Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006412-67.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MAIKELL JARILHO GALVAO

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL XAVIER DA SILVA - SP372374-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006412-67.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MAIKELL JARILHO GALVAO

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL XAVIER DA SILVA - SP372374-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação Criminal interposta por MAIKELL JARILHO GALVÃO, nascido aos 06.04.1980, em face da r. sentença (Id 255053483), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Newton José Falcão (2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP), a qual julgou PROCEDENTE a pretensão penal para CONDENAR o réu pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, inciso IV, do Código Penal (redação dada pela Lei n.º 13.008/2014), à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO, substituída por uma pena restritiva de direitos consubstanciada na entrega de uma cesta básica mensal a entidade beneficente. Foi decretada a inabilitação do réu para conduzir veículo automotor, nos termos do artigo 92, inciso III, do Código Penal.

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia nos termos seguintes (Id 255053162– fls. 01/04):

 

“(...) 1. No dia 1º de agosto de 2019, por volta de 07h43min, na Rodovia Euclides de Oliveira Figueiredo - SP 563, altura do KM 77, município de Presidente Venceslau/SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, Policiais Militares, durante desenvolvimento da ‘Operação São Paulo Mais Seguro’, abordaram o veículo GM/Classic Spirit, placas DJB-6121, constatando que o imputado, condutor do veículo, MAIKELL JARILHO GALVAO, agindo com consciência e vontade, adquiriu e recebeu, em Ponta Porã/MS, em proveito próprio e alheio, com finalidade comercial e sem qualquer documentação legal, inúmeras mercadorias de procedência paraguaia, notadamente bebidas alcoólicas, relógios de pulso e baterias para relógio, introduzidos clandestinamente em território nacional, sem o pagamento dos impostos devidos, não se submetendo a despacho aduaneiro de importação, em contrariedade ao Decreto nº 6.759/2009 e Instrução Normativa SRF nº 680/2006, conforme pormenorizada descrição feita no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0810500/000252/19 (fls. 18/22).

2. O imputado declarou que adquiriu os produtos, sem qualquer documento, em Ponta Porã/MS e pretendia sua comercialização em Rancharia/SP, tendo conhecimento do ingresso ilícito no país, bem como que assim age reiteradamente, como meio de vida, efetuando ao menos uma viagem a cada dois meses, para aquisição e revenda de mercadorias descaminhadas.

3. Conforme Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal 0810500/000252/19 (fls. 18/22), as mercadorias ilicitamente adquiridas e recebidas pelo imputado foram avaliadas em R$ 52.918,83 (cinquenta e dois mil, novecentos e dezoito reais e oitenta e três centavos), o que evidencia a ilusão no todo dos tributos federais devidos pela entrada, na ordem de R$ 26.459,42 (vinte e seis mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais e quarenta e dois centavos), somados o Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), calculados à alíquota de 50%, de acordo com o artigo 65 da Lei nº 10.833/2003, conforme informação fiscal de fls. 20.

4. Ao adquirir, receber e transportar tais mercadorias estrangeiras, ilicitamente introduzidas em território nacional e desprovidas de documentação comprobatória de sua regular importação, MAIKELL JARILHO GALVAO participou da ilusão dos impostos devidos pela entrada e causou dano ao Erário, por força dos artigos 94, 95, 96, inciso II, do Decreto Lei n.º 37/66 e art. 23, 25 e 27 do Decreto-Lei n.º 1455/76, regulamentado pelos arts. 673, 674, 675, inciso II, 686, 687, 701 e 774 do Decreto 6.756/09.

5. Saliente-se que MAIKELL JARILHO GALVAO têm feito do descaminho seu meio de vida, com seguidas e reiteradas aquisições e recebimentos de produtos paraguaios, todos internados ilicitamente em território nacional, com ilusão dos impostos devidos, conforme informação de autuações junto à Receita Federal pela prática de fatos semelhantes, de acordo com pesquisa realizada no sistema Comprot, a qual encaminho em conjunto com a presente denúncia.

7. Vale ressaltar que o veículo GM/Classic Spirit, placas DJB-6121, foi utilizado como meio para a prática do crime (fls. 13/14).

