrossim, do que consta nos autos restou comprovado que ELTON LEONEL obviamente era conhecedor da origem espúria do numerário advindo da traficância (tendo inclusive sido condenado por liderar organização criminosas como exposto anteriormente) e que deliberadamente agia para a ocultação desses valores. Portanto, ELTON LEONEL, tinha consciência da origem ilícita dos valores, além do que a sua vontade estava dirigida para a realização de atos de lavagem de dinheiro, o que afasta qualquer alegação de inexistência de dolo. Ante a convicção de que o réu ELTON LEONEL, vulgo “GALÔ, agiu deliberadamente no crime de lavagem de dinheiro consubstanciado na ocultação dos valores advindos do tráfico de drogas e armas por meio da pulverização de valores em contas de terceiros DOSIMETRIA DA PENA O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. PENA-BASE Na primeira fase da dosimetria houve a avaliação negativa de quatro circunstâncias judiciais (conduta social, antecedentes, circunstâncias e consequências do crime), razão pela qual a pena-base privativa de liberdade foi elevada ao patamar de ½ (metade), estabelecendo-a em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa. Ponderou-se que “a ausência de ocupação lícita e a vida de ostentação levada por ELTON, em contraste com o baixo valor da pensão paga ao filho, são circunstâncias que retratam negativamente a conduta social do réu”. Em relação aos antecedentes pontuou que “o réu sofreu condenação penal transitada em julgado em processo perante a Justiça Estadual de São Paulo, de número 7001397-70.2005.8.26.0625, a qual, embora provavelmente já tenha sido alcançada pelo período depurador, pode ser usada para agravação da pena a título de maus antecedentes”. Já em relação às circunstâncias do crime a valoração negativa ocorreu sob o fundamento da “transnacionalidade das operações de lavagem e a sofisticação do esquema engendrado, com o uso do nome de várias pessoas físicas e jurídicas situadas em diversos estados da federação”. Por fim, no tocante às consequências do crime considerou que “são dignas de maior reproche, dados os expressivos valores objeto de lavagem”. Em suas razões de Apelação (ID 156362323), o Ministério Público Federal requereu a exasperação da pena-base pelos vetores culpabilidade e personalidade. Pontua que “a culpabilidade é elevada, tendo em vista a intensidade do dolo na conduta do réu. Isso porque, obtinha lucros expressivos com a atividade criminosa, o que lhe proporcionava uma vida regada de luxos. Outrossim, a lavagem de dinheiro por intermédio de transações financeiras vultosas ocorreu ao longo de anos. Elementos que reunidos demonstram uma maior reprovabilidade de sua conduta”. Aduz, ademais, a personalidade negativa do réu diante da sua desonestidade, maldade e perversidade e que também ele “nunca exerceu atividade lícita, vivendo exclusivamente do crime e para o crime, sendo esse o seu projeto negativo de vida escolhido”. Que o increpado dedica-se ao menos desde 2005 às atividades criminosas e que “evadiu-se do sistema prisional e, por fim, elaborou um milionário plano de fuga, que somente não se concretizou porque foi descoberto pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro”, o que revelaria que ele não ostenta personalidade voltada à observância das regras estatais”, insistindo na reiteração de condutas criminosas. Por sua vez, a defesa de ELTON LEONEL RUMICH DA SILVA postula a redução da pena-base para o mínimo legal. Pois bem. A despeito de a defesa ter aduzido que os fundamentos que conduziram à exasperação da pena pelas circunstâncias e consequências do crime não fugirem da normalidade, em relação às circunstâncias do crime, tem-se que a complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa, constitui argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. Com efeito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas situadas em mais de um estado da federação, tal como exposto pela magistrada sentenciante. Para além disso, o mecanismo de lavagem adotado foi o de pulverização de depósitos em diversas contas para não chamar a atenção da fiscalização, tendo como objetivo que o dinheiro espúrio da traficância transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Em suma, tal método utilizado para além de se amoldar ao próprio tipo penal da lavagem revela um incremento no modo de atuação, o que dificulta sobremaneira o rastreamento do crime e justifica a exasperação da pena. Também em relação às consequências o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (aproximadamente duzentos mil reais) igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. No que diz respeito aos maus antecedentes a sentença sopesou negativamente em razão de condenação nos autos n.º 7001397-70.2005.8.26.0625 perante a 1ª Vara Criminal de Taubaté/SP sob a tese de que “embora provavelmente já tenha sido alcançada pelo período depurador, pode ser usada para agravação da pena a título de maus antecedentes”. A defesa aduz que “não se pode valorar negativamente as circunstâncias judiciais dos maus antecedentes se a informação constante dos autos é no sentido de ter havido a extinção da punibilidade pela prescrição”, bem ainda que “mesmo que pudesse superar tal alegação (...) uma condenação cuja extinção da punibilidade se deu há mais de 5 (cinco) anos não pode ser considerada como maus antecedentes. Da análise da certidão constante à fl. 10 do ID 156362267 consta que a execução foi extinta em razão da prescrição da pretensão executória. A despeito disso, tal fato não tem o condão de afastar os efeitos penais secundários decorrentes da condenação criminal transitada em julgado. Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL. REABILITAÇÃO. INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. SUBSISTÊNCIA DE EFEITOS PENAIS SECUNDÁRIOS. 1. A declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória impede a execução da pena mas não afasta os efeitos penais secundários decorrentes da existência de condenação criminal que transitou em julgado, tais como a formação de reincidência e os maus antecedentes. 2. Remanescendo os efeitos penais secundários da condenação transitada em julgado, resta inequívoco o interesse de agir do condenado em obter reabilitação criminal. 3. Recurso especial provido.” (STJ - REsp: 1580644 SP 2016/0034497-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 24/05/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/06/2016) Ademais, ainda que a condenação criminal tenha sido alcançada pelo período depurador de 05 (cinco) anos, não tem o condão de impedir a majoração da pena-base, mas tão somente os efeitos da reincidência, senão vejamos: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. MAUS ANTECEDENTES. PERÍODO DEPURADOR APLICADO À REINCIDÊNCIA. NÃO CABIMENTO. 1. "A jurisprudência deste Tribunal é assente no sentido de que as condenações alcançadas pelo período depurador de 5 anos, previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, afastam os efeitos da reincidência, mas não impedem a configuração de maus antecedentes, permitindo, assim, o aumento da pena-base. Nesse diapasão, 'para valorar negativamente os antecedentes, o tempo transcorrido após o cumprimento ou extinção da pena não elimina essa circunstância judicial desfavorável, tendo em vista a adoção pelo Código Penal do sistema da perpetuidade: ao contrário do que se verifica na reincidência ( CP, art. 64, I), o legislador não limitou temporalmente a configuração dos maus antecedentes ao período depurador quinquenal.' ( HC 357.043/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 23/08/2016)" ( AgRg no HC n. 731.559/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgRg no HC: 736799 SC 2022/0113180-4, Data de Julgamento: 27/09/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2022) Mantida, portanto, a negativação dos vetores maus antecedentes, circunstâncias e consequências do crime. Em relação à culpabilidade a juíza a quo não sopesou negativamente tal vetor. O órgão ministerial entende que a culpabilidade do réu seria elevada porque ele obtinha lucros expressivos com a atividade criminosa. Ocorre que como visto tal vetor fora sopesado negativamente pelas consequências do crime. O Ministério Público igualmente entende que deve ser majorada a pena pela culpabilidade porquanto a lavagem de dinheiro ocorrera por intermédio de transações financeiras vultosas ao longo de anos. No entanto, tal argumento deve ser aferido na terceira fase da dosimetria por força do disposto no § 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998, tal como realizado na sentença e que será ponderado posteriormente. Afastado, portanto, o pleito ministerial quanto a este ponto. Em relação à personalidade a sentença também considerou neutro tal vetor. O Parquet Federal aduz a personalidade negativa do réu diante da sua desonestidade, maldade e perversidade e que também ele “nunca exerceu atividade lícita, vivendo exclusivamente do crime e para o crime, sendo esse o seu projeto negativo de vida escolhido”. Que o increpado dedica-se ao menos desde 2005 às atividades criminosas e que “evadiu-se do sistema prisional e, por fim, elaborou um milionário plano de fuga, que somente não se concretizou porque foi descoberto pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro”. Quanto ao vetor "personalidade", cumpre esclarecer que é controversa na doutrina possibilidade de o julgador valorá-lo sem auxílio técnico, uma vez que se trata de conceito que envolve outras ciências como psicologia e psiquiatria e que requer avaliação da índole e do caráter do agente. Não obstante, entende-se que a "personalidade" do agente pode ser aferida pelo julgador a partir de seu modo de agir, ou seja, avaliando-se a agressividade, a insensibilidade acentuada, a maldade, a ambição, a desonestidade e perversidade eventualmente demonstradas na consecução do delito (STJ, 5ª Turma, HC 50331/PB, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 06.08.2007, pág. 550), mas desde que existam nos autos elementos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão. Portanto, a personalidade refere-se ao modo de ser e agir do autor do crime. Não pode, pois, pelo fato de o réu não ter ocupação lícita e em razão de seu histórico criminal ser sopesada negativamente. No entanto, o argumento ministerial de ter o réu ficado foragido e ter arquitetado “um milionário plano de fuga, que somente não se concretizou porque foi descoberto pela Secretária de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro” melhor se adequaria ao vetor conduta social, isto porque revela inadequado comportamento dentro da sociedade, desrespeitando ordens provenientes do Poder Judiciário. Há julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido: “PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. DOSIMETRIA. ROUBOS TRIPLAMENTE MAJORADOS. MOTIVAÇÃO CONCRETA PARA ELEVAÇÃO DA PENA-BASE PELA CONDUTA SOCIAL E PELOS MAUS ANTECEDENTES DO RÉU. PROPORCIONALIDADE DO INCREMENTO. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DO ART. 66 DO CP. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. OFENSA À SÚMULA 443/STJ NÃO CARACTERIZADA. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. REGIME PRISIONAL MANTIDO. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 4. Quanto à conduta social, para fins do art. 59 do CP, esta corresponde ao comportamento do réu no seu ambiente familiar e em sociedade, de modo que a sua valoração negativa exige concreta demonstração de desvio de natureza comportamental. In concreto, considerando o réu foi preso em flagrante enquanto permanecia evadido do sistema prisional, deve ser mantida a valoração negativa da conduta social. (...)” (STJ - HC: 567262 SP 2020/0069968-5, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 26/05/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2020) O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já decidiu que: “DIREITO PENAL. ROUBO A CAIXA DE AUTO-ATENDIMENTO DA CEF. ART. 157, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. RECEPTAÇÃO. ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. CULPABILIDADE. CONDUTA SOCIAL. (...) Com relação à vetorial conduta social, inquéritos e ações penais em andamento não podem ser considerados para fins de elevação da pena, sob pena de violação à Sumula nº 444 do STJ (É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base). Mas o fato de réu ter estado foragido, tendo sido preso posteriormente, ocasião em que foi apreendido em seu poder armamento pesado (fuzil AR-15 e duas pistolas 9 mm), denota uma conduta social negativa.” (TRF-4 - ACR: 50097400220164047205 SC 5009740-02.2016.4.04.7205, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 06/02/2018, SÉTIMA TURMA). Neste ponto há que se registrar que a sentença já tinha sopesado negativamente tal vetor sob a tese de que “a ausência de ocupação lícita e a vida de ostentação levada por ELTON, em contraste com o baixo valor da pensão paga ao filho, são circunstâncias que retratam negativamente a conduta social do réu”. A defesa se insurge aduzindo que não restou provado nos autos que o increpado levava uma vida de ostentação. Ora, apenas a título exemplificativo, o réu fora condenado por liderança de organização criminosa advinda da traficância de drogas e armas, constando ainda dos autos vasta movimentação de valores que eram lavados advindos da traficância, além de ter sido apreendido em seu poder pelos fatos ocorridos no Rio de Janeiro em 2018 jóias e um veículo BMW. Com efeito, como pontuado pelo juízo a quo o baixo valor de pensão pago aos filhos em confronto com o estilo luxuoso de vida do increpado é circunstância apta à negativação da conduta social. Desse modo, aludido vetor deve ser ponderado de modo mais intenso. Cumpre mencionar que o Código Penal não estabelece patamares para as circunstâncias judiciais previstas em seu artigo 59, de modo que, a princípio, mostra-se possível o aumento da pena base até o seu limite máximo em razão de uma única circunstância considerada desfavorável. Nesse sentido, trago à colação o julgado abaixo do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA. ACRÉSCIMO CONCRETAMENTE MOTIVADO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO OBSERVADO. ÓBICE AO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Na hipótese, analisando o aumento da pena-base efetivado pelo magistrado e mantido pelo eg. Tribunal de origem, a r. sentença condenatória evidenciou, com base em dados empíricos, o desvalor das consequências do crime, quais sejam:"Quanto às conseqüências, verifico que as lesões provocadas na vítima resultaram em incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, conforme atesta o auto de exame de corpo de delito de fl. 305-A. Considero essas circunstâncias algo de excepcional no contexto dos fatos, e compreendo que não estão valoradas automaticamente no tipo penal do homicídio tentado, levando-se em conta que uma tentativa de homicídio pode não resultar em lesões corporais (no caso de tentativa branca), e mesmo uma tentativa cruenta pode resultar em lesões menos graves ou duradouras- Isso exige aumento de pena nesta fase, em um ano de reclusão." Desse modo, não há que se falar em ilegalidade na exasperação da reprimenda-base, porquanto demonstrado as consequências do crime desvaforáveis ao paciente, o que exige resposta penal superior, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Precedentes. III - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que 'A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível que 'o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto.' (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). No presente caso, em relação ao quantum de exasperação na primeira fase da dosimetria, não há desproporção na reprimenda-base aplicada, porquanto existe motivação particularizada, vinculada à discricionariedade e à fundamentação da r. sentença, ausente, portanto, notória ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício. Precedentes. IV - Em relação à fração da tentativa, observa-se que as instâncias ordinárias destacaram a adequação da fração mínima aplicada, levando em conta o critério do iter criminis, que foi substancialmente percorrido e chegou muito próximo da consumação, uma vez que o paciente: 'acertou a vítima com dois tiros, um na região axilar, outro na região do abdômen, tendo percorrido os atos executórios à integralidade. Por outro lado, entendo que também deve ser sopesada, neste quesito, a proximidade de violação ao bem jurídico protegido (a ofendida correu risco de morte). Assim, dadas as peculiaridades do caso, correta a redução da reprimenda no patamar de 1/3 da pena.' Portanto, inexiste constrangimento ilegal a ser sanado, pois o acórdão recorrido se encontra em consonância com a jurisprudência desta Corte, que considera idôneo, no tocante ao quantum de redução pela tentativa, o critério do iter criminis percorrido. Ademais, a alteração da fração correspondente à tentativa exigiria o reexame do iter criminis percorrido pela agente, o que é inviável nesta sede, de cognição sumária, onde é vedado o exame aprofundado das provas. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (grifei)” (HC 426.444/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 07/03/2018) Adotando a fração de 1/10 (um décimo), fica estabelecida a pena-base em 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 12 (doze) dias de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. AGRAVANTES E ATENUANTES Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo considerou a condenação criminal havida nos autos n.º 7001103-71.2012.8.26.0625, com trânsito em julgado aos 17.07.2013, a título de reincidência (artigo 61, inciso I, do Código Penal). Também reconheceu a agravante disposta no artigo 62, inciso I, do Código Penal ( “I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”), “na medida em que o teor dos diálogos registrados nos celulares apreendidos deixa claro que ELTON LEONEL coordenava as atividades de outros agentes, voltadas à lavagem do dinheiro, ordenando os depósitos distribuídos em diversas contas em nome de terceiros e determinando a destinação dos valores apurados junto a doleiros”, tendo em razão de tais circunstâncias exasperado a pena intermediária na fração de 1/3 (um terço). Aduz a defesa que a reincidência do réu fora considerada com base em folha de antecedentes, mas não “com a juntada de eventual certidão cartorária do processo, documento este que conteria a data precisa do trânsito em julgado e, principalmente, a data do cumprimento ou da extinção da pena”. Pontua, ainda, que constaria na folha de antecedentes o fato de ter sido extinta a punibilidade pela prescrição, o que afastaria a possibilidade de se considerar a reincidência. Compulsando os autos, é possível entrever à fl. 11 do ID 156362267 a folha de antecedentes do increpado em que consta condenação transitada em julgado para o réu aos 17.07.2013 nos autos n.º 7001103-71.2012.8.26.0625, que tramitou perante a 1ª Vara da Comarca de Campos do Jordão/SP, tendo havido a extinção da punibilidade pela prescrição executória. Com efeito, dispensa-se a juntada da certidão cartorária quando há nos autos as folhas de antecedentes. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO. REINCIDÊNCIA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FOLHA DE ANTECEDENTES. DOCUMENTO HÁBIL E SUFICIENTE À COMPROVAÇÃO DA REINCIDÊNCIA E MAUS ANTECEDENTES. CERTIDÃO CARTORÁRIA. PRESCINDIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A folha de antecedentes criminais é documento apto e suficiente para comprovar os maus antecedentes e a reincidência do agente, sendo prescindível a juntada de certidões exaradas pelos cartórios criminais para a consecução desse desiderato. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgRg no AREsp: 1553133 SP 2019/0229429-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 15/10/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2019) Dito isto, consta que a aludida sentença transitou em julgado para o increpado aos 17.07.2013, sendo que os fatos narrados nos autos em epígrafe remontam a fevereiro de 2018, ou seja, sem que tivesse decorrido o período depurador de 05 (cinco) anos, sendo plenamente possível a majoração da pena pela agravante da reincidência. Fica afastada, ainda, a argumentação de que a extinção da punibilidade pela prescrição afastaria a possibilidade de se considerar a reincidência, na medida em que, como pontuado anteriormente, na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória subsistem os efeitos secundários da condenação. A defesa também requer o afastamento da agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal, ao fundamento de que não teria sido descrita na denúncia. De plano, faz-se necessário perquirir se o magistrado pode atestar a ocorrência de agravante não descrita na denúncia (sem que tal procedimento macule o princípio da congruência entre a inicial acusatória e a sentença), cabendo salientar que a resposta a tal questão encontra-se estampada no art. 385 do Código de Processo Penal, que reza que nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Tal possibilidade decorre do entendimento de que o acusado se defende dos fatos que estão descritos na denúncia ou na queixa e não da capitulação legal contida em tais peças processuais - desta forma, decorrendo a defesa do que foi alegado pelo Órgão Acusatório, possível se mostra o reconhecimento de agravante (ainda que não descrita expressamente na denúncia, mas cognoscível de seu conteúdo). Importante destacar que nossos C. Tribunais Superiores, bem como esta E. Corte Regional, não acoimam de inconstitucional o preceito do art. 385 do Diploma Processual, conforme é possível ser aferido dos julgados a seguir colacionados: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. 1. AGRAVANTE DO ART. 61, INC. II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. DEFESA DOS FATOS: DESNECESSIDADE DE CONSTAR A AGRAVANTE NA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. 2. REGIME INICIAL FECHADO: ART. 33 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICAÇÃO DO § 1º DO ART. 2º DA LEI N. 8.072/1990, ALTERADO PELA LEI N. 11.464/2007. DESPROVIMENTO. 1. É irrelevante a menção expressa do art. 61, inc. II, alínea f, do Código Penal na denúncia, quando as circunstâncias para a incidência dessa agravante estão descritas na inicial da acusação. O acusado defende-se dos fatos imputados e não da tipificação apresentada pelo Ministério Público. (...)” (STF, RHC 117694, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG 26-09-2013 PUBLIC 27-09-2013) - destaque nosso. “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO NA PARTE DA FIXAÇÃO DA PENA. MANUTENÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL. AGRAVANTE DO ART. 62, I DO CP. DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DA PACIENTE NA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. (...) 