Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001317-20.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogado do(a) APELANTE: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A
Advogados do(a) APELANTE: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A

APELADO: RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

Advogados do(a) APELADO: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogados do(a) APELADO: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A
Advogado do(a) APELADO: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001317-20.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogado do(a) APELANTE: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A
Advogados do(a) APELANTE: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A

APELADO: RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Advogados do(a) APELADO: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogados do(a) APELADO: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A
Advogado do(a) APELADO: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelações Criminais originadas de ação penal intentada conjuntamente pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul em face de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, vulgo RAFHAEL PARDAL, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK.

 

Recebida em 18.11.2019 (ID 256435531) a denúncia narra que (ID 256435530):

 

01. DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM A PARTICIPAÇÃO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO (ART. 2º DA LEI N. 12.850/13) E DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

 

Entre período anterior, mas próximo, ao dia 22.02.17 e o dia 04.09.18 no Município de Dourados/MS, os denunciados RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, ambos na posição de comando, RONALDO GONZALES MENEZES, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, constituíram e integraram, pessoalmente, organização criminosa, com a participação de funcionários públicos da Secretaria Municipal de Saúde e da FUNSAUD, ambas de Dourados-MS, para o fim específico de:

(i) fraudarem, mediante a utilização dos dados cadastrais de empresa (MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA-ME), que ainda não estava em efetivo funcionamento, e inclusive com o uso de documentos particulares com declarações ideologicamente falsas, a Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo de Licitação n. 022/2017) e o Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017);

(ii) afastarem, do Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017), licitante (a Panificadora e Restaurante Avenida Ltda.), por meio do oferecimento de vantagem; e

(iii) desviarem recursos financeiros da FUNSAUD, oriundos da Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo Administrativo n. 022/2017) e do Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017), em proveito próprio.

 

Conforme será demonstrado, à época do fatos, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, secretário de saúde do Município de Dourados-MS, e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, diretor financeiro da Secretaria de Saúde de Dourados-MS, constituíram, juntamente e com o auxílio de RONALDO GONZALES MENEZES, “laranja” da pessoa jurídica MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA-ME, de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, gerente administrativa da FUNSAUD, em Dourados-MS, e de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, servidora do núcleo de contabilidade da Secretaria de Saúde de Dourados-MS, organização criminosa com a finalidade de fraudarem processo licitatório, afastarem licitante e, ato contínuo, desviarem recursos financeiros, oriundos de tal contratação.

 

Destaca-se, desde logo, que a dotação orçamentária utilizada na contratação da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME inclui recursos públicos do bloco da “Atenção de Média e Alta Compl. Amb. e Hosp. Urgência e Emergência”, o qual é financiado com recursos públicos federais (Portaria de Consolidação n.º 6/17, art. 173). Em consulta ao site do Fundo Nacional de Saúde (FNS), aliás, observa-se que, só no ano de 2018, o FNS transferiu ao Fundo Municipal de Saúde de Dourados, para o bloco de financiamento da “Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar”, o valor líquido de R$ 24.989.888,39 (vinte e quatro milhões, novecentos e oitenta e nove mil, oitocentos e oitenta e oito reais e trinta e nove centavos).

 

02. DOS CRIMES DE FRAUDE À LICITAÇÃO COMETIDOS POR OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO E FUNÇÃO DE CONFIANÇA (ART. 93 C/C ART. 84, §2º DA LEI N. 8666/93).

 

No período compreendido entre os dias 10.03.17 e 14.03.17, no Município de Dourados, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RONALDO GONZALES MENEZES, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, fraudaram a Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo de Licitação n. 022/2017), mediante a utilização dos dados cadastrais do registro no CNPJ de empresa que, de fato, ainda não estava em efetivo funcionamento.

 

Ademais, no período compreendido entre os dias 27.03.2017 e 31.03.2017, no Município de Dourados, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RONALDO GONZALES MENEZES, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, também fraudaram o Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017), mediante a utilização dos dados cadastrais do registro no CNPJ de empresa que ainda não estava em efetivo funcionamento, inclusive com o uso de documentos particulares com declarações ideologicamente falsas (atestado da empresa Território do Couro Ind. Com. e Exportação Ltda. e atestado da empresa Miragem Segurança Ltda.-ME).

 

No ano de 2017, a FUNSAUD realizou a Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo de Licitação n. 022/2017) para a “contratação de empresa especializada no fornecimento de alimentação hospitalar, dietas normais e dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes nos termos legais e funcionários da FUNSAUD”.

 

Nesse processo, a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME (CNPJ 18.243.730/0001-89), então representada por RONALDO GONZALES MENEZES, por força de procuração outorgada por João Flávio Souto de Moraes, apresentou, em 10.03.17, cotação contendo o menor preço por unidade de marmitex entre as empresas pesquisadas.

 

Destaca-se, desde já, que, nessa cotação, com relação à execução dos serviços contratados, a empresa MARMIQUENTE indicou “prazo de entrega: imediato” e “início da execução do contrato: imediato”.

 

Além disso, ainda no curso da dispensa de licitação, em 13.03.2017, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, encarregada da contabilidade da FUNSAUD, encaminhou ao Gerente Administrativo da FUNSAUD, “documento com expressão da dotação orçamentária e a declaração de compatibilização para que os mesmos possam instruir o Processo Administrativo, ensejando dispensa de licitação, com vistas na contratação da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA-ME ”.

 

Em decorrência, em 14.03.17, a FUNSAUD contratou a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, com a assinatura do Contrato n. 016/2017/FUNSAUD, pelo valor total de R$ 127.788,00 (cento e vinte e sete mil, setecentos e oitenta e oito reais), para o “fornecimento de dietas normais e a dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes e funcionários nos termos legais da Fundação de Serviços de Saúde de Dourados – FUNSAUD, pelo período de 30 (trinta) dias”.

 

Além da dispensa de licitação, a FUNSAUD também realizou o Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017) para “contratação de empresa especializada no fornecimento de alimentação hospitalar, dietas normais e dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes nos termos legais e funcionários das unidades da FUNSAUD, pelo período de 12 meses”.

 

Nesse processo licitatório, por haver sido a única proponente, a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME saiu vencedora com a proposta no valor total de R$ 1.736.310,00 (hum milhão, setecentos e trinta e seis mil, trezentos e dez reais). Em decorrência, em 13.04.17, a FUNSAUD contratou a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, com a assinatura do Contrato n. 020/2017, pelo valor total de R$ 1.736.310,00 (hum milhão, setecentos e trinta e seis mil, trezentos e dez reais).

 

Em 13.04.18, ademais, a FUNSAUD assinou o 1º Termo Aditivo ao Contrato n. 020/2017, com o acréscimo do valor de R$ 348.478,00 (trezentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e setenta e oito reais).

 

Contudo, as provas obtidas pelas investigações realizadas pelo MPF, MP/MS e DPF/DRS/MS evidenciaram que a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME não existia, de fato, por ocasião de sua participação na Dispensa de Licitação n. 020/2017 e no Pregão Presencial n. 06/2017.

 

Conforme será demonstrado a seguir, essa empresa, apesar de haver encerrado suas atividades no ano de 2014, teve sua razão social e inscrição no CNPJ indevidamente utilizadas por RONALDO MENEZES GONZALES, inclusive com o uso de documentos particulares ideologicamente falsos, com o auxílio de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, encarregada da contabilidade da FUNSAUD, exclusivamente para a obtenção de vantagens decorrentes da celebração dos contratos administrativos com a FUNSAUD no bojo da Dispensa de Licitação n. 020/2017 e do Pregão Presencial n. 06/2017.

 

A empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME foi constituída, no ano de 2013, por João Flávio Souto de Moraes (sócio-administrador) e Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes (sócia), conforme contrato particular de constituição de sociedade empresária. Os depoimentos prestados ao MPF por João Flávio Souto de Moraes e Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes evidenciaram que a empresa MARMIQUENTE encerrou suas atividades no ano de 2014, apesar de seu registro no CNPJ ter permanecido ativo.

 

(...)

 

No ano de 2017, apesar do não funcionamento da empresa há mais de 3 anos, RONALDO MENEZES GONZALES, com a colaboração de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, administradora do “Restaurante do Gaúcho”, adquiriu apenas o registro da MARMIQUENTE no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a fim de possibilitar a sua participação na Dispensa de Licitação n. 20/2017 e no Pregão Presencial n. 06/2017, antes mesmo da transferência da titularidade da empresa e da retomada de suas atividades comerciais.

 

(...)

 

Nota-se que, conforme admitido por RONALDO, assim como a aquisição da empresa, também o seu funcionamento, a partir do ano de 2017, se deu exclusivamente para o atendimento dos contratos administrativos firmados com a FUNSAUD.

 

Aliás, até mesmo os documentos fornecidos ao MPF por RONALDO indicam que a estruturação da empresa MARMIQUENTE ocorreu somente após a assinatura do Contrato n. 016/2017/FUNSAUD, em 14.03.17:

(a) o imóvel no qual supostamente funcionou a empresa MARMIQUENTE (situado na Rua Monte Alegre n. 3.765, Jardim Marília, no Município de Dourados/MS) somente foi locado por RONALDO, como pessoa física, em 16.03.17;

(b) posteriormente, esse imóvel foi locado pela pessoa jurídica MARMIQUENTE em 24.03.17, com a entrega das chaves também em 24.03.17;

(c) os documentos relacionados ao fornecimento de energia elétrica do imóvel somente foram assinados por RONALDO em 23.03.17 e pela pessoa jurídica MARMIQUENTE em 23.10.17; e

(d) os documentos relacionados ao fornecimento de água do imóvel foram assinados por RONALDO em 24.03.17 e pela pessoa jurídica MARMIQUENTE em 26.07.17.

 

Destaca-se que, em sua colaboração, o denunciado RONALDO afirmou que, “na dispensa de licitação, alguns documentos da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., tal como o alvará sanitário, foram entregues à FUNSAUD após a assinatura do contrato de fornecimento das marmitas”.

 

(...)

 

É importante destacar que a falta de regular funcionamento da empresa MARMIQUENTE, desde o ano de 2014, deveria impedir a sua participação na Dispensa de Licitação n. 20/2017, por força de disposição expressa contida no item 22.2 do respectivo Termo de Referência:

 

(...)

 

O impedimento da empresa MARMIQUENTE também pode ser identificado no Pregão Presencial n. 06/2017, por força de disposição expressa contida no item 7.4.1 do respectivo edital de licitação:

(...)

 

Mesmo sabendo dessas cláusulas impeditivas, RONALDO utilizou os dados cadastrais do registro no CNPJ da empresa MARMIQUENTE, com o auxílio de SANDRA, como se a empresa estivesse em efetivo funcionamento e com estrutura adequada para o imediato atendimento dos serviços contratados por meio da Dispensa de Licitação n. 020/2017 e no Pregão n. 06/2017.

 

E pior, no bojo do Pregão Presencial n. 06/2017, RONALDO também apresentou dois documentos particulares contendo declarações falsas, a fim de comprovar a capacidade técnica da empresa, conforme passa a demonstrar.

 

A empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, representada por RONALDO, apresentou à FUNSAUD, no Pregão Presencial n. 06/2017, em 27.03.2017, os seguintes atestados de capacidade técnica:

 

(a) atestado da empresa Território do Couro Ind. Com. E Exportação Ltda. (CNPJ 05.022.866/0001-17), assinado em 13.03.17, por Felipe Palhano Costa, atestando a prestação de serviços pela empresa MARMIQUENTE no “período do ano de 2016 ”;

 

(b) atestado da empresa Miragem Segurança Ltda.-ME (CNPJ 10.906.037/0001-37), assinado em 06.02.17, por Vera Lúcia S. de Almeida, atestando a prestação de serviços pela empresa MARMIQUENTE no “período do ano de 2015 e alguns meses de 2016”.

 

(...)

 

Pergunta-se: como as empresas Território do Couro e Miragem Segurança atestaram os serviços prestados pela empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, no período compreendido entre os anos de 2015 e 2016, se, como demonstrado, essa empresa encerrou definitivamente suas atividades no ano de 2014 e apenas foi adquirida por RONALDO no ano de 2017?

 

Os depoimentos prestados ao MPF por Felipe Palhano Costa, Vera Lúcia Soares de Almeida e Everaldo Kill demonstraram que os atestados apresentados à FUNSAUD pela empresa MARMIQUENTE foram assinados pelos responsáveis das empresas Território do Couro e Miragem Segurança, a pedido de RONALDO e a pedido de DAYANE - vinculada ao Restaurante “O Gaúcho”, acreditando atestarem a prestação de serviços de alimentação pela empresa “Restaurante do Gaúcho” (CNPJ 01.931.777/0001-32), situado no Município de Dourados, o qual vem sendo administrado por DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK.

 

Em outras palavras, os dois atestados apresentados por RONALDO, a fim de possibilitar a participação da empresa MARMIQUENTE nos processos licitatórios realizados pela FUNSAUD, contêm falsidade ideológica, pois referem-se a serviços de alimentação que foram prestados, na verdade, pelo “Restaurante do Gaúcho”.

 

(...)

 

Destaca-se que todos os documentos posteriormente fornecidos ao MPF por Everaldo Kill estão relacionados com o fornecimento de marmitex, no ano de 2016, à empresa Território do Couro, pelo “Restaurante do Gaúcho”.

 

(...)

 

Nota-se, portanto, que, mediante o uso de dados de empresa inativa e de atestados ideologicamente falsos, os denunciados fraudaram a Dispensa de Licitação n. 020/2017 e o Pregão Presencial n. 06/2017. A participação, na fraude cometida, de todos os denunciados será, adiante, individualizada.

 

03. DO CRIME DE AFASTAMENTO DE LICITANTE COMETIDO POR OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO DE CONFIANÇA (ART. 95 C/C ART. 84, § 2º DA LEI N. 8666/93).

 

No dia 27.03.17, no Município de Dourados, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RONALDO GONZALES MENEZES, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, afastaram licitante, a Panificadora e Restaurante Avenida Ltda., por meio do oferecimento de vantagem pecuniária, por ocasião do julgamento do Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017).

 

RONALDO, em sua colaboração, afirmou, essencialmente, “no dia do julgamento do pregão presencial, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RENATO intercederam junto à esposa do ‘Duba’, proprietário do Restaurante Avenida, para que ela não participasse do certame na condição de concorrente da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”

 

Quanto a esse fato, nota-se que no Pregão Presencial n. 006/2017, a empresa Panificadora e Restaurante Avenida Ltda., representada por Miguela Martins Barbosa, apresentou “cotação de fornecimento de alimentação para a FUNSAUD”.

 

Em seu depoimento perante a autoridade policial, Rodrigo Pereira Benites, então pregoeiro da FUNSAUD, confirmou que a Sra. Miguela Martins Barbosa, representante da Panificadora e Restaurante Avenida Ltda., estava na FUNSAUD no dia do julgamento do pregão presencial, mas “estranhamente” desistiu de participar da licitação:

 

(...)

 

Há, portanto, indícios suficientes, aptos a justificar presente imputação, no sentido de que os denunciados ofereceram vantagem à concorrente, a fim de que não participasse do processo licitatório.

 

Outrossim, ao longo da instrução processual penal, há que se considerar o resultado do pedido de afastamento de sigilo telefônico, ainda pendente de deferimento e juntada aos autos.

 

04. DOS CRIMES DE PECULATO PRATICADOS POR OCUPANTES DE CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO DE DIREÇÃO.

 

Nos dias 12.04.17, 20.04.17, 16.05.17, 06.06.17, 14.06.17, 10.08.17, 15.09.17, 03.10.17, 13.11.17, 30.11.17, 22.01.18, 19.02.18, 09.03.18, 20.03.18, 13.04.18, 14.05.18, 18.05.18, 18.07.18 e 22.08.18, no Município de Dourados-MS, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RONALDO GONZALES MENEZES, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, dolosamente e conscientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, desviaram, pelos menos e de forma comprovada, R$ 532.000,00 (quinhentos e trinta e dois mil reais), recursos oriundos da Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo Administrativo n. 022/2017) e do Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017).

 

Uma vez feitos os depósitos bancários pela FUNSAUD, de Dourados-MS, RONALDO GONZALES MENEZES efetuava saques de dinheiro, em espécie, e os entregava à RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, o qual por sua vez os dividia com RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL. Outrossim, o desvio somente foi realizado mediante o auxílio e participação de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK.

 

Aliás, conforme será demonstrado na descrição das condutas, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, valendo-se de seu cargo público junto à FUNSAUD, auxiliou RONALDO com a documentação apresentada pela empresa MARMIQUENTE nas licitações, inclusive possibilitando a apresentação de documento (alvará sanitário) pela empresa após a assinatura dos contratos administrativos. Além disso, considerando os costumeiros atrasos nos pagamentos da fundação a seus fornecedores, SANDRA valeu-se de seu cargo público para a garantia da regularidade dos pagamentos da FUNSAUD em favor da empresa MARMIQUENTE, a fim de possibilitar a continuidade dos desvios de recursos públicos pela organização criminosa.

 

Essas conclusões foram obtidas a partir da análise de depoimentos, informações bancárias e informações telefônicas referentes aos investigados.

 

05. DA CONDUTA DOS DENUNCIADOS.

 

05.1. RONALDO GONZALES MENEZES

 

A investigação realizada pelo MPF, pelo MP/MS e pela DPF/DRS/MS comprovou que RONALDO era o proprietário formal da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME. Trata-se do “laranja” da empresa.

 

Conforme admitido por ele em sua colaboração, RONALDO “foi contratado por RAFHAEL e RENATO, com salário mensal de R$ 6.000,00 (seis mil reais), para que a empresa MARMIQUENTE fosse registrada em seu nome e administrada por ele ”.

 

Essas retiradas mensais, a título de salário, no valor de R$ 6.000,00, podem ser identificadas nas planilhas financeiras da empresa MARMIQUENTE fornecidas por RONALDO:

 

(...)

 

RONALDO participou diretamente de todas as irregularidades envolvendo a empresa MARMIQUENTE, em especial:

 

(a) foi o responsável pela aquisição do CNPJ da empresa a fim de possibilitar a sua participação nos processos licitatórios realizados pela FUNSAUD;

(b) apresentou dois atestados de capacidade técnica ideologicamente falsos no Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017);

(c) estruturou a empresa MARMIQUENTE somente após a assinatura dos contratos administrativos com a FUNSAUD;

(d) era responsável pela administração da empresa MARMIQUENTE;

(e) subordinava-se a RAFHAEL e RENATO, funcionários da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, e a SANDRA, funcionária da FUNSAUD; e

(f) após o depósito dos recursos públicos pela FUNSAUD, realizou dezenas saques de dinheiro em espécie da conta bancária da empresa MARMIQUENTE para posterior entrega a RAFHAEL.