Em face do exposto, o Ministério Público Federal denuncia a esse Juízo MAIKELL JARILHO GALVAO como incurso no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal, com aplicação do artigo 92, III, do Estatuto Repressivo (...)”.

 

A denúncia foi recebida em 03 de dezembro de 2019 (Id 255053165).

 

A sentença foi publicada em 16 de setembro de 2021 (Id 255053483).

 

Em sede de Apelação, a Defesa requereu a absolvição alegando ofensa ao princípio da subsidiariedade e atipicidade delitiva em razão do valor dos tributos, devendo ser aplicado o princípio da insignificância. Subsidiariamente, pugnou pela redução do valor da prestação pecuniária e pelo afastamento da inabilitação para dirigir veículo, ou sua redução pela metade. Por fim, pleiteou a reforma da sentença no que concerne ao perdimento do veículo (Id 255053495).

 

Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões pela acusação (Id 255053500), subiram os autos a esta E. Corte.

 

Nesta instância, o Parquet Federal ofertou parecer no qual opinou pelo desprovimento do apelo defensivo (Id 255351802).

 

É o relatório.

 

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


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V O T O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

O réu MAIKELL JARILHO GALVÃO foi condenado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 334, §1°, inciso IV, do Código Penal (redação dada pela Lei n.º 13.008/2014), in verbis:

 

Descaminho

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem: (...)

IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

 

Narra a denúncia que, no dia 1º de agosto de 2019, por volta de 07h43min, na Rodovia Euclides de Oliveira Figueiredo - SP 563, altura do KM 77, município de Presidente Venceslau/SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, policiais militares, durante desenvolvimento da “Operação São Paulo Mais Seguro”, abordaram o veículo GM/Classic Spirit, placas DJB-6121, constatando que o réu, agindo com consciência e vontade, teria adquirido e recebido, em Ponta Porã/MS, em proveito próprio e alheio, com finalidade comercial e sem qualquer documentação legal, inúmeras mercadorias de procedência paraguaia, notadamente bebidas alcoólicas, relógios de pulso e baterias para relógio, introduzidos clandestinamente em território nacional, sem o pagamento dos impostos devidos, não se submetendo a despacho aduaneiro de importação, em contrariedade ao Decreto nº 6.759/2009 e Instrução Normativa SRF nº 680/2006, conforme pormenorizada descrição feita no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0810500/000252/19.

 

Os fatos deram ensejo à lavratura do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal e consequente Representação Fiscal para Fins Penais, os quais embasaram a instauração da presente ação penal.

 

Após regular instrução probatória, sobreveio sentença contra a qual se insurge a defesa.

 

 

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE DESCAMINHO

 

A defesa pugnou pela absolvição do réu alegando ofensa ao princípio da subsidiariedade e atipicidade delitiva em razão do valor dos tributos, devendo ser aplicado o princípio da insignificância.

 

De início, mister consignar que a descrição típica do descaminho exige a realização de engodo para supressão (no todo ou em parte) do pagamento de direito ou imposto devido no momento da entrada, da saída ou do consumo da mercadoria. Impõe, portanto, a ocorrência desse episódio, com o efetivo resultado ilusório, no transpasse das barreiras alfandegárias.

 

A ausência do pagamento do imposto ou do direito no momento do desembaraço aduaneiro, quando exigível, revela-se como o resultado necessário para consumação do crime.

 

As mercadorias, portanto, não são itens de circulação proibida no país (o que difere do crime de contrabando, no qual essa condição é imprescindível). O que se pune, como se disse acima, é a fraude a fim de frustrar, total ou parcialmente, o pagamento do imposto de consumo sobre as mercadorias.

 

Como é cediço, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, de modo que sua atuação se torne necessária em casos de relevante violação dos bens jurídicos tutelados pelo Estado.

 

O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade.

 

Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora.

 

A jurisprudência do Pretório Excelso tem exigido para a aplicação do referido princípio o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso.

 

Especificamente no que tange ao crime de descaminho, o bem jurídico tutelado não se restringe aos valores a que tem direito a receber a Fazenda Pública, mas também abarca a própria Administração Pública, sua moralidade, bem como os valores da livre concorrência, motivo pelo qual não seria possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho.