2. As agravantes, ao contrário das qualificadoras, sequer precisam constar da denúncia para serem reconhecidas pelo Juiz. É suficiente, para que incidam no cálculo da pena, a existência nos autos de elementos que as identifiquem. No caso sob exame, consta na sentença que a paciente organizou a cooperação no crime, dirigindo a atividade criminosa. Ordem denegada (STF, HC 93211, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-06 PP-01294 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 449-454) - destaque nosso. “HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. (I) REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AFIRMAÇÕES CONCRETAS. (II) AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO SENTENCIANTE. POSSIBILIDADE. ART. 385 DO CPP. (...) 5. Nos termos da jurisprudência desta Casa, "Não ofende o princípio da congruência a condenação por agravantes ou atenuantes não descritas na denúncia. Inteligência dos arts. 385 e 387, I, do Código de Processo Penal" (HC 219.068/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 20/05/2016). (...)” (STJ, HC 381.590/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe 13/06/2017)” - destaque nosso. “PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES DA DEFESA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTIGOS 4º E 5º DA LEI 7.492/86. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA EM RELAÇÃO AO CRIME DO ARTIGO 5º DA LEI 7492/86 PARA O RÉU JARBAS. PRELIMINAR DE NULIDADE POR FALTA DE DEFESA TÉCNICA AFASTADA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA, AO ARGUMENTO DE DESIGUALDADE NO TRATAMENTO DAS PARTES NÃO CONHECIDA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA, EM VIRTUDE DO INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL REJEITADA. MATERIALIDADES DOS DELITOS COMPROVADAS. AUTORIAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. INTELECÇÃO DA SÚMULA 444 DO STJ. CULPABILIDADE. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ARTIGO 62, I, DO CP. AFASTADA A CAUSA DE AUMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA PARA O CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA. PENA DE MULTA: PROPORCIONALIDADE COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO: NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. (...) 13. Incide a agravante do artigo 62, I, do Código Penal, tendo em vista a comprovação de que o acusado organizou e dirigiu a atividade dos demais agentes, dando ordens verbais e escritas e procurações para os demais acusados, além de ser o principal beneficiário dos valores desviados. Ademais, a organização e direção do réu NELSON com relação demais agentes está implicitamente mencionada na denúncia. Não fere o princípio da congruência entre a imputação e a sentença, a inclusão na sentença de agravante legal não descrita na denúncia, por força do artigo 385 do CPP. Precedentes. (...)” (TRF3, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 303015 - 0101114-25.1992.4.03.6181, Rel. JUIZ CONVOCADO MÁRCIO MESQUITA, julgado em 23/09/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/10/2014) - destaque nosso. Por outro lado, nítida se encontra nos autos a situação deflagradora do reconhecimento da agravante da direção das atividades por parte do increpado - digo isso em decorrência dos teores constantes das conversas havidas por meio do aplicativo de mensagem Kik aptos a indicar que era o réu quem controlava e cobrava os depósitos efetivados nas contas das pessoas jurídicas nominadas na denúncia e, nessa condição, ditava os passos aos outros interlocutores. Assim, deve ser mantida a aludida agravante, ficando a pena intemediária estabelecida em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO O r. Juízo a quo considerou inexistir causa de diminuição, bem como aplicou como causa de aumento a reiteração prevista no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998, na fração de 1/3 (um terço). A Defesa requereu o afastamento da causa de aumento estampada no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998 porquanto não houve pluralidade de crimes de lavagem, mas sim um único ato de lavagem de dinheiro, renovado em sua materialidade típica a cada nova conduta. Com efeito, o parágrafo 4º do art. 1º da Lei n.º 9.613/1998 dispõe que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se os crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa (redação à época dos fatos). Com razão a defesa. Na hipótese dos autos não restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas e de armas, mas apenas a ocorrência de vários depósitos pulverizados realizados em uma mesma data, mostrando-se imperioso o afastamento da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Portanto, nesta fase dosimétrica a pena fica estabelecida em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa. REGIME INICIAL E SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Em tendo sido fixada a pena em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão, e em se tratando de réu reincidente fica mantido o regime inicial FECHADO de cumprimento de pena, vedada a substituição por penas restritivas de direitos. PENA DEFINITIVA Fica estabelecida a pena de 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO, e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa, cada qual equivalente a ½ (metade) do salário mínimo vigente ao tempo do crime. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por REJEITAR AS PRELIMINARES aduzidas pela defesa, bem como DAR PARCIAL PROVIMENTO às Apelações interpostas. Oficie-se ao r. juízo das Execuções Penais, bem como à Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil para os fins previstos nos dispositivos do 8 USC 1101, S.II, c.c 3USC 301, ambos do United States Code, bem como do artigo 27, 1, "a", do Decreto n.º 5.015, de 12.03.2004 (Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional), encaminhando-se cópia do inteiro teor do julgado, tendo em vista que o réu está ou teria estado vinculado à organização criminosa Primeiro Comando da Capital - PCC. É o voto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1° DA LEI N.° 9.613/1998. INFRAÇÃO SUBJACENTE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO RELATIVA À LAVAGEM DE DINHEIRO TAMBÉM DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 2º, INCISO III, DA LEI N.º 9.613/1998. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO E DA ILICITUDE DAS PROVAS DELA DECORRENTES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETE AO JUIZ DECIDIR SOBRE A NECESSIDADE E CONVENIÊNCIA DA PRODUÇÃO DAS PROVAS E DILIGÊNCIAS SOLICITADAS. PRELIMINARES AFASTADAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. A COMPLEXIDADE DOS ATOS EMPREENDIDOS PARA A EXECUÇÃO CRIMINOSA CONSTITUI ARGUMENTO EFICAZ PARA VALORAR NEGATIVAMENTE ALUDIDO VETOR. USO DE INÚMERAS PESSOAS JURÍDICAS SITUADAS EM MAIS DE UM ESTADO DA FEDERAÇÃO. PULVERIZAÇÃO DE DEPÓSITOS EM DIVERSAS CONTAS PARA NÃO CHAMAR A ATENÇÃO DA FISCALIZAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. O GRANDE VOLUME DE RECURSOS ENVOLVIDOS NA LAVAGEM DE VALORES JUSTIFICA O AUMENTO DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. EXECUÇÃO FOI EXTINTA EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TAL FATO NÃO TEM O CONDÃO DE AFASTAR OS EFEITOS PENAIS SECUNDÁRIOS DECORRENTES DA CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. CONDUTA SOCIAL. RÉU FORAGIDO E QUE ARQUITETOU UM MILIONÁRIO PLANO DE FUGA. INADEQUADO COMPORTAMENTO DENTRO DA SOCIEDADE, DESRESPEITANDO ORDENS PROVENIENTES DO PODER JUDICIÁRIO. AGRAVANTES E ATENUANTES. FOLHA DE ANTECEDENTES. DOCUMENTO HÁBIL E SUFICIENTE À COMPROVAÇÃO DA REINCIDÊNCIA. AGRAVANTE DISPOSTA NO ARTIGO 62, I, DO CÓDIGO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONSTAR A AGRAVANTE NA DENÚNCIA. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO. NÃO DEMONSTRADA A REITERAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO ORIUNDO DO NARCOTRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E DE ARMAS, MAS APENAS A OCORRÊNCIA DE VÁRIOS DEPÓSITOS PULVERIZADOS REALIZADOS EM UMA MESMA DATA. AFASTADA A CAUSA DE AUMENTO DO PARÁGRAFO 4º DO ART. 1º DA LEI N.º 9.613/1998. REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DA PENA.
- O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem.
- De acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente; controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas.
- Para fins de consumação do delito não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas. Precedentes.
- A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente.
- Consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal. Exige-se apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Os fatos delituosos descritos não devem ter caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998 (justa causa duplicada).
- Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis.
- As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores.
- Os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica).
Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro.
- O mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem.
- Da alegada incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. A denúncia enfatizou que o réu integraria organização criminosa dedicada especialmente à prática do tráfico internacional de drogas e armas, com atuação na região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, com nítido caráter transnacional. O increpado foi condenado nos autos de ação penal perante a 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, em razão de liderança de organização criminosa transnacional relacionada à prática de crimes de tráfico internacional de drogas e armas, pelo crime descrito no artigo 2º, “caput”, e parágrafos 2º e 4º, V, da Lei n.º 12.850/2013. Os valores lavados seriam oriundos da prática reiterada dos crimes supramencionados, não dizendo respeito ao crime de uso de documento falso que tramitou perante a Justiça Estadual do Rio de Janeiro/RJ, sendo digno de nota que em se tratando de infração subjacente de competência da Justiça Federal, o processamento e julgamento da ação relativa à lavagem de dinheiro também será da mesma competência, nos termos do artigo 2º, inciso III, da Lei n.º 9.613/1998. Ainda que o juízo da 40ª Vara Criminal da Comarca do Rio de Janeiro/RJ tenha sido o primeiro a determinar as medidas relativas aos elementos informativos que acabaram por fundamentar a presente ação penal, certo é que os dados coligidos diziam respeito ao cometimento de crimes de competência da Justiça Federal, o que afasta a tese defensiva de competência da Justiça Estadual.
- Da alegada nulidade de ingresso dos policiais no domicílio do apelante e da ilicitude das provas obtidas. A entrada dos policiais no domicílio do réu foi autorizada pela acompanhante do increpado no momento da prisão e ocupava o imóvel diligenciado, o que confere validade ao ato de busca e apreensão. A alegada preliminar já foi objeto de apuração em outras oportunidades, tendo o próprio Superior Tribunal de Justiça conferido validade ao ato referente ao caso concreto. Inexistência de nulidade da busca e apreensão e da ilicitude das provas dela decorrentes.
