Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009483-59.2022.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: VINICIUS ZAMPIERI MARINHO

Advogados do(a) APELANTE: CAMILA MOTTA LUIZ DE SOUZA - SP330967-A, DANIELA MARINHO SCABBIA CURY - SP238821-A, ROGERIO LUIS ADOLFO CURY - SP186605-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009483-59.2022.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: VINICIUS ZAMPIERI MARINHO

Advogados do(a) APELANTE: CAMILA MOTTA LUIZ DE SOUZA - SP330967-A, DANIELA MARINHO SCABBIA CURY - SP238821-A, ROGERIO LUIS ADOLFO CURY - SP186605-A

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R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de Apelação Criminal interposta por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO em face da r. sentença (Id 273672259), publicada em 16.01.2023 e proferida pelo Exmo. Juiz Federal Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal de São Paulo/SP, que indeferiu o pedido de levantamento do valor mensal de 50 (cinquenta) salários mínimos de quantia cuja constrição foi determinada em razão de decisão que deferiu “a medida de sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos) das seguintes pessoas físicas e jurídicas: (i) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO (CPF 431.275.278-88) (...)” (Id 273672246 – fl. 107), tal como postulado pela autoridade policial nos autos n° 5002320-28.2022.4.03.6181.

Em suas razões recursais, a defesa sustenta, em síntese, que todo o patrimônio de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi bloqueado, o que o impede de exercer sua atividade econômica e prover sua própria subsistência, assim como a de sua genitora, que dele depende, medida que violaria os princípios da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Postula, assim, “a liberação mensal de 50 salários mínimos, a partir da conta corrente 001363356, Agência 0001, Banco BTG Pactual S.A. (Banco 208)” (Id 274647886 – fl. 11)

Recebido o recurso, com contrarrazões (Id 275897559), subiram os autos a esta Egrégia Corte.

Oficiando nesta instância, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id 280126827).

É o relatório.

Dispensada a revisão.

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5009483-59.2022.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: VINICIUS ZAMPIERI MARINHO

Advogados do(a) APELANTE: CAMILA MOTTA LUIZ DE SOUZA - SP330967-A, DANIELA MARINHO SCABBIA CURY - SP238821-A, ROGERIO LUIS ADOLFO CURY - SP186605-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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V O T O

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS

apreensão de objetos que guardem relação com o fato criminoso, sejam estes de origem lícita ou ilícita, consiste em uma das várias diligências que podem ser realizadas no curso de uma investigação. É medida empregada, sobretudo, para preservar provas, mas também para garantir o futuro retorno da coisa ao legítimo dono e/ou sua eventual perda em favor da União (confisco).

Tem-se que, no processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358).

Nesse sentido, os objetos e/ou coisas apreendidas devem, em princípio, ficar sob a custódia da autoridade policial durante toda a investigação e, após a sua conclusão, deverão ser encaminhados, juntamente com os autos do inquérito, à autoridade judiciária, nos termos do art. 11 do CPP.

A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé.

Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Destaque-se que os dispositivos aos quais o art. 119 do CPP faz referência, quais sejam, os artigos 74 e 100 do Código Penal, tratam-se, na realidade, de disposições anteriores à reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei n° 7.209/1984), as quais, atualmente, correspondem ao art. 91, II, do Código Penal (referente aos efeitos da condenação), in verbis:

Art. 91. São efeitos da condenação:

(…)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse.

Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal:

Art. 123.  Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso.

Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído.

Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP.

Em outras palavras, tem-se que instrumentos e produtos do crime não devem ser restituídos em qualquer hipótese, bem como que outras coisas apreendidas apenas poderão ser restituídas a partir do momento em que não mais interessarem ao processo, sempre mediante comprovação de sua origem lícita.

A propósito, acerca do tema ora tratado, vide os julgados que seguem:

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017)

 

INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017)

 

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017)

 

Importante salientar, nesse ponto, que a apreensão, a qual pode recair tanto sobre instrumentos do crime quanto sobre outros objetos que interessem à prova e/ou tenham sido obtidos por meios criminosos, não é a única espécie de medida de constrição de bens prevista no ordenamento pátrio.

Entre os artigos 125 e 144-A do Código de Processo Penal, estão previstas medidas assecuratórias patrimoniais (diversas da apreensão), as quais consistem em providências cautelares (de caráter provisório) que demandam, para a sua decretação, a presença de fumus boni iuris (probabilidade de existência do direito invocado pelo autor) e de periculum in mora (fundado receio de que haja um dano jurídico irreparável ou de difícil reparação durante o curso do processo principal). Podem ser decretadas ora para se assegurar a devolução do proveito do crime ao final da ação penal ora para se garantir o ressarcimento do prejuízo causado pela conduta delitiva e/ou o futuro pagamento das custas processuais e da pena pecuniária.

A legislação processual penal prevê, grosso modo, três espécies de providências assecuratórias, quais sejam:

1. O “sequestro de bens móveis e/ou imóveis” (inteligência dos artigos 125 e 132 do CPP), que consiste na apropriação judicial de bem específico (certo e determinado) que caracterize provento da infração, a fim de se assegurar sua entrega ao final da ação penal principal, caso o réu venha a ser condenado. Desde que existam indícios veementes da proveniência ilícita do bem (inteligência do art. 126 do CPP), o sequestro pode ser decretado em qualquer fase da persecução penal e se caracteriza por tornar o bem sequestrado indisponível, isto é, sem possibilidade de ser comercializado, além de não se submeter à regra da impenhorabilidade (art. 3°, VI, da Lei n° 8009/1990). É medida importante para se mitigar a vantagem econômica adquirida com a prática do crime e, em alguns casos, contribuir com a colheita da prova, podendo ser aplicada ainda que o bem proveito do crime esteja em poder de terceiros. Na hipótese de ser decretado o sequestro de um bem imóvel, incumbirá ao juiz ordenar a sua inscrição no Registro de Imóveis;

2. A “hipoteca legal” (inteligência do art. 134 do CPP), que consiste em direito real de garantia (inscrição em registro público de um gravame de intransferibilidade) e que, em princípio, apenas pode ser promovida após a instauração da ação penal (e não na fase de inquérito). Esta, diferentemente do “sequestro de bens imóveis”, recai sobre quaisquer bens imóveis, além de aeronaves ou embarcações do(s) autor(es) da infração (exceto aqueles bens insuscetíveis de penhora), independentemente de terem sido adquiridos com proventos da infração, sem, contudo, retirá-los da posse do acusado. Destina-se a assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes da conduta criminosa, bem como o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária (sendo facultado ao réu oferecer caução);

3. O “arresto de bens móveis e/ou imóveis” - (inteligência dos artigos 136 e 137 do CPP). Consiste na apropriação judicial de quaisquer bens do(s) autor(es) da infração (exceto aqueles insuscetíveis de penhora), independentemente de terem sido adquiridos com proventos da infração, a fim de se assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes da conduta criminosa, bem como o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária (sendo facultado ao réu oferecer caução). Quanto ao “arresto de bens imóveis”, trata-se de medida assecuratória que recai sobre bens imóveis de origem lícita a serem submetidos, em momento ulterior, à hipoteca legal (caráter preparatório para uma hipoteca legal superveniente). Este arresto prévio destina-se a evitar a dilapidação do patrimônio, tornando indisponível o bem até que seja possível a efetivação da medida de hipoteca legal. Quanto ao “arresto de bens móveis”, este recai, também, sobre patrimônio lícito do agente, porém tem caráter residual, uma vez que ocorrerá se o responsável não possuir bens imóveis de valor suficiente. Nesse caso, os bens arrestados são retirados da posse do acusado, sendo que os bens fungíveis e deterioráveis podem ser avaliados e levados a leilão público antecipadamente, ficando depositado o dinheiro apurado.

Ademais, a partir das alterações promovidas pela Lei nº 12.694/2012, foi instituído o chamado “sequestro subsidiário” ou “medida assecuratória pelo equivalente”, conforme prevê a atual redação do art. 91, § 2º, do Código Penal.

                                                                                                                    

Os parágrafos 1° e 2° do art. 91 do Código Penal assim dispõem:

Art. 91 - São efeitos da condenação:

(...)    

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

(…)

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior  (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012).

§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012).

Destaque-se que a alteração legislativa promovida pela Lei nº 12.694/2012 decorreu das disposições sobre o tratamento de bens delineadas nas Convenções da Organização das Nações Unidas – ONU sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (Viena, promulgada pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991), sobre o Crime Organizado Transnacional (Palermo, de 15 de novembro de 2000, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de setembro de 2003), e sobre Corrupção (Mérida, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), sendo tais consideradas marcos globais referenciais sobre o tema.

Nesse diapasão, o art. 5º, item 01, "a", da Convenção de Viena, esclarece que cada parte adotará as medidas necessárias para autorizar o confisco: a) do produto derivado de delitos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3, ou de bens cujo valor seja equivalente ao desse produto, bem como o seu item 2 testifica que cada Parte adotará também as medidas necessárias para permitir que suas autoridades competentes identifiquem, detectem e decretem a apreensão preventiva ou confisco do produto, dos bens, dos instrumentos ou de quaisquer outros elementos a que se refere o parágrafo 1 deste Artigo, com o objetivo de seu eventual confisco.

Por sua vez, os itens 02, 03 e 04 do art. 12 da Convenção de Palermo deixam assentado, respectivamente, que: os Estados Partes tomarão as medidas necessárias para permitir a identificação, a localização, o embargo ou a apreensão dos bens referidos no parágrafo 1 do presente Artigo, para efeitos de eventual confisco; se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem ser objeto das medidas previstas no presente Artigo, em substituição do referido produto e se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de embargo ou apreensão, ser confiscados até ao valor calculado do produto com que foram misturados.

A seu turno, o art. 31, item 05, da Convenção de Mérida, bem elucida que quando esse produto do delito se houver mesclado com bens adquiridos de fontes lícitas, esses bens serão objeto de confisco até o valor estimado do produto mesclado, sem menosprezo de qualquer outra faculdade de embargo preventivo ou apreensão.

Também dentre as conhecidas Quarenta Recomendações do Grupo de Ação Financeira (Groupe d'Action Financière sur le Blanchiment de Capitanx - GAFI ou Financial Action Task Force on Money Laundering - FATF), do qual o Brasil é integrante desde setembro de 1999, há expressa determinação da perda visando adotar medidas para prevenir ou evitar atos que prejudiquem a capacidade do Estado para recuperar bens sujeitos à perda, obstando-se a transferência em cessão dos referidos bens apreendidos e alcançando, inclusive, valores correspondentes ao montante lavado. A Recomendação n.º 04 deixa clara a não exigência de condenação criminal prévia para a perda de bens, cabendo a inversão do ônus da prova.

Nesse contexto, infere-se a plena possibilidade, com supedâneo tanto em convenções internalizadas no país como no próprio ordenamento pátrio, de que constrição destinada a fazer frente à obrigação de perda, em favor da União Federal, do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso recaia sobre patrimônio até mesmo preexistente ao marco temporal tido como de perpetração da infração penal, o que é comumente conhecido como sendo medida assecuratória pelo equivalente, expediente que encontra o beneplácito da jurisprudência tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INSTRUMENTO DE DEFESA. EMBARGOS. CONTUMÁCIA DO RECORRENTE. DECISÃO ACERCA DO SEQUESTRO. NATUREZA DEFINITIVA. AJUIZAMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVO DO MEIO DE IMPUGNAÇÃO CABÍVEL. PRAZO DA APELAÇÃO DECORRIDO IN ALBIS. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO APELO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CABIMENTO. INÉRCIA. TRÂNSITO EM JULGADO DO PROCESSO INCIDENTE DE SEQUESTRO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA/STF 267. VEDAÇÃO LEGAL À UTILIZAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA (LEI 12.016, ART. 5º, III). AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EXAME DO ARCABOUÇO FÁTICO. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O RITO DO MANDADO DE SEGURANÇA. CAPÍTULO DO MÉRITO DO SEQUESTRO. DECADÊNCIA DO MANDAMUS. RECURSO DESPROVIDO. (...) Ademais, a Lei 12.694/2012 alargou o espectro de incidência das medidas cautelares assecuratórias, ao inserir os §§ 1º e 2º do art. 91 do CP. Desse modo, o sequestro pode abranger, igualmente, bens ou valores de origem lícita, equivalentes ao produto ou proveito da infração, se estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior. (...)