 

Como se vê, não apenas o caráter patrimonial visa ser resguardado, de modo que, neste ponto, ressalvo meu entendimento pessoal acerca da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância quanto ao crime de descaminho, porquanto ainda que se possa, em princípio, em determinados casos, considerar de pequena expressão o valor do tributo iludido, não há que se falar no reduzido grau de reprovabilidade da conduta típica, tampouco na inexpressividade da lesão jurídica, considerando que o delito em comento atinge igualmente o aspecto do interesse público (caráter dúplice).

 

A despeito disso, no que tange ao delito de descaminho deve ser adotado o entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Representativo da Controvérsia (RESP n.º 2017/0201621-1, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 3ª Seção, DJE 04.04.2018), de observância obrigatória sob o pálio do disposto no artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, e que também tem sido adotado por esta Décima Primeira Turma, no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância.

 

Feitas tais considerações, tem-se que a Administração Tributária edita normas sobre o valor a ser inscrito em dívida ativa. Assim, tem-se entendido que se a Fazenda não executa uma dívida civilmente em razão do valor, não se justificaria a persecução penal. Adviria desta constatação a aplicação do princípio da insignificância que, analisado em conjunto com os postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção estatal na seara penal, afasta a tipicidade penal em determinadas situações.

 

O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais, atualmente fixado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme determinado pelas Portarias n.º 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, bem como pela jurisprudência do STJ (REsp n.º 2017/0201621-1), vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo, ser tida na seara penal.

 

Todavia, na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas.

 

Com efeito, a contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima.

 

A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfatiza a relevância penal do descaminho, independentemente do valor iludido, quando presente a reiteração delitiva:

 

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, d, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 20 DA LEI N.º 10.522/2002. PORTARIAS N.º 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. CIGARROS . IMPORTAÇÃO IRREGULAR. CRIME DE CONTRABANDO . REITERAÇÃO DELITIVA. COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NOVO TÍTULO PRISIONAL. PREJUDICIALIDADE. 1. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que, além do valor material, os bens jurídicos que o ordenamento jurídico busca tutelar são os valores éticos-jurídicos e a saúde pública. Precedentes: HC 120550, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, DJe 13/02/2014; ARE 924.284 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 25/11/2015, HC 125847 AgR, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 26/05/2015, HC 119.596, Segunda Turma, Relator: Min. Cármen Lúcia, DJe 26/03/2014. 2. A reiteração delitiva do delito de descaminho e figuras assemelhadas impede o reconhecimento do princípio da insignificância, ainda que o valor apurado esteja dentro dos limites fixados pela jurisprudência pacífica desta Corte para fins de reconhecimento da atipicidade. Precedentes: HC 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia DJe de 12/05/2016, HC 130.489AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin DJe de 09/05/2016, HC 133.736 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 18/05/2016. 3. In casu, o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, caput, §1º, alínea d, do Código Penal, por ter sido flagrado ingressando no território nacional com grande quantidade de maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados da documentação legal, cujo valor total dos tributos federais não recolhidos aos cofres públicos seria, em tese, de R$ 13.593,48 (treze mil, quinhentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos). 4. A superveniência do julgamento do mérito de ação penal pela instância a quo torna prejudicada a impetração, considerando-se o advento do novo título prisional. Precedentes: HC 125.614, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 18/09/2015, Rcl 21.548 AgR, Segunda Turma, Relator: Min. Dias Toffoli, DJe 11/11/2015. 5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 6. Agravo regimental desprovido. (HC-AgR 129382, LUIZ FUX, STF, 1ª Turma, DJe. Public. 16.09.2016)

 

No caso em concreto, verifica-se que a materialidade delitiva restou comprovada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais, pelo Termo de Apreensão do Veículo e Mercadorias, pelo Boletim de Ocorrência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, pela Discriminação das Mercadorias realizada pela Dínamo Bauru e pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias n.º 0810500/00252/19 (Id 255053163 – fls. 03/23), os quais noticiam a apreensão de diversas mercadorias (200 relógios de pulso com pulseira de plástico, 50 relógios de pulso com pulseira de metal, 07 baterias para relógio e 02 garrafas de uísque Jack Daniels), todas procedentes do Paraguai e sem a documentação de sua regular importação.