 

Registra-se que todas as ilegalidades envolvendo a empresa MARMIQUENTE foram confessadas por RONALDO em seus depoimentos prestados por força do acordo de colaboração premiada celebrado com o Ministério Público Federal e o Departamento de Polícia Federal.

 

05.2. RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO

 

As investigações realizadas pelo MPF, pelo MP/MS e pela DPF/DRS/MS evidenciaram que RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, então Diretor Financeiro da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, era um dos proprietários de fato da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME e um dos beneficiários dos recursos públicos desviados da FUNSAUD.

 

Os depoimentos colhidos pelo MPF demonstraram que DAYANE, administradora do “Restaurante do Gaúcho”, também ocupava cargo em comissão na Secretaria Municipal de Saúde de Dourados e era subordinada a RAFHAEL, o qual, na condição de Diretor Financeiro, foi o responsável por sua contratação. Além disso, DAYANE também mantinha vínculo de amizade com RAFHAEL.

 

Quanto a esses fatos, destacam-se os seguintes depoimentos:

 

(...)

 

Os depoimentos colhidos pelo MPF também evidenciaram que, pelo menos desde o ano de 2013 (há mais de 5 anos, portanto), RAFHAEL manteve vínculos profissionais com RONALDO, conforme é possível observar nos seguintes depoimentos:

 

(...)

 

A DPF/DRS/MS também identificou a existência de vínculo profissional entre RONALDO, RENATO e RAFHAEL anterior à constituição da empresa MARMIQUENTE:

 

(...)

 

Além disso, RAFHAEL é casado com SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, a qual ocupou o cargo de gerente administrativa na FUNSAUD desde janeiro de 2017.

 

Em sua colaboração, RONALDO afirmou que “a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foi constituída pelo COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, exclusivamente para o atendimento dos contratos celebrados com a Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD) e relacionados com o fornecimento de marmitas ao Hospital da Vida e à UPA 24 horas, no Município de Dourados/MS”.

 

Afirmou, ainda, que “RAFHAEL e RENATO eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”

 

Com efeito, a simples leitura das várias conversas mantidas entre RONALDO e RAFHAEL, pelo aplicativo whatsapp, no período compreendido entre 23.02.18 a 27.11.18, já deixa bem evidente o poder diretivo de RAFHAEL na gestão da empresa MARMIQUENTE e, ainda, a subordinação de RONALDO com relação a RAFHAEL.

 

Aliás, durante o período investigado, RONALDO e RAFHAEL realizam 655 ligações telefônicas entre si.

 

Ainda quanto ao funcionamento da empresa, RONALDO afirmou, em sua colaboração, que, “durante a execução contratual do pregão presencial, SANDRA forneceu cheques de sua titularidade e da empresa Jangoo, a qual pertencia a RAFHAEL, para a aquisição dos insumos necessários à preparação das marmitas da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”

 

Para comprovar essa afirmação, RONALDO forneceu fotografias, que estavam em sua posse, de 3 cheques de “Regina Magali Torraca Augusto ME”, ao Supermercado Atacadão S.A., contendo a assinatura de RAFHAEL.

 

Em sua colaboração, RONALDO também afirmou que:

 

(a) “entregava diretamente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, o ‘lucro’ obtido pela empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”;

(b) “os recursos financeiros obtidos com a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foram entregues pessoalmente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, e posteriormente repassados, em parte, a RENATO”; e

(c) “acredita que, somados todos os valores entregues, em espécie a RAFHAEL, alcance-se um valor de aproximadamente R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) ”.

 

Quanto a esses fatos, registra-se que, por ocasião do afastamento do sigilo telemático do investigado RONALDO, a DPF/DRS/MS identificou um registro de pagamento da empresa Marmiquente Comércio e Bebidas e Alimentos Ltda., em abril de 2017, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), contendo a identificação “RP ”, a qual poderia estar relacionada com possíveis pagamentos, em dinheiro em espécie, a RAFHAEL, também conhecido como “RAFHAEL PARDAL”.

 

Em sua colaboração, RONALDO confirmou que “nas planilhas contábeis da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., o COLABORADOR identificou os pagamentos realizados a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, valendo-se das palavras ‘RP’, ‘saque RP’, ‘saída RP’, ‘saída Rafhael’ e ‘saída’”.

 

Assim, analisando as planilhas fornecidas por RONALDO, em conjunto com as informações prestadas por ele, observa-se a existência dos seguintes possíveis pagamentos a RAFHAEL:

 

(...)

 

Confrontando os registros das planilhas com o resultado do afastamento do sigilo bancário do denunciado RONALDO, constata-se que alguns valores indicados nas planilhas como possíveis pagamentos a RAFHAEL coincidem exatamente com os valores de saques de dinheiro em espécie, realizados por RONALDO, da conta bancária da empresa MARMIQUENTE, a seguir identificados:

 

(...)

 

Ressalta-se que a quebra do sigilo dos dados contidos nos celulares dos investigados, apreendidos na busca e apreensão determinada nos autos, permitiu a identificação apenas das conversas mantidas pelos investigados a partir do mês de fevereiro de 2018.

 

Por essa razão, quanto aos saques descritos nos itens 1 a 12, apesar de comprovadamente constarem das contas bancárias da empresa MARMIQUENTE (conforme demonstrado acima), não foi possível a identificação de conversas entre RONALDO e RAFHAEL, pelo aplicativo whatsapp, sobre esses saques.

 

Por outro lado, quanto aos saques descritos nos itens 13 a 18, além de constarem das contas bancárias da empresa MARMIQUENTE, também foram identificadas conversas entre RONALDO e RAFHAEL, pelo aplicativo whatsapp, sobre esses saques, inclusive com a combinação de entrega dos respectivos valores, conforme se passa a demonstrar.

 

(...)

 

05.3. RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL

 

As investigações evidenciaram que RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, então Secretário Municipal de Saúde de Dourados, também era um dos proprietários de fato da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME e um dos beneficiários dos recursos públicos desviados da FUNSAUD.

 

Tanto RAFHAEL, quanto SANDRA ingressaram na Secretaria Municipal de Saúde de Dourados e na FUNSAUD (respectivamente), em janeiro de 2017, ambos ocupantes de cargos em comissão, a convite e por influência de RENATO.

 

Nesse sentido, destacam-se os seguintes excertos do depoimento prestado ao MPF por RAFHAEL:

 

RONALDO afirmou, em sua colaboração, que “RAFHAEL e RENATO eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”

 

Importante destacar que, por ocasião do afastamento do sigilo telefônico de RONALDO, identificou-se que, no período investigado, RONALDO e RENATO realizaram 07 ligações telefônicas entre si.

 

RONALDO afirmou, ainda, que “RENATO intercedeu junto ao proprietário do imóvel da sede da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., a fim de possibilitar a sua locação ao COLABORADOR”.

 

Nesse ponto, registra-se que a conversa mantida entre RAFHAEL e RONALDO, durante o encontro realizado no dia 28.03.19, evidenciou essa possível intercessão de RENATO junto ao sr. Cláudio Barbosa, proprietário do imóvel em que funcionou a empresa MARMIQUENTE, a fim de viabilizar o aluguel desse imóvel a RONALDO:

 

(...)

 

De qualquer modo, as conversas de RAFHAEL e RONALDO, durante a fase de julgamento do Pregão Presencial n. 03/2018, identificadas pela DPF/DRS/MS, são relevantes para o presente processo pois comprovam que (a) RENATO possuía poder decisório quanto aos atos praticados pela empresa MARMIQUENTE, especialmente em processos licitatórios; e (b) aparentemente, RAFHAEL subordinava-se a RENATO.

 

(...)

 

Nota-se que, no período compreendido entre 08h54min e 08h58min, do dia 11.06.2018, RAFHAEL tenta fazer ligações telefônicas para outra pessoa a fim de tratar da proposta de preços da empresa MARMIQUENTE durante o pregão:

 

(...)

 

Por ocasião do afastamento do sigilo telefônico de RAFHAEL, identificou-se que, em 11.06.2018, RAFHAEL realizou duas ligações telefônicas para RENATO, às 08h55min e 08h57min. Em outras palavras, RAFHAEL provavelmente consultou RENATO acerca do preço a ser apresentado pela empresa MARMIQUENTE.

 

Ainda de acordo com as conversas identificadas pela DPF/DRS/MS, a “venda” da empresa MARMIQUENTE, após o término do contrato celebrado com a FUNSAUD, aparentemente, também foi decidida por RONALDO, RAFHAEL e RENATO:

 

(...)

 

Aliás, ainda de acordo com as mensagens identificadas pela DPF/DRS/MS,95 observa-se que, em 26.06.18, RONALDO e RAFHAEL trocam “áudios” sobre a venda da empresa MARMIQUENTE, sendo que o teor dessas mensagens permite concluir que RAFHAEL está com RENATO.

 

Segundo RONALDO, em sua colaboração, “AMÉRICO MONTEIRO SALGADO JUNIOR, então Presidente da FUNSAUD, recebeu 2 (dois) pagamentos, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), cada um, do COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL e de RENATO, a fim de evitar atrasos nos pagamentos da FUNSAUD à empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”

 

Quanto a esse fato (pontualidade no pagamento), AMÉRICO MONTEIRO SALGADO JUNIOR (em que pese não tenha admitido o recebimento da propina) declarou à DPF/DRS/MS:

 

(...)

 

A influência de RENATO com relação aos pagamentos da FUNSAUD à empresa MARMIQUENTE também pode ser identificada na conversa mantida entre RAFHAEL e RONALDO, durante o encontro realizado no dia 28.03.19:

 

(...)

 

Em seu depoimento perante a autoridade policial, Sandro Cassiano Ducci, funcionário da FUNSAUD, afirmou que “durante o período em que ficou na FUNSAUD percebeu que tudo que era feito precisava passar pelo conhecimento de RENATO VIDIGAL”.

 

Por fim, na conversa entre RONALDO e RAFHAEL, durante o encontro do dia 28.03.2018, RAFHAEL menciona que a participação da empresa MARMIQUENTE nas licitações fraudulentas foi ideia de RENATO:

 

(...)

 

Há, ainda, fortes indícios de que os pagamentos, em dinheiro em espécie, realizados por RONALDO a RAFHAEL, eram, ao menos parcialmente, repassados a RENATO.

 

Com efeito, RONALDO, em sua colaboração, afirmou que “os recursos financeiros obtidos com a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foram entregues pessoalmente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, e posteriormente repassados, em parte, a RENATO ”.

 

Analisando os registros de ligações telefônicas dos investigados, observa-se a existência de várias ligações telefônicas de RAFHAEL a RENATO exatamente nos dias em que RONALDO aparentemente realizou as entregas de dinheiro em espécie a RAFHAEL.

 

Como demonstrado no item anterior, as conversas mantidas entre RONALDO e RAFHAEL, pelo aplicativo Whatsapp, evidenciaram uma possível entrega de dinheiro em espécie, no valor de R$ 20.000,00, no dia 09.03.18 (sexta-feira).

 

(...)

 

A investigação constatou, ainda, a existência de várias ligações telefônicas entre RAFHAEL e RENATO em outras datas em que RONALDO realizou saques de dinheiro em espécie da conta bancária da empresa MARMIQUENTE, sendo que esses saques constam das planilhas financeiras da empresa e foram confirmados em seus extratos bancários:

 

(...)

 

Constatou-se, também, a existência de várias ligações telefônicas entre RAFHAEL e RENATO em diversas datas indicadas por RONALDO nas planilhas financeiras da empresa MARMIQUENTE como “saída” em favor de RAFHAEL:

 

(...)

 

Ainda com relação à coparticipação de RENATO nos crimes envolvendo a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME é importante destacar o depoimento prestado por Marcos Paulo Gabbiatti de Souza perante a autoridade policial:

 

(...)

 

 

Essa possível ameaça por parte de RENATO, aliás, já havia sido noticiada, à DPF/DRS/MS, por Marcos Paulo Gabiatti de Souza e Américo Monteiro Salgado Junior, em 04.06.19

 

(...)

 

05.4. SANDRA REGINA SOARES MAZARIM ocupou o cargo de gerente administrativa da FUNSAUD desde janeiro de 2017 e é casada com RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, o qual, como demonstrado, é um dos proprietários de fato da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME.

 

Em sua colaboração, RONALDO afirmou, essencialmente, que “SANDRA auxiliou pessoalmente o COLABORADOR na constituição e no funcionamento da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. e, ainda, na participação da empresa na dispensa de licitação e no pregão presencial realizados pela FUNSAUD”.

 

Quanto à constituição da empresa, vale ressaltar que, em seu depoimento prestado ao MPF, DAYANE, também com indícios de coparticipação nos crimes investigados, afirmou que “possui um vínculo de amizade com o sr. Rafhael Torraca e com a sra. Sandra”.

 

Em sua colaboração, RONALDO afirmou que “SANDRA adquiriu, de JOÃO FLÁVIO SOUTO DE MORAES e JOYCE CAETANO RODRIGUES SOUTO DE MORAES, antigos proprietários da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., o CNPJ dessa empresa, pelo valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)”.

 

(...)

 

RONALDO afirmou, ainda, que “SANDRA forneceu os dados pessoais do COLABORADOR a JOÃO FLÁVIO, para a elaboração de procuração destinada a possibilitar a participação do COLABORADOR, em nome da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., na dispensa de licitação realizada pela FUNSAUD” sendo que “JOÃO FLÁVIO, então, elaborou uma procuração em nome do COLABORADOR e a entregou para SANDRA, a qual, por sua vez, a repassou para o COLABORADOR”.

 

Quanto ao funcionamento da empresa, destaca-se que a MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. supostamente funcionou em imóvel situado na Rua Monte Alegre, n. 3765, Jardim Paulista, no Município de Dourados/MS, de propriedade de Cláudio Barbosa, alugado pela empresa, representada por RONALDO, mediante assinatura, em 24.03.17, de um contrato de locação comercial intermediado pela Imobiliária Central.

 

Segundo consta dos autos, a DPF/DRS/MS identificou e-mails enviados, no dia 22.03.17, por RONALDO (pezz_menezes@hotmail.com) a SANDRA (sandramazarim@yahoo.com.br), com os documentos emitidos pela Imobiliária Central para a locação do imóvel pela empresa Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos Ltda.

 

Analisando as cópias que constam das fls. 54/57, do ID 22524274, dos Autos n. 0000832-20.2018.403.6002, observa-se que esses documentos ainda estão sem preenchimento.

 

O motivo é bem simples: no contrato de locação assinado pela empresa MARMIQUENTE, o fiador da locatária foi Augusto Mazarim (inscrito no CPF n. 007.610.791-49), atualmente com 82 anos de idade, e pai de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM.  Logo, fica evidente a existência de forte vínculo entre RONALDO e SANDRA.

 

Nota-se, ainda, que o contrato de locação foi celebrado em 24.03.17, isto é, após a contratação da empresa MARMIQUENTE, em 10.03.17 , pela FUNSAUD, por meio da Dispensa de Licitação n. 020/2017.

 

Assim, também fica evidente que SANDRA, na condição de gerente administrativa da FUNSAUD, tinha conhecimento:

 

(a) da inexistência de fato da empresa MARMIQUENTE por ocasião de sua contratação pela FUNSAUD; e

(b) da falsidade das declarações contidas nos dois atestados de capacidade técnica, apresentados pela MARMIQUENTE, no Pregão Presencial n. 06/2017, relacionados com a suposta prestação de serviços pela empresa nos anos de 2015 e 2016.

 

Registra-se que a DPF/DRS/MS identificou, também, outros e-mails que indicam que SANDRA, assim como RAFHAEL, era proprietária de fato da empresa Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos Ltda.:

 

(...)

 

Em sua colaboração, RONALDO também afirmou que, “durante a execução contratual da dispensa de licitação realizada pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD), a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. ainda não estava em regular funcionamento e, por essa razão, as marmitas entregues por ela foram adquiridas, em sua maioria, no Restaurante do Gaúcho, administrado por DAYANE, e, também, no Restaurante Flor de Laranjeira”.

 

(...)

 

Nota-se que Mariana Azambuja afirmou que “vendia as marmitas para SANDRA em torno de R$ 9,00 a unidade ”.

 

Esse valor é abaixo dos valores contratados pela FUNSAUD, da empresa MARMIQUENTE, na dispensa de licitação e no pregão presencial:

 

(...)

 

Além disso, o denunciado RONALDO afirmou, em sua colaboração, que “DAYANE e SANDRA realizaram a contratação de funcionários para a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., após a celebração dos contratos com a FUNSAUD” sendo que “SANDRA foi a responsável pela contratação da nutricionista da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. ”.

 

Essa afirmação restou comprovada pelo depoimento de Radharani Bueno Moreira Lopes, nutricionista contratada pela empresa MARMIQUENTE:

 

(...)

 

Quanto aos processos licitatórios da FUNSAUD, RONALDO afirmou, em sua colaboração, que, “na dispensa de licitação, por não exigir a presença dos interessados, RAFHAEL e SANDRA entregaram pessoalmente os documentos da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. à FUNSAUD, a fim de possibilitar a participação da empresa no certame”.

 

Já no pregão presencial, segundo RONALDO, “SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RENATO intercederam junto à esposa do “Duba”, proprietário do Restaurante Avenida, para que ela não participasse do certame na condição de concorrente da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”.

 

(...)

 

A participação de SANDRA nos crimes envolvendo os processos licitatórios da FUNSAUD também ficou evidente nas conversas mantidas entre RAFHAEL e RONALDO durante o encontro ocorrido entre eles em 28.03.19:

 

(...)

 

Como demonstrado, no ano de 2018, a FUNSAUD realizou uma terceira licitação, o Pregão Presencial n. 03/2018, também para a contratação de serviços de alimentação. Apesar da participação da empresa MARMIQUENTE, essa licitação não é objeto da presente denúncia.

 

De qualquer modo, as conversas dos denunciados acerca dessa licitação são relevantes para o presente processo pois comprovam a ingerência de SANDRA nas licitações realizadas pela FUNSAUD exclusivamente para o atendimento dos interesses da empresa MARMIQUENTE.

 

A título de exemplo, as conversas identificadas pela DPF/DRS/MS, a seguir transcritas, deixam evidente que, no Pregão Presencial n. 03/2018, SANDRA foi a responsável pela definição dos valores a serem apresentados pela empresa MARMIQUENTE:

(...)