(STJ, RMS 49.540/RS, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. DELITOS DOS ARTS. 19 E 20, AMBOS DA LEI N. 7.492/86, 171, DO CÓDIGO PENAL E 1º DA LEI N. 9.613/98. LAVAGEM DE DINHEIRO, BENS E VALORES. DESBLOQUEIO DE VALORES. ORIGEM LÍCITA. PROVA. INEXISTÊNCIA DE PERICULUM IN MORA. EXCESSO DE PRAZO E EXCESSO DA MEDIDA. INDISPONIBILIDADE DE VALORES NAS CONTAS BANCÁRIAS DA PESSOA JURÍDICA. (...) 4. É possível que o sequestro abranja bens ou valores lícitos do criminoso, como forma de compensação, quando não for possível localizar os bens ou valores desviados com a prática do ilícito, a teor do art. 91, §§ 1º e 2º, do Código Penal. (...)

(TRF3, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 60509 - 0013288-86.2014.4.03.6181, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 08/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/06/2015)

 

Cumpre consignar que, embora o denominado “sequestro subsidiário” (inteligência do art. 91, §1° e §2° do CP, com redação dada pela Lei n.°12.694/2012) seja providência admitida pelo ordenamento, não há que se cogitar de decretação da indisponibilidade (e, oportunamente, da perda) de bens ou valores lícitos equivalentes ao produto ou proveito do crime sem que, antes, se estime e persiga (previamente) patrimônio ilicitamente adquirido (art. 91, II, b, §1° do CP).

Sem prejuízo do que se acaba de indicar, o plexo normativo anteriormente descrito acabou sendo fortalecido por meio de instituto trazido à baila por força da edição da Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, nominado de “confisco alargado”, cujas regras de aplicabilidade encontram-se dispostas no art. 91-A do Código Penal – a propósito: 

Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

§ 1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: 

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. 

§ 2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.

§ 3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.

§ 4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.

§ 5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. 

Quanto à apreensão, trata-se de medida que não se confunde com o “sequestro de bens móveis e/ou imóveis”, a “hipoteca legal” ou o “arresto de bens móveis e/ou imóveis”, pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado).

Em suma, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão.  Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão.

A respeito desse tema, ensina Renato Brasileiro de Lima:

“Diversamente do que se dá com o produto direto do crime (v. g. carro furtado), que pode ser apreendido, o produto indireto da infração penal é passível de sequestro, nos termos dos arts. 125 a 132 do CPP. Assim, enquanto o dinheiro subtraído da vítima pode ser objeto de apreensão, a motocicleta comprada com essa quantia será objeto de sequestro (CPP, art. 132). Não obstante, na hipótese de haver indevida apreensão do produto indireto da infração penal, nada impede que o juiz faça a conversão desta medida em sequestro. Portanto, apesar de o art. 121 do CPP fazer menção à apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, é tecnicamente incorreto dizer que a coisa adquirida com o provento da infração possa ser objeto de apreensão, já que o CPP prevê, em tal hipótese, o sequestro (art. 132)” - (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.071).

Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado.

Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. É relevante dizer que, tendo-se em vista que a decretação de uma apreensão (tanto quanto a decretação de um sequestro) pressupõe a presença de fumus boni iuris e periculum in mora, é certo que o ônus da prova quanto à presença dos três requisitos que ensejam a restituição da coisa apreendida (dentre os quais a comprovação da origem lícita do bem) incumbirá à parte interessada. Saliente-se, ainda, que, “aos olhos dos Tribunais Superiores, devido à simplicidade do procedimento incidental de Restituição de Coisas Apreendidas regulamentado pelo art.  120 §§ 1° e 2°, não é possível sua utilização quando a complexidade da questão demandar ampla dilação probatória. Nessa linha, como já se pronunciou a 5ª Turma do STJ, caso a complexidade da questão acerca da propriedade de bem apreendido demande ampla dilação probatória, deve o juízo criminal se abster de decidir o processo incidental de restituição, remetendo as partes ao Juízo Cível” (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.075). Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de “decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito”, caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo).

Em relação à medida cautelar de sequestro, o Código de Processo Penal determina seja esta, desde o início, autuada em apartado, bem como prevê Embargos (ao invés do Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas) como sendo o meio adequado para impugnar a decretação de sequestro (inteligência dos artigos 129 e 130, ambos do CPP), não havendo, contudo, disciplina expressa quanto ao procedimento a ser adotado em tais Embargos. Dispõe o parágrafo único do art. 130 que “não poderá ser pronunciada decisão nesses Embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória”, o que posterga a discussão acerca da validade do sequestro para a fase final do processo penal.

Nesse contexto, tem prevalecido na jurisprudência o entendimento de que, a par da faculdade de manejo dos Embargos, eventual decisão que, no curso de um inquérito ou ação penal, determine ou indefira o levantamento de Sequestro, possuirá força de definitiva e poderá ser, nos termos do art. 593, II, do CPP, atacada por meio de Apelação. 

Importante mencionar que se, por um lado, não há dúvida de que o mecanismo processual adequado para se impugnar decisão que decreta apreensão é o pedido de instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, assim como não há dúvida de que o mecanismo processual adequado para se impugnar decisão que decreta sequestro é a oposição de Embargos, por outro, a jurisprudência tem admitido a possibilidade de a parte requerer instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas (ao invés de opor os Embargos previstos no art. 130, I, do CPP)  também na hipótese de sequestro de bens. Não se deve perder de vista a corriqueira dificuldade de se identificar, de imediato, se determinados bens caracterizam produto direto ou indireto de crime, de modo que é comum ocorrerem apreensões quando deveriam ocorrer sequestros e vice-versa. Na prática forense, observa-se, por vezes, a instauração de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas para impugnar decretos de sequestro (e não apenas de apreensão) – (vide, p. ex., julgado proferido no âmbito da Operação “Lava Jato” - TRF4, 8ª Turma, Apelação Criminal n.° 5028833-81.2016.4.04.7000/PR, Rel. João Pedro Gebran Neto, Julg. em 15.02.2017 – em que aquela Corte conheceu de Apelação interposta no bojo de Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, o qual havia sido instaurado em primeiro grau, a pedido do interessado, para impugnar decreto de sequestro de valores).

Inclusive, há quem defenda que, antes de interpor Apelação em face de um decreto de sequestro, a parte interessada, deve, necessariamente, formular pedido prévio de restituição ao r. juízo de primeiro grau, (tal como se exige quando a hipótese é de decreto de apreensão). De qualquer sorte, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela possibilidade de, diante de um decreto de sequestro, a parte interessada apelar diretamente à instância superior.

Nesse sentido, menciona-se o que foi decidido no bojo do Resp n.° 1585781, relacionado à Operação “Lava Jato”: 

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO "LAVA JATO". CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL DETERMINADA À GUISA DE MEDIDA CAUTELAR. DENEGAÇÃO DE SEGUIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO PELA CORTE FEDERAL. DESNECESSIDADE DE VINCULAR-SE A INTERPOSIÇÃO DO APELO AO PRÉVIO MANEJO DE IRRESIGNAÇÃO PERANTE O JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE DECRETOU A MEDIDA. RECURSO PROVIDO.  

I - Se o Código de Processo Penal estatui, para as cautelares patrimoniais, mecanismos de impugnação a serem veiculados perante o juízo de primeiro grau, que decretou a medida constritiva, e, não obstante, a jurisprudência vem admitindo que se valha o interessado do recurso de apelação, não há razão idônea conducente ao afastamento do mesmo alvitre no âmbito específico da Lei de Lavagem de Dinheiro.  

II - Apesar da possibilidade conferida ao acusado, ou à interposta pessoa, sobre quem recaia a medida assecuratória de bens prevista na Lei 9613/98, de postularem diretamente ao juiz a liberação total ou parcial dos bens, direitos ou valores constritos, atendidos os demais pressupostos legais, isto não elide a possibilidade de manejo de apelação, na forma do art. 593, II, do Código de Processo Penal. Recurso especial provido, para determinar que o eg. Tribunal Regional Federal julgue a apelação como for de direito; declarado o prejuízo quanto à pretensão de anulação do acórdão de desprovimento dos embargos declaratórios. 

(STJ, QUINTA TURMA, RECURSO ESPECIAL N.° 1585781 2016.00.43842-7, JULG. EM 28.06.2016, REL. FELIX FISCHER, DJE DE 01.08.2016) 

 

Ressalte-se, por fim, que inexiste previsão de prazo limite para eficácia de um decreto de apreensão. A esse respeito, ensina Renato Brasileiro de Lima:

“Ao contrário do sequestro e do arresto subsidiário, que, se adotados no curso do inquérito, têm sua eficácia temporalmente limitada, cessando caso a denúncia não seja oferecida em 60 (sessenta) dias, no caso de sequestro (CPP, art. 131, I), e em 15 (quinze) dias, no caso do arresto subsidiário (CPP, art. 136), não há previsão legal de prazo de eficácia para a apreensão. No entanto, a despeito do silêncio da Lei, a jurisprudência entende que a medida não pode se prolongar indefinidamente no tempo. Por isso, em caso concreto no qual a apreensão havia sido realizada há mais de 7 (sete) anos, sem que sequer tivesse havido o oferecimento da denúncia, concluiu o STJ que esse excesso seria incompatível com o princípio da razoabilidade, daí porque determinou o levantamento da medida (STJ, 5ª Turma, RMS 21.453/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/04/2007, DJ 04/06/2007, p. 381)” – grifo nosso -  (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, páginas 1.075-1.076).

Já em relação ao sequestro, a legislação é expressa no sentido de que, se a ação penal não for intentada no prazo de 60 (sessenta) dias contados da data em que ficar concluída a diligência, a constrição deverá ser levantada, com fundamento no excesso de prazo (inteligência do art. 131, I, do CPP). Não obstante, prevalece o entendimento de que este prazo não tem natureza peremptória, não havendo óbice a que, à luz do princípio da razoabilidade e em face da complexidade dos fatos, o prazo de vigência do sequestro seja dilatado, podendo se estender mais ou menos, a depender do caso concreto.

 Nesse sentido, confiram-se:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MEDIDA CAUTELAR. DESBLOQUEIO DE VALORES. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. COMPLEXIDADE DOS FATOS. APELO MINISTERIAL PROVIDO.

1.A apreensão de bens no processo penal é medida que preserva os bens tidos como produto ou instrumento do crime, retirando-os da esfera de disponibilidade do suposto agente até que seja ultimada a pretensão acusatória.

2.A perda desses bens, desde que sejam comprovadamente instrumentos ou produtos do crime, constitui um dos efeitos da condenação, nos termos do artigo 91 do Código Penal.

3.Assim, conforme estabelece o artigo 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.

4.A questão posta nos autos, além de se referir normativos que cuidam da restituição de bens, diz respeito, em especial, ao apontado excesso de prazo na mantença da constrição, da medida cautelar de bloqueio de valores.

5.Os fundamentos indicativos do excesso de prazo não se sustentam, ante a complexidade dos fatos em apuração pela autoridade policial.

6. Ausência de clareza no que se refere à origem lícita do montante, porquanto a empresa está sendo apontada como instrumento para o cometimento dos crimes de lavagem de capitais e de sonegação de tributos.

7. Apelação ministerial provida.

(TRF3, 5ª Turma, Apelação Criminal n.° 5006832-25.2020.4.03.6181, Rel. Paulo Gustavo Guedes Fontes, Julg. em 29.06.2021, DJe de 02.07.2021)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INDISPONIBILIDADE DE BENS. FAZENDAS. CRIMES DIVERSOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SONEGAÇÃO FISCAL, CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.

1. Apelação interposta por Michel Hermes dos Santos, Selma Ribeiro dos Santos e Kratos Solutions Ltda contra decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora/MG que indeferiu seu pedido de levantamento de sequestro de 3 (três) imóveis rurais localizados no município de Rio Preto/MG.

2. Consta dos autos que a medida constritiva foi determinada no bojo do Inquérito Policial nº 13817-29.2011.4.01.3801 que apurava a existência de quadrilha especializada em praticar os crimes de falsificação de documentos, falsidade ideológica, supressão de encargos sociais, supressão de tributos, fraude a licitações, entre outros.

3. Sustentam o excesso de prazo para a apresentação da denúncia, alegando, por consequência, a ilegalidade na manutenção da medida de indisponibilidade dos bens.

4. A restituição de coisas apreendidas no curso do inquérito ou da persecução penal condiciona-se à demonstração cabal da propriedade dos bens pelo requerente (art. 120, caput, do CPP), ao desinteresse inquisitorial ou processual na manutenção da apreensão (art. 118 do CPP) e a não classificação dos bens apreendidos nas hipóteses elencadas no art. 91, inciso II, do Código Penal, requisitos que devem ser analisados cumulativamente.