 

A mercadoria estrangeira foi avaliada pela Receita Federal em R$ 52.918,83 (cinquenta e dois mil, novecentos e dezoito reais e oitenta e três centavos), cujos tributos não recolhidos (II e IPI) remontaram a R$ 26.459,42 (vinte e seis mil, quatrocentos e cinquenta e nove reais e quarenta e dois centavos – fls. 21 e 23 do Id 255053163). Importante consignar que, ao contrário da alegação defensiva, estes valores não incluem o veículo conduzido pelo réu, referindo-se unicamente aos produtos apreendidos em seu poder.

 

Assim, tendo em vista que o valor suprimido supera o limite imposto pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais (R$ 20.000,00), resta inviável a aplicação do princípio da bagatela. Some-se a isso o fato de o réu possuir diversas autuações similares em datas anteriores ao crime aqui tratado, conforme se verifica no Extrato Comprot (Id 255053163 – fl. 47), estando configurada a sua contumácia delitiva, o que também impede a aplicação do aludido princípio.

 

Nesse contexto, refuta-se o pleito defensivo, dada a configuração da tipicidade delitiva e inaplicabilidade do princípio da bagatela.

 

Indo adiante observa-se que as provas produzidas nos autos, sobretudo em relação à autoria e ao elemento subjetivo, são suficientes à condenação, conforme aduzido na r. sentença de primeiro grau (Id 255053483):

 

“(...)Por sua vez, a autoria restou igualmente evidenciada pela prova oral produzida.

Ouvido em sede judicial, o policial militar rodoviário Rafael Rodrigues dos Santos afirmou que, na ocasião dos fatos, em patrulhamento realizado no km 77 da Rodovia Euclides Oliveira Figueiredo, avistaram o veículo dirigido por MAIKELL JARILHO GALVÃO ao adentrar estrada de terra comumente utilizada para evitar fiscalização policial. O veículo foi acompanhado e, abordado, verificou-se a existência de caixas de papelão, no banco de trás. O réu afirmou que eram aproximadamente 10.000 (dez mil) relógios, comprados em Ponta Porã/MS, e que os estava levando para Rancharia/SP.

Tais declarações foram confirmadas pela outra testemunha de acusação, policial militar rodoviário Celso Eduardo Nunes Brito.

Interrogado em Juízo, MAIKELL JARILHO GALVÃO confirmou os fatos descritos na denúncia. Afirmou que pegou a mercadoria no Paraguai e estava levando para um amigo. Receberia, em troca, a importância de R$ 600,00 (seiscentos reais).

Vale destacar, conforme apontado pelo douto Procurador da República, que ‘o acusado têm feito do descaminho seu meio de vida, com seguidas e reiteradas aquisições e recebimentos de produtos paraguaios, todos internados ilicitamente em território nacional, com ilusão dos impostos devidos, conforme informação de autuações junto à Receita Federal pela prática de fatos semelhantes, de acordo com pesquisa realizada no sistema Comprot, encaminhada ao Juízo com o recebimento da denúncia (Id. 25359289 – pág. 47)’ (...)”.

 

Saliente-se que o dolo sobressai da conduta do acusado, pois de forma consciente e voluntária, adquiriu e introduziu mercadorias estrangeiras no território nacional, desprovidas de documentação comprobatória de sua regular importação.

 

Neste cenário, deve ser mantida a condenação de MAIKELL JARILHO GALVÃO pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, inciso IV, do Código Penal (redação atual).

 

 

DA DOSIMETRIA DA PENA

 

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

 

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

 

Atento a tais critérios, o r. Juízo a quo fixou a pena imposta ao réu na forma a seguir (Id 255053483):

 

“(...) Passo a dosar a pena. 

Observa-se que o réu é tecnicamente primário e de bons antecedentes. 

A personalidade está ligada às qualidades morais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social, intrínseca a seu temperamento. Inexiste nos autos dados para aferir a personalidade, assim como a conduta social do condenado, devendo, portanto, serem consideradas como elementos neutros. 