- Da alegada inépcia da denúncia. Inocorrência - observância dos requisitos fixados pelo art. 41 do CPP - peça acusatória que atende às exigências legais. A inicial acusatória a que foi feita referência adimple exatamente o conteúdo que o Código de Processo Penal exige de tal peça processual, a teor do art. 41, tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos (com as circunstâncias pertinentes), qualifica o acusado e classifica o crime que, em tese, teria sido perpetrado. Foi descrita na exordial a existência de indícios suficientes da materialidade das infrações subjacentes relacionadas à organização criminosa com atuação internacional dedicada ao tráfico de drogas e armas. Restou narrado, ainda, para além da infração subjacente, a forma pela qual era realizado o branqueamento do capital advindo dos crimes subjacentes, ou seja os mecanismos utilizados para ocultar e dissimular a origem ilícita dos bens e valores, os quais estariam consubstanciados em inúmeros depósitos pulverizados em contas de diversas pessoas físicas e jurídicas, tudo de molde a ocultar e dissimilar a origem dos valores movimentados.
- Da alegação de cerceamento de defesa ante o indeferimento de provas. A defesa aduz cerceamento de defesa em razão do indeferimento de diligências requeridas (oitiva de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia e expedição de ofício à empresa responsável pelo aplicativo de mensagens “Kik”) pela Defesa quando da Resposta à Acusação e reiteradas na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. Compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que o julgador, de maneira fundamentada, indefira provas que repute nitidamente impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito procrastinatório. Não há, pois, que se falar em cerceamento de defesa ante o indeferimento de diligência consubstanciada na identificação e oitiva de todas as pessoas que teriam recebido os depósitos objeto da denúncia, até porque em tais contas os valores teriam transitado temporariamente, com ulterior encaminhamento a contas de casa de câmbio. De idêntico modo, impertinente o pedido de expedição de ofício à empresa de aplicativo KIK porquanto não demonstrada a utilidade, a necessidade e a relevância da medida, já que o increpado nega a propriedade do celular e alega desconhecer referido aplicativo.
- Dos delitos antecedentes e/ou subjacentes. O chamado delito de lavagem de dinheiro é crime derivado de outro, não existindo sem a comprovação da existência de uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Na hipótese, há indícios suficientes nos autos para se concluir acerca de inúmeras infrações subjacentes. Os elementos amealhados revelam que desde ao menos o ano de 2005 o increpado se dedicaria de modo obstinado a diversas atividades criminosas, tendo, inclusive, sido condenado por tráfico de drogas e por posse irregular de arma de fogo de uso permitido, por fatos ocorridos naquele ano perante a 1ª Vara Criminal de Taubaté/SP. Para além deste episódio, outros também são indicativos de que ele continuou a desenvolver a traficância. Não obstante a tais fatos, o réu foi condenado nos autos de ação penal perante a 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, em razão de liderança de organização criminosa transnacional relacionada à prática de crimes de tráfico transnacional de drogas e armas, cuja atuação principal perfazia-se na região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, pelo crime descrito no artigo 2º, “caput”, e parágrafos 2º e 4º, V, da Lei n.º 12.850/2013.Cumpre ainda salientar que foram encontradas no aparelho celular do réu diversas fotos de drogas, armamento e de vasta quantia de dinheiro em espécie o que evidencia eficazmente o seu envolvimento com a traficância. Nesta toada, deve ser refutada a alegação defensiva no sentido de que os crimes perpetrados em 2005 não serviriam como subjacente à lavagem, notadamente quando se há indícios mais do que suficientes de que o réu há pelo menos desde aquela data faz das atividades criminosas o seu meio de vida, o que nos induz à conclusão de que os recursos movimentados não teriam outra origem que não a espúria. É de se notar, portanto, indícios fortes e suficientes de que o patrimônio por ele auferido advém dos lucros obtidos de seu extenso currículo criminoso, em especial advindo de organização criminosa voltada aos lucrativos tráficos de drogas e de armas. De idêntico modo, deve ser refutada a tese defensiva de que por ter sido o increpado absolvido pela prática do delito de tráfico internacional de armas, tal delito não serviria como infração subjacente, porquanto apesar de ele não ter sido condenado por tal delito, certo é que o fora por liderar organização criminosa justamente atrelada à traficância de armas e de drogas. De mais a mais, prescinde-se da necessidade de condenação em relação ao crime subjacente para que se configure o delito de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da sua consecução.
- Da ocultação e/ou dissimulação. O crime de lavagem de dinheiro descrito na peça vestibular estaria consubstanciado na pulverização do capital ilícito a partir da realização de inúmeras operações bancárias em nome de terceiros, com o objetivo de ocultar a propriedade de valores espúrios. As infrações subjacentes descritas nos autos e levadas a efeito pelo réu ao longo de anos trouxe-lhe vantagem econômica, permitindo-lhe amealhar vultoso patrimônio, não existindo nos autos qualquer arrazoado que nos permita deduzir que este patrimônio tenha outra origem que não os proventos da traficância (de drogas e de armas). Nos celulares que foram apreendidos em poder do réu pelos fatos ocorridos aos 28.02.2018 na cidade do Rio de Janeiro/RJ (uso de documento falso), após perícia, foi possível entrever a realização de diversas operações financeiras em contas bancárias de terceiros, a mando do increpado, a partir do método de pulverização, geralmente em quantias inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), tudo com o objetivo de ocultar a origem e a propriedade do dinheiro amealhado com ações criminosas. Os valores que eram movimentados em contas de terceiros se originaram do lucro das infrações, de modo que a realização de inúmeras operações bancárias em nome de outrem nada mais era do que um mecanismo de afastar o dinheiro de sua origem criminosa. O objetivo era o de tirar a visibilidade do dinheiro espúrio para que este transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Para tanto, eram realizadas operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção. Materialidade comprovada.