 5. O art. 131 do Código de Processo Penal estabelece o prazo de 60 dias para que a ação penal seja proposta, sob pena de cessar a ordem de sequestro. Todavia, o lapso temporal para o oferecimento de denúncia, em hipótese de prévio sequestro, não é absoluto. Em face do princípio da razoabilidade, admite-se dilação de prazos nos casos em que há complexidade e/ou pluralidade de acusados. Nesse sentido: TRF1, Incidente 00275711920164010000, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro, e-DJF1 de 07/12/2016.

6. Na hipótese dos autos, a complexidade do caso, no que tange à quantidade de diligências e análises documentais para a apuração dos crimes, justificam a manutenção das medidas constritivas por prazo superior ao determinado na Lei Processual.

7. importa registrar que, apesar de os requerentes Selma Ribeiro dos Santos e Michael Hermes dos Santos não terem, no caso presente legitimidade para requerer a restituição dos bens, pois, como visto não são proprietários de qualquer dos bens em litígio, ambos estão envolvidos na investigação que redundou no sequestro dos bens e há muito tramita Ação Penal contra os requerentes em razão dos delitos que ensejaram a medida de indisponibilidade dos bens, pois foi recebida a denúncia apresentada no inquérito policial nº 0013817-29.2011.4.01.3801, em 14/12/2017, dando origem à ação penal nº 0000491-55.2018.4.01.3801.

8. Além disso, pelo que consta dos autos Selma Ribeiro dos Santos seria empregada doméstica de Michael Hermes dos Santos, ex-sócio da empresa Kratos e teria vendido os imóveis em comento para a Kratos Solutions Ltda.

9. Por outro lado, a permanência da requerente Kratos Solutions Ltda. na posse e uso dos imóveis não retira a garantia da medida de sequestro. E, em harmonização com o interesse público da medida, melhor se apresenta que fique responsável pela manutenção dos bens, até decisão final na ação penal.

10. O sequestro, no processo penal, é medida assecuratória que visa tornar indisponíveis aos acusados ou indiciados os bens móveis e imóveis, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com proveito do crime, para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, a fim de garantir a indenização da parte lesada e impedir a obtenção de lucro proveniente da prática de infração penal.

11. Em se tratando de bem imóvel, não se vislumbra perigo de desfazimento ou mesmo venda, considerando que o art. 128 do CPP, determina a inscrição no registro de imóveis.

12. Apelação parcialmente provida para nomear a requerente Kratos Solutions Ltda., por meio de seu representante legal, mediante assinatura de termo de compromisso e relatório de vistoria, como fiel depositário, mantendo a restrição ao bem, devendo apresentar ao juízo de origem, relatório trimestral sobre os imóveis, não podendo alienar nenhum bem móvel ou semovente existente nos imóveis, sem autorização do juízo.

(TRF1, Quarta Turma, Apelação Criminal n.° 0005280-68.2016.4.01.3801, Rel. Néviton Guedes, Julg. em 10.02.2020, DJF1 de 19.02.2020)

 

ANÁLISE DO CASO CONCRETO

No âmbito dos autos n° 5002320-28.2022.4.03.6181, o juízo singular da 6ª Vara Federal de São Paulo/SP determinou, entre outras medidas, o “sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos) das seguintes pessoas físicas e jurídicas: (i) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO (CPF 431.275.278-88)” (Id 273672246 – fl. 10).

Em síntese, de acordo com representação policial pelo sequestro e indisponibilidade de bens (Id 273672249 – fls. 01/380), VINICIUS ZAMPIERI MARINHO seria o responsável de fato pela coordenação de empresas de fachada que integrariam sofisticado esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, encabeçado por José Eduardo Froes Júnior e familiares deste, através do qual tais empresas de fachada depositariam valores oriundos de atividades ilícitas – entre as quais tráfico internacional de drogas, contrabando e descaminho –  em contas bancárias administradas pelo grupo Froes por ele administradas. As quantias recebidas, então, seriam enviadas em operações de câmbio para os Estados Unidos, país no qual seriam transacionadas com corretoras em troca de criptoativos a pretexto da realização de operações de arbitragem, ou seja, estratégia de investimentos que consiste na aquisição de criptomoedas em determinado local para revenda em outro, por preço superior.

Para melhor compreensão dos fatos e contextualização da situação na qual se insere o pleito, cumpre transcrever, embora extensos, os seguintes trechos da representação pela constrição de bens formulada pela Polícia Federal:

 

1. DOS FATOS

Trata-se de Inquérito Policial instaurado inicialmente para apurar crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, falsa identidade em operações de câmbio, falsidade ideológica, funcionamento irregular de instituição financeira e associação criminosa, atribuídos aos nacionais JOSE EDUARDO FROES JÚNIOR, ADRIANO FRÓES e outros.

Segundo a documentação acostada aos autos, entre os anos de 2018 e 2019, JOSE EDUARDO FROES JÚNIOR promoveu operações de câmbio quantificadas em mais de US$ 430 milhões de dólares americanos. As informações dão conta de que esse apresentou a algumas das instituições financeiras com quem realizou operações de câmbio documentos que deram a entender que essas foram realizadas para o aumento de capital social da empresa ONE WORD SERVICE LCC, sediada em Miami nos Estados Unidos da América. Parte dos bancos responsáveis pela maioria das operações de câmbio realizadas entre os anos de 2018 e 2019, bem como a maioria das empresas envolvidas nos crimes ora investigados tem sede na cidade de São Paulo/SP. No entanto a outras instituições financeiras investigados informaram que as remessas de valores eram para a realização de “arbitragem” com criptoativos, onde esse os adquire nos EUA e os revende no Brasil. Há fortes indícios de que os valores usados para aumento de capital social e/ou nas supostas ações de arbitragem são de propriedade de terceiros. Os terceiros “proprietários” dos valores remetidos para o exterior, por intermédio de JOSE EDUARDO FROES JÚNIOR, são empresas de fachada, sediadas em sua maioria na cidade de São Paulo/SP, e com fortes indícios de envolvimento em atividades ilícitas diversas. As investigações também apontam que JOSE EDUARDO FROES JÚNIOR não tem lastro financeiro e nem econômico para a realização das operações cambiais imputadas a esse. As condutas verificadas amoldam-se a aquelas etiquetas nos artigos Art. 1 º, II c/c Art. 16 e Art. 21, § único e 22, caput da Lei 7492/86; Art. 1º, § 1º, I II e § 2º, I da Lei 9.613/98; Art. 288 e 299 do CP, sem prejuízo de outras que surgirem no decorrer das investigações.

As investigações tiveram início com comunicação realizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), através da qual encaminhou o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) nº 43.7191. Segundo tal relatório o grupo econômico familiar formado por JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR, RENATO FROES, ADRIANO FROES e outros e pelas empresas ONE WORLD SERVICES (OFFSHORE) e OWS BRASIL INTERMEDIAÇÃO LTDA realizaram em solo nacional diversas operações bancárias com fortes indícios de ilicitude. Dentre as características versadas por essas destacam-se, em resumo:

1- As pessoas referenciadas em tal documento apresentaram grande volume de transferências entre contas de mesma titularidade com característica que indica artifício para burlar a identificação da origem e/ou do beneficiário final dos recursos financeiros que transitam nas contas do grupo;

2- Observou-se o recebimento predominante de grande volume de recursos de “empresas de porte incompatível e sem comprovação da origem desses recursos, inclusive de empresas alvo de investigação”, cujos sócios “também não teriam capacidade compatível com a movimentação apresentada por suas empresas”;

3- A movimentação financeira do grupo econômico investigado teria ocorrido de forma ramificada. Composta por contrapartes semelhantes que teriam transacionado entre si enviando e recebendo montantes elevados, principalmente entre JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR, que foi o principal operador”;

4- JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR também constou de comunicações de operações suspeitas de câmbio, pelas quais estaria remetendo em nome próprio vultosos valores (mais de 430 milhões de dólares entre junho/2018 e maio/2019) para a empresa ONE WORLD SERVICES LLC sediada em Miami/EUA que pertencente ao seu grupo familiar. Supostamente a remessa de tais valores seriam para a realização de arbitragem com criptoativos.

(...)

Segundo essa, em resumo, as pessoas que compõem o grupo liderado pelo Sr. JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR constam predominantemente como beneficiárias (recebedoras) de valores em operações suspeitas de serem ocorrências de atividades ilícitas.

Os valores recebidos são oriundos de contas bancárias de empresas de “fachada” [Nota de rodapé: nesse sentido a alta rotatividade dos proprietários formais de tais empresas, bem como a coincidência de proprietários e endereços existentes entre essas. Além desses indícios, destaca-se o fato de alguns dos proprietários dessas empresas serem titulares de benefícios assistenciais do governo federal como LOAS e outros. As empresas analisadas em sua maioria, se não a sua integralidade, não possuem funcionários registrados nos sistemas de informações competentes e nem porte e capacidade econômica que lastrem as cifras milionárias transacionadas em suas respectivas contas bancárias], registradas em nome de pessoas sem capacidade econômica e técnica para geri-las, indiciando, fortemente a existência de um grade esquema de constituição de empresas em nome de laranjas, para servirem apenas de contas de passagem, para a circulação de valores obtidos provavelmente de forma ilícita. Tal intento, tem como finalidade não só dificultar o rastreamento da origem de tais valores, mas também dificultar a identificação de seus reais destinatários. Reforçam esses indícios a cronologia dos depósitos e o tempo em que esses valores permanecem nessas contas de passagem. Na quase integralidade das operações bancárias comunicadas como suspeitas, logo após os depósitos, esses valores são transferidos para as pessoas físicas e/ou empresas do grupo FROES, os quais, logo em seguida, são transferidos para outras contas bancárias [Nota de rodapé: as contas bancárias receptoras de valores são em sua maioria registradas em nome da pessoa física do investigado JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR]  sediadas em estabelecimentos bancários diversos daqueles receptores dos depósitos feitos pelas empresas de fachada, para então serem objeto de operações de câmbio.

(...)

Em resumo, empresas de diversos ramos de atividades, que vão desde a importação e exportação de mercadorias até empresas de tecnologia, arrecadaram em suas contas bancárias cifras milionárias, as quais são transferidas para contas bancárias em nome de JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR. Das contas bancárias titularizadas por JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR tais valores são transferidos para outras contas bancárias titularizadas por esse nos bancos GENIAL (Antigo PLURAL), MASTER (Antigo MÁXIMA) SANTANDER e outros, onde são realizadas a maior parte das operações de câmbio efetivadas por JOSE FROES JÚNIOR. De forma que qualquer busca realizada pelos bancos acerca da origem dos valores objeto dos contratos de câmbio irá apontar JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR como o titular de tais valores.

O estratagema edificado pelos investigados é sofisticado e pouco burocrático. Diz-se isso, pois todo o dinheiro com fortes indícios de origem ilícita circula por contas bancárias registradas no sistema bancário formal e é remetido para o exterior de forma aparentemente lícita, dificultando, outrossim, por parte de autoridades nacionais e/ou estrangeiras o eventual rastreamento das origens ilícitas desses. Uma vez no exterior tais valores podem acessar facilmente o sistema bancário internacional e de lá ser encaminhado para diversos países.

(...)

De posse dessas informações, descortinou-se diante dos olhos dos investigadores um horizonte novo, já que até então não se tinha conhecimento de nada parecido com o que será relatado ao longo das próximas linhas. As evidências levantadas apontam para uma movimentação bancária de aproximadamente 60 bilhões de reais realizadas pelos investigados em aproximadamente 04 anos, a qual só foi possível diante da quase ausência de regulamentação legal envolvendo transações com criptoativos, bem como falhas graves cometidas por parte de grandes instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil – BACEN a operar no mercando de câmbio regulado do país.

Em resumo, são as evidências de crimes já documentadas até então:

(...)