Os motivos do crime e as circunstâncias são comuns a essa modalidade delitiva. 

As consequências do fato não foram graves a ponto de exigir uma exasperação da pena. 

Sendo assim, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 1 ano de reclusão.

Embora o réu tenha confessado espontaneamente a autoria, tal circunstância não acarreta nenhum efeito prático na redução da pena, uma vez que já foi fixada no seu mínimo legal.

À míngua de outras circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena, torno definitiva a pena-base de 1 ano de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, nos termos do artigo 33, § 2o, ‘c’, do Código Penal. 

Presentes os requisitos legais, substituo a pena corporal por uma restritiva de direitos, na obrigação de entregar uma cesta básica mensalmente, a entidade beneficente (...)”.

 

No que concerne à dosimetria, a defesa requereu a redução do valor da prestação pecuniária.

 

Consigne-se, por oportuno, que a pena privativa de liberdade foi fixada no mínimo legal (1 ano de reclusão), após observância dos critérios legais e pertinentes ao caso concreto. Correta a sua substituição por uma pena restritiva de direitos consubstanciada em prestação pecuniária em favor de entidade beneficente, todavia, no tocante ao valor, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.

 

Assim, considerando o valor não recolhido aos cofres públicos e as condições socioeconômicas do réu, a prestação pecuniária deve ser reduzida para 1 (um) salário mínimo vigente na data da sentença, acolhendo-se o pleito defensivo nesse ponto, tendo em vista que tal somatória atende ao princípio da individualização da pena e se mostra razoável à substituição da reprimenda imposta.

 

 

DO EFEITO DA CONDENAÇÃO CONSISTENTE NA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR

 

O réu pleiteou o afastamento da inabilitação para dirigir veículo automotor (art. 92, inciso III, do CP), ou sua redução pela metade do tempo imposto.

 

Sem razão o recorrente.

 

Prescreve o inciso III do art. 92 do Código Penal ser efeito da condenação a inabilitação para dirigir veículo automotor quando este tiver sido utilizado como mecanismo para a prática de infração penal punida a título doloso - a propósito: Art. 92. São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Consigne-se, por oportuno, nos termos do parágrafo único de mencionado preceito legal, que o efeito em tela não é automático, devendo, assim, ser declarado motivadamente no bojo de r. provimento judicial (Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença).

 

No caso concreto, constata-se que o réu utilizou-se de veículo automotor com o fito de transportar mercadorias oriundas do Paraguai, não sendo esta a primeira vez que o faz, pois os registros do Comprot, conforme anteriormente mencionado, revelam ser esse o seu meio de vida. Assim, mostra-se imperiosa, com o intuito de se atingir os objetivos de repressão e de prevenção, a decretação a indicado agente, como efeito secundário da sua condenação, da inabilitação para dirigir veículos automotores (de qualquer categoria). A propósito, cumpre trazer à colação os julgados que seguem, da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. CIGARROS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. EFEITO DA CONDENAÇÃO. MEDIDA APLICADA DE FORMA FUNDAMENTADA. 1. Constatada a prática de crime doloso e que o veículo foi utilizado como instrumento para a realização do crime, é possível a imposição da inabilitação para dirigir veículo (com fundamento no art. 92, III, do Código Penal), desde que fundamentada a necessidade de aplicação da medida no caso concreto. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no REsp 1509078/PR, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. CP, ART. 334-A, § 1º, I, C, C. C. OS ARTS. 2º E 3º DO DECRETO-LEI N. 399/68. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE MANTIDA CONFORME A SENTENÇA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO PARA O DELITO DE CONTRABANDO. MULTA. PROPORCIONALIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA INDEFERIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDAS. (...) 8. É admissível a declaração do efeito da condenação estabelecido no inciso III do art. 92 do Código Penal na hipótese de contrabando ou descaminho, constituindo a inabilitação para dirigir veículos medida eficaz para desestimular a reiteração delitiva (TRF da 3ª Região, ACR n. 0004776-06.2009.4.03.6112, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 20.08.13; TRF da 4ª Região, 4ª Seção, ENUL n. 50000077020114047210, Rel. Des. Fed. José Paulo Baltazar Junior, j. 04.06.14) (...) (TRF3, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 80230 - 0000061-69.2010.4.03.6116, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 02/12/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2019)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. USO DE RÁDIO TRANSCEPTOR SEM AUTORIZAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/97. CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE CIGARROS. EXECUÇÃO DO CONTRABANDO MEDIANTE PAGA. CRIME DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, 'B' DO CP. EFEITO DA CONDENAÇÃO. ART. 92, III, CP. (...) A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação, apresentando-se como uma reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 80004 - 0006463-53.2015.4.03.6000, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/12/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/01/2020)