 

Com o término da vigência dos contratos administrativos celebrados com a FUNSAUD, SANDRA participou das tentativas de venda da empresa MARMIQUENTE.

 

Nesse sentido, destaca-se a conversa mantida, pelo aplicativo whatsapp, entre RAFHAEL e RONALDO:

 

(...)

 

Por fim, durante as investigações realizadas pelo MP/MS e MPF, SANDRA e RONALDO combinam a versão a ser apresentada por eles sobre os fatos investigados.

 

(...)

 

Por fim, conforme declarações do colaborador RONALDO, SANDRA chegou, em uma oportunidade, a receber dinheiro em espécie, sacado das contas bancárias da empresa MARMIQUENTE e oriundos da FUNSAUD.

 

(...)

 

05.5. DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK

 

Como mencionado, durante a realização dos processos licitatórios, DAYANE ocupava cargo em comissão na Secretaria Municipal de Saúde de Dourados e era subordinada a RAFHAEL, com o qual também mantinha vínculo de amizade.

 

A investigação policial evidenciou que DAYANE auxiliou RONALDO na aquisição do CNPJ da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, valendo-se de seu vínculo de amizade com a antiga proprietária da empresa, Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes.

 

(...)

 

Essa coparticipação de DAYANE na aquisição do CNPJ da empresa MARMIQUENTE foi confirmada por RONALDO em seus depoimentos prestados por ocasião de sua colaboração.

 

(...)

 

Além disso, segundo consta do Relatório de Análise de Mídias Apreendidas n. 01/2019 (em anexo), a DPF/DRS/MS identificou o “print” de conversas realizadas por DAYANE e que evidenciam a intermediação de DAYANE na aquisição do CNPJ da empresa MARMIQUENTE:

 

(...)

 

Além disso, DAYANE também auxiliou RONALDO na obtenção dos atestados de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE, contendo falsidade ideológica, utilizados no Pregão Presencial n. 06/2017.

 

Nesse sentido, RONALDO afirmou, essencialmente, em sua colaboração, que “o atestado de capacidade técnica emitido pela empresa Território do Couro, em especial, foi obtido por DAYANE , tendo em vista que o Restaurante do Gaúcho, administrado por ela, já forneceu marmitas para aquela empresa”.

 

Por essa razão, vale lembrar, os depoimentos de Felipe Palhano Costa, Everaldo Kill e Vera Lúcia Soares de Almeida, bem como os documentos fornecidos ao MPF por Everaldo Kill, os quais confirmaram a prestação de serviços de fornecimento de marmitex, no ano de 2016, às empresas Território do Couro e Miragem Segurança, apenas pelo “Restaurante do Gaúcho”, administrado por DAYANE.

 

Ademais, DAYANE auxiliou RONALDO na estruturação e no funcionamento da empresa MARMIQUENTE.

 

Efetivamente, em sua colaboração, RONALDO afirmou, em síntese, que, “durante a execução contratual da dispensa de licitação realizada pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD), a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA, ainda não estava em regular funcionamento e, por essa razão, as marmitas entregues por ela foram adquiridas, em sua maioria, no Restaurante do Gaúcho, administrado por DAYANE, e, também, no Restaurante Flor de Laranjeira”.

 

RONALDO afirmou, ainda, que “DAYANE e SANDRA REGINA SOARES MAZARIM realizaram a contratação de funcionários para a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., após a celebração dos contratos com a FUNSAUD”.

 

Por essa razão, aliás, como resultado do afastamento do sigilo telemático dos investigados, a DPF/DRS/MS identificou alguns e-mails enviados por RONALDO a DAYANE, no ano de 2017, sendo que, entre eles, destaca-se o e-mail, de 17.04.17, contendo cópia de currículo de possível candidato ao emprego de “auxiliar de cozinha” da empresa MARMIQUENTE.

 

RONALDO também afirmou que “DAYANE trabalhou como funcionária da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., inclusive mediante o recebimento de salário”.

 

Outrossim, de acordo com o Relatório de Análise de Mídias Apreendidas n. 01/2019, DAYANE utiliza o telefone (67) 99331393, o qual está cadastrado em nome de seu marido Matheus Cortes Favaretto Junior.

 

Analisando o resultado do afastamento do sigilo telefônico dos investigados, extraído do Sittel, conclui-se que, no período investigado:

 

(a) DAYANE e RAFHAEL realizaram, pelo menos, 1.068 ligações telefônicas entre si;

(b) DAYANE e RONALDO realizaram, pelo menos, 250 ligações telefônicas entre si.

RONALDO afirmou, ainda, em sua colaboração, que “realizou, por ordem de RAFHAEL e SANDRA, algumas transferências bancárias da contada empresa MARMIQUENTE  COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. diretamente para a conta de DAYANE ”.

 

Analisando o extrato detalhado da conta bancária de RONALDO, observa-se a existência de duas transferências em favor de DAYANE:

(a) dia 10.08.17, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais); e

(b) dia 26.02.18, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

 

Além dessas transferências, a DPF/DRS/MS também identificou dois e-mails de RONALDO contendo planilhas financeiras da empresa MARMIQUENTE com a descrição de pagamentos com a rubrica “DAY”, “com valores maiores e discrepantes dos demais pagamentos”:

 

(...)

 

A DPF/DRS/MS também encontrou 3 canhotos de cheque, na residência de RONALDO, relacionados a pagamentos identificados pela sigla “DAY”:

 

(...)

 

Esses valores, destaca-se, foram pagos a DAYANE a pedido de RAFHAEL (vulgo Rafhael Pardal ), conforme se observa do print da conversa de RONALDO e RAFHAEL pelo aplicativo Whatsapp:

 

(...)

 

Por fim, RONALDO afirmou, em sua colaboração, que “DAYANE sabia que RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.”.

 

06. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS.

 

Assim agindo, em concurso de agentes (art. 29 do Código Penal):

 

(i) RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL praticou, em concurso material:

(i.1) o crime previsto no art. 2º, caput, § 3º e § 4º, Inciso II, da Lei n. 12.850/13;

(i.2) o crime previsto no art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93 (por 2 vezes, em concurso material);

(i.3) o crime previsto no art. 95 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93;

(i.4) o crime previsto no art. 312, c/c art. 327, §2º do Código Penal (por 19 vezes, em concurso material);

 

(ii) RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO praticou, em concurso material:

(ii.1) o crime previsto no art. 2º, caput, § 3º e § 4º, Inciso II, da Lei n. 12.850/13;

(ii.2) o crime previsto no art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93 (por 2 vezes, em concurso material);

(ii.3) o crime previsto no art. 95 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93;

(ii.4) o crime previsto no art. 312, c/c art. 327, §2º do Código Penal (por 19 vezes, em concurso material);

 

(iii) SANDRA REGINA SOARES MAZARIM praticou, em concurso material:

(iii.1) o crime previsto no art. 2º, caput, e § 4º, Inciso II, da Lei n. 12.850/13;

(iii.2) o crime previsto no art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93 (por 2 vezes, em concurso material);

(iii.3) o crime previsto no art. 95 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93;

(iii.4) o crime previsto no art. 312, c/c art. 327, § 2º do Código Penal (por 19 vezes, em concurso material);

 

(iv) RONALDO GONZALES MENEZES praticou, em concurso material:

(iv.1) o crime previsto no art. 2º, caput, e § 4º, Inciso II, da Lei n. 12.850/13;

(iv.2) o crime previsto no art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93 (por 2 vezes, em concurso material);

(iv.3) o crime previsto no art. 95 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93;

(iv.4) o crime previsto no art. 312, c/c art. 327, §2º do Código Penal (por 19 vezes, em concurso material);

 

(v) DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK praticou, em concurso material:

(v.1) o crime previsto no art. 2º, caput, e § 4º, Inciso II, da Lei n. 12.850/13;

(v.2) o crime previsto no art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93 (por 2 vezes, em concurso material);

(v.3) o crime previsto no art. 95 c/c art. 84, § 2º da Lei n. 8.666/93;

(v.4) o crime previsto no art. 312, c/c art. 327, § 2º do Código Penal (por 19 vezes, em concurso material)

 

Por essas razões o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL contra eles oferecem a presente denúncia, pedindo sejam, ao final do devido processo legal, condenados. Requerem, por fim, a inquirição das testemunhas adiante relacionadas.

 

Consigne-se que não foi efetuado pedido de reparação dos danos causados, requerendo-se, todavia, em memoriais, o perdimento de bens até o limite de R$ 2.212.576,00 (art. 91, § 1º, do CP).

 

A r. sentença, publicada em 25.03.2021 pelo Exmo. Juiz Federal Rubens Petrucci Junior (1ª Vara de Dourados/MS), julgou parcialmente procedente a ação penal para (ID 256436950):

 

i) absolver RONALDO GONZALES MENEZES, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL da imputação relativa ao crime previsto no art. 95 c/c o art. 84, §2º, ambos da Lei nº 8.666/1993, com fulcro no art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal;

 

ii) absolver DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK da imputação relativa ao crime previsto no art. 2º, caput, § 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal;

 

iii) condenar RONALDO GONZALES MENEZES como incurso no art. 93 da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes, em concurso material, às penas de 01 (um) ano de detenção e multa no valor de 2% dos contratos celebrados;  no art. 312 do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 44 dias-multa; e no art. 2º, caput, § 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013, às penas de 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 17 (dezessete) dias de reclusão e 95 dias-multa;

 

iv) condenar DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK como incursa no art. 93 c/c o art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes, em concurso material, às penas de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção e multa no valor de 2,5% dos contratos celebrados; e no art. 312 c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, às penas de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa;

 

v) condenar SANDRA REGINA SOARES MAZARIM como incursa no art. 93 c/c o art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes, em concurso material, às penas de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção e multa no valor de 2,5% dos contratos celebrados; no art. 312 c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, às penas de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa; e no art. 2º, caput, § 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013, às penas de 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 113 dias-multa;

 

vi) condenar RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, como incurso no art. 93 c/c art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes, em concurso material, às penas de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção e multa no valor de 2,5% dos contratos celebrados; no art. 312 c/c art. 327, § 2º do Código Penal, às penas de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa; e no art. 2º, caput, § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/2013, às penas de 04 (quatro) anos, 11 (onze) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 113 dias-multa; e

 

vii) condenar RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, como incurso no art. 93 c/c art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes, em concurso material, às penas de 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção e multa no valor de 2,5% dos contratos celebrados; no art. 312 c/c art. 327, § 2º, ambos do Código Penal, às penas de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa; e no art. 2º, caput, §§ 3º e 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013, às penas de 05 (cinco) anos, 9 (nove) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 132 dias-multa.

 

viii) fixar o valor mínimo da indenização em R$ 532.000,00 (quinhentos e trinta e dois mil reais), referente aos recursos comprovadamente desviados, oriundos da Dispensa de Licitação nº 020/2017 (Processo Administrativo nº 022/2017) e do Pregão Presencial nº 06/2017 (Processo Administrativo nº 036/2017), nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, mantendo as constrições de bens efetivadas nos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002.

 

Nas razões de Apelação, o Ministério Público Federal formula os seguintes requerimentos (ID 256436963):

 

i) A condenação de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK pela prática de peculato, por 19 vezes em continuidade delitiva (art. 312 c.c. o art. 71, caput, ambos do CP);

 

ii)  A condenação de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK pela prática de integrar organização criminosa (art. 2º, caput, e § 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013);

 

iii) A condenação de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO pela prática de integrar organização criminosa (art. 2º, caput, e §§ 3º e 4º, inc. II, da Lei nº 12.850/2013), também com a circunstância agravante prevista no artigo 2º, § 3º, da mesma lei;

 

iv) a exasperação das penas aplicadas a RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, quanto aos crimes do art. 93 c/c art. 84, § 2º da Lei nº 8.666/1993 (por 2 vezes, em concurso material);

 

v) A fixação de R$ 2.212.576,00 (dois milhões, duzentos e doze mil, quinhentos e setenta e seis reais) a título de reparação mínima do dano causado ao erário.

 

Apelam também os acusados que foram condenados no ato sentencial, à exceção de RONALDO GONZALES MENESES, que manifestou o desejo de não recorrer (ID 256437086).

 

SANDRA REGINA SOARES MAZARIM (ID 257617892) e RAPHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO (ID 257617888) alegam preliminarmente: i) nulidade decorrente da ilegalidade da atuação do Ministério Público Estadual no feito; ii) inépcia da denúncia; e iii) nulidade das provas (ilegalidade da gravação clandestina pelo colaborador Ronaldo Gonzales Menezes). No mérito, postulam a absolvição fundada na inexistência do crime e de provas de sua participação. Subsidiariamente, pleiteiam (i) a redução das penas para o mínimo legal, com imposição do regime aberto; ii) a exclusão do dever de indenizar; iii) a liberação de todas as constrições de bens em nome da apelante; iv) a concessão da gratuidade judiciária.

 

DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK (ID 257652791) alega preliminarmente: i) nulidade decorrente da ilegalidade da atuação do Ministério Público Estadual no feito; ii) nulidade das audiências de instrução em razão da participação do delator “que a todos os depoimentos assistiu e mudou sua versão, adaptando seu depoimento/interrogatório de acordo com a prova produzida”. No mérito, postula a absolvição fundada no fato de não ter concorrido para as infrações penais, bem como na inocorrência da prática do peculato (art. 386, I e IV do CPP). Subsidiariamente, pleiteia a redução das penas impostas para o mínimo legal, tendo em vista a aplicação de ofício da agravante constante do art. 61, II, ‘b’, do Código Penal, com relação ao delito de fraude à licitação, e que, deveria ter sido reconhecida a continuidade delitiva ao invés do concurso material. Quanto ao delito de peculato, pugna pelo afastamento do caráter desfavorável emprestado à circunstância judicial da culpabilidade.

 

RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL (ID 257635561) alega preliminarmente: i) incompetência da Justiça Federal; ii) ilicitude da prova juntada ao ID nº 256436494, a acarretar nulidade da sentença ou, alternativamente, o seu desentranhamento e desconsideração para o julgamento do recurso”. No mérito, postula a absolvição fundada no art. 386, incs. I, III e IV, do Código de Processo Penal. Enfatiza que não possuía ingerência sobre a FUNSAUD, órgão distinto da Secretaria de Saúde de Dourados/MS e que inexistiria prova de que concorreu para quaisquer dos crimes. Subsidiariamente, pleiteia a redução das penas para o mínimo legal em razão da primariedade e dos bons antecedentes.

 

As Contrarrazões foram apresentadas pela acusação (ID 267609325) e pelas Defesas de RAPHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL e RONALDO GONZALES MENEZES (IDs 257617916, 257617915, 28182885 e 286729496).

 

A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do apelo ministerial, pelo PARCIAL PROVIMENTO das apelações interpostas por SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, apenas quanto à concessão de gratuidade de justiça, e pelo desprovimento dos demais apelos defensivos (ID 269047532 e 286755059).

 

É o relatório.

 

À revisão.

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001317-20.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

Advogados do(a) APELANTE: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogado do(a) APELANTE: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A
Advogados do(a) APELANTE: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A

APELADO: RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RONALDO GONZALES MENEZES, DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO, MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Advogados do(a) APELADO: EWERTON ARAUJO DE BRITO - MS11922-A, FELIPE CAZUO AZUMA - MS11327-S
Advogados do(a) APELADO: JOAO ARNAR RIBEIRO - MS3321-A, LEONARDO ALCANTARA RIBEIRO - MS16871-S, NELI BERNARDO DE SOUZA - MS11320-A
Advogado do(a) APELADO: TIAGO HENRIQUE HEIDERICHE GARCIA - MS15681-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Saliento que DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK apresentou regularmente contrarrazões à Apelação ministerial (ID 281605222).

 

Introdução

 

O caso dos autos deriva de investigação inicialmente empreendida pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul, tendo por objeto a atuação de suposta organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos oriundos do Fundo Municipal de Saúde de Dourados/MS, por meio de fraudes em licitações.

 

A verba pública desfalcada era constituída também por repasses advindos do Fundo Nacional de Saúde, ensejando a atuação do aparelho persecutório federal.

 

Nestes termos, foi instaurado o Inquérito Policial nº 151/2018-4– DPF/DRS/MS (autos nº 0000680-69.2018.4.03.6002), recaindo sobre a contratação de diversas empresas pela FUNSAUD, dentre as quais a Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos Ltda., contratação esta que acabou separadamente investigada no presente feito.

 

Em decorrência, foram efetivadas a quebra de sigilo telemático (Autos nº 0000832-20.2018.4.03.6002), bem como de dados bancários e fiscais (Autos nº 0000865-10.2018.4.03.6002), além de serem efetivadas medidas de busca e apreensão e prisões (Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002 e 0001316-35.2018.4.03.6002). Cabe citar, por fim, a celebração de acordo de colaboração premiada por RONALDO GONZALES MENEZES (Autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002).

 

 

I -                     QUESTÕES PRELIMINARES

 

I.I -                   Da competência da Justiça Federal

 

A Defesa de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL argumenta preliminarmente com a suposta incompetência absoluta da Justiça Federal, aduzindo que não haveria interesse da União na causa atinente a supostos delitos praticados em âmbito Municipal.

 

Ocorre, todavia, que os supostos crimes envolvendo o fornecimento de marmitas pela empresa MARMIQUENTE têm por objeto dotação orçamentária oriunda do bloco “Atenção de Média e Alta Compl. Amb. e Hosp. Urgência e Emergência” (ID 21243473 - Pág. 5), custeado por verba pública federal (Portaria de Consolidação n. 6/17, art. 173).

 

Desta sorte, ressoa evidente o interesse da União na causa, a atrair a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito (art. 109, inc. I, da CF).

 

 

I.II -                 Da atuação conjunta do Ministério Público Federal com o Ministério Público Estadual

 

SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RAPHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK suscitam a ocorrência de nulidade em virtude da atuação indevida do Ministério Público Estadual do Mato Grosso do Sul, que não teria competência legal para atuar no presente feito.

 

Alega-se que teria afronta aos princípios da legalidade e do devido processo legal, bem como teria ocorrido prejuízo concreto decorrente de que a acusação teria sido formulada por órgão sem atribuição para figurar no polo ativo da demanda, com atuação de subscritores pelo Ministério Público Federal e Estadual, em afronta ao princípio da paridade de armas.

 

Não lhes assiste razão, todavia.

 

Referida questão já foi corretamente endereçada pelo r. juízo a quo no próprio ato sentencial (ID 256436950 - Pág. 7):

 

Contudo, não há prova de efetivo dano no caso concreto, de modo a se aplicar o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual somente há de se declarar a nulidade se, alegada em tempo oportuno, houver demonstração ou comprovação de efetivo prejuízo para a parte.