1- As empresas investigadas movimentaram a crédito e a débito em suas contas bancárias entre os anos de 2017 e 2021 aproximadamente 60 bilhões de reais;

2- Desses valores, aproximadamente 08 bilhões de reais foram objetos de operações de câmbio realizados por JOSE EDUARDO FROES JUNIOR e suas empresas;

3- As empresas investigadas, responsáveis pelos depósitos bancários feitos nas contas de JOSE EDUARDO FROES JUNIOR e suas empresas ONE WORLD SERVICES LLC (OFFSHORE) e OWS BRASIL INTERMEDIAÇÃO LTDA, receberam valores ilícitos de origens diversas, destacando-se dentre essas: o tráfico internacional de drogas, o contrabando e o descaminho, em especial de empresas sediadas nos bairros do Brás e 25 de março em São Paulo/SP, pirâmides financeiras diversas e de empresas suspeitas de fazer remessa de valores para o exterior através de operações de importação fraudulentas. Muitas dessas empresas foram objetos de operações da Polícia Federal, como: Mardof, Kryptos, Rekt, Planum, Valeta, Sucessão, Betka e outras;

4- Levantamentos realizados em fontes abertas apontam, em consulta rápida na internet, que as empresas investigadas que realizaram os depósitos bilionários nas contas bancárias de JOSE EDUARDO FROES JUNIOR são de fachada. São indícios nesse sentido o fato de serem sediadas em residências simples em bairros periféricos da grande São Paulo/SP, não terem atividade lícita sabida, seus sócios serem beneficiários de programas assistenciais do governo federal ou simplesmente não existirem faticamente;

5- Os valores depositados nas contas JOSE EDUARDO FROES JUNIOR pelas empresas acima destacadas foram remetidos para fora do país através de operações de câmbio não autorizadas realizadas por bancos autorizados pelo BACEN a operar nesse mercado. Parte dos valores remetidos para o exterior, em especial os Estados Unidos da América – EUA, foram remetidos mediante a apresentação de justificativa falsa acerca da natureza das operações cambiais realizadas. Há fortes indícios de que tais remessas só foram possíveis porque houve conivência de alguns dos bancos responsáveis por tais remessas;

6- Algumas instituições financeiras que mantém e/ou mantiveram relacionamento com os investigados fizeram apontamentos nesse sentido. Porém, apenas algumas encerraram relacionamento com esses. A grande maioria das instituições financeiras que transacionaram com os investigados ou não comunicaram nada de relevante ao COAF e/ou fizeram comunicações apenas proforma, sem nenhum tipo de repercussão efetiva;

7- As operações de câmbio não autorizadas realizadas pelos investigados foram lastreadas em documentação suporte inidôneas, já que os documentos apresentados foram para operações de aumento de capital social de empresa estrangeira, quando na verdade essas tinham como finalidade a aquisição de criptoativos no exterior para ações de arbitragem. Tal estratagema teve como fito de dissimular a origem ilícita dos valores e redução de tributo sobre essas operações, uma vez que segundo os levantamentos realizados, as corretoras de criptoativos americanas não aceitam depósitos em suas contas de valores oriundos de alguns países, dentre esses o Brasil. Dessa forma foram enviados para fora do país à revelia das normas cambiais vigentes bilhões de reais, indiciando a prática de crime de evasão de divisas;

8- No início das operações de arbitragem com criptoativos, entre dezembro/2017 até junho/2018, FROES JUNIOR realizou operações de câmbio no valor de aproximado de US$ 5.084.190,7628 sob a natureza 67500 (disponibilidades no exterior). No entanto, com a edição do Decreto nº. 9.297/2018 em março de 2018, a alíquota de IOF, que era de 0,38% para as operações de câmbio até então realizadas por ele, foi majorada para 1,1%. Motivo pelo qual acredita-se que ele tenha mudado a natureza das operações de câmbio realizadas até então, passando a registrá-las sob o código 67407 - remessa de valores para o exterior para o aumento de capital social -, cuja alíquota permaneceu em 0,38%;

9- Assim, como fito de promover tais remessas e ocultar a origem dos valores, JOSE EDUARDO FROES JUNIOR abriu em solo americano a ONE WORLD SERVICES LLC, inicialmente instalada em Miami, no estado da Flórida e atualmente sediada no estado de Delaware, o qual segundo alguns registros é considerado como um paraíso fiscal. De forma que a partir dos valores oriundos do Brasil, depositados por FROES JUNIOR nas contas da ONE WORLD LLC, essa, ocultando [Nota de rodapé: conforme se verá, a ocultação da origem brasileiras dos capitais em questão, foi necessária, porque as Exchanges americanas, por questões relacionadas a prevenção de lavagem de dinheiro, não aceitavam negociar criptoativos com recursos oriundos do Brasil. Justamente com a finalidade de evitar o que foi feito por FROES JUNIOR] a origem dos recursos nela aportados, realizava a aquisição de criptoativos junto as OTCs americanas, burlando assim uma proteção erguida por essas;

10- As investigações apontam de forma clarividente que a finalidade do envio dos recursos para (sic) do  Brasil para os EUA, desde o início das atividades de FROES JUNIOR, era para a aquisição de criptoativos. Os quais, em uma operação denominada de arbitragem, eram adquiridos em OTCs sediadas no exterior e revendidos posteriormente para pessoas físicas e jurídicas sediadas no Brasil, sendo a diferença entre a compra e a venda desses ativos virtuais, supostamente o ganho de financeiro de JOSE EDUARDO FROES JUNIOR;

11- No entanto, diferentemente do que recomenda o BACEN, que tais operações de câmbio sejam realizadas sob a rubrica aquisição de mercadorias entregues no exterior (código 67902), essas eram realizadas sob a rubrica de remessa de valores para o exterior para o aumento de capital social (Código 67407). De sorte que foram realizadas entre os anos de 2018 e 2019, 1.102 operações de câmbio com o Código 67407, totalizando R$ 1.164.968.585,15;

12- Para dar ares de legalidade a tal estratagema, centenas de atas de redução e aumento de capital social da empresa ONE WORLD SERVICES LCC foram elaboradas de forma sucessiva para servir de documentação suporte em tais contratos de câmbio. Chama a atenção o fato de essas atas não apresentarem números sequenciais e/ou timbre e/ou chancela e/ou eventuais formalidades que comprovem que de fato essas foram apresentadas/registradas em arquivos oficiais de órgãos públicos nos EUA;

(...)

14- Há fortes indícios de que algumas das instituições financeiras que promoveram tais operações de câmbio tinham ciência de que o real motivo da remessa dos valores para o exterior era a aquisição de criptoativos e não o aumento de capital social, promovendo, outrossim a gestão fraudulenta de bilhões de reais evadidos do país de forma irregular;

15- Já outras instituições financeiras, de forma temerária, fecharam os olhos para regras básicas de compliance e aparentemente aceitaram as declarações de algumas empresas investigadas de que essas tinham fortes normas internas de prevenção a lavagem de dinheiro e de proibição ao financiamento ao terrorismo, quando na verdade essas não tinham norma alguma nesse sentido. Destaque-se que as instituições financeiras que deliberadamente fecharam seus olhos para essa realidade tinham plenas condições de em uma consulta rápida na internet verificar que os clientes de algumas empresas investigadas eram de fachada e como tal não tinham lastro econômico e/ou financeiro para movimentar as quantias milionárias depositadas nas contas dos investigados, as quais foram utilizadas para fazer operações de câmbio junto a essas instituições financeiras;

(...)

17- A partir fevereiro do ano de 2019 tiveram início as remessas de valores para o exterior para a aquisição de criptoativos sob a rubrica 67902 (aquisição de mercadorias entregues no exterior) e a transição das atividades realizadas até então por JOSE EDUARDO FROES JUNIOR, enquanto pessoa física, para a empresa OWS BRASIL INTERMEDIAÇÃO LTDA;

18- As contas de titularidade da OWS BRASIL INTERMEDIAÇÕES LTDA movimentaram no total R$ 13.550.349.804,60 em 24.683 operações entre créditos e débitos, sendo os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA o principal destino dos recursos remetidos para o exterior. A conta de titularidade da OWS BRASIL INTERMEDIAÇÕES LTDA que mais movimentou recursos foi a do Banco GENIAL S.A agência 0001 nº 34886 com um total de R$ 12.883.409.667,98 em 22.274 operações entre créditos e débitos;

(...)

20- Em que pese declarar que realiza operações de arbitragem, os dados registrados ao fisco demonstram o contrário. Segundo consta, a ONE WORLD, empresa sediada no exterior, comprou mais BITCOINS (e outras criptomoedas) de corretoras brasileiras do que vendeu, sendo o contrário do que faz a OWS BRASIL, empresa da qual faz parte do quadro societário. Ao todo a ONE WORLD comprou R$ 115.412.472,44 e vendeu 21.304.287,97 em criptoativos;

21- Algumas das empresas investigadas começaram fazendo operações de câmbio através de FRÓES JÚNIOR e suas empresas, porém, após um tempo, essas empresas começaram a fazer elas mesas as suas operações e arbitragem. O que não mudou foi a origem dos recursos, os quais eram oriundos de empresas de fachada com fortes indícios de envolvimento com o tráfico internacional de drogas, o descaminho e operações fraudulentas de importação, com fito de remessa ilegal de valores para foram do país;

22- Algumas das empresas investigadas, cujos indícios apontam serem de fachada, declararam ao fisco a aquisição e/ou a venda de criptoativos em descompasso com as movimentações financeiras verificadas. Em alguns casos declararam a negociação de criptoativos em valor muito superior àqueles verificados nas movimentações bancárias. Em outros há registos de transações menores que o verificado no bancário. Indiciando provável declaração falsa de movimentações a Receita Federal. Em alguns casos a diferença entre o que foi declarado e o que foi verificado no bancário está na casa dos bilhões de reais;

(...)

Com a análise dos dados bancários, fiscais, telemáticos e outros obtidos mediante decisão judicial, foram produzidas diversas informações policiais, uma para cada empresa investigada, as quais revelaram a existência de grupos responsáveis pela sua criação e pelas movimentações das respectivas contas bancárias. Para chegar as essas conclusões foram cruzados dados de movimentações bancárias, com elementos de informações telemáticas extraídos dessas transações, bem como informações produzidas pela Receita Federal do Brasil e e-mails obtidos nas quebras telemáticas, que apontaram para a existência de um grupo pessoas físicas responsáveis de fato pela administração de diversas empresas de fachada.

(...)

O SEGUNDO GRUPO analisado será aquele formado pelas empresas: 1- NLS GESTAO EMPRESARIAL EIRELI, CNPJ 18.430.994/0001-41; 2- TRANS X SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO E FINANCEIROS EIRELI, CNPJ 34.639.704/0001-20; 3- ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI, CNPJ 32.854.871/0001-69; 4- LIBERATO COMÉRCIO, TRANSPORTE E SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO EIRELI, CNPJ 19.183.773/0001-89; 5- SZC SERVIÇOS DIGITAIS LTDA, CNPJ 41.954.948/0001-52; 6- IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA. 34.178.181/0001-62; 7- MTM CONSULTORIA E GESTAO EIRELI, CNPJ 23.057.061/0001-90; 8- RED RABBIT SOLUCOES EMPRESARIAIS EIRELI, 38.028.974/0001-56; 9- SPADA E MARINHO GESTÃO E TECNOLOGIA LTDA, CNPJ: 31.574.862/0001-51; 10- HEALTH CARE SOLUCOES LTDA, CNPJ 38.220.672/0001-85; 11- SENIOR 7 CONSULTORIA E GETÃO EIRELI, CNPJ 34.060.032/0001-02; 12- PAULISTANA AGRO OLEO VEGETAIS LTDA, CNPJ 10.702.817/0001-65;

Esse grupo tem como características:

1- Formado eminentemente por empresas com fortes indícios de terem apenas um funcionamento de fachada, cujas contas bancárias foram utilizadas para o recebimento de valores de origens diversas, com fortes indícios de terem origens em lícitos antecedentes diversos, cuja competência para julgamento é da Justiça Federal;

2- Diferentemente do grupo anterior, nesse, a empresa ZM CONSULTORIA, que possui existência de funcionamento de fato, é peça central, em torno da qual orbitam todas as demais empresas;

3- Dentre os ilícitos antecedentes levantados destacam-se o tráfico internacional de drogas, crimes relacionados a evasão de divisas através de operações de câmbio lastreadas em informações fraudulentas, o contrabando e o descaminho;

4- O destino de parte considerável dos valores que transitaram pelas contas de tais empresas foram as contas bancárias do GRUPO FROES. Donde em milhares de operações de câmbio, lastreadas em documentação suporte inidôneas, esses foram enviados para fora do país à revelia das normas cambiais vigentes, indiciando a prática de crime de evasão de divisas;

5- Parte dos valores depositados nas contas do GRUPO FROES teve como objetivo a aquisição de criptoativos com fito de ocultar identificação dos destinatários dos valores, oriundos das atividades ilícitas outrora destacadas;

6- A ZM CONSULTORIA, a exemplo da OWS BRASIL, teve forte atuação na remessa de valores para o exterior, com fito de aquisição de criptoativos, os quais foram “revendidos” a clientes residentes no Brasil, cujos recursos têm origem nos ilícitos antecedentes outrora narrados;

7- Esse grupo, liderado por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, auxiliado por MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES, GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO e GUSTAVO CHAIBUB GORAB, cujo contador da maioria das empresas é o nacional JOSÉ RICARDO EUFRAZINO, praticaram de forma voluntária e consciente ações ilícitas, cujas condutas se amoldam àquelas insculpias nos seguintes títulos penais: Associação criminosa (Art. 288 do CP); Falsidade Ideológica (Art. 299 do CP); Lavagem de Dinheiro (Art. 1º da Lei 9.613/98) e Evasão de Divisas ( Art. 22 da Lei 7.492/86), sem prejuízo de outros que surgirem no decorrer da continuidade das investigações.