- Da autoria delitiva e elemento subjetivo. A autoria delitiva restou bem delineada. Consoante a Informação de Polícia Judiciária n.º 104/2019- DPF/PPA/MS a análise das conversas mantidas com outras pessoas através do aplicativo de mensagem “KIK” foram extraídas dos arquivos relativos ao celular apreendido em poder do réu em fevereiro de 2018. Outrossim, do que consta nos autos restou comprovado que o réu obviamente era conhecedor da origem espúria do numerário advindo da traficância (tendo inclusive sido condenado por liderar organização criminosas) e que deliberadamente agia para a ocultação desses valores. O increpado tinha consciência da origem ilícita dos valores, além do que a sua vontade estava dirigida para a realização de atos de lavagem de dinheiro, o que afasta qualquer alegação de inexistência de dolo.
- Dosimetria da pena.Com efeito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas situadas em mais de um estado da federação. Para além disso, o mecanismo de lavagem adotado foi o de pulverização de depósitos em diversas contas para não chamar a atenção da fiscalização, tendo como objetivo que o dinheiro espúrio da traficância transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Tal método utilizado para além de se amoldar ao próprio tipo penal da lavagem revela um incremento no modo de atuação, o que dificulta sobremaneira o rastreamento do crime e justifica a exasperação da pena. Também em relação às consequências o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (aproximadamente duzentos mil reais) igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. No que diz respeito aos maus antecedentes consta certidão atestando que a execução foi extinta em razão da prescrição da pretensão executória. A despeito disso, tal fato não tem o condão de afastar os efeitos penais secundários decorrentes da condenação criminal transitada em julgado. Ademais, ainda que a condenação criminal tenha sido alcançada pelo período depurador de 05 (cinco) anos, não tem o condão de impedir a majoração da pena-base, mas tão somente os efeitos da reincidência. Precedentes. O argumento ministerial de ter o réu ficado foragido e ter arquitetado “um milionário plano de fuga, que somente não se concretizou porque foi descoberto pela Secretária de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro” se adequa ao vetor conduta social, isto porque revela inadequado comportamento dentro da sociedade, desrespeitando ordens provenientes do Poder Judiciário. Precedentes. A sentença já tinha sopesado negativamente tal vetor. A defesa se insurge aduzindo que não restou provado nos autos que o increpado levava uma vida de ostentação. O réu fora condenado por liderança de organização criminosa advinda da traficância de drogas e armas, constando ainda dos autos vasta movimentação de valores que eram lavados advindos da traficância, além de ter sido apreendido em seu poder pelos fatos ocorridos no Rio de Janeiro em 2018 jóias e um veículo BMW. Como pontuado pelo juízo a quo o baixo valor de pensão pago aos filhos em confronto com o estilo luxuoso de vida do increpado é circunstância apta à negativação da conduta social. Pena-base estabelecida em 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 12 (doze) dias de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.
-Agravantes e atenuantes. Dispensa-se a juntada da certidão cartorária quando há nos autos as folhas de antecedentes. Precedentes. Consta sentença transitada em julgado para o increpado aos 17.07.2013, sendo que os fatos narrados nos autos em epígrafe remontam a fevereiro de 2018, ou seja, sem que tivesse decorrido o período depurador de 05 (cinco) anos, sendo plenamente possível a majoração da pena pela agravante da reincidência. Afastada a argumentação de que a extinção da punibilidade pela prescrição afastaria a possibilidade de se considerar a reincidência, na medida em que na extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória subsistem os efeitos secundários da condenação. Por outro lado, nítida se encontra nos autos a situação deflagradora do reconhecimento da agravante da direção das atividades por parte do increpado, em decorrência dos teores constantes das conversas havidas por meio do aplicativo de mensagem Kik aptos a indicar que era o réu quem controlava e cobrava os depósitos efetivados nas contas das pessoas jurídicas nominadas na denúncia e, nessa condição, ditava os passos aos outros interlocutores. Pena intemediária estabelecida em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa.
- Causas de aumento e diminuição. O parágrafo 4º do art. 1º da Lei n.º 9.613/1998 dispõe que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se os crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa (redação à época dos fatos). Na hipótese dos autos não restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas e de armas, mas apenas a ocorrência de vários depósitos pulverizados realizados em uma mesma data, mostrando-se imperioso o afastamento da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Pena estabelecida em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa.
- Regime inicial e substituição por penas restritivas de direitos. Em tendo sido fixada a pena em 06 (seis) anos, 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão, e em se tratando de réu reincidente fica mantido o regime inicial FECHADO de cumprimento de pena, vedada a substituição por penas restritivas de direitos.
- Preliminares rejeitadas. Apelações parcialmente providas.