 

Ora, ao mencionar que as peças foram confeccionadas e subscritas por agente sem atribuição para tanto, os réus parecem ignorar a presença do Ministério Público Federal em todas as fases do processo, a condução da investigação pela Polícia Federal e o processamento do feito pelo Juízo competente.

 

No mais, não se vislumbra impedimento para a atuação conjunta entre os Ministérios Públicos, alternativa jurídica dotada de maior grau de eficiência, em prol da máxima efetividade dos objetivos constitucionais da instituição.

 

Assim, opõe-se ao bom senso e a razoabilidade ter por nulo tudo o que foi produzido nos autos, pelo fato dos Ministérios Públicos terem atuado em cooperação no presente caso, pelo que afasto a preliminar levantada.

 

De fato, não há qualquer prejuízo à parte que se possa cogitar no que tange à confecção conjunta de peças processuais pelos dois entes ministeriais, na medida em que o órgão que efetivamente deve atuar na esfera federal, o Ministério Público Federal, encabeçou a pretensão punitiva estatal.

 

Em verdade, importante ser assentado que a marcha processual desenvolveu-se sem que fosse oportunizado ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul atuar efetivamente como parte, porquanto o r. juízo a quo dirigiu-se sempre exclusivamente ao Parquet federal no que tange à prática de atos próprios da titularidade da ação penal.

 

Pode-se dizer, assim, que embora a ação penal transcorrera com inusual atuação do Ministério Público Estadual, a intervenção deste resulta processualmente indiferente, na medida em que se operou adstritamente à intervenção do Parquet federal, não se equiparando a uma espécie de litisconsórcio ativo impróprio que duplicasse o ímpeto acusatório.

 

O simples peticionamento conjunto constitui intervenção tão amena que não ombreia sequer com os já limitados poderes inerentes ao assistente de acusação, conquanto tal figura abarque a possibilidade de efetiva intervenção do representante legal do ofendido (art. 268 do CPP), o qual no caso, seria a população mato-sul grossense e do município de Dourados.

 

Oportuno reconhecer, aliás, que a imputação compreende fatos típicos praticados por servidores públicos municipais de Dourados/MS e envolvem dotação orçamentária do Sistema Público de Saúde, custeado por verbas não apenas federais, como também estaduais e municipais, a denotar interesse processual dos três níveis de governo.

 

Vale ter presente, ademais, que a Lei nº 7.347/1985, ao disciplinar a Ação Civil Pública, estabelece expressamente a legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Estados, na defesa dos interesses transindividuais (art. 5º, § 5º, do citado diploma legal), claramente afetados pelas ações delituosas objeto do presente feito.

 

Nesse sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

 

(...) 13. Casos há que, não obstante a ação tramite na Justiça Federal, é possível a atuação do Ministério Público Estadual, a exemplo das Ações Civis Públicas que buscam a tutela de direitos difusos e coletivos que afetam determinada região ou cuja competência para a execução dos serviços públicos seja de atribuição concorrente da União, Estados e Municípios, como nos serviços de saúde e educação. 14. Sempre que a defesa do interesse público recomendar, deve ser reconhecida a possibilidade da atuação conjunta dos órgãos do Ministério Público, em litisconsórcio facultativo, nos termos da própria previsão do art. 5º, §5º, da Lei 7.347/1985 (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1716095 2017.03.26733-9, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:22/11/2018)

 

Inclusive, cumpre mencionar que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de validar o posicionamento segundo o qual a simples presença de autoridade estrangeira em procedimento de instrução de carta rogatória destinado à cooperação em matéria penal não representa ilegalidade, tampouco atinge as garantias do investigado/acusado, na medida em que não representa interferência na posição ostentada pelo Ministério Público Federal, a quem compete encampar ou não eventual questionamento proveniente da pessoa ou órgão interessado, ou mesmo na posição do magistrado, a quem compete conduzir a colheita da prova (Carta Rogatória nº 1.879 – BE; 2006/0133284-1, Ministro Barros Monteiro, DJe de 17.12.2007), entendimento pelo qual, mutatis mutandis, o exercício da titularidade da ação penal compete reservadamente ao membro do Parquet federal que, lícita e solicitamente, opta por se fazer acompanhar de membro de entidade ministerial estadual na prática de atos processuais.

 

Em vista de tais premissas, foram empreendidos esforços em ambos os níveis, federal e estadual, para a apuração de fatos correlacionados às respectivas esferas de atuação do MPF e MPE/MS, contexto em que a subscrição conjunta de peças processuais reflete precisamente um atuar consentâneo com a unidade institucional das duas entidades ministeriais (art. 127, § 1º, da Constituição Federal), incapaz de ferir qualquer garantia dos acusados. Antes, revela-se proceder coerente e que promove clareza de entendimento acerca da opinio delicti, evitando duplicidade de posicionamento institucional acerca dos delitos enfocados, o que, em verdade, facilita o exercício do contraditório e da ampla defesa, sem que disso decorra qualquer prejuízo aos acusados.

 

Desta sorte, deve ser rechaçada a preliminar em comento.

 

 

I.III -                Da regularidade da denúncia

 

Invocando suposta inépcia da denúncia, a Defesa de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAPHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO aduz que a peça acusatória apresentaria caráter lacônico, genérico e superficial, afrontando a possibilidade de exercício do contraditório e da ampla defesa.

 

Já foi decidido nos autos (ID 256435667), todavia, pela inexistência de nulidade por suposta inépcia da denúncia, ao fundamento de que a acusação apresentou com suficiente precisão a imputação, individualizando razoavelmente as condutas de cada corréu, considerando, apesar disto, que em se tratando de delitos praticados em concurso de pessoas, admite-se certa relativização do preceito do art. 41 do CPP, pela impossibilidade de descrição exaustiva de cada uma das condutas antes da fase probatória do processo penal.

 

Com efeito, dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

 

Cumpre salientar que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 também do Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal).

 

A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores mostra-se pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal, sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIME DO ART. 312, § 1º, C/C O ART. 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VERIFICADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O libelo acusatório preenche os requisitos do art. 41 do CPP, uma vez que, na peça, imputa-se claramente a conduta criminosa ao recorrente, descrevendo-se suficientemente os fatos e as circunstâncias que os envolvem, com a devida individualização da conduta, consistente no descumprimento do dever legal e contratual de o recorrente coibir o superfaturamento, na qualidade de representante empresarial no consórcio formado, que, por meio de conduta omissiva, não impediu a concretização dos ilícitos relacionados às obras do aeroporto de Macapá/AP. 2. A conduta criminosa omissiva descrita para o denunciado, que alude ao tipo descrito no art. 312, § 1º, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, embora não esteja minudentemente detalhada, foi suficientemente narrada na exordial acusatória, o que não impede a persecução penal. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.

(AGRRHC - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS - 112805 2019.01.37638-0, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:09/12/2019)

 

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIMES EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. 2. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao paciente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 3. Nos chamados crimes de autoria coletiva, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa. Precedentes. 4. No caso dos autos, verifica-se que a participação do paciente na empreitada criminosa foi devidamente explicitada na peça vestibular, tendo o Ministério Público consignado que integrava organização criminosa destinada a lesar os sofres públicos, tendo, na qualidade sócio-proprietário da empresa WSIMON Assessoria, Consultoria e Informática Ltda-ME, fraudado o caráter competitivo de procedimento licitatório e desviado dinheiro público, recebendo por serviços que não foram efetivamente prestados, narrativa atende de forma satisfatória os requisitos legais exigidos para que se garanta ao réu o exercício da ampla defesa e do contraditório. 5. O agravante foi acusado de praticar os delitos previstos nos artigos 90 e 91 da Lei 8.666/1993, para os quais a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça não exige a comprovação de dolo específico ou da ocorrência de prejuízos ao erário, cuja descrição, portanto, sequer precisaria constar da exordial. Precedentes. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. Em sede de habeas corpus e de recurso ordinário em habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a atipicidade da conduta, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade e a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Estando a decisão impugnada em consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no reclamo, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente. 3. Agravo regimental desprovido.

(AGRHC - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS - 540434 2019.03.12728-9, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:19/11/2019)

 

 

Neste contexto, conquanto a Defesa alegue insuficiência da descrição das condutas, a peça acusatória mostra-se robusta e detalhada a ponto de especificar a conduta de cada um dos acusados em relação aos diversos fatos típicos que apontou.

 

No caso, a leitura atenta da peça acusatória conduz à correta compreensão da imputação delitiva, bem como se lastreou nos elementos necessários à formação da justa causa para a deflagração da ação penal, especificando em quatro conceituações típicas, os atos executórios que consubstanciaram a imputação pelos crimes em questão, a saber: i) organização criminosa voltada a fraudar certames licitatórios e a desviar verbas públicas do sistema de saúde de Dourados/MS; ii) fraude à licitação mediante a contratação irregular da empresa Marmiquente; iii) afastamento de licitante (em relação ao qual houve absolvição); e iv)  peculatos mediante o desvio dos valores pagos à Marmiquente em função do contrato administrativo.

 

Consequentemente, não prospera a alegação de inépcia da denúncia, restando rechaçada a presente questão preliminar.

 

 

I.IV -                Da licitude da prova oriunda da gravação ambiental unilateral empreendida pelo réu-colaborador RONALDO GONZALES MENEZES

 

Preliminarmente, a Defesa de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAPHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO ainda aponta suposta violação à intimidade e à vida privada dos acusados em decorrência da gravação de diálogos mantidos com o réu-colaborador RONALDO GONZALES MENEZES, capturados por este sem o consentimento daqueles.

 

Aponta-se, ainda, a ausência de autorização judicial para a apreensão de provas mediante a interveniência do réu-colaborador, enfatizando que RONALDO GONZALES MENEZES passou a atuar como agente infiltrado da Polícia Federal na suposta organização criminosa após ter firmado acordo de colaboração premiada.

 

De fato, merece registro o fato de que, posteriormente à celebração de pré-acordo em 12.02.2019 com o Ministério Público Federal e a Delegacia de Polícia Federal em Dourados/MS (ID 21358041 – Pág. 02/09 dos autos de colaboração premiada – proc. nº 5002152-83.2019.4.03.6002, acessado no Pje de 1º grau), em vista do compromisso assumido de colaborar amplamente com as investigações então em curso, inclusive com fornecimento de documentos e outras provas materiais (CLÁUSULA 8ª), RONALDO forneceu aos órgãos investigatórios mídias contendo gravações de diálogos posteriores que deram suporte a relatórios de inteligência e contribuíram para perfazer a materialidade e a autoria delitiva (a exemplo dos documentos acostados no ID 21358041 e seguintes dos autos 5002152-83.2019.4.03.6002). Subsequentemente, com exitosa contribuição para a elucidação dos fatos, a RONALDO foi oferecido termo de colaboração premiada, assinado em 21.08.2019 – ID 21358047 – Pág. 32/45 dos autos 5002152-83.2019.4.03.6002).

 

Salienta-se que, no caso, a captura ambiental teve por objeto encontros presenciais diversos mantidos por RONALDO com os demais réus e outros atores relacionados com os fatos dos autos e que foram acompanhados por diligências policiais, conforme registrado nos autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002.

 

No entanto, trata-se de questões também já apropriadamente rebatidas pelo r. juízo a quo, que assim se manifestou a respeito do tema (ID 256435667):

 

No Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 583.937, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que: ‘É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro’.

 

Tal conclusão foi guiada pela premissa de que ‘quem revela conversa da qual foi partícipe, como emissor ou receptor, não intercepta, apenas dispõe do que também é seu e, portanto, não subtrai, como se fora terceiro, o sigilo à comunicação (...)’.

 

Quanto ao fato de que tais gravações decorreram dos termos do acordo de colaboração premiada firmado por RONALDO GONZALES MENEZES, é importante consignar que ‘a espontaneidade do interlocutor responsável pela gravação ambiental não é requisito de validade do aludido meio de prova, sendo a atuação voluntária (mas não necessariamente espontânea) do agente suficiente para garantir sua integridade’ (HC 141157 AgR/PE).

 

(...)

 

Contudo, é certo que a atuacão de RONALDO GONZALES MENEZES não se confunde com esta figura. O fundamento principal da utilizacão da infiltracão policial no âmbito de organizacões criminosas reside na possibilidade de alcançar, por tal meio, o cerne do grupo e, assim, recolher provas do envolvimento dos mandantes.

 

É por isso que são feitas por meio de agentes de polícia, terceiros estranhos à organizacão criminosa, os quais, inclusive, não são puníveis, no âmbito da infiltracão, pela prática de crime no curso da investigacão, quando inexigível conduta diversa (art. 13, parágrafo único, da Lei).

 

Lado outro, RONALDO GONZALES MENEZES, é investigado e, em tese, integrante da suposta organizacão criminosa objeto dos autos. Assim, por meio de sua atuacão, buscou colaborar e delimitar a sua própria responsabilidade nos delitos perpetrados, o que não deixa de ser uma manifestacão de autodefesa.

 

Em resumo, o infiltrado previsto na Lei de Organizacão Criminosa, cuja atuacão depende de motivada e sigilosa autorizacão judicial, que estabelecerá seus limites (art. 10), não se confunde com o réu colaborador que, para fins de atenuacão de pena, age conforme os termos do acordo de colaboracão premiada.

 

Com efeito, não há que se falar em nulidade da gravação empreendida pelo próprio interlocutor dos diálogos capturados, ainda que sem o conhecimento dos demais acusados. Trata-se de matéria pacificada pelo Supremo Tribunal Federal no mencionado RE 583.937, julgamento proferido em sede de Repercussão Geral, no qual se fixou a seguinte tese:

 

AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida, Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

 

Inclusive, deve-se ter presente o fato de a própria Lei nº 12.850/2013, que disciplina a colaboração premiada, também estabelecer como meio idôneo de obtenção de prova, em qualquer fase da persecução penal, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 3º, inc. II, do referido diploma legal), induzindo a compreensão de que se estende à acusação a prerrogativa de utilizá-la como meio de comprovação do fato denunciado.

 

A licitude da gravação não é desnaturada, portanto, pelo fato de o agente já figurar como colaborador quando da captura dos diálogos. É certo, nesse sentido, que a prova decorrente da gravação unilateral empreendida às escondidas possui valor relativo, devendo ser sopesada no contexto da prática delituosa e à luz dos demais elementos do conjunto probatório.

 

Aliás, esta 11ª Turma, em precedente no qual se analisou a captação ambiental empreendida por réu colaborador que induziu maliciosamente a verbalização de frases criminalmente embaraçosas por parte de seu interlocutor, solucionou-se não pela invalidade da prova, mas por aquilatar com somenos credibilidade as falas potencialmente descontextualizadas ou artificialmente dirigidas pelo réu colaborador ((TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0008456-05.2017.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, v.u. julgado em 28/07/2023, DJEN DATA: 01/08/2023)).

 

Importante citar que até o advento do denominado Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019), não havia qualquer regulamentação legal da gravação ambiental pelo interlocutor, meio de prova cuja admissibilidade, portanto, pautava-se meramente pela ponderação da privacidade com a justa causa para a divulgação do conteúdo capturado unilateralmente.

 

Entretanto, com as modificações introduzidas pelo Pacote Anticrime, inaugurou-se novo regramento acerca da captação ambiental, particularmente pelo teor do disposto no art. 8-A da Lei nº 9.296/1996, incluindo a gravação realizada pelo próprio interlocutor (parágrafo quarto):

 

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º (VETADO).

§ 2º A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)        (Vigência)

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º (VETADO).

§ 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) [rejeição do veto presidencial promulgada em 29 de abril de 2021]

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

Na regulamentação legal (sobrevinda à assimilação de evidências pela gravação empreendida por RONALDO enquanto investigado pretendente a colaborador), a captação ambiental recebeu tratamento bastante assimilado ao da interceptação telefônica, estabelecendo o crivo judicial prévio e requisitos específicos que impedem a sua utilização indiscriminada em toda e qualquer investigação.  Coerente com o entendimento predominante de que toda intromissão de terceiro em comunicação alheia deve ser balizada mais estritamente.

 

A par de tal regramento, quando se trata especificamente da gravação empreendida pelo próprio interlocutor, todavia, não se faria necessário referido regime protetivo da privacidade, conforme já assentado acima. No entanto, o legislador restringiu a utilização deste meio de prova, quando à margem do conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público Federal, à finalidade unicamente defensiva e mediante a demonstração da integridade da gravação (art. 8º-A, § 4º, da Lei nº Lei nº 9.296/1996).

 

Renato Brasileiro de Lima, na obra Pacote Anticrime: Comentários à Lei Nº 13.964/19 – Artigo por Artigo, - 2 ed. rev. atual. e ampl. -  Salvador: Editora Juspodivm, 2021 – pág. 456 e ss. bem delimita as figuras ora cotejadas:

 

O avanço da tecnologia em várias áreas do conhecimento humano vem reconfigurando, nos últimos anos, a maneira pela qual uma infração penal pode ser elucidada. (...) Isso tem proporcionado, numa escala nunca vista antes, a captação de sons e imagens que são muito úteis à persecução penal, não apenas pelo baixo custo necessário para a sua produção, mas também pela credibilidade e veracidade capaz de auxiliar na formação do convencimento do julgador.

 

É dentro desse contexto, pois, que deve ser compreendida a sistematização da escuta ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, introduzida pelo Pacote Anticrime no art. 8º-A da Lei n. 9296/96.

 

Até o advento da Lei n. 13.964/19, a captação ambiental constava da Lei das Organizações Criminosas (Lei n. 12.850/13, art. 3º, II) como um dos meios de obtenção de prova passíveis de utilização para a persecução penal de tais delitos. Porém, pelo menos até então, não havia nenhum diploma normativo que dispusesse, expressamente, acerca de seus requisitos. Cuidava-se, pois, de um meio de obtenção de prova nominado, porquanto previsto em lei, porém atípico, já que a Lei n. 12.850/13 nada dispunha acerca do procedimento a ser adotado para a sua execução, daí porque se aplicava, por analogia, o procedimento descrito na Lei n. 9.296/96 acerca da interceptação telefônica (meio de obtenção de prova típico). Com a entrada em vigor da Lei n. 13.964 no dia 23 de janeiro de 2020, o legislador, enfim, promove a sistematização desse importante meio de obtenção de prova, já consolidado pela jurisprudência e rotineiramente utilizado no Brasil.

 

(...)

 

Por outro lado, não está abrangida pelo regime jurídico do art. 8-A da Lei n. 9.296/96 a gravação ambiental, espécie de captação feita diretamente por um dos comunicadores, sem a interveniência de um terceiro, cuja licitude deve ser analisada casuisticamente.

 

(...)

 

Com a devida vênia, a nosso juízo, não se cuidando de interpretação ambiental ou de outro meio ilegal ou moralmente ilícito, mas simplesmente de reprodução de conversa mantidas pelas partes e gravada pelo agente, há de se admitir a gravação clandestina como prova válida, nos moldes do que preconiza o art. 422 do novo CPC: “Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, a cinematográfica, a fonográfica ou de outra espécie, tem aptidão para fazer prova dos fatos ou das coisas representadas, se a sua conformidade com o documento original não for impugnada por aquele contra quem foi produzida.”

 

Reconhecido o direito de toda pessoa gravar sua própria conversa, a gravação clandestina deve ser considerada prova lícita, salvo se sua obtenção violar princípios e garantias constitucionais, tais como o direito à intimidade, à vida privada, à honra e imagem das pessoas, à inviolabilidade do domicílio (...). Assim, a gravação clandestina será considerada ilícita quando o conteúdo da comunicação se referir a assunto que goza de sigilo profissional ou funcional protegido penalmente. Ainda que não haja proteção penal, pode tratar-se de sigilo implícito, como as intimidades que um amigo revela a outro, cuja revelação pode violar o direito fundamental à intimidade, salvo se feita para atender direito próprio ou por quem o sigilo protege.

 

Logo, desde que não haja, na conversa objeto da gravação clandestina, o direito à reserva (obrigação de guardar segredo), a parte contrária pode utilizá-la validamente em juízo.

 

Ainda que se controverta acerca da extensão da utilização como prova da gravação ambiental produzida sem a interveniência dos órgãos da persecução penal a partir da vigência do parágrafo quarto do art. 8-A da Lei nº 9.296/1996 (questão diversa da verificada no caso, em que houve acompanhamento da captura ambiental por agentes públicos vinculados à investigação), a captura ambiental realizada pelo réu colaborador, em cumprimento de acordo de colaboração devidamente homologado, tendo por objeto diálogos comprometedores mantidos com os demais agentes criminosos, apresenta-se como expediente acobertado pela autodefesa e pelo interesse da acusação em coletar evidências hábeis a encorpar o acervo  probatório em face de acusados diversos, decorrente da concessão do beneplácito ao réu efetivamente colaborador (art. 4º da Lei 12.850/2013).

 

À luz do exposto, pode-se concluir que a prova oriunda da colaboração mostra-se válida, eis que a captura ambiental nos moldes em que realizada não é ilícita per si, e eficaz como elemento persuasivo (corrobora o restante do acervo, conforme a apreciação meritória abaixo promovida), sendo certo que a concessão das benesses ao colaborador RONALDO não fora condicionada à captura das conversações questionadas, pois outros elementos de convicção já haviam sido fornecidos, além de ter sido monitorada (a captura) por agentes públicos presumivelmente isentos.

 

 

I.V -                 Ilicitude da gravação ambiental unilateral de diálogo mantido pelo réu colaborador com advogado dos demais corréus

 

Questão diversa que exsurge dentro do tópico referente à gravação ambiental diz respeito, pontualmente, a duas gravações unilateralmente empreendidas pelo réu-colaborador RONALDO com a advogada Tamyris Cristiny Souza Rocha, então procuradora dos acusados RAFHAEL, SANDRA e DAYANE, bem como da própria empresa MARMIQUENTE (ID 21358041 - Pág. 47/ 21358047 - Pág. 14 dos autos 5002152-83.2019.4.03.6002).

 

Não desprezando os fundamentos já expostos acima, vale esmiuçar o voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso no RE 402.717/PR, precursor do RE 583.937-RJ, julgado em sede de repercussão geral na qual se assentou a tese de que “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”:

 

Como longamente já sustentei alhures, não há ilicitude alguma no uso de gravação de conversação telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, com a intenção de produzir prova do intercurso, sobretudo para defesa própria em procedimento criminal, se não pese, contra tal divulgação, alguma específica razão jurídica de sigilo nem de reserva, como a que, por exemplo, decorra de relações profissionais ou ministeriais, de particular tutela da intimidade, ou doutro valor jurídico superior. A gravação aí é clandestina, mas não ilícita, nem ilícito é seu uso, em particular como meio de prova.

 

A contrario sensu do entendimento vertido no tópico acima, que bem representa o ponto de equilíbrio dos valores constitucionais da privacidade e da punibilidade (que representa o resguardo da própria ordem jurídica violada), o crime narrado por advogado ao réu colaborador e por este capturado não pode ser empregado senão defensivamente, nunca para fomentar juízo acusatório sobre os corréus citados como agentes delituosos.

 

Incide, no caso, a específica inviolabilidade do exercício da advocacia, preceituada pelo art. 133 da Constituição Federal:

 

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

 

Na esteira do dispositivo constitucional, a Lei 8.906/1994 - Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dispõe em seu art. 7º, incs. II e III:

 

Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

 

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;

 

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

 

Como decorrência do resguardo do sigilo entre advogado e cliente, torna-se inconcebível a utilização em desfavor dos representados por aquele do reconhecimento de crime.

 

No caso em tela, as gravações questionadas, diz a defesa, “referem-se a dois encontros, o primeiro datado de 26/04/2019 e o segundo sem referência de data, cujas gravações e desgravações estão no bojo do processo n. 5002152-83.2019.4.03.6002 de pedido de homologação da colaboração premiada” (ID 21358047 dos autos de colaboração premiada).

 

Nota-se, porém que a gravação dos diálogos com a advogada TAMYRIS não viabilizou a descoberta de provas novas e foi utilizada como alicerce apenas para a condenação da corré DAYANE WINCK, conforme se depreende do excerto abaixo colacionado da própria r. sentença (ID 256436951 - Pág. 22/27):

 

2.3.1.3 – Autoria de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK

(...)

 

Narra a denúncia que DAYANE auxiliou RONALDO na aquisição do CNPJ da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.-ME, valendo-se de seu vínculo de amizade com a antiga proprietária da empresa, Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes.

 

(...)

 

A denúncia ainda narra que DAYANE auxiliou RONALDO na obtenção dos atestados de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE, ideologicamente falsos, utilizados no Pregão Presencial nº 06/2017.

 

(...)

 

Por oportuno, transcreve-se a fala de TAMYRIS CRISTINY SOUZA ROCHA no ID 21358047 - Pág. 4, dos Autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002: […] então a questão da Day qual é o problema que eu vejo assim mais no sentido, pra ela no sentido dela ter ajudado aquelas… aquelas declarações. […] Tipo assim, porque é um documento falso, entendeu? Ainda, RAFHAEL disse a RONALDO: Você sabe porque eles te prenderam né? […] Você e a Day se uniram para falsificar aqueles atestados (ID 21358041 - Pág. 33, dos Autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002).

 

De tudo quanto ora exposto, pode-se concluir que as gravações das conversas empreendidas pelo corréu colaborador RONALDO são válidas porquanto extraídas de diálogos nos quais ele próprio figurava como interlocutor. Revelam-se ineficazes, todavia, as gravações dos diálogos com a advogada Tamyris, em respeito ao devido sigilo profissional. Consequentemente, a utilização do diálogo entre RONALDO e Tamyris, como esteio para a condenação de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK constitui prova ilícita, devendo ser desconsiderada do exame meritório abaixo procedido.

 

 

I.VI -                Regularidade procedimental da audiência de instrução ante a colheita da prova testemunhal na presença do corréu colaborador

 

A Defesa de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK argumenta, ainda preliminarmente, com a ocorrência de suposta nulidade das audiências de instrução em razão da participação do delator “que a todos os depoimentos assistiu e mudou sua versão, adaptando seu depoimento/interrogatório de acordo com a prova produzida”.

 

Aduz que, firmado o acordo de colaboração premiada com cláusula ad exitum de condenação dos demais corréus, RONALDO GONZALES MENESES foi dispensado do cumprimento do art. 210 do Código de Processo Penal, segundo o qual uma testemunha não deve presenciar o depoimento das demais, de sorte que ao ofertar seu depoimento judicial, pôde ajustar a sua versão dos fatos, acrescentando elementos em desacordo com a verdade.

 

Referida questão também constituiu preliminar expressamente endereçada pela r. sentença (ID 256436950 - Pág. 8):

 

Relevante destacar, entretanto, a posição do colaborador premiado em relação ao processo em que se pretende valorar as suas declarações. Trata-se de corréu no mesmo processo em que se apura a responsabilidade dos delatados, de modo que impedi-lo de assistir o depoimento das testemunhas violaria o seu direito ao contraditório e a ampla defesa.

 

Logo, não há de se aplicar o art. 210 do Código de Processo Penal, que determina que as testemunhas devam ser inquiridas de modo que umas não saibam nem ouçam as outras, pois este não é o papel desempenhado pelo colaborador que é, repise-se, corréu no processo.

 

Tal situação, inclusive, vai de encontro ao próprio deslocamento do interrogatório do momento inicial da instrução para após o seu término, promovido pela Reforma de 2008, que permitiu que o acusado exercesse sua autodefesa, já tendo um conhecimento completo de toda a prova produzida e, em especial, dos elementos incriminatórios colhidos na instrução.

 

Ainda, não obstante o compromisso do corréu colaborador em dizer a verdade acerca do que ele se comprometeu em delatar no acordo de colaboração premiada, antes de sua oitiva foi feita uma ressalva de que ele tinha direito ao silêncio no que sobejasse o acordo, ou seja, para além daquilo que ele se comprometeu, em evidente demonstração de que o corréu também foi interrogado.

 

No mais, sopesando a carga acusatória que existe nas informações do colaborador, com esteio no quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 157627 AgR/PR, julgado em 27.8.2019, consignou-se que o réu colaborador não poderia se manifestar por último.

 

Com efeito, assiste razão ao magistrado. O regime jurídico processual aplicável a corréu colaborador necessariamente diverge do tratamento dispensável à testemunha, bem como daquele dispensável ao acusado, porquanto assimila aspectos de ambos, traduzindo-se em figura processual sui generis, que tempera a dialética tradicional entre acusação e defesa.

 

O depoimento do réu colaborador constitui elemento que municia a acusação desde que corroborado por outras evidências. De outro lado, não deixa de representar interrogatório, instrumento imprescindível para o exercício da ampla defesa.

 

Em que pese o inconveniente que o réu colaborador possa ajustar seu depoimento à luz do quanto dito pelas demais testemunhas, considerando o status superior das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório à regra de incomunicabilidade contida no art. 210 do Código de Processo Penal, mostra-se mais razoável escusar o réu colaborador da vedação aplicável à figura da testemunha simples do que impedir que ouça, enquanto réu, depoimentos testemunhais desfavoráveis que possam ser utilizados em sua própria condenação.

 

Demais disto, não restou evidenciado qualquer prejuízo à parte, a uma porque a palavra do réu colaborador deve ser necessariamente corroborada por outras evidências para que possa robustecer a condenação (art. 3º-C, §4º, da Lei nº 12.850/2013), e, a duas, porque a apelante não descreveu quais pontos do depoimento de RONALDO GONZALES MENESES teriam sido incongruentes.

 

Não haveria, a propósito, nulidade processual ainda que o réu colaborador faltasse completamente com a verdade, hipótese na qual, não havendo elementos a corroborar eventual carga contrária aos demais corréus, importaria na absolvição destes e em potencial rescisão da colaboração premiada – cenário no qual o direito à ampla defesa dos demais réus permanece salvaguardado.

 

Consequentemente, deve ser rechaçada a preliminar sob análise.

 

 

I.VII -               Regularidade do relatório de análise da polícia judiciária – Termo de Apreensão 201 e 203/2019 BIP/PF/DRS/MS

 

A Defesa de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL preliminarmente, argumenta com a nulidade do relatório policial constante do ID 256436494, requerendo o seu desentranhamento. Aduz que a sua juntada aos autos posteriormente à oitiva dos agentes que o confeccionaram implicaria em flagrante violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

 

Não há, todavia, qualquer nulidade.

 

O ato policial questionado consubstancia a exposição dos trabalhos policiais decorrentes do cumprimento de mandado de busca e apreensão e de prisão preventiva relacionados ao corréu em questão.

 

Nesse sentido, denota-se que a peça de inteligência policial ostenta caráter meramente elucidativo da questão fática nele retratada, objetivando análise e compreensão do teor do material apreendido, não havendo qualquer juízo de valor que transborde da função eminentemente investigativa.

 

Consequentemente o relatório policial debatido não padece de qualquer nulidade, sendo o conteúdo nele retratado objeto da livre apreciação das provas pela autoridade judicial, o que constitui precisamente o mérito recursal.

 

A propósito, juntado aos autos no dia 18.02.2020, a peça policial foi submetida ao contraditório, oferecendo-se a possibilidade de manifestação dos réus para esclarecimento das informações veiculadas pelo documento policial questionado. Ocorre que, estando os autos disponíveis em cartório para eventual requerimento que entendesse pertinente, a Defesa de RENATO dispensou a medida (ID 256436959 - Pág. 2/3), submetendo-se à preclusão para a providência ora reclamada a título de nulidade.

 

Não há, portanto, qualquer fundamento na preliminar ora rebatida.

 

 

II -                   DO MÉRITO

                                             

Consoante já afirmado precedentemente, o caso dos autos retrata crimes diversos praticados por RENATO, RAPHAEL, SANDRA, RONALDO e DAYANE no município de Dourados/MS, vindo, em tese, a: (i) constituírem e integrarem organização criminosa voltada à prática de ilícitos em face da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados e da Fundação de Serviços de Saúde em Dourados (FUNSAUD) – art. 2º da Lei nº 12.850/2013; (ii) fraudarem os procedimentos de Dispensa de Licitação n. 020/2017 (Processo de Licitação n. 022/2017) e o Pregão Presencial n. 06/2017 (Processo Administrativo n. 036/2017), mediante utilização de documentos atestando regularidade inexistente da empresa MARMIQUENTE; (iii) desviarem recursos da FUNSAUD em proveito próprio no âmbito das contratações mencionadas. À parte desses delitos, ainda controvertidos, registre-se que os réus foram absolvidos da infração disposta no art. 95 da Lei nº 8.666/1993, transitada em julgado a r. sentença particularmente quanto a este crime.

 

 

II.I -                 CARACTERIZAÇÃO DOS CRIMES DE PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO E DE PECULATO (ART. 93 DA LEI Nº 8.666/1993 E 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL)

 

PREMISSAS TEÓRICAS

 

Cumpre salientar, de início, ter sido objeto de especial atenção pelo Poder Constituinte Originário de 1988 o tema da licitação para a contratação com o Poder Público, tendo havido a previsão, no art. 37, XXI, do Texto Constitucional, de que, “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Assim, depreende-se que a intenção do Legislador de 1988 estava em assegurar a melhor contratação por parte da Administração Pública (visando o interesse público primário que deve sempre estar presente em tal contexto) por meio da mais ampla igualdade de condições aos concorrentes e dos concorrentes que se habilitarem a vindicar posição em procedimento licitatório.

 

Desta feita, objetivando o Poder Público a melhor escolha possível daquilo que necessita adquirir para gerir a coisa pública (seja obra, seja serviço, seja compra, seja alienação), deve-se permitir a maior competição possível entre aqueles que possuem interesse na celebração de contrato com a administração pública. E, nesse diapasão, cumpre mencionar que o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, vigente à época dos fatos, preceitua que: “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

 

Portanto, o fomento da igualdade, o objetivo de haver competitividade e o respeito aos princípios mencionados anteriormente devem pautar a conduta de todos os intervenientes nos procedimentos licitatórios (servidores públicos e particulares) a fim de que o certame se mostre hígido e prevaleça, ao cabo, o interesse público maior e principal que permeia todo o sistema, qual seja, o bem comum.

 

E precisamente nesse panorama delineado anteriormente é que deve ser entendida a tipificação do delito instituído no art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (vigente à época dos fatos), que visa tutelar a regularidade dos procedimentos licitatórios nos termos tecidos de respeito aos postulados que lhe são inerentes, almejando afastar qualquer irregularidade no procedimento licitatório (sob o manto que reza a proteção do interesse público primário no sentido de que as contratações levadas a efeito pelo Poder Público devem ser as melhores possíveis para a sociedade), ainda que não haja efetivo prejuízo ao erário (interesse público secundário tutelado por outros dispositivos incriminadores que possuem, como elemento subjetivo do tipo, a necessidade de comprovação do dolo específico de lesar os cofres públicos). Segue o teor do dispositivo legal:

 

Art. 93.  Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: (Revogado pela Lei nº 14.133, de 2021).

 

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

 

Com a superveniência da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), a Seção III (Dos Crimes e das Penas) e a Seção IV (Do Processo e do Procedimento Judicial) do Capítulo IV (Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial) da Lei nº 8.666/1993 foram expressamente revogadas na data de sua publicação:

 

Art. 193. Revogam-se:

I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;

 

Simultaneamente a tal revogação, o art. 178 fez incorporar no Código Penal o CAPÍTULO II-B - DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS (arts. 337-E a 337-P) no Título XI da Parte Especial, prevendo dentre os novos tipos penais exatamente a perturbação do expediente licitatório, assim descrito no art. 337-I do Código Penal:

 

Perturbação de processo licitatório (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

 

Art. 337-I. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processo licitatório: (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

 

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.      (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)

 

O cotejo dos preceitos incriminadores destacados deixa claro que a sucessão legislativa acerca da conduta ora analisada não se confunde com o fenômeno da abolitio criminis, reservado para a hipótese de quando uma nova lei exclui totalmente a figura típica incriminadora, com a supressão formal e material do tipo penal, fazendo com que o fato antes considerado criminoso seja completamente abolido do âmbito do Direito Penal.

 

Com efeito, a simples supressão formal de um tipo penal, com manutenção substancial em preceito incriminador diverso, não torna insubsistente a criminalização da conduta, incidindo em tal hipótese o princípio da continuidade normativo-típica, consagrado na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça e já adotado por esta E. Corte:

 

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 306 DO CTB. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI N. 12.760/2012. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA.

1. A ação de conduzir veículo automotor, na via pública, estando [o motorista] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da Lei n. 9.503/1997, na redação dada pela Lei n. 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alteração promovida pela Lei n. 12.760/2012.

2. A nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de veículo automotor por pessoa com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, I, do art. 306 da Lei n. 9.503/1997. Precedentes.

3. O crime de que ora se trata é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em estado de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, I, da Lei n. 9.503/1997.

4. Trata-se da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio criminis reconhecida no acórdão recorrido.

5. Recurso especial provido.

(STJ, REsp 2014/0288065-4/RS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 02.06.2015, DJe 15.06.2015)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INSERÇÃO DE DECLARAÇÃO FALSA EM DOCUMENTO PARTICULAR. ART. 125, XIII, DA LEI N.º 6.815/1980 (ESTATUTO DO ESTRANGEIRO) C.C. ARTIGOS 299 E 304 DO CP. REVOGAÇÃO DO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO PELA LEI N.º 13.445/2017 (NOVA LEI DE MIGRAÇÃO). PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. INOCORRÊNCIA DE CRIME IMPOSSÍVEL. ERRO DE PROIBIÇÃO AFASTADO. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA APLICADA A UM DOS RÉUS. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS PARA AMBOS OS RÉUS. FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO PARA AMBOS OS RÉUS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. 1. A sentença que culminou com a condenação dos réus às penas previstas para o crime do artigo 125, inciso XIII, da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, foi prolatada em 03.11.2014, enquanto ainda vigorava o Estatuto do Estrangeiro. Embora tenha havido revogação expressa da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), nos termos do artigo 124, inciso II, da nova Lei de Migração (Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017), não há que falar em abolitio criminis. A simples ocorrência da supressão formal, mas com a manutenção dos elementos substanciais em outro tipo penal já existente, impede a configuração de tal fenômeno (abolitio criminis), remanescendo a criminalização da conduta, havendo que ser aplicado o Princípio da Continuidade Normativo-Típica. 2. Enquanto vigorava o artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, prevalecia a lei especial sobre a geral (art. 299 do CP), a qual coexistia no ordenamento jurídico e se aplicava às situações não abarcadas pela regra específica, vale dizer, às situações em que a declaração ideologicamente falsa não fosse feita no contexto de processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída. Subtraído o tipo penal que trazia esse elemento adicional peculiar (requisito especializante), deve remanescer a figura típica substancial geral contida no artigo 299, caput, do Código Penal. 3. Da aplicação do Princípio da Continuidade Normativo-Típica, não resulta qualquer prejuízo aos acusados, pois os réus defendem-se dos fatos a eles imputados e não da capitulação jurídica, não se configurando cerceamento de defesa, tampouco violação ao princípio do contraditório. 4. O conjunto probatório demonstrou a falsidade ideológica do documento preenchido e fornecido por um dos réus, o qual foi utilizado pelo corréu com a finalidade de instruir processo de permanência no país embasado no acordo Brasil/Bolívia. Restou evidenciado que o corréu não adquiriu nenhum produto em estabelecimento comercial em janeiro de 2005, já que ele próprio admite que sequer tinha ingressado no Brasil naquela data e tendo em vista que o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica revelou que a referida pessoa jurídica inapta desde data anterior. (...) 13. Apelação de um dos réus a que se nega provimento. Apelação do outro corréu a que se dá parcial provimento, a fim de se determinar: i) a redução da pena aplicada a este réu, ii) a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma delas de prestação de serviços e a outra, de prestação pecuniária, destinada à União e iii) a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena.

(Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 65573 0000188-69.2011.4.03.6181, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2018)

 

Assim, embora a nova lei tenha revogado o tipo penal constante do art. 93 da Lei nº 8.666/1993, certo é que a figura típica em questão possui um equivalente semântico e prescritivo no preceito do 337-I do Código Penal. Portanto, não se há que falar em supressão do conteúdo criminoso (abolitio criminis) e atipicidade da conduta, mas apenas em recapitulação legal, já que ambas as previsões possuem o mesmo padrão normativo, protegendo os mesmos bens jurídicos.

 

Destaque-se, ainda, que, da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, não resulta qualquer prejuízo aos acusados, preservada a aplicação do preceito normativo secundário da lei revogada, à qual se reconhece ultratividade para permanecer regendo os fatos praticados sob sua vigência, haja vista a nova lei ser mais gravosa.

 

Ademais, os réus defendem-se dos fatos a eles irrogados e não da capitulação jurídica, não se havendo de falar, no presente caso, em cerceamento de defesa, tampouco em violação ao princípio do contraditório.

 

No que se refere ao peculato, referida espécie delitiva encontra tipificação no art. 312 do Código Penal, assim disposto:

 

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

 

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

 

O peculato é crime contra a Administração Pública, que possui como objetividade jurídica o resguardo do erário e da moralidade administrativa, sendo que a segunda parte do caput do dispositivo legal colacionado prevê a conduta típica do peculato-desvio, hipótese na qual o funcionário público consuma tal delito ao promover a alteração da destinação do bem pelo qual deveria zelar, optando por lhe deturpar a finalidade com propósitos escusos, para seu privilégio pessoal ou de outrem. Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha.

 

Pontua-se, finalmente, que as espécies delitivas ora tratadas  coadunam-se com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), sendo possível observar, inclusive, a fraude licitatória sendo praticada como método de acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado, para em seguida desviá-los. Com efeito, o crime de perturbação de processo licitatório ostenta natureza nitidamente formal, consumando-se com o cometimento doloso de expediente malicioso dirigido à adjudicação do contrato com a Administração, constituindo o peculato subsequente um delito de índole material, de espúria apropriação dos respectivos valores, a qual não se configura mero exaurimento do crime licitatório, tampouco se consubstanciando o crime licitatório em etapa necessária para a consumação do peculato, de sorte a se admitir plenamente a coexistência de ambas as figuras penais dentro de um mesmo esquema delitivo.

 

Nesse sentido já se manifestou o STJ:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE AO CERTAME LICITATÓRIO. TIPICIDADE. DANO AO ERÁRIO. INEXIGIBILIDADE. 1. A orientação dominante desta Corte Superior é no sentido de que o art. 90 da Lei n. 8.666/1993 estabelece um ‘crime em que o resultado exigido pelo tipo penal não demanda a ocorrência de prejuízo econômico para o poder público, haja vista que a prática delitiva se aperfeiçoa com a simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, ocasionada com a frustração ou com a fraude no procedimento licitatório’ (REsp n. 1.498.982/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., DJe 18/04/2016) CRIME DE PECULATO. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Tribunal local, após aprofundada análise dos elementos colhidos no curso da instrução criminal, concluiu que restou provada a materialidade e a autoria que dão suporte à condenação do réu pelo crime de peculato e, entender de modo diverso, no intuito de abrigar o pleito defensivo de absolvição do acusado demandaria o revolvimento no material fático-probatório, providência exclusiva das instâncias ordinárias e vedada a este Sodalício em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. LICITAÇÃO. FRAUDE. PECULATO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1. Firmou-se neste Sodalício que ‘Reconhecida a autonomia dos desígnios do paciente e a distinção dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais, evidencia-se, no caso, a inaplicabilidade do princípio da consunção, dada a ocorrência isolada dos crimes, o que torna inviável a absorção de um delito pelo outro’ (HC 415.900/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 26/02/2018). DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CULPABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a pena-base pode ser exasperada pelo magistrado no seu exercício discricionário juridicamente vinculado, mediante aferição negativa dos elementos concretos dos autos a denotar maior reprovabilidade da conduta imputada. 2. A Corte estadual considerou desfavorável ao acusado para ambas as condutas imputadas, a vetorial da culpabilidade, diante da destacada função exercida pelo agente na empreitada criminosa por ser considerado um de seus principais artífices e beneficiários. 3. Agravo regimental desprovido.

(AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1728967 2018.00.51736-4, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:07/05/2019)

 

Consequentemente, resta afastada a possibilidade do reconhecimento da consunção, não havendo que se falar em bis in idem exatamente por se tratar de condutas e bens jurídicos distintos atingidos por cada qual dos crimes.

 

Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente ação penal.

 

 

MATERIALIDADE DOS CRIMES DE PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO E PECULATO

 

O caso dos autos, conforme já adiantado linhas acima, repousa sobre a contratação da empresa MARMIQUENTE pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD), primeiramente mediante a Dispensa de Licitação nº 20/2017, em 14.03.2017, pelo preço de R$ 127.788,00, para o fornecimento de alimentação hospitalar, de dietas normais e dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes e funcionários da FUNSAUD, pelo período de 30 dias, sendo custeada mediante recursos do Contrato de Gestão nº 001/2014/SEMS/PMD (no qual foi alocado verba pública federal sob a rubrica 10.302.15 – Atenção de Média e Alta Compl. Amb. E Hosp. Urgência e Emergência (ID 256435512 - Pág. 30/42).

 

Em um segundo passo, figurando como única proponente do Pregão Presencial nº 06/2017, realizado em 27.03.2017 (ID 256435505 - Pág. 13), a MARMIQUENTE foi contratada em 13.04.2017 por mais 12 meses mediante o pagamento de  R$ 1.736.310,00, com prorrogação por mais três meses contados de 13.04.2018, pelo preço de R$ 348.478,00 (ID 256435505 - Pág. 38 e 142).

 

Restou constatado, todavia, que a empresa MARMIQUENTE foi ativada para figurar especificamente em tais contratações, ponto amplamente escrutinado pela r. sentença (ID 256436950 - Pág. 16):

 

Do que se extrai dos autos, a aquisição da MARMIQUENTE se deu exclusivamente para a sua participação na dispensa de licitação e no pregão eletrônico realizados pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD).

 

Neste ponto, segundo os ex-proprietários, João Flávio Souto de Moraes e Joyce Caetano Souto de Moraes, RONALDO GONZALES MENEZES adquiriu apenas a ‘inscrição no CNPJ’ dessa empresa, a qual, apesar de formalmente ativa, já se encontrava com suas atividades encerradas de fato (IDs 28290809 e 28290813), o que será detalhado oportunamente.

 

Tal fato confirma-se pela Declaração de Inatividade enviada por RONALDO ao Banco Bradesco, em que a Consultoria Contábil GMR – Contabilidade declara que a empresa MARMIQUENTE permaneceu inativa no período de 01/2014 a 03/2017 (ID 22524274 - Pág. 46, dos Autos nº 0000832-20.2018.4.03.6002). A própria declaração do Simples Nacional corrobora com a informação de inatividade da empresa (ID 21243473 - Pág. 165-169).

 

No mais, segundo apurado pela autoridade policial, no TERMO DE INSPEÇÃO SANITÁRIA de 24/03/2017, apreendido nos Autos nº 0001316-35.2018.4.03.6002 e relacionado no Termo de Apreensão nº 30/2019, está descrito que ‘o local encontra-se em fase final de reforma e a empresa está começando a instalar os equipamentos de cozinha e ainda necessita de 10 dias para instalação final’ (ID 21244732 - Pág. 12-13).

 

O estabelecimento só foi considerando ‘LIBERADO’ pela Vigilância Sanitária em 30/03/2017, conforme Termo de Inspeção Sanitária de ID 21245551 - Pág. 55.

 

Destaca-se que, em sua colaboração, o denunciado RONALDO afirmou que ‘na dispensa de licitação, alguns documentos da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., tal como o alvará sanitário, foram entregues à FUNSAUD após a assinatura do contrato de fornecimento das marmitas’ (ID 21358047 – Pág. 53-56, dos Autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002)

 

Verifica-se também, que o imóvel onde funcionou empresa MARMIQUENTE (situado na Rua Monte Alegre nº 3.765, Jardim Marília, no Município de Dourados/MS) somente foi locado por RONALDO, como pessoa física, em 16/03/2017 e, posteriormente, pessoa jurídica MARMIQUENTE em 24/03/2017, com a entrega das chaves também nesta data (ID 21245551 - Pág. 56-62, 68-78).

 

Os documentos relacionados ao fornecimento de energia elétrica do imóvel somente foram assinados por RONALDO em 23/03/2017 e pela pessoa jurídica MARMIQUENTE em 23/10/2017.

 

E, por fim, os documentos relacionados ao fornecimento de água do imóvel foram assinados por RONALDO em 24/03/2017 e pela pessoa jurídica MARMIQUENTE em 26/07/2017 (ID 21245551 - Pág. 3-14 e 20).

 

Além disso, apesar do elevado valor dessa contratação, não constava do Sistema Radar nenhum registro de funcionário em nome dessa empresa (ID 22524287 - Pág. 18-26, dos Autos nº 0000832-20.2018.4.03.6002), o que também se observa da consulta ao Sistema Sinesp Infoseg – Movimentações no CAGED (ID 21242998 - Pág. 33).

 

Este apanhado de dados brevemente circunstanciados denota a incapacidade técnica de executar o objeto licitado, especialmente diante das obrigações da contratada expressamente consignadas no contrato com a FUNSAUD:

 

- Apresentar à Contratante regularmente o certificado com registro na Anvisa de Curso de Manipulador de Alimentos de todos os colaboradores envolvidos direta ou indiretamente na prestação de serviço (Cláusula 6.2., e – ID 256435512 - Pág. 34);

 

- Manter quadro de pessoal técnico, operacional e administrativo em número necessário e suficiente para atender o cumprimento das obrigações assumidas (Cláusula 6.3.3 – ID 256435512 - Pág. 34);

 

- Comprovar, quando solicitado, o registro e regularidade de seus nutricionistas e técnicos envolvidos na prestação dos serviços, junto ao Conselho Regional (Cláusula 6.3.5 – ID 256435512 - Pág. 34);

 

- Manter o pessoal em condição de saúde compatível com suas atividades, realizando, às suas expensas, exames periódicos de saúde, inclusive exames específicos de acordo com a legislação vigente (Cláusula 6.3.10 – ID 256435512 - Pág. 34);

 

- Manter os empregados dentro do padrão de higiene recomendado pela legislação vigente, fornecendo uniformes, paramentação e equipamentos de proteção individual específicos para o cumprimento das suas funções (Cláusula 6.3.11 – ID 256435512 - Pág. 34);

 

- Padrão de alimentação no que se refere a cardápios; preparo e distribuição; higienização; segurança, medicina e meio ambiente do trabalho; entre outras exigências (Cláusula 6.4 – ID 256435512 - Pág. 35).

 

No escopo de cumprir com tais obrigações, foi estipulado expressamente na cláusula oitava que (ID 256435512 - Pág. 40):

 

8.1. O objeto deste instrumento deve ser executado diretamente pela contratada. Por isso, não podendo, a CONTRATADA, subcontratar, sub-empreitar, ceder ou transferir, totalmente o objeto e suas obrigações contratuais. Excetuando-se o cometimento a terceiros de partes da execução do objeto, ressalvadas as parcelas para as quais se exige qualificação técnica, e, somente mediante prévia aquiescência da CONTRATANTE (FUNDAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE – FUNSAUD), com vistas nos artigos 72 e 78 da Lei 8.666/93.

 

Nota-se claramente, assim, que MARMIQUENTE não reunia condições materiais para fazer frente ao fornecimento de marmitas hospitalares em questão à época da celebração dos instrumentos resultantes da Dispensa de Licitação nº 20/2017 e do Pregão Presencial nº 06/2017, em 14.03.2017 e 13.04.2017, muito embora tenha declarado falsamente que preenchia os requisitos necessários à habilitação (ID 256435504 - Pág. 141).

 

A patente impropriedade de contratação da MARMIQUENTE torna-se ainda mais explícita quando observada a dissimulação da comprovação da capacidade técnica por meio de declarações falsas especificamente engendradas da empresa Território do Couro Ind. Com. E Exportação Ltda, atestando a prestação de serviços pela empresa MARMIQUENTE no período do ano de 2016 e da empresa Miragem Segurança Ltda.-ME, atestando a prestação de serviços pela empresa MARMIQUENTE no período do ano de 2015 e alguns meses de 2016 (ID 256435504 - Pág. 156/157), burlando a cláusula 2.2. do Termo de Referência e o item 7.4.1 do Edital do Pregão (256435504 - Pág. 5 e 256435504 - Pág. 35), a saber:

 

2.2. Comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível com o objeto desta licitação, ou seja, atuação no ramo de produção de refeições para coletividade sadia e/ou enferma com experiência de atuação no mercado, realizada através da apresentação de pelo menos um Atestado ou Certidão fornecido por pessoa jurídica de direito público ou privado, com identificação do signatário e assinatura do responsável legal, que comprove ter a licitante fornecido os produtos objeto desta licitação devendo também informar, o nível de satisfação no fornecimento realizado.

 

Na esteira de tais fatos, vislumbra-se que a imprópria contratação da MARMIQUENTE não decorreu do acaso, mas de trama engendrada pelos acusados.

 

Ouvidos em juízo, os representantes das empresas que abonaram a prestação de serviços oferecida pela MARMIQUENTE assim explicaram o ocorrido (ID 256436950 - Pág. 18):

 

Questionado em Juízo, a testemunha Felipe Palhaço Costa (ID 28195532) confirmou que assinou o atestado de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE, mas, posteriormente, identificou que tal empresa não prestou serviços para a Território do Couro. Disse que pessoa que trabalhava com ele pediu para ele assinar o atestado e lhe explicou que a ‘carta de indicação’ era do Restaurante do Gaúcho, que passaria a prestar serviço por meio desta outra empresa. Por conhecer o ‘Gaúcho’, já ter adquirido marmitas em seu restaurante e não ter nada que o desabonasse, o depoente disse que assinou o documento (04min10s a 06min). Ao fim, foi categórico em afirmar que a empresa MARMIQUENTE nunca prestou serviço para o depoente (11min41s a 11min48s).

 

Igualmente, a testemunha Vera Lúcia Soares de Almeida (ID 28198175), do setor administrativo da empresa Miragem Segurança Ltda, disse que já pegou marmitas do Restaurante do Gaúcho (04min04s a 04min12s). Afirmou que já viu RONALDO na frente no Restaurante do Gaúcho, mas não pode afirmar que tivessem algum vínculo (10min a 10min22s). Assinou o atestado de capacidade técnica, pois seu marido havia prometido que forneceria tal documento a RONALDO. Entretanto, como seu marido faleceu, ela assinou o documento (16min53s a 17min), sem ler o seu teor, embora soubesse que se tratava de atestado para participação em licitação (1min48s a 19min24s).

 

Emerge do contexto ora explicitado que as exigências licitatórias tornavam completamente defesa a contratação da MARMIQUENTE, o que somente perfectibilizou-se pelo manifesto embuste do exercício da atividade empresarial, pelo qual maquiou-se a legalidade aos atos ora escrutinados.

 

Da prova oral colhida em juízo, também se depreende como foi levantada a empreitada para obter os contratos com a FUNSAUD (ID 256436950 - Pág. 19):

 

 Conforme termos de depoimento de ID 21244047 - Pág. 194-199, inicialmente, RONALDO procurou Luciano Edemar Winck [depoente], pai de DAYANE e proprietário do Restaurante do Gaúcho, com a proposta de participarem de uma licitação para fornecimento de marmitas a hospitais do município. Como DAYANE e Gaúcho não tiveram interesse, DAYANE informou acerca da existência de CNPJ pertencente a sua amiga, Sra. Joyce. Tal fato se confirmou pelo depoimento da testemunha Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes (ID 28290813 - 03min45s a 04min17s).

 

Importante mencionar que a testemunha João Flávio Souto de Moraes (ID 28290809), ex-proprietário da empresa MARMIQUENTE, informou que vendeu apenas o CNPJ da empresa para RONALDO, a quem conheceu por meio de DAYANE, do Restaurante do Gaúcho (02min48s a 03min36s). A venda se deu pelo valor de R$ 5.000,00 em dinheiro, além da quitação de impostos municipais que estavam em aberto, no valor aproximado de R$ 3.000,00 (04min09s a 04min32s).

 

Quando a empresa foi vendida, RONALDO afirmou ao depoente que estava adquirindo a empresa para a participação em licitação da prefeitura. Na oportunidade, a empresa existia apenas no papel, isto é, não possuía sede e nem equipamentos (ID 28290809 - 07min30s a 07min52s).

 

Por isso, até que fosse concluído o processo de transferência da titularidade da empresa, assinou uma procuração para RONALDO participar de licitação em nome da empresa MARMIQUENTE (ID 28290809 - 10min44s a 11min55s).

 

Sem que contasse sequer com mínima estrutura técnica, RONALDO passou a fornecer relevante quantidade de marmita à FUNSAUD (notas fiscais nos IDs 256435505 - Pág. 43/46; 59/76; 156/162; 180/183; 190/191; 256435506 - Pág. 21/25, 256435512 - Pág. 51/58).

 

A inepta solução para promover o fornecimento alimentar constituiu em terceirizar o cumprimento do contrato com a Administração, conforme se denota do depoimento judicial da proprietária do restaurante Flor de Laranjeira, Mariana Azambuja (ID 256436950 - Pág. 20):

 

A testemunha Mariana Azambuja, proprietária do restaurante Flor de Laranjeira, informou ter fornecido marmitas para SANDRA, que inicialmente SANDRA pediu ao esposo da depoente que cedesse o CNPJ da empresa e permitisse que colocasse 2 funcionários dela dentro do restaurante. Como essa proposta não foi aceita, SANDRA solicitou então o fornecimento de marmitas ‘até ela ter o espaço dela’, sendo que o fornecimento de marmitas pelo Restaurante Flor de Laranjeira se deu por aproximadamente um mês ou um mês e meio no ano de 2017 (ID 28229969 - 02min a 03min10s).

 

Disse ainda que o Restaurante Flor de Laranjeira forneceu apenas algumas marmitas ‘para socorrer em alguns dias que o RONALDO foi buscar, mas depois não pegou mais’ (ID 28229969 - 04min12s a 04min22s). Algumas vezes ela [SANDRA] pediu para entregar e foi entregue no Hospital da Vida, cerca de 30 marmitas (ID 28229969 - 04min31s a 04min43s);

 

Também foi utilizado o Restaurante do Gaúcho, de Elani Terezinha Foscarini Winck, mãe de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, para fornecer marmitas aos órgãos hospitalares UPA e Hospital da Vida entre os dias 14 e 20.03.2017, conforme planilhas apreendidas em cumprimento de mandado de busca e apreensão (ID 256435508 - Pág. 17/20).

 

Tal sucessão de fatos se explica pela prévia vinculação espúria entre os agentes RONALDO, RENATO e RAPHAEL, demonstrada a partir da Nota Técnica nº 16/2019/GAB/CGU-Regional/MS (ID 256435513 - Pág. 11). Debruçando-se sobre a contratação da MARMIQUENTE pela FUNSAUD, referido documento apontou irregularidade atinente à Dispensa Licitatória nº 20/2017, considerando a existência de vínculo entre o procurador da empresa (RONALDO) e dirigentes da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados/MS, uma vez que figuraram como sócios da empresa Safety Ltda. entre 2012 e 2014 os ora acusados RENATO, RAFHAEL e RONALDO, bem como evidência de montagem processual da dispensa em favor da MARMIQUENTE (ID 256435513 - Pág. 13/14):

 

“Em que pese a solicitação de abertura de procedimento para contratação de empresa para fornecer os serviços de alimentação pelo período de trinta dias, por meio da C.I nº 021/2017/COMPRAS/FUNSAUD, ter sido emitida em 13 de março de 2017 por FERNANDA NOGUEIRA DA SILVA (CPF: 340.822.878-76), Nutricionista da FUNSAUD, constatou-se que parte da documentação apresentada para compor o processo foi elaborada antes da solicitação de abertura do procedimento, inclusive a cotação de preços apresentada pela empresa Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos Ltda-ME, que foi assinada em 10 de março de 2017”.

 

(...)

 

“Chama atenção, porém, que a Procuração Particular que nomeia RONALDO GONZALES MENESES como procurador da empresa Marmiquente, outorgando-lhe amplos poderes para responder expressamente junto à FUNSAUD, tenha sido emitida em 08 de março de 2017, ou seja, em data anterior à solicitação de abertura do certame e à cotação de preços apresentada pela empresa”.

 

Também relativamente à contratação da MARMIQUENTE mediante o Pregão Presencial nº 06/2017, foram assinaladas irregularidades pela Nota Técnica emitida pela Controladoria Geral da União já mencionada, como a restrição do acesso ao edital mediante retirada na FUNSAUD condicionada ao prévio cadastramento da empresa interessada (violação ao art. 21, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 e art. 8º da Lei nº 12.527/2011), e a exigência indevida de comprovação de registro profissional do Conselho Regional de Nutricionista do local de onde seria prestado o serviço, entre outras, e o favorecimento na fase de habilitação à MARMIQUENTE que não possuía registro junto ao Conselho Federal de Nutricionista, em descumprimento do item 7.4.2 do edital, além do sobredito vínculo subjetivo entre o procurador da MARMIQUENTE e os dirigentes da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados/MS.

 

Todo este acervo probatório mostra-se eloquente em caracterizar o delito de perturbação do procedimento licitatório – art. 93 da Lei nº 8.666/1993, na justa medida em que a dissimulação da habilitação da MARMIQUENTE corrói os objetivos perseguidos pela Administração atinentes à higidez e à competitividade, bem como os princípios da moralidade e da impessoalidade, que devem nortear a melhor escolha possível.

 

Particularmente em relação ao crime de peculato, necessário incursionar por dados específicos concernentes à execução do contrato com a FUNSAUD.

 

A tese acusatória funda-se no pressuposto de que os acusados teriam desviado R$ 532.000,00, oriundos da Dispensa de Licitação nº 020/2017 e do Pregão Presencial nº 06/2017. Referida quantia corresponderia à lucratividade obtida pela empresa MARMIQUENTE com os contratos inidôneos em seu nascedouro.

 

Salta aos olhos a sistemática de saques de elevadas quantias em espécie, como típica manobra de fazer chegar aos proprietários de fato da empresa MARMIQUENTE o resultado da operação, bem salientada na peça acusatória (ID 256435530 - Pág. 34).

 

O cotejo das saídas monetárias com dados telemáticos obtidos mediante afastamento do sigilo dos acusados evidencia a existência de correlação direta:

 

-  R$ 20.000,00 sacados em 09.03.18. No dia 08.03.18, pelo comunicador WhatsApp, RAFHAEL informa a RONALDO o depósito de recursos pela FUNSAUD no valor de R$ 38.000,00 e determina que RONALDO realize o saque do valor de R$ 20.000,00 (ID 256435530 - Pág. 36).

 

-  R$ 30.000,00 sacados em 20.03.18. No dia 20.03.18, pelo comunicador WhatsApp, RAFHAEL informa a RONALDO o depósito de recursos pela FUNSAUD no valor de R$ 60.000,00 e determina que RONALDO realize o saque do valor de R$ 30.000,00 (ID 256435530 - Pág. 41).

 

-  R$ 42.000,00 sacados em 13.04.18. No dia 13.04.18, pelo comunicador WhatsApp, RAFHAEL informa a RONALDO o depósito de recursos pela FUNSAUD no valor de R$ 68.000,00 e determina que RONALDO realize dois saques nos valores de R$ 12.000,00 e R$ 30.000,00 (ID 256435530 - Pág. 42).

 

-  R$ 27.000,00 sacados em 14.05.18. No dia 14.05.18, pelo comunicador WhatsApp, RONALDO informa a RAFHAEL o saque no valor de R$ 27.000,00 (ID 256435530 - Pág. 43).

 

-  R$ 20.000,00 sacados em 18.05.18. No dia 18.05.18, pelo comunicador WhatsApp, RAFHAEL informa a RONALDO o depósito de recursos pela FUNSAUD no valor de R$ 30.000,00 e determina que RONALDO realize o saque do valor de R$ 20.000,00, e este pede para que mande alguém buscá-lo (ID 256435530 - Pág. 44).

 

-  R$ 20.000,00 sacados em 18.07.18. No dia 17.07.18, pelo comunicador WhatsApp, RONALDO informa a RAFHAEL a entrada de um depósito da FUNSAUD, e RAFHAEL determina que RONALDO realize o saque do valor de R$ 20.000,00 (ID 256435530 - Pág. 45).

 

Por seu turno, a r. sentença avaliou como devidamente assinalado o peculato sob o seguinte enfoque:

 

O peculato é crime material, ipso facto, exige o resultado para a sua consumação. Entrementes, em que pese o Ministério Público não tenha comprovado entrega simulada, ausência de prestação de serviços ou preços pagos por unidade (marmita) acima dos praticados à época dos fatos (superfaturamento), entendo provada a sua materialidade.

 

Existe prova segura, acima de qualquer dúvida razoável, de que houve desvio de dinheiro público, sobre o qual os réus tinham a posse indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica. Isso, pois, nos referidos contratos de prestação de serviços, ainda que não se aponte objetivamente que as metas quantitativas não foram atingidas, há, lado outro, inconsistências que frustram uma fiscalização efetiva por parte da Administração, expedientes que, em si, são hábeis a encobrir superfaturamentos e contraprestações eventualmente não realizadas ou cumpridas em condições diversas ou inferiores.

 

Ora, havendo prova suficiente de instrumentalização de empresa de fachada e ausência de concorrência na licitação, o prejuízo ao erário estaria exatamente na economia de valores que se obteria com a contratação de proposta mais vantajosa num ambiente de competitividade real (não se trata de sobrepreço na proposta, mas da ausência de preço mais vantajoso).

 

Igualmente, a prestação dos serviços foi precária e desfavorável à Administração, uma vez que, absurdamente, iniciou-se antes mesmo do início da atividade da empresa contratada. Por certo, não havia a estruturação mínima, tampouco adequada, para atender a demanda administrativa, não seria outro o objetivo dos atestados de capacidade técnica ideologicamente falsos (ID 21243473 - Pág. 156-157).

 

A aquisição de marmitas de terceiros implica descumprimento contratual e prejuízo econômico para a Administração, que remunerou o serviço de fornecimento de alimentação hospitalar, dietas normais e dietas especiais, sem adequação ao termo de referência.

 

Ainda que, dessa situação fática, se presuma que os réus tenham imposto às empresas ‘terceirizadas’ - Restaurante Flor de Laranjeira e Restaurante O Gaúcho - a observância daqueles requisitos editalícios, há expressa vedação na cláusula décima sexta do contrato: o presente contrato não poderá ser cedido ou transferido a terceiros, total ou parcialmente (ID 21244047 - Pág. 37).

 

(...)

 

Feita essa ponderação, ainda que não tenham ocorrido glosas nas faturas, impende pontuar situações que implicam superfaturamento por qualidade: dano ao erário caracterizado pela deficiência na execução dos serviços.

 

Primeiramente, há a questão da divergência entre as embalagens (utilização de embalagens sem as divisórias exigidas), a ausência de talheres, temperos (sal, azeite e molho vinagrete), em descumprimento às características mínimas e condições estabelecidas, conforme cláusula primeira (objeto - item 1.1), e cláusula décima quarta (descrição dos materiais – itens 14.2 a 14.4) do contrato de ID 21244047 - Pág. 27 e 36.

 

No caso das embalagens, veja-se que RONALDO é orientado por RAFHAEL a enviar a alimentação em embalagem diferente da exigida (com divisórias), conforme ID 22762981 - Pág. 4-5, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002:

 

RAFHAEL (‘PARDAL’): As embalagens que estão indo já são as redondas ?

[…]

RONALDO: Ta meio a meio

[…]

RONALDO: A partir de hoje já tô mandando quadrada só para o upa q e mais chato

RAFHAEL (‘PARDAL’): Ah sim

 

Frise-se, por oportuno, que ao solicitar cotação de preços de embalagens à empresa Metatrom, no dia 12/06/2018, RONALDO esclarece ao fornecedor: ‘então mas essa não é para comprar ainda’, ‘na verdade preciso que seja com preços bem elevados’, ‘Para participar de uma licitação’ (ID 22762985 - Pág. 71-72, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002), a demonstrar a postura adotada pela empresa quando da composição de seus custos.

 

Em seu interrogatório RONALDO informa que as marmitas não eram fornecidas em recipiente com divisória, e sim nas marmitas redondas, que eram mais baratas, em embalagem de isopor média, sem partições, assim como também não eram entregues sobremesas, (ID 28197192 - 17min28s a 18min15s).

 

Em outro momento, RAFHAEL opina sobre rebaixamento da qualidade da alimentação oferecida pelo restaurante no tempo restante do contrato, a fim de diminuírem os custos (ID 22762973 -

Pág. 150-151, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002), o que contraria o termo de referência, no ponto que dispõe acerca da necessidade dos cardápios apresentarem preparações variadas e equilibradas (ID 21242998 - Pág. 192).

 

RAFHAEL (‘PARDAL’): Te falar

RAFHAEL (‘PARDAL’): Tá metendo só Frango né

RAFHAEL (‘PARDAL’): E a embalagem pode colocar a redonda

[…]

RONALDO: Blz

[…]

RAFHAEL (‘PARDAL’): Mas frango já tá colocando desde daquele dia já

[…]

RONALDO: Só coxa sobrecoxa

RAFHAEL (‘PARDAL’): Massa

RONALDO: E carne dá mais barato

RAFHAEL (‘PARDAL’): Sério

RONALDO: Sim

RAFHAEL (‘PARDAL’): Caramba

RAFHAEL (‘PARDAL’): Vai no mais barato então

 

Além disso, ao apresentar sugestões de CARNES para a composição dos cardápios, o termo de referência estabeleceu que ‘mensalmente deverão ser oferecidos, no mínimo, 10 itens das sugestões apresentadas’ (ID 21243473 - Pág. 1-2).

 

Outrossim, houve reclamações quanto a baixa qualidade e o alto custo das refeições, pois rotineiramente tem sido encontrado substâncias desagradáveis tipo larvas, pedra, cabelo, mosca, caracterizado pelos funcionários como mal preparo da comida e total desleixo com a alimentação dos colaboradores, conforme se verifica no documento firmado pela Comissão de Funcionários da FUNSAUD em 14/02/2018 (ID 21244047 - Pág. 201), pelo que a empresa foi notificada e apresentou resposta (ID 21245551 - Pág. 1).

 

Mais uma vez, descumpriu-se o termo de referência, já que o modo como se descreveu a alimentação fornecida certamente ignora a ‘importância da apresentação de todas as preparações servidas, como forma de estímulo à ingestão de uma alimentação adequada, visando à recuperação e ou manutenção do estado nutricional dos pacientes’ (ID 21242998 - Pág. 192).

 

À luz de tais elementos, denota-se que a lucratividade apontada como ilícita pela acusação, ainda que não seja passível de liquidação capaz de mensurar o grau exato do descumprimento contratual, claramente resultou do desvio praticado pelos acusados.

 

Isso porque, de início, a ausência total da boa-fé objetiva na fase executiva do contrato com a Administração já constitui inobservância a esta que constitui cláusula geral e imperativa dos contratos, conforme dispõe o art. 422 do Código Civil: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Como projeção do princípio da boa-fé, a conduta do contratado deve pautar-se por um feixe de deveres sem os quais a obrigação contratual torna-se defeituosa ou imprestável ao fim a que se destina, tais como a lealdade, a presteza, a probidade, a cooperação.

 

Atentando-se ao caso em tela, visualiza-se claramente que a despeito de ter sido fornecida alguma alimentação (notas fiscais das marmitas recebidas – IDs 256435505 - Pág. 43/46, 59/76, 156/162, 180/183, 190/191; 256435506 - Pág. 21/25; 256435512 - Pág. 51/58), os acusados traíram a confiança depositada pela Administração, buscaram o enriquecimento ilícito, promoveram o desbalanceamento das prestações.

 

Uma série de apontamentos objetivos reflete intenção de lucrar abusivamente:

-  ocultação dos fornecedores reais pela terceirização clandestina dos preparadores das marmitas;

-  utilização de embalagens mais simplórias para acondicionar a alimentação;

- falta de sobremesas, talheres e temperos;

- rebaixamento da qualidade e da variabilidade de alimentos especificadas;

- reclamações formalizadas quanto à má qualidade e higiene das marmitas – relatos de constatação de larvas, pedra, cabelo e mosca (ID 256435505 - Pág. 201).

 

Veja-se, corroborando com o acervo probatório até aqui exposto, a prova oral pertinente:

 

Depoimento policial, confirmado em juízo, de RADHARANI BUENO MOREIRA LOPES, nutricionista contratada pela MARMIQUENTE (ID 256435511 - Pág. 31):

 

QUE trabalhou como nutricionista na empresa MARMIQUENTE no período de agosto a outubro de 2017; QUE foi chamada por SANDRA MAZARIM para ser a nutricionista da empresa, sendo que a mesma não estava funcionando; QUE demorou uns dias para começar a trabalhar e que encontrou SANDRA na MARMIQUENTE no primeiro dia que começou a trabalhar; QUE achou estranho RONALDO se apresentar como dono da marmitaria e o funcionamento da empresa; QUE quando foi chamada para trabalhar SANDRA tinha um restaurante chamado CUMPIM DO BOI e a depoente achou que esse restaurante era que ia fornecer marmitas; QUE a depoente não tinha acesso às compras e que a empresa não seguia o seu cardápio; QUE se sentia um enfeite dentro da empresa; QUE quis entrar em contato com as outras nutricionistas que trabalhavam na UPA e no HOSPITAL DA VIDA, mas RONALDO não lhe passou o contato, sendo que a depoente descobriu o contato de uma delas porque esta tinha estudado com a depoente; QUE o principal problema eram as marmitas de dietas que não estavam adequadas; QUE tentou na época cozinhar as marmitas de dieta para procurar ajudar; QUE a depoente disse que ia sair e foi proposta à depoente ficar somente 3 vezes por semana; QUE ficou trabalhando nesse regime por aproximadamente um mês e logo em seguida saiu; QUE quem lhe sucedeu na marmitaria foi a nutricionista JUSSARA; QUE não tem parentesco com SANDRA ou RAFHAEL; QUE descobriu depois que saiu que a SANDRA e RAFHAEL TORRACA eram os verdadeiros proprietários da MARMIQUENTE; QUE ouviu uma vez que RONALDO pensou em vender marmitas na frente da loja, mas que DAYANE disse que RAFHAEL disse que não era pra inventar moda; QUE ficou demonstrado que RAFHAEL é que era o dono; QUE DAYANE ficava constantemente na marmitaria; QUE quando a depoente chegou na empresa MARMIQUENTE parecia que esta pegava comida no restaurante do pai da DAYANE para entregar; QUE era perceptível que RONALDO não tinha experiência com cozinha.

 

No mesmo sentido, JUSSARA BELARMINO DA SILVA também declarou em seu depoimento policial que (ID 256435511 - Pág. 39):

 

QUE é nutricionista há 4 anos; QUE foi contratada pela empresa MARMIQUENTE em agosto de 2017, sendo registrada em setembro de 2017, sendo que na sua CTPS o nome da empresa já era SABOR GOURMET; QUE quem a contratou foi RONALDO GONZALEZ; QUE achava que RONALDO não teria condições de ser o dono da marmitaria; QUE trabalhou durante 11 meses na marmitaria; QUE achava estranho como RONALDO conseguia manter a marmitaria, pois não aparentava ter condições de ser o proprietário da referida empresa; QUE as cozinheira falavam que DAYANE, chamada de ‘DAY’, era sócia da empresa e trabalhava lá como cozinheira também; QUE RONALDO era muito reservado e não passava nada para a declarante.

 

Não é possível chancelar como devidamente cumprida a obrigação maculada por comportamento torpe, diretamente voltado a lesar a expectativa legítima da Administração de obter marmitas com determinado padrão de qualidade e de higiene, segundo um procedimento probo e transparente.

 

Já foi decidido por esta Eg. 11ª Turma do TRF3, em sede de Apelações Criminais relativas a imputação por crimes de fraude a licitação e peculato-desvio no âmbito de convênios celebrados pelo poder público com associação civil, que:

 

(...) 12. As provas produzidas na seara penal de modo exauriente e à luz dos preceitos de Direito Público ora examinados, respeitando, nesse sentido a independência das instâncias, não permitem constatar senão que a execução dos convênios convolou-se em defraudação dos respectivos objetos, porquanto realizados mediante valores sem qualquer lastro fático e por meio de empresas laranjas em sua maioria, que comprovadamente não se dedicavam à presteza de tal natureza, em razão da qual se pode seguramente visualizar a apropriação espúria de verbas públicas. Ora, havendo prova de instrumentalização de empresas de fachada contratadas a preços exorbitantes, o prejuízo ao erário estaria exatamente na economia de valores que se obteria com a contratação da proposta mais vantajosa num ambiente de competividade real.

(ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL / SP 0004890-30.2013.4.03.6103, 11ª Turma, Relator Des. Fed. FAUSTO DE SANCTIS, Data do Julgamento: 02/08/2021)

 

 Assim, em que pese, nesta seara, não seja possível dissecar economicamente quanto da atividade empresarial poderia ter eventualmente revertido em algum proveito para a Administração, a conduta dos acusados provocou manifesto locupletamento indevido de recursos públicos em detrimento da Administração, de sorte a perfazer os elementos do tipo do peculato-desvio.

 

 

AUTORIA E DOLO DOS CRIMES DE PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO E PECULATO

 

Com a comunicação anônima do crime ao Ministério Público Federal e a colheita de elementos suficientes (PIC nº 1.21.001.000216/2018-17 e IPL 336/2018-DPF/DRS/MS, foi atendida, em 18.12.2018, representação pela busca e apreensão nos endereços de RONALDO, DAYANE e RAFHAEL, bem como pela prisão temporária de RONALDO GONZALES MENEZES (ID 256435507 - Pág. 13).

 

Sobreveio aos autos, colaboração premiada envolvendo o corréu RONALDO, pré-acordada em 12.02.2019 (IDs 21358041 - Pág. 9 dos autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002), instaurando-se procedimento administrativo com o objetivo de coletar as diligências investigatórias oriundas da colaboração premiada (ID 21358041 - Pág. 14), as quais incluíram mídias contendo gravações fornecidas por RONALDO de diálogos entabulados com outros corréus (ID 21358041 - Pág. 46), sendo devidamente homologado judicialmente em 18.09.2019 (ID 22167508 dos autos nº 5002152-83.2019.4.03.6002).

 

Na fase judicial, os acusados exercitaram a sua autodefesa, ao passo em que na fase investigativa, aqueles que se ofereceram ao interrogatório, negaram o cometimento dos ilícitos ora enfocados, sem explicarem, todavia, a trama delituosa em que foram enredados (DAYANE: IDs 256435505 - Pág. 194 e 256435511 - Pág. 3; RAPHAEL:  IDs 256435506 - Pág. 94 e 256435511 - Pág. 9; SANDRA: ID 256435511 - Pág. 15).

 

Perante o conjunto probatório já referenciado acima, reforçado pelos elementos apreciados a seguir, vislumbra-se claramente a atuação dolosa por parte de cada um dos acusados, conforme o delineamento abaixo explicitado.

 

 

i) RONALDO GONZALES MENEZES, corroborando o arcabouço probatório já delineado, confessou a prática delituosa em seu interrogatório judicial, ratificando os termos das declarações prestadas no expediente de colaboração premiada, no sentido de que aceitou figurar como proprietário formal da empresa MARMIQUENTE, bem como efetuar o seu gerenciamento, mediante o salário de R$ 6.000,00 (seis mil reais), vindo, nesta qualidade, a apresentar atestados de capacidade técnica com vistas a dissimular o efetivo funcionamento conforme exigido pelos expedientes de Dispensa de Licitação nº 020/2017 e do Pregão nº 06/2017.

 

Vale acrescentar que, além da colaboração premiada já mencionada, o interrogatório judicial especificou o funcionamento da empreitada delituosa conforme bem sintetizado nos memoriais do Ministério Público Federal (ID 256436809 - Pág. 34):

 

• RAFHAEL, RENATO e SANDRA garantiam que os pagamentos da empresa Marmiquente fossem realizados em dia, sem atraso (trecho compreendido entre 08 min 12 seg a 09 min 52 seg);

 

• RAFHAEL e SANDRA sempre avisavam RONALDO dos pagamentos destinados à marmitaria, antes mesmo do dinheiro entrar na conta da empresa (trecho compreendido entre 10 min 10 seg a 10 min 55 seg);

 

• RAFHAEL também já indicava qual o valor do saque que deveria ser entregue a ele (trecho compreendido entre 10 min 55 seg a 11 min 40 seg);

 

• Os saques eram realizados no mesmo dia da ordem e, às vezes, de diversas contas bancárias (trecho compreendido entre 11 min 40 seg a 12 min 05 seg);

 

• As entregas foram realizadas diversos lugares, tais como em supermercados, na rua, no clube Indaiá, em barbearia, na casa de RAFHAEL (trecho compreendido entre 12 min 05 seg a 12 min 45 seg);

 

• O dinheiro era dividido em duas partes iguais, em uma sociedade com três pessoas, sendo uma parte RAFHAEL e SANDRA e a outra parte RENATO (trecho compreendido entre 14 min 15 seg a 14 min 45 seg)

 

• Todos os saques de dinheiro em espécie eram registrados em planilhas como saída ou saída RP (trecho compreendido entre 05 min 22 seg a 06 min 11 seg);

 

• As planilhas eram feitas a cada pagamento da Funsaud (trecho compreendido entre 06 min 11 seg a 06 min 32 seg)

 

Perante tais elementos, resta amplamente caracterizada prática dolosa dos delitos constantes do art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP) e do art. 312 do Código Penal.

 

ii) DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, então ocupante de cargo em comissão no Núcleo da Contabilidade da Secretaria de Saúde do Município de Dourados, subordinada a RAPHAEL TORRACA, auxiliou RONALDO na aquisição do CNPJ da empresa MARMIQUENTE, aproveitando-se de amizade pessoal com a então proprietária da empresa, Joyce Caetano Rodrigues Souto de Moraes, a qual confirmou em seu depoimento judicial que, de fato, DAYANE intermediou a troca de contatos entre a depoente e RONALDO, enfatizando que inicialmente a negociação foi empreendida por telefone e WhatsApp com DAYANE, tratando de valores e documentos dos quais ela precisava, e que o negócio foi finalizado entre RONALDO e seu esposo. Acrescentou que em nenhum momento transpareceu que DAYANE fosse a adquirente e que ela lhe disse que precisava de um CNPJ que estivesse em andamento para participar de uma licitação (ID 256436950 - Pág. 22/24).

 

Ficou demonstrado, igualmente, que DAYANE atuou na obtenção dos atestados de capacidade técnica ideologicamente falsos em nome da MARMIQUENTE empregados para suprir a habilitação técnica do Pregão.

 

Sobre DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, o corréu colaborador RONALDO declarou que (ID 21358047 - Pág. 57 do expediente de colaboração premiada – autos nº 5002152-53.2019.4.03.6002):

 

QUE DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK participou da constituição e do funcionamento da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE DAYANE procurou JOÃO FLÁVIO SOUTO DE MORAES e JOYCE CAETANO RODRIGUES SOUTO DE MORAES, antigos proprietários da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., para a aquisição do CNPJ dessa empresa;

QUE DAYANE trabalhou como funcionária da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO E BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., inclusive mediante o recebimento de salário;

QUE DAYANE sabia que RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE, durante a execução contratual da dispensa de licitação realizada pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD), a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. ainda não estava em regular funcionamento e, por essa razão, as marmitas entregues por ela foram adquiridas, em sua maioria, no Restaurante do Gaúcho, administrado por DAYANE, e, também, no Restaurante Flor de Laranjeira;

QUE DAYANE e SANDRA REGINA SOARES MAZARIM realizaram a contratação de funcionários para a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., após a celebração dos contratos com a FUNSAUD;

QUE, no pregão presencial realizado pela FUNSAUD, os atestados de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., os quais o COLABORADOR reconhece tratar-se de documentos falsos, foram providenciados por RAFHAEL, SANDRA e DAYANE;

QUE o atestado de capacidade técnica emitido pela empresa Território do Couro, em especial, foi obtido por DAYANE, tendo em vista que o Restaurante do Gaúcho, administrado por ela, já forneceu marmitas para aquela empresa;

QUE o COLABORADOR realizou, por ordem de RAFHAEL e SANDRA, algumas transferências bancárias da conta da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. diretamente para a conta de DAYANE;

QUE, nas planilhas contábeis da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., o COLABORADOR identificou os pagamentos realizados a DAYANE, valendo-se da palavra ‘DAY’;

QUE a maioria dos pagamentos a DAYANE foi realizado por SANDRA; e

QUE ratifica todas as declarações, gravadas em sistema audiovisual, e documentos entregues à DPF e ao MPF no bojo dos autos em epígrafe.

 

Em corroboração, a testemunha Felipe Palhano Costa declarou que a empresa Território do Couro tem uma funcionária chamada Jamile, a qual acha ser amiga de DAYANE, embora não saiba precisar qual a relação entre elas. A propósito, foi trazido aos autos diálogo entre Jamile e DAYANE realizado no dia 13.11.2018, no qual conversam sobre a intimação do gerente do RH e de Felipe, da mencionada empresa, para deporem no Ministério Público (ID 256436950 - Pág. 25/26):

 

Jamile: falei com a Sandra amiga

Jamile: sobre uma situação

Jamile: ela disse que iria falar pra você

Jamile: mas tá tudo certo

DAYANE: ah sim

DAYANE: que é?

Jamile: ela vai te falar

DAYANE: Ta bom amiga

 

Jamile: amiga

DAYANE: oi

Jamile: falou com a Sandra

DAYANE: não

Jamile: hoje à tarde o gerente do RH teve que ir no ministério público

DAYANE: hum

Jamile: pediram pra ele toda movimentação no nome da sua mãe

DAYANE: Ah é

DAYANE: vixi

 

DAYANE: por causa da marmitaria

Jamile: sim

DAYANE: me chamaram também

Jamile: ontem fizeram com Felipe

DAYANE: aff

Jamile: vc lembra que dei um doc pra ele assinar com outro CNPJ

Jamile: chamaram ele por isso

DAYANE: Eh porque uma vez peguei uma nota emprestada

DAYANE: Pq tava sem né

 

Na sequência, Jamile envia o áudio cuja transcrição ora se colaciona:

 

Não amiga deixa eu te falar porque perguntaram para ele se ele conhecia o Secretário de Saúde, se conhecia o fulano de tal ciclano de tal, tudo o povo da Prefeitura. Parece que é alguma coisa da marmita daí que deve ter feito alguma denúncia alguma coisa né. Aí chamaram o Felipe por causa do... que o Felipe que tinha assinado, aí eu acho que deixaram esse documento na... é que o Felipe assinou na Prefeitura, como se ele prestasse serviço para nós entendeu (...)

 

DAYANE atuou, ainda, na composição do quadro de funcionários da MARMIQUENTE, conforme se depreende de diversas outras evidências, tais como:

 

- email enviado por RONALDO, em 17/04/2017, referente à contratação de pessoal (currículos) (ID 21358047 – Pág. 57/59, dos Autos n. 5002152-53.2019.4.03.6002);

 

- depoimento judicial da testemunha Marcelo Brasil Vollkopf (ID 28417447), que declarou ter sido contratado para trabalhar na MARMIQUENTE por DAYANE, que ela lhe explanou qual seria a sua função, razão pela qual pensou que ela seria a gerente;

 

- Imagem do aviso de licitação que redundou na contratação da MARMIQUENTE e print de conversa entre DAYANE e SANDRA, em que resolvem questões sobre a quantidades de marmitas (ID 22762985 - Pág. 75/82 dos autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002 - análise de mídia apreendida em sua residência).

 

Reforçando o quadro probatório a implicar DAYANE, foram apreendidos na casa de RONALDO canhotos de cheques em seu favor, denotando que atuou mediante remuneração para viabilizar o empreendimento delituoso (ID 256435508 - Pág. 14).

 

Perante tais elementos, resta isolada a alegação defensiva de que a acusada teria apenas intermediado o contato inicial entre RONALDO e os ex-proprietários da empresa MARMIQUENTE, com o intuito de auxiliar estes últimos e trabalhar na marmitaria, por necessidades financeiras (ID 256436950 - Pág. 28), restando amplamente caracterizada a sua participação dolosa nos delitos constantes do art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP) e do art. 312 do Código Penal.

 

 

iii) SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, ingressante em 2017 em cargo comissionado na Contabilidade da FUNSAUD, e esposa do então Diretor Financeiro da Secretaria Municipal  de Saúde de Dourados, o  corréu RAFHAEL, concorreu tanto para a aquisição e operacionalização da MARMIQUENTE, como também para a habilitação desta para as contratações pela FUNSAUD.

 

Sobre SANDRA, o corréu colaborador RONALDO declarou que (ID 21358047 - Pág. 53 do expediente de colaboração premiada – autos nº 5002152-53.2019.4.03.6002):

 

QUE SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, esposa de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, sabia e participou das irregularidades envolvendo a constituição da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. e os contratos celebrados com a Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD);

QUE SANDRA auxiliou pessoalmente o COLABORADOR na constituição e no funcionamento da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. e, ainda, na participação da empresa na dispensa de licitação e no pregão presencial realizados pela FUNSAUD;

QUE SANDRA adquiriu, de JOÃO FLÁVIO SOUTO DE MORAES e JOYCEGE (sic) CAETANO RODRIGUES SOUTO DE MORAES, antigos proprietários da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., o CNPJ dessa empresa, pelo valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

QUE SANDRA forneceu os dados pessoais do COLABORADOR a JOÃO FLÁVIO, para a elaboração de procuração destinada a possibilitar a participação do COLABORADOR, em nome da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., na dispensa de licitação realizada pela FUNSAUD;

QUE JOÃO FLÁVIO, então, elaborou uma procuração em nome do COLABORADOR e a entregou para SANDRA, a qual, por sua vez, a repassou para o COLABORADOR;

QUE, na dispensa de licitação, por não exigir a presença dos interessados, RAFHAEL e SANDRA entregaram pessoalmente os documentos da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. a FUNSAUD, a fim de possibilitar a participação da empresa no certame;

QUE, na dispensa de licitação, alguns documentos da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., tal como o alvará sanitário, foram entregues à FUNSAUD após a assinatura do contrato de fornecimento das marmitas;

QUE, durante a execução contratual da dispensa de licitação, a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. ainda não estava em regular funcionamento e, por essa razão, as marmitas entregues por ela foram adquiridas, em sua maioria, no Restaurante do Gaúcho, administrado por DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, e, também, no Restaurante Flor de Laranjeira;

QUE os pagamentos ao Restaurante Flor de Laranjeira, como contraprestação pelas marmitas adquiridas no estabelecimento, foram realizados com cheques de titularidade de SANDRA;

QUE, no pregão presencial, os atestados de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., os quais o COLABORADOR reconhece tratar-se de documentos falsos, foram providenciados por RAFHAEL, SANDRA e DAYANE;

QUE, no pregão presencial, toda a documentação da empresa foi providenciada e organizada por SANDRA;

QUE, no dia do julgamento do pregão presencial, SANDRA e RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL intercederam junto à esposa do ‘Duba’ proprietário do Restaurante Avenida, para que ela não participasse do certame, na condição de concorrente da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE, durante a execução contratual do pregão presencial, SANDRA forneceu cheques de sua titularidade e da empresa Jangoo, a qual pertencia a RAFHAEL, para a aquisição dos insumos necessários à preparação das marmitas da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE SANDRA, valendo-se de sua condição de funcionária do setor financeiro da FUNSAUD, viabilizava/facilitava os pagamentos da fundação à empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE DAYANE e SANDRA realizaram a contratação de funcionários para a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. após a celebração dos contratos com a FUNSAUD;

QUE SANDRA foi a responsável pela contratação da nutricionista da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE o pai de SANDRA foi o fiador da locação do imóvel da MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE SANDRA