(...)

 

1.6 NLS GESTAO EMPRESARIAL EIRELI, CNPJ 18.430.994/0001-41162.

São evidencias que permitem apontar a NLS como uma empresa de fachada: 1- Não tem funcionários cadastrados; 2- Não possui registros de emissão de Notas Fiscais compatíveis com a movimentação bancária levantada; 3- Recebimento em suas contas bancárias de milhões de reais de origens diversas, destacando-se entre essas empresas ligadas a pessoas com envolvimento com o tráfico de drogas e a remessa de valores para o exterior através da importação fraudulenta de bens (...); 4- Contas bancárias com características de contas de passagem, a fim de dificultar a identificação de origem e de destino dos valores transitados; 5- No endereço declarado funcionava uma residência; 6- Em pesquisas em sítios da internet não foi possível verificar indícios de funcionamento de fato da NLS, que justificassem as movimentações milionárias verificadas nas contas da empresa.

Cinco dias após o encerramento das atividades formais da NLS, em 23.08.2019, NELSON LUIZ SESTI abriu a empresa TRANS X SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO E FINANCEIROS EIRELI, CNPJ 34.639.704/0001-20. Os indícios apontam que a NLS provavelmente teve as suas atividades formalmente encerradas, por conta de problemas envolvendo o depósito de valores oriundo de fraudes nas contas de FRÓES JÚNIOR no Banco PLURAL, atual GENIAL. A TRANS X tem como ramo de atividade: “a intermediação e agenciamento de negócios”.

A exemplo da NLS, a TRANS X não possui funcionários cadastrados. Em diligências in loco em seu endereço, foi verificado em que tal local funciona uma casa de câmbio e ninguém nunca ouviu falar de tal empresa. Ambas têm endereço de cadastro muito próximos. A TRANS X tem como contador JOSÉ RICARDO EUFRAZINO, responsável pela abertura de outras empresas investigadas, que assim como a TRANS X tem fortes indícios de terem um funcionamento apenas de fachada.

Os indícios levantados até o momento apontam que a TRANS X é sucessora das atividades da NLS, encerrada precocemente, provavelmente por conta das fraudes acima destacadas. Nesse sentido, as empresas investigadas ZM, KIOSHI, DLM e outras transacionaram com a TRANS X, mais de 40 milhões de reais no período analisado (...).

Em resumo, parte dos valores recebidos nas contas da NLS têm origem não sabida. As entradas são na sua maioria transferências de empresas de fachada. Empresas investigadas em outras operações da Polícia Federal por envolvimento com o tráfico de drogas e a remessa de valores para o exterior através da importação fraudulenta de bens (...).

 

1.6.6 Informações Telemáticas.

A análise das informações telemáticas obtidas permitiu o levantamento de uma série de evidências que sustentam as seguintes afirmações.

(...)

2- Foram encontrados fortes indícios de que as movimentações financeiras da empresa investigada NLS foram realizadas a partir de IPs titularizados pelos nacionais: VINICIUS ZAMPIERI MARINHO; MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES e GUSTAVO CHAIUB GORAB e/ou pessoas e/ou empresas ligadas a esses;

3- Em que pese VINICIUS ZAMPIERI MARINHO; GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO, MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES e GUSTAVO CHAIUB GORAB não terem nenhum tipo de relacionamento formal, seja na qualidade de sócios e/ou representantes legais das empresas NLS e sua sucessora TRANS X, ambas registradas em nome de NELSON LUIZ SESTI, foram encontrados vários e-mails remetidos e/ou recebidos por esses, que permitem concluir que esses são as pessoas que de fato administram tais empresas.

 

São evidências nesse sentido:

1- Em e-mail colacionado aos autos há o registro de negociação de criptoativos com a Exchange MERCADO BITCOIN, em nome das empresas NLS GESTÃO EMPRESARIAL, bem como sua aparente sucessora TRANS X, além de LIBERATO COMÉRCIO, TRANSPORTE E SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO EIRELI feitos por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO. Chama a atenção o fato de ambos não terem nenhum tipo de relação formal sabida com essas empresas;

2- Em e-mail colacionado aos autos há o registro de encaminhamento de mensagem com o título: “Boleto Certificado Digital (Correto)” inicialmente encaminhado para NELSON da empresa NLS. No entanto, esse mesmo e-mail foi encaminhado por GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO para MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES. Chama a atenção o fato de ambos não terem nenhum tipo de relação formal sabida com a NLS. Contudo, em anexo a tal mensagem há uma NF emitida pela empresa SPADA, cujo sócio é VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, tendo como tomador do serviço a empresa GLOBAL INTERMEDIACAO DE NEGOCIOS EIRELI, cujo envolvimento com o tráfico internacional de drogas é investigado pela Polícia Federal;

3- Em e-mail colacionado aos autos há o registro de encaminhamento de mensagem que denota a transação de criptoativos envolvendo a empresa sucessora da NLS a TRANS X, cuja assinatura do e-mail é feita por endereços eletrônicos contendo dados de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e NELSON LUIZ SESTI;

4- Em e-mail colacionado aos autos há registro de encaminhamento de mensagem com o título: “Carta de esclarecimentos NLS”. Tal correspondência eletrônica foi encaminhada por MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES para VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, que por sua vez a reencaminhou para GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO. Tal carta de esclarecimentos, “assinada” por NELSON LUIZ SESTI, sócio da NLS, tem como finalidade tentar desbloquear a conta de FRÓES JUNIOR no banco PLURAL, bloqueada por conta do depósito de valores de origem ilícita feitas nas contas da NLS e transferidos em seguida para as contas de FROES JÚNIOR, para operações de câmbio;

(...)

7- Em e-mail colacionado aos autos há o registro de mensagem eletrônica em que FRÓES JUNIOR aponta VINICIUS ZAMPIERI MARINHO como prestador de serviços para a NLS, no qual discorre a advogados o imbróglio envolvendo o bloqueio de sua conta bancária no Banco PLURAL, por conta do recebimento de valores de origem ilícita;

8- Conforme consta nos autos há diversos registros de que as contas bancárias da NLS foram acessadas, quando de transferências bancárias das contas dessa, para terceiros, por IPs, vinculados a VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES e GUSTAVO CHAIUB GORAB e/ou pessoas e/ou empresas ligadas a esses.

(...)

 

1.6.7 Pessoas identificadas como responsáveis pelo funcionamento da empresa.

(...)

b) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO. Sócio da empresa investigada ZM e outras. São evidências nesse sentido:

- VINICIUS foi destinatário e/ou remetente de diversas mensagens de e-mail, que indiciam fortemente ter esse um papel de destaque na gestão das empresas NLS e TRANS X, em que pese esse não ter nenhum tipo de relacionamento formal sabido com essas empresas;

- Dentre esses atos de gestão, destaca-se a nota de esclarecimento subscrita NELSON, sócio “laranja” da NLS, e encaminhada para as instituições financeiras, com fito de desbloquear as contas de FRÓES JÚNIOR, alvo de bloqueio pelo recebimento de valores das contas da NLS, oriundos de fraude bancária;

- FRÓES JÚNIOR aponta VINÍCIUS como prestador se serviços para a NLS;

- Sócio formal e/ou oculto de diversas empresas do grupo econômico ora investigado;

- Há nos autos há o registro de encaminhamento de mensagem que denota a transação de criptoativos envolvendo a empresa sucessora da NLS a TRANS X, cuja assinatura do e-mail é feita por endereços eletrônicos contendo dados de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e NELSON LUIZ SESTI;

- Há registro nos autos de negociação de criptoativos com a Exchange Mercado Bitcoin, em nome das empresas NLS GESTÃO EMPRESARIAL, bem como sua aparente sucessora TRANS X, além de LIBERATO COMÉRCIO, TRANSPORTE E SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO EIRELI feitos por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO;

- De IPs registrado em nome de VINICIUS foram feitas transações bancárias nas contas da NLS;

(...)

 

1.7 ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI, CNPJ 32.854.871/0001-69216.

Diferentemente das demais empresas destacadas até então, que tinham seu relacionamento quase que exclusivamente com JOSE EDUARDO FROES JUNIOR, enquanto pessoa física, a ZM CONSULTORIA, constituída por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, operador de fato da NLS e da TRANS X, tem seu relacionamento com a empresa OWS BRASIL INTERMEDIACAO LTDA. Tal empresa tem como sócios a empresa ONE WORD SERVICES LLC – pessoa jurídica de direito privado norte-americana, CNPJ 32.251.446/0001-85, com 99% do capital social no valor de R$ 1.999.999,00, e ADRIANO FRÓES, CPF 446.618.978-11 – irmão de Jose Eduardo Froes Júnior – com 1% do capital social no valor de R$ 1,00 e formalmente responsável pela administração da empresa, cujo JOSE EDUARDO FROES JÚNIOR é proprietário da ONE WORD SERVICES LLC.

Na linha temporal das transações financeiras analisadas é possível notar que em um dado momento, em especial a partir de março de 2020, que as transações financeiras entre a ZM CONSULTORIA e a OWS BRASIL diminuem consideravelmente, o qual coincide com o aumento exponencial das operações de câmbio feitas pela ZM. O que denota que VINICIUS ZAMBIERI passou a aturar no mercado de criptoativos no mesmo papel que até então era desempenhado por FROES JUNIOR e suas empresas. No entanto, o que não mudou, como se verá, foi a origem dos valores transacionados. Os quais tem fortes índicos de terem as suas origens ligadas a atividades ilícitas diversas, mantendo, outrossim, ainda mais azeitada as engrenagens de lavagem de capitais através da aquisição de criptoativos.

(...)

 

Diferentemente das demais empresas que compõe o “grupo econômico” ora investigado, que tem fortes características de funcionarem como empresas de “fachada”, em especial a NLS e a TRANS X, a ZM CONSULTORIA funciona de fato. Porém, sem o atendimento de normas básicas de conformidade (Compliance) e de KYC (Conheça Seu Cliente), como ações de prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

À exemplo das demais empresas supracitadas a ZM CONSULTORIA: 1- Não possui registros de emissão de Notas Fiscais compatíveis com a movimentação bancária levantada; 2- Tem como característica em suas movimentações bancárias o recebimento cifras milionárias de origens diversas, pessoas físicas e jurídicas, destacando-se entre essas empresas ligadas a pessoas com envolvimento com o tráfico de drogas e a remessa de valores para o exterior através da importação fraudulenta de bens (...). 3- O principal destino dos valores depositados nas contas da empresa é realização de operações de câmbio para a aquisição de criptoativos no exterior; 4- Em pesquisas em sítios da internet não foi possível verificar indícios de funcionamento de fato e/ou lícito das empresas acima destacadas, que justificassem os valores milionários depositados nas contas da empresa.

(...)

Nesse passo, entre Julho/2019 e Novembro/2019 a ZM CONSULTORIA depositou nas contas da OWS BRASIL R$ 70.331.357,85 em 210 transações. Da mesma forma como FRÓES JÚNIOR fazia, os valores depositados pela ZM para a OWS BRASIL, foram utilizadas em operações de câmbio, as quais, no período em questão somaram mais de R$ 1 Bilhão de reais.

Analisando os dados fiscais, verificou-se que a ZM declarou ao fisco que comprou R$ 59.487.062,19 em criptoativos da OWS BRASIL. O que não confere com o bancário, no qual a ZM depositou para a OWS BRASIL mais de R$ 70 milhões de reais. Outro fato intrigante e que merece ser melhor esclarecido, reside em um deposito de R$ 1.521.774,27239, realizado em três transferências. Diz-se isso, por que não foram encontradas declarações de venda de criptoativos pela ZM CONSULTORIA para OWS BRASIL.

Após esse período, a ZM CONSULTORIA passou a operar no mercado de arbitragem. A partir de então, ao que parece, ciceroneado por FRÓES JÚNIOR, VINICIUS ZAMPIERI passou a operar fortemente na realização de operações de câmbio.

(...)

 

1.7.6 Informações Telemáticas.

As informações telemáticas obtidas permitiram o preenchimento de algumas lacunas que ficaram no tocante a análise telemática da empresa NLS GESTAO EMPRESARIAL EIRELI, administrada de fato por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, e como tal devem ser compreendidas de forma complementar àquelas.

(...)

No material analisado foram encontradas planilhas de controle de valores que denotam que VINICIUS ZAMPIERI MARINHO faz a gestão contábil da empresa NLS.

Nessas, é possível observar saldo de valores pagos, recebidos, referências a bancos, bem como o número de criptoativos entregues a possíveis clientes. Além das referências a NLS, é possível observar abreviações referentes a outras empresas como: ART CX – Possivelmente ART VITRO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, CNPJ 11.962.419/0001-40 e SJ, de SJ INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS EIRELI259, CNPJ 30.085.143/0001-04, já citadas anteriormente.

No caso da SJ chama a atenção as referências a palavra “DINHEIRO”. Os indícios levantados apontam para o possível recebimento de valores em espécie por parte de VINICIUS ZAMPIERI, já que alguns registros de valores citados em tais planilhas foram encontrados nos registros bancários da NLS.

(...)

 

1.7.7 Pessoas identificadas como responsáveis pelo funcionamento da empresa e/ou com relacionamento com essa.

a) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO. Sócio da empresa investigada ZM e outras. São evidências nesse sentido:

- VINICIUS foi destinatário e/ou remetente de diversas mensagens de e-mail, que indiciam fortemente ter esse um papel de destaque na gestão das empresas NLS e TRANS X, em que pese esse não ter nenhum tipo de relacionamento formal sabido com essas empresas;

- Dentre esses atos de gestão, destaca-se a nota de esclarecimento subscrita NELSON, sócio “laranja” da NLS, e encaminhada para as instituições financeiras, com fito de desbloquear as contas de FRÓES JÚNIOR, alvo de bloqueio pelo recebimento de valores das contas da NLS, oriundos de fraude bancária;

- FRÓES JÚNIOR aponta VINÍCIUS como prestador se serviços para a NLS;

- Sócio formal e/ou oculto de diversas empresas do grupo econômico ora investigado;

- Há nos autos o registro de encaminhamento de mensagem que denota a transação de criptoativos envolvendo a empresa sucessora da NLS a TRANS X, cuja assinatura do e-mail é feita por endereços eletrônicos contendo dados de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e NELSON LUIZ SESTI;

- Há registro nos autos de negociação de criptoativos com a Exchange Mercado Bitcoin, em nome das empresas NLS GESTÃO EMPRESARIAL, bem como sua aparente sucessora TRANS X, além de LIBERATO COMÉRCIO, TRANSPORTE E SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO EIRELI feitos por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO

- De IPs registrado em nome de VINICIUS foram feitas transações bancárias nas contas da NLS;

- Não aplicou de forma deliberada nenhum tipo de norma de compliance com fito de prevenção a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo.

(...)

 

2. CONCLUSÃO DOS FATOS APURADOS.

Uma das hipóteses criminais sustentadas na presente investigação é a de que com o avanço de diversas investigações realizadas no país ao longo dos últimos anos visando coibir a atividade de “doleiros” ilegais, um novo método, mais sofisticado e menos burocrático, foi desenvolvido e aperfeiçoado, com fito de permitir a continuidade das atividades ilícitas praticadas por aqueles. Diz-se menos burocrático por exigir uma menor quantidade de documentos a serem apresentados, para conferir às transações bancárias realizadas aspectos de legalidade. E mais sofisticado, por envolver a aquisição de criptoativos, cuja rastreabilidade, em tese, é mais difícil e a sua conversão em ativos lícitos mais facilitada.

Do exposto, verifica-se que JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR e os demais investigados montaram um grande esquema de remessa de valores para fora do país via sistema bancário formal e de revenda de criptomoedas em território nacional sem obediência mínima as regras de KYC e AML. Os recursos transacionados são oriundos de pessoas físicas e jurídicas: 1- Sem lastro financeiro e econômico que faça frente as vultosas quantias que transitam por suas contas bancárias; 2- Sem atividade econômica legal estabelecida, indiciando funcionamento de fachada; 3- Com fortes antecedentes criminais em crimes de competência da Justiça Federal; e 4- Sem documentação fiscal e/ou de outra natureza que indicie a que título essas transações ocorreram. Esses recursos são recepcionados nas contas bancárias registradas em nome dos integrantes do GRUPO FROES e dos demais investigados, donde, via operações de câmbio declarada as autoridades competentes, mas lastreadas em documentação suporte inidôneas, são remetidos ilegalmente para fora do país.

Nessa toada, acredita-se fortemente que os criptoativos adquiridos e/ou parte dos valores remetidos para o exterior, sejam utilizados para pagamentos de fornecedores estrangeiros às margens do sistema legal de remessa de divisas, não se descartando a utilização de sofisticada engenharia financeira para compra, venda, remessa e disponibilização de criptoativos e/ou de valores para aquisição de bens ou serviços em outros países.

Atualmente diversas organizações criminosas veem se utilizando dessas ferramentas, conforme demonstrado ao longo dessa peça, para mascarar o envio/recebimento de recursos ilícitos dado seu caráter anônimo. Após o envio dos recursos para fora do país e/ou a sua conversão em criptomoedas, perde-se o rastro desses em aparente tentativa de dificultar o controle das transações e seus envolvidos, favorecendo, outrossim, práticas de lavagem de dinheiro.

Dessa forma é necessário avançar sobre a estrutura organizacional montada pelos investigados. Para tanto, é imperioso a colheita in loco de novas evidências que corroborem as informações já acostadas aos autos. Pois, segundo os indícios de provas levantados, em especial aqueles registrados de forma pormenorizada ao longo do presente encadernado, provavelmente a conversão de moeda fiduciária em criptomoedas tem como finalidade ocultar a origem e o destino de valores oriundos de atividades ilícitas, apagando-se os seus rastros e garantindo-se, assim, o gozo e uso fruto de recursos oriundos de práticas criminosas, com o tráfico internacional de drogas e armas (Id 273672249 – fls. 08/333).

 

Posto isso, extrai-se da fundamentação da decisão do juízo singular:

Trata-se de representação da autoridade policial pela decretação do sequestro, no montante de R$ 1.181.653.410,00, de bens e valores de pessoas investigadas nos autos 5006634-85.2020.403.6181, e de empresas a elas relacionadas, pela suposta prática dos crimes de organização criminosa, lavagem de capitais e evasão de divisas.

Segundo a autoridade policial, JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR e os demais investigados, entre os anos de 2017 e 2021, supostamente teriam estruturado um grande esquema de remessa de valores ao exterior via sistema bancário formal e de revenda de criptomoedas em território nacional sem obediência às regras de compliance, Know Your Client (KYC) e Anti-Money Laundering (AML). Os valores remetidos ao exterior seriam em tese oriundos de pessoas físicas e jurídicas sem lastro financeiro, sem atividade econômica e sem documentação fiscal e/ou de outra natureza que indique a que título tais transações ocorreram.

Além disso, parte dos valores movimentados pela organização em tese criminosa teriam sido enviados ao exterior mediante apresentação de justificativa falsa quanto à natureza das operações realizadas e lastreadas em documentação de suporte inidônea. Ademais, parte considerável dos valores supostamente teria origem ilícita, bem como teriam sido utilizadas empresas de “fachada” para o fluxo de tais recursos até a sua conversão em criptomoedas, com o escopo, em tese, de ocultar a origem e o destino dos valores.

(...)

As investigações tiveram início com comunicação realizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), por meio da qual encaminhou o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) nº 43.719.

A partir do mencionado relatório, a autoridade policial encetou investigações obtendo elementos indicativos de que um grupo de pessoas seria supostamente recebedora de valores em operações suspeitas de caracterizarem atividades ilícitas.

Constam dos autos indícios de que grande parte dos valores recebidos seria supostamente oriunda de contas bancárias de empresas de “fachada”, registradas em nome de pessoas em tese sem capacidade econômica e técnica para geri-las. Essas empresas possivelmente seriam constituídas apenas para servirem de contas de passagem, para a circulação de valores obtidos provavelmente de forma ilícita.

Dessa forma, não só dificultar-se-ia o rastreamento da origem de tais valores, como também a identificação de seus reais destinatários.

Também constam das investigações elementos indicativos de que, logo após os depósitos realizados nas contas em nome das empresas supostamente de “fachada”, esses valores seriam transferidos para contas intermediárias e, em seguida, para contas titularizadas por JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR ou por empresas por ele controladas e, por fim, seriam objeto de operações de câmbio sendo supostamente remetidos, principalmente, aos EUA para a aquisição de criptomoedas.

Constam ainda dos autos indícios de que a remessa de valores para o exterior supostamente ocorreria por meio de operações de câmbio realizadas à revelia das normas impostas pelo Banco Central, por estarem lastreadas em documentação em tese inidônea.

Demonstrada a presença de prova de materialidade, deve ser avaliada a presença de indícios suficientes de autoria.

A autoridade policial divide os investigados em cinco grupos distintos de acordo com o suposto líder da atividade, bem como de características específicas de cada um deles. Nesta decisão será adotada a mesma divisão.

(...)

2-) GRUPO II

Segundo a autoridade policial, este grupo é formado por empresas com fortes indícios de terem apenas um funcionamento de “fachada”, cujas contas bancárias teriam sido utilizadas para o recebimento de valores de origens diversas, com fortes indícios de terem origens em crimes antecedentes.

Neste grupo a empresa ZM CONSULTORIA E GESTÃO EIRELI seria peça central, em torno da qual orbitariam todas as demais empresas.

 

2.a-) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO

Segundo a autoridade policial, seria o responsável de fato pelo funcionamento das empresas pertencentes ao Grupo II, empresas essas que supostamente estariam registradas em nome de “laranjas” e seriam meramente de “fachada”, utilizadas apenas para movimentação de valores oriundos em tese de crimes antecedentes.

VINICIUS ZAMPIERI MARINHO é sócio das seguintes empresas: ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI, IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, SPADA E MARINHO GESTAO E TECNOLOGIA LTDA e SZC SERVICOS DIGITAIS LTDA, sendo que as duas últimas constam como baixadas (fl. 33 do ID 247714815).

Consta do Item 1.1 do RIF nº 66.855 que as pessoas jurídicas SPADA E MARINHO GESTÃO E TECNOLOGIA LTDA, SZC SERVICOS DIGITAIS LTDA, OPS NETWORK IMPORTACAO E EXPORTACAO, COMERCIO E SERVICOS DE TELECOM LTDA, NLS GESTAO EMPRESARIAL EIRELI, MTM CONSULTORIA E GESTAO EIRELI, LIBERATO COMERCIO E TRANSPORTE DE MATERIAL DE RECICLAGEM DE SUCATA – EIRELI, ART VITRO IMPORTACAO E EXPORTACAO E COMERCIO DE PASTILHAS E REVESTIMENTOS LTDA e COMERCIAL IMPORTADORA EXPORTADORA ELETROELETRONICOS LTDA juntas transacionaram R$ 61.134.208,00 (sessenta e um milhões cento e trinta e quatro mil duzentos e oito reais) entre 04.10.2018 e 04.12.2018 para compra de criptomoedas na MODIAX, corretora de criptomoedas. VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi quem realizou todas as intermediações e tratativas com a MODIAX para os depósitos e saques dos valores para as compras de criptomoedas. O motivo que levou à comunicação foi que, além dos valores transacionados serem maiores do que o patrimônio líquido das empresas listadas, quando solicitados informações e documentos das empresas, VINICIUS não respondeu e nem enviou os documentos (fl. 130 do ID 247715653).

Há indícios de que, juntamente com os investigados MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES, GUSTAVO CHAIBUB GORAB e GUILHERME BAINCIOTTO DO NASCIMENTO, VINICIUS ZAMPIERI MARINHO seja o responsável de fato pela NLS GESTÃO EMPRESARIAL, empresa que, como se verá em tópico próprio (tópico 2.e), aparenta ser meramente de “fachada” sendo suas contas bancárias supostamente utilizadas como contas de passagem para recebimento de valores em tese oriundos de crimes e posterior remessa para contas de terceiros, dentre eles, JOSÉ EDUARDO FROES JÚNIOR.

Com efeito, consulta aos dados obtidos em decorrência do afastamento de sigilo telemático demonstra que a NLS GESTÃO EMPRESARIAL negociou a compra/venda de criptoativos com a empresa Mercado Bitcoin. O fato que merece destaque são os destinatários da mensagem em que é tratada outorga de procuração: vinizampa@gmail.com e gbnadvsp@gmail.com. Levantamento realizado pela autoridade policial indica que os endereços de e-mail pertencem, respectivamente, a VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO (fl. 47 do ID 247714815).