 

Consigne-se, por oportuno, que o efeito ora decretado de inabilitação para dirigir veículo automotor não tem o condão de ofender o direito social ao trabalho previsto na Constituição Federal de 1988 na justa medida em que o acusado, ainda que motorista de profissão, optou, de forma livre, consciente e voluntária, em fazer uso de seu labor para fins criminosos, de molde que neste momento não tem o menor cabimento alegar que seu ganha pão está justamente no transporte profissional - em outras palavras, deveria o acusado ter pensado nesta situação que poderia lhe afligir antes da perpetração delitiva com o escopo até mesmo de não adentrar à criminalidade, não sendo lícita arguição de que o trabalho que potencialmente poderia executar estaria sendo comprometido com a medida em tela. Acrescente-se, ademais, que o acusado poderá se dedicar a outro labor com o desiderato de manter-se, juntamente com sua família, provendo, assim, seus sustentos.

 

Conforme definido pelo r. Juízo a quo, a inabilitação deve ser fixada pelo mesmo período da pena corporal aplicada para o crime de descaminho. De certo, o artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao da pena corporal aplicada. 

 

Neste sentido, destaco os julgados:

 

APELAÇÃO CRIMINAL. DEFENSOR DATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CONTRABANDO DE CIGARROS. ART. 334-A, § 1º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. EFEITO EXTRAPENAL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. DURAÇÃO DA PENAL APLICADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De início, verifico que o réu intimado pessoalmente da sentença, em 22/05/2017, manifestou interesse em não recorrer (fl.188). 2. Em razão do réu não possuir advogado constituído, foi-lhe nomeado defensor dativo, Dr. Anderson Akira Kogawa, OAB/MS 19.243 (187), que tomou ciência da sentença, mediante vista dos autos, em 17/10/2017 (fl.191-vº), porém interpôs o recurso de apelação somente em 15/02/2018 (fls. 198/202). O Juiz a quo, considerando o decurso de prazo para apresentação do recurso, deixou de receber a apelação da defesa, ante a sua intempestividade. 3. No presente caso, tem-se como correta a decisão do Juiz, porquanto, ao retirar os autos em carga, o defensor teve ciência do teor da sentença. Assim, a intimação pessoal para interpor recurso seria dispensável. Ressalte-se, ademais, que em momento algum foi demonstrada causa de suspensão do prazo recursal. 4. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso, ademais restaram devidamente comprovadas pelo auto de prisão em flagrante (fls.02/07), termo de lacração de volumes ZP - 1615/2015 (fl.43), termo de retenção de veículos ZP - 46/2015) e laudo de perícia criminal federal (merceologia - fls. 84/90), bem como depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio acusado (mídias de fls. 117 e 119). 5. Quanto ao pedido de atribuição de efeito permanente dirigir veículo automotor, à acusação não assiste razão. 6. Com efeito, acerca dos efeitos condenação, dispõe o artigo 92, inciso III, do Código Penal (in verbis): 'Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso'. 7. In casu, tem-se dos termos da sentença, ora transcrito, que o réu foi condenado pela prática do crime de contrabando e, como efeito específico da sentença, teve decretada a inabilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 02 (dois) anos, tendo em vista a sua utilização para a prática delitiva. 8. Nesse contexto, tendo em vista que a lei nada dispôs sobre o prazo do efeito condenatório ora impugnado, a jurisprudência desta Corte Regional é no sentido de que o tempo de duração da medida deve corresponder ao da pena aplicada. 9. A duração da inabilitação pelo prazo da condenação atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, razão pela qual a atribuição do efeito permanente requerido pela acusação não deve ser acolhido. 10. Recurso da acusação não provido. (g.n.) (TRF3. Processo n.º 0001638-48.2015.4.03.6006 – Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, 5ª Turma, julgado em 09.09.2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17.09.2019)

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. EFEITO EXTRAPENAL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. PRAZO. 1. Não há reparo a ser feito quanto à aplicação do efeito extrapenal da condenação (inabilitação para dirigir veículo automotor), pois somente se exige que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como é o caso dos autos, no qual o veículo foi utilizado pelo acusado, de forma dolosa, para a consecução do crime de contrabando. Ademais, a medida mostra-se necessária parar coibir e desestimular novas práticas delituosas relacionadas ao transporte de mercadorias. 2. O efeito previsto no art. 92, III, do Código Penal independe de requerimento do Ministério Público, visto que decorre da condenação do acusado. 3. O Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração da supracitada interdição, razão pela qual a jurisprudência que se formou no âmbito desta Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo perdurará por prazo igual ao da pena corporal aplicada. Precedentes. 4. Recursos improvidos. (g.n.)(TRF3. Processo n.º 0001547-21.2016.403.6006, Relator Desembargador Federal Nino Toldo, julgado em 05.02.2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11.02.2019)

 

Dentro de tal contexto, refuta-se o pedido defensivo, mantendo a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor pelo mesmo período da pena corporal aplicada ao crime de descaminho.

 

DO ALEGADO PERDIMENTO DO VEÍCULO

 

Por fim, a defesa pleiteou a reforma da sentença no que concerne ao perdimento do veículo.

 

Todavia, verifica-se que tal medida não foi determinada pelo r. Juízo a quo em relação ao veículo, mas apenas em relação às mercadorias apreendidas, o que apenas ratificou a pena de perdimento já decretada na seara administrativa (Id 255053163 – fl. 33).

 

Saliente-se que, dada a independência entre as instâncias (penal, administrativa, cível e tributária), ainda que se afastasse essa imposição da r. sentença recorrida, não produziria o efeito desejado pelo acusado.

 

 

PENA DEFINITIVA

 

A pena privativa de liberdade imposta a MAIKELL JARILHO GALVÃO, pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, inciso IV, do Código Penal (redação dada pela Lei n.º 13.008/2014), deve ser mantida em 1 (um) ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO, substituída por uma pena restritiva de direitos consubstanciada em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo vigente na data da sentença, em favor de entidade beneficente.

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO da defesa para reduzir a prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo, vigente na data da sentença, em favor de entidade beneficente, mantendo, no mais, a r. sentença de primeiro grau, tudo na forma da fundamentação.


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5006412-67.2019.4.03.6112

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MAIKELL JARILHO GALVAO

Advogado do(a) APELANTE: RAFAEL XAVIER DA SILVA - SP372374-N

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO:

Acompanho o e. Relator quanto ao mérito e à dosimetria da pena, mas dele divirjo, com a devida vênia, em relação à manutenção da inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do art. 92, III, do Código Penal.

Na sentença (ID 255053483), o juízo aplicou esse efeito da condenação da seguinte forma:

Restou, ainda, comprovado que o veículo GM/Classic Spirit, placas DJB-6121, foi utilizado como meio para a prática do crime, cabendo a suspensão do direito de dirigir, nos termos do inciso III do artigo 92 do Código Penal.

(...)

Ante o exposto, julgo procedente a ação penal para condenar MAIKELL JARILHO GALVAO, qualificado nos autos, como incurso no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal, com aplicação do artigo 92, III, do Estatuto Repressivo, devendo perdurar a inabilitação para dirigir veículos, pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade aplicada.

Sua Excelência dá parcial provimento à apelação da defesa apenas para reduzir a prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo, mantendo o período de inabilitação para a condução de veículo automotor por prazo igual ao da pena privativa de liberdade aplicada, nos termos do art. 92, III, do Código Penal, com os seguintes fundamentos:

No caso concreto, constata-se que o réu utilizou-se de veículo automotor com o fito de transportar mercadorias oriundas do Paraguai, não sendo esta a primeira vez que o faz, pois os registros do Comprot, conforme anteriormente mencionado, revelam ser esse o seu meio de vida. Assim, mostra-se imperiosa, com o intuito de se atingir os objetivos de repressão e de prevenção, a decretação a indicado agente, como efeito secundário da sua condenação, da inabilitação para dirigir veículos automotores (de qualquer categoria). A propósito, cumpre trazer à colação os julgados que seguem, da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

(...)

Conforme definido pelo r. Juízo a quo, a inabilitação deve ser fixada pelo mesmo período da pena corporal aplicada para o crime de descaminho. De certo, o artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao da pena corporal aplicada. 

(...)

Dentro de tal contexto, refuta-se o pedido defensivo, mantendo a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor pelo mesmo período da pena corporal aplicada ao crime de descaminho.

Pois bem.

O parágrafo único do art. 92 do Código Penal dispõe que os efeitos de que trata esse artigo não são automáticos, "devendo ser motivadamente declarados na sentença".

O Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida. A título exemplificativo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA.
1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito.
2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie.
Precedentes.
3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação.
4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP.
(AgRg no AREsp nº 2.078.176/SP, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, j. 02.8.2022, DJe 05.08.2022)

Nesse sentido: AgRg no AgRg no AREsp nº 2.283.166/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 06.06.2023, DJe 15.06.2023; AgRg no HC nº 594.092/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, j. 15.02.2022, DJe 21.02.2022; EDcl no AgRg no REsp nº 1.922.918/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 13.12.2021, DJe 16.12.2021).

No caso, o juízo não apresentou qualquer motivação para a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da condenação. Seria imprescindível que expusesse concretamente os motivos para tanto.

Assim, em revisão de posicionamento quanto à imprescindibilidade da motivação, tenho que procede parcialmente o recurso, em maior extensão, pois não é possível fazer a complementação de motivação em recurso exclusivo da defesa.

Posto isso, acompanho o e. Relator quanto ao mérito e à dosimetria das penas, mas dele divirjo para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação em maior extensão, a fim de excluir a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da condenação, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334, § 1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE CONFIGURADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO MANTIDA.

- Princípio da insignificância. Surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo, ser tida na seara penal. A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. Caso em que o valor de tributos iludidos (II + IPI: R$ 26.459,42) superou o limite imposto pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais (R$ 20.000,00), restando configurada também a contumácia delitiva, considerando as diversas autuações similares pela Receita Federal, em datas anteriores ao crime ora tratado, conforme Extrato Comprot, sendo inviável a aplicação do aludido princípio.

- Materialidade, autoria e elemento subjetivo comprovados por meio da Representação Fiscal para Fins Penais, pelo Termo de Apreensão do Veículo e Mercadorias, pelo Boletim de Ocorrência da Polícia Militar do Estado de São Paulo, pela Discriminação das Mercadorias realizada pela Dínamo Bauru, pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias n.º 0810500/00252/19 e pela prova oral produzida em juízo, tendo o réu confessado os fatos.

- Dosimetria. A pena privativa de liberdade foi fixada no mínimo legal (1 ano de reclusão), após observância dos critérios legais e pertinentes ao caso concreto. Correta a sua substituição por uma pena restritiva de direitos consubstanciada em prestação pecuniária em favor de entidade beneficente, todavia, no tocante ao valor, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Considerando o valor não recolhido aos cofres públicos e as condições socioeconômicas do réu, a prestação pecuniária foi reduzida para 1 (um) salário mínimo vigente na data da sentença, acolhendo-se o pleito defensivo nesse ponto, tendo em vista que tal somatória atende ao princípio da individualização da pena e se mostra razoável à substituição da reprimenda imposta.

- Mantida a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor (art. 92, inciso III, do CP), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, considerando a utilização de veículo automotor com o fito de transportar mercadorias oriundas do Paraguai.

- Apelação do réu parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO da defesa para reduzir a prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo, vigente na data da sentença, em favor de entidade beneficente e, por maioria, decidiu manter a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor pelo mesmo período da pena corporal aplicada ao crime de descaminho, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Nino Toldo que DAVA PARCIAL PROVIMENTO à apelação em maior extensão, a fim de excluir a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da condenação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.