Além disso, há mensagem do Diretor de Operações da empresa SP CERTIFICADOS para e-mail supostamente pertencente a NELSON LUIS SESTI (sestinsesti@gmail.com). Entretanto, a mensagem foi encaminhada por GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO a MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES. A mensagem encaminhada contém como anexo Nota Fiscal emitida em 28.11.2018, por SPADA E MARINHO GESTÃO E TECNOLOGIA LTDA, empresa da qual VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi sócio (fls. 50/51 do ID 247714815).

Consta também dos autos o RIF nº 54.403 que trata de transação ocorrida em março/2019 entre os Bancos Santander e Plural, no qual aquele informou que a empresa PAG SEGUROS INTERNET teria sofrido fraude em sua conta com suposta remessa de TEDs não autorizadas. O Banco Santander informou que parte dos valores considerados pela PAG SEGUROS como remessas indevidas teria sido destinada à empresa NLS GESTÃO EMPRESARIAL sendo enviada posteriormente para conta de titularidade de JOSÉ EDUARDO FROES JUNIOR (fls. 112/115 do ID 247710674). Como consequência, foi elaborada carta, supostamente assinada por NELSON LUIZ SESTI, explicando o ocorrido. Entretanto, o envio da carta parte do e-mail de MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES para VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, que então o encaminha para GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO (fls. 57/60 do ID 247714815).

Há ainda diversos registros de que as contas bancárias da NLS GESTÃO EMPRESARIAL foram acessadas por IPs vinculados a VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES e GUSTAVO CHAIUB GORAB e pessoas ou empresas ligadas a esses, quando de transferências bancárias das contas dessa para terceiros (fls. 20/31 do ID 247714815).

Além disso, a autoridade policial localizou e-mail com mensagem eletrônica em que JOSÉ EDUARDO FRÓES JUNIOR aponta VINICIUS ZAMPIERI MARINHO como prestador de serviços para a NLS GESTÃO EMPRESARIAL, no qual discorre a advogados o acontecido envolvendo o bloqueio de sua conta bancária no Banco Plural em decorrência do recebimento de valores de origem em tese ilícita (fl. 64 do ID 247714815).

Conforme será analisado mais detidamente em tópico próprio, há indícios de que a NLS GESTÃO EMPRESARIAL movimentou valores oriundos em tese de tráfico internacional de drogas uma vez que transacionou, dentre outras empresas, com GLOBAL INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS EIRELI e SJ REPRESENTAÇÃO COMERCIAL, sendo que ambas são investigadas na “Operação REKT” da Polícia Federal, que apura crimes de tráfico internacional de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro envolvendo operações com criptomoedas (fls. 108/109 do ID 247709273).

Assim, há indícios de que VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, além de sócio formal das empresas investigadas ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI e IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, juntamente com os investigados MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES, GUSTAVO CHAIBUB GORAB e GUILHERME BAINCIOTTO DO NASCIMENTO, seria o responsável de fato pela NLS GESTÃO EMPRESARIAL, empresa que teria funcionamento apenas de “fachada” e supostamente seria utilizada para a movimentação de valores de origem em tese ilícita e para a prática de atos de lavagem de capitais, a fim de ocultar e dissimular sua origem e destino.

(...)

Dessa forma, diante da presença de indícios de que VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES, GUSTAVO CHAIBUB GORAB, GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO, NELSON LUIS SESTI, ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI, TRANS X SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO E FINANCEIROS EIRELI, IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, LIBERATO COMERCIO E TRANSPORTE DE MATERIAL DE RECICLAGEM DE SUCATA – EIRELI, RED RABBIT SOLUCOES EMPRESARIAIS EIRELI, HEALTH CARE SOLUCOES LTDA, ROZANE CRISTINA C INDART CLÍNICA (nome atual BITINVEST INTERMEDIACOES DE NEGOCIOS EIRELI) e GUERREROS – EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS DIGITAIS EIRELI supostamente foram responsáveis pela movimentação de valores oriundos de crimes antecedentes, como tráfico internacional de drogas, em tese praticando atos típicos de lavagem de capitais, visando a ocultar e dissimular sua origem e destino, determino o sequestro de bens e valores mantidas em contas bancárias de sua titularidade.

Quanto ao valor a ser sequestrado, utiliza a autoridade policial como base para cálculo a quantia que teria sido objeto de evasão de divisas por meio de contas controladas pelo GRUPO FROES.

Entretanto, não vislumbro atividade conjunta entre todos os grupos trazidos pela autoridade policial. Consequentemente, não é possível a decretação do sequestro com base em um montante único global, devendo ser individualizado o valor em relação ao qual cada grupo teria sido supostamente responsável.

Com relação ao presente grupo, consta dos autos que a autoridade policial identificou que teria enviado ao cerca de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões quatrocentos e vinte e três mil setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos), sendo esse o valor a ser sequestrado.

(...)

Com fundamento no artigo 91, caput e §§ 1° e 2° do Código Penal, artigo 4º, da Lei 9.613/96 e artigos 125 e 132 do Código de Processo Penal, DEFIRO a medida de sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões quatrocentos e vinte e três mil setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos) das seguintes pessoas físicas e jurídicas: (i) VINICIUS ZAMPIERI MARINHO (CPF 431.275.278-88); (ii) MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES (CPF 14930614880); (iii) GUSTAVO CHAIBUB GORAB (CPF 438.855.178-33); (iv) GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO (CPF 39827897888); (v) NELSON LUIS SESTI (CPF 532.486.608-30); (vi) ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI (CNPJ 32.854.871/0001-69); (vii) TRANS X SERVIÇOS DE APOIO ADMINISTRATIVO E FINANCEIROS EIRELI (CNPJ 34.639.704/0001-20); (viii) IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA (CNPJ 34.178.181/0001-62); (ix) LIBERATO COMERCIO E TRANSPORTE DE MATERIAL DE RECICLAGEM DE SUCATA – EIRELI (CNPJ 19.183.773/0001-89); (x) RED RABBIT SOLUCOES EMPRESARIAIS EIRELI (CNPJ 38.028.974/0001- 56); (xi) HEALTH CARE SOLUCOES LTDA (CNPJ 38.220.672/0001-85); (xii) ROZANE CRISTINA C INDART CLÍNICA (nome atual BITINVEST INTERMEDIACOES DE NEGOCIOS EIRELI - CNPJ 26.476.182/0001-65); (xiii) GUERREROS – EMPREENDIMENTOS E SERVIÇOS DIGITAIS EIRELI (CNPJ 32.881.162/0001-72) (Id 273672246 – fls. 03/107).

 

VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, então, formulou ao juízo singular pedido de liberação mensal da quantia de cinquenta salários mínimos a partir da conta corrente 001363356, Agência 0001, no Banco BTG Pactual, ao argumento de que tal montante seria necessário para a “manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno do peticionário” (Id 273672129 – fl. 04), pois seria necessário para garantir sua subsistência, assim como a de sua genitora, bem como porque, em razão de liminar concedida no âmbito do Habeas Corpus n° 5026049-02.2022.4.03.0000, estaria proibido de exercer sua atividade profissional – “proibição de acessar quaisquer plataformas digitais para movimentação, transferência ou aquisição de criptomoedas, inclusive ‘blockchains’ já existentes em seu nome ou de terceiros, em qualquer dispositivo de informática” e “suspensão das atividades econômicas, com o bloqueio de seu acesso a quaisquer espécies de criptoativos” (Id 273672129 – fl. 07).

Juntou diversos documentos relativos a suas despesas pessoais (contas de telefone, de energia elétrica, do “Sem Parar”, de plano de saúde, de condomínio), assim como às de sua genitora (fatura do cartão de crédito, boleto de condomínio, contas de energia elétrica, gás e telefone, contribuição do INSS e boleto do plano de saúde) e certidão de óbito do genitor (Ids 273672233, 273672234, 273672236).

O pedido, entretanto, foi indeferido pelo magistrado singular, que argumentou:

 Segundo consta dos autos 5002320-28.2020.403.6181, VINICIUS ZAMPIERI MARINHO é sócio das seguintes empresas: ZM CONSULTORIA E GESTAO- EIRELI, IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA, SPADA E MARINHO GESTAO E TECNOLOGIA LTDA e SZC SERVICOS DIGITAIS LTDA, sendo que as duas últimas constam como baixadas.

Além dessas empresas das quais é formalmente sócio, constam dos autos elementos indicativos de que também seria o responsável de fato VINICIUS ZAMPIERI MARINHO por diversas outras empresas, algumas delas com aparente funcionamento apenas de “fachada”.

De fato, consta do Item 1.1 do RIF nº 66.855 que as pessoas jurídicas SPADA E MARINHO GESTÃO E TECNOLOGIA LTDA, SZC SERVICOS DIGITAIS LTDA, OPS NETWORK IMPORTACAO E EXPORTACAO, COMERCIO E SERVICOS DE TELECOM LTDA, NLS GESTAO EMPRESARIAL EIRELI, MTM CONSULTORIA E GESTAO EIRELI, LIBERATO COMERCIO E TRANSPORTE DE MATERIAL DE RECICLAGEM DE SUCATA – EIRELI, ART VITRO IMPORTACAO E EXPORTACAO E COMERCIO DE PASTILHAS E REVESTIMENTOS LTDA e COMERCIAL IMPORTADORA EXPORTADORA ELETROELETRONICOS LTDA juntas transacionaram R$ 61.134.208,00 (sessenta e um milhões cento e trinta e quatro mil duzentos e oito reais) entre 04.10.2018 e 04.12.2018 para compra de criptomoedas na MODIAX. VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi quem realizou todas as intermediações e tratativas com a MODIAX para os depósitos e saques dos valores para as compras de criptomoedas. O motivo que levou à comunicação foi que, além dos valores transacionados serem maiores do que o patrimônio líquido das empresas listadas, quando solicitados informações e documentos das empresas, VINICIUS não respondeu e nem enviou os documentos.

Além disso, há indícios de que, juntamente com os investigados MARCELO ANDRE TORELLI MARQUES, GUSTAVO CHAIBUB GORAB e GUILHERME BAINCIOTTO DO NASCIMENTO, VINICIUS ZAMPIERI MARINHO seja o responsável de fato pela NLS GESTÃO EMPRESARIAL, empresa que aparenta ter sido meramente de “fachada”.

Conforme consta da decisão proferida nos autos nº 5002320-28.2020.403.6181 que determinou o sequestro de bens do requerente, a NLS GESTAO EMPRESARIAL recebeu em suas contas bancárias milhões de reais de origens diversas, tendo parte origem em empresas ligadas a pessoas supostamente envolvidas com a prática de crimes, inclusive tráfico de drogas.

Consta também dos autos nº 5002320-28.2020.403.6181 o Relatório de Inteligência Financeira nº 54.403 que trata de transação ocorrida em março/2019 entre os Bancos Santander e Plural, no qual aquele informou que a empresa PAG SEGUROS INTERNET teria sofrido fraude em sua conta com suposta remessa de TEDs não autorizadas. O Banco Santander informou que parte dos valores considerados pela PAG SEGUROS como remessas indevidas teria sido destinada à empresa NLS GESTÃO EMPRESARIAL sendo enviada posteriormente para conta de titularidade do investigado JOSÉ EDUARDO FROES. Como consequência, foi elaborada carta, supostamente assinada por NELSON LUIZ SESTI, explicando o ocorrido. Entretanto, o envio da carta parte do e-mail de MARCELO ANDRÉ TORELLI MARQUES para VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, que então o encaminha para GUILHERME BIANCIOTTO DO NASCIMENTO.

Além de supostamente ser o responsável de fato por empresas aparentemente de “fachada”, VINICIUS ZAMPIERI MARINHO é ainda formalmente sócio da IBBL BRASIL INTERMED SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA e da ZM CONSULTORIA E GESTAO EIRELI.

Destaco nesta decisão a ZM CONSULTORIA E GESTÃO, empresa que, segundo consta do RIF nº 43.179, foi reportada em comunicação de operação suspeita por ter apresentado movimentação de recursos incompatível e de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros.

Além disso, segundo apurou a autoridade policial nos autos nº 5002320-28.2020.403.6181, no período de 25.03.2020 a 19.04.2021, a ZM CONSULTORIA E GESTAO realizou 1.850 operações de câmbio, totalizando R$ 1.833.203.045,97 (um bilhão oitocentos e trinta e três milhões duzentos e três mil quarenta e cinco reais e noventa e sete centavos). Todos os valores foram encaminhados sob a natureza 67902 (aquisição de mercadorias entregues no exterior). Essas operações de câmbio foram realizadas pelas instituições financeiras TRAVELEX BANCO DE CÂMBIO S.A e HAITONG BANCO DE INVESTIMENTO DO BRASIL S.A e tiveram como principais destinos Cingapura, Hong Kong, Reino Unido e EUA, indicando que após remessa para o exterior os valores foram encaminhados para seus destinatários finais trazendo indícios da suposta prática do crime de evasão de divisas.

Ainda relativamente à negociação de criptoativos, após análise realizada nas informações bancárias, verificou a autoridade policial diferença de valores entre o que foi declarado à RFB e os que foram encontrados na mencionada análise bancária. Essa diferença entre os valores declarados à RFB e aqueles encontrados após o afastamento do sigilo bancário indicam que supostamente parte dos criptoativos vendidos pela ZM CONSULTORIA E GESTÃO não seria paga pelo efetivo comprador, mas por interposta pessoa.

A empresa é ainda mencionada no RIF nº 66.866 por suas contas terem recebido recurso principalmente por meio de TEDs e transferências intrabancárias, de valores expressivos, cujo vínculo negocial de terceiros com a empresa não foi possível a identificação.

Percebe-se, assim, que há indícios de utilização da ZM CONSULTORIA E GESTÃO EIRELI, empresa controlada por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, para suposta prática de atos de lavagem de valores em tese oriundos de tráfico de drogas dentre outros crimes, visando a ocultar e dissimular sua origem e destino. Com efeito, a empresa recebeu valores de empresas investigas pela polícia federal em operações voltadas à apuração do crime de tráfico internacional de drogas tendo destinado grande parte das quantias recebidas para aquisição de criptomoedas no exterior.

Vale ressaltar também que, conforme conta do RIF nº 66.866, o Banco Travelex realizou um alinhamento com a ZM CONSULTORIA E GESTAO para que a partir de 30.08.2021 não processasse mais operações de empresas consideradas suspeitas pela instituição financeira. Entretanto, já em 31.08.2021 teria havido uma burla ao procedimento pois foi constatado que houve entradas de recursos originados das empresas que foram bloqueadas e alinhado previamente com VINICIUS ZAMPIERI MARINHO sobre o não processamento de operações das mesmas.

A comunicação em destaque deixa claro que VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi advertido pela instituição financeira acerca dos indícios que pesavam sobre seus clientes, mas ainda assim continuou transacionando valores com empresas aparentemente de fachada e sem existência lícita sabida.

Ou seja, há indícios de que os valores sequestrados seriam produto ou proveito de crimes, inclusive tráfico de drogas, não havendo se falar em sua liberação para custeio dos gastos pessoais do requerente.

Assim, não é possível o levantamento do sequestro uma vez que os sobre valores que o requerente pretende usar para manutenção do seu padrão de vida têm provável origem ilícita.

Diante do exposto, INDEFIRO o pedido (Id 273672259 –fls. 01/03).

 

Em suas razões recursais, a defesa reitera, em síntese, que todo o patrimônio de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO foi bloqueado, o que o impede de exercer sua atividade econômica e prover sua própria subsistência, assim como a de sua genitora, que dele depende, medida que violaria os princípios da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Postula, assim, “a liberação mensal de 50 salários mínimos, a partir da conta corrente 001363356, Agência 0001, Banco BTG Pactual S.A. (Banco 208)”.

O pleito, contudo, não comporta provimento.

Com efeito, os elementos de convicção carreados aos autos denotam que VINICIUS ZAMPIERI MARINHO integra suposto esquema criminoso capitaneado por José Eduardo Froes Júnior e familiares deste, através do qual empresas de fachada, após receberem valores de origens ilícitas diversas –  tais como tráfico transnacional de drogas, contrabando e descaminho – transferiam tais valores para contas bancárias controladas pelo grupo familiar Froes Júnior, que então os remetia ao exterior em operações de câmbio para, na sequência, convertê-los em criptoativos, que eram então direcionados de volta ao solo nacional, sob o pretexto de realização de arbitragem (estratégia de investimentos que consiste na compra de criptoativos em determinado local para revenda em outro, com lucro).

Entre os indícios de ilicitudes podem ser mencionados a disparidade entre as justificativas para as operações de remessa de valores ao exterior conforme a instituição financeira responsável, pois ora era afirmado que tais quantias eram destinadas ao aumento de capital social da empresa ONE WORDL SERVICE LCC, sediada em Miami (o que inclusive resultou no registro de centenas de atas de redução e aumento do capital social da empresa de forma sucessiva, para dar suporte a tais operações de câmbio, sem que, entretanto, tais atas apresentassem números sequenciais, timbres ou qualquer outra formalidade que comprovasse que de fato foram apresentadas em arquivos oficiais de órgãos públicos dos EUA), ora que seriam usadas em arbitragem com criptoativos; transações de grande volume feitas por empresas de porte incompatível com os valores e sem comprovação de origem dos recursos, cujos sócios, ademais, também não disporiam de capacidade financeira para tanto; alta rotatividade dos proprietários formais de tais empresas, assim como coincidências de proprietários – alguns dos quais, aliás, titulares de benefícios assistenciais do governo federal –  e de endereços entre elas e, enfim, empresas sem funcionários registrados.

VINICIUS ZAMPIERI MARINHO lideraria o segundo grupo do esquema criminoso, constituído por empresas com fortes indícios de serem apenas de fachada e cujas contas bancárias teriam sido utilizadas para o recebimento de valores de origem ilícita, oriundos de crimes como tráfico internacional de drogas, evasão de divisas através de operações de câmbio lastreadas em informações fraudulentas, contrabando e descaminho. Constituem esse grupo, entre outras, as empresas NLS GESTÃO EMPRESARIAL EIRELI, da qual VINICIUS ZAMPIERI MARINHO seria administrador de fato, e ZM CONSULTORIA E GESTÃO EIRELI, da qual é sócio e que seria peça-chave do grupo.

Segundo a representação pela constrição de bens formulada pela Polícia Federal, a NLS GESTÃO EMPRESARIAL EIRELI não tem funcionários cadastrados e não possui registros de notas fiscais compatíveis com sua movimentação bancária, aí incluso o recebimento de milhões de reais de origens diversas, entre as quais de empresas ligadas a pessoas com envolvimento em tráfico de drogas e remessa de valores ao exterior através da importação fraudulenta de bens. Destacou-se no documento, além disso, que no endereço indicado como sede da empresa havia, na verdade, uma residência. Embora VINICIUS ZAMPIERI MARINHO não figure no quadro formal da empresa, foram encontrados, através de análise telemática, diversos e-mails que indicam que era o responsável de fato por sua gestão, alguns dos quais relacionados à transação de criptoativos. Em uma das mensagens, aliás, José Eduardo Froes Júnior o aponta como prestador de serviços para a NLS GESTÃO EMPRESARIAL EIRELI, e há registros de que as contas bancárias da empresa foram acessadas, por ocasião de transferências para terceiros, por IPs vinculados a VINICIUS ZAMPIERI MARINHO.

Quanto à ZM CONSULTORIA E GESTÃO EIRELI, foi constituída por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO e tem como sócios a empresa ONE WORLD SERVICES LCC e Adriano Froes, irmão de José Eduardo Froes Júnior. Inicialmente, realizava diversas transações com a empresa OWS BRASIL INTERMEDIAÇÃO LTDA., criada, segundo a descrição dos fatos elaborada pela Polícia Federal, para substituir parte dos envios de valores ao exterior, até então realizados diretamente por José Eduardo Froes Júnior, mas tais transações diminuíram consideravelmente a partir de março de 2020, o que coincidiu com aumento significativo das operações de câmbio feitas pela própria ZM CONSULTORIA E GESTÃO EIRELI, o que, segundo a autoridade policial, denota que “VINICIUS ZAMPIERI passou a atuar no mercado de criptoativos no mesmo papel que até então era desempenhado por FROES JUNIOR e suas empresas” (Id 273672249 – fl. 126).

Tem-se, portanto, indícios veementes do envolvimento de VINICIUS ZAMPIERI MARINHO no esquema criminoso em tela.

No que diz respeito à alegada necessidade de resguardo de um mínimo existencial digno, cumpre transcrever as bem lançadas considerações constantes das contrarrazões recursais:

Se não bastasse, o pleito do requerente, na forma como foi estruturado, beira o absurdo. Sustenta que o montante de 50 salários-mínimos seria o mínimo necessário para sua sobrevivência, mas apresenta uma planilha onde só deixa clara a vida nababesca que levava, como as despesas com alugueres no valor de mais de R$ 11.000,00 e gastos com alimentação e “coisas de casa” no montante de mais de R$ 6.000,00. Tais despesas, excessivas, em nada, absolutamente nada, tem relação com o mínimo que uma pessoa precisa para ter uma vida digna. Na verdade, aparentemente o requerente quer manter o padrão de vida que adquiriu com a prática espúria.

Ademais, a quantia apreendida ainda interessa ao processo (Id 275897559 – fl. 05).

 

Com efeito, embora sustente nas razões recursais que “comprovou, documentalmente, que os valores seriam destinados à subsistência própria e de sua genitora e destinados a adimplir gastos básicos (aluguel, condomínio, energia elétrica, água encanada, gás encanado, internet, telefonia móvel, pagamento de dívidas em aberto etc.” (Id 274647886), nos documentos que juntou aos autos por ocasião de seu requerimento inicial (Id 273672233 e seguintes), a única conta de valor significativo é a de condomínio relativa ao mês de setembro de 2022, no montante de R$ 5.832,95 (cinco mil, oitocentos e trinta e dois reais e noventa e cinco centavos) (Id  273672233), que, assim como o aluguel de R$ 11.145,14 (cujo pagamento sequer foi comprovado, pois nos documentos fornecidos não há nenhum a esse respeito), representa um padrão de vida muito superior a um mínimo existencial digno. Ainda na mesma tabela de gastos que integra a petição inicial (Id 273672129), pode ser mencionado, como gasto que representa muito mais do que o necessário para a manutenção da própria subsistência (as despesas de sua genitora, com as quais auxiliaria, estão em tabela distinta), o item “Gastos Casa (alimentação e diaristas e coisas para casa)”, no valor de R$ 6.765,00 (seis mil, setecentos e sessenta e cinco reais).

Deve, por conseguinte, ser negado provimento ao pleito.

 

CONCLUSÃO

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação interposta por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, para determinar a manutenção do sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos, imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos).



E M E N T A

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. ARTS. 118 E 120, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INVESTIGAÇÃO RELACIONADA À SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE EXERCÍCIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO, ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CÂMBIO, EVASÃO DE DIVISAS, LAVAGEM DE VALORES, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ARTS. 16, 21 E 22 DA LEI N° 7.492/1986, ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998 E ARTS. 288 E 299 DO CÓDIGO PENAL. INDÍCIOS CONTUNDENTES DE ENVOLVIMENTO NO ESQUEMA DELITIVO APURADO. VALOR CUJA LIBERAÇÃO É PLEITEADA QUE SE AFIGURA MUITO SUPERIOR AO NECESSÁRIO À MANUTENÇÃO DE UM PADRÃO DIGNO DE VIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

- Os elementos de convicção carreados aos autos denotam que o Apelante integra suposto esquema criminoso, através do qual empresas de fachada, após receberem valores de origens ilícitas diversas –  tais como tráfico transnacional de drogas, contrabando e descaminho – transferiam tais valores para contas bancárias controladas por um grupo familiar, que então os remetia ao exterior em operações de câmbio para, na sequência, convertê-los em criptoativos, que eram então direcionados de volta ao solo nacional, sob o pretexto de realização de arbitragem (estratégia de investimentos que consiste na compra de criptoativos em determinado local para revenda em outro, com lucro).

- A quantia de cinquenta salários mínimos mensais, cuja liberação o Apelante pretende sob o pretexto de que se afigura necessária à manutenção de um mínimo existencial digno, em muito supera o necessário para tanto e revela, apenas, o intento de manter o luxuoso padrão de vida obtido, ao que tudo indica, com a prática espúria.

- Apelação interposta por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO desprovida, para determinar a manutenção do sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos, imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos).


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à Apelação interposta por VINICIUS ZAMPIERI MARINHO, para determinar a manutenção do sequestro de valores em contas bancárias, criptoativos, imóveis e veículos até o montante de R$ 101.423.755,20 (cento e um milhões, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e cinquenta e cinco reais e vinte centavos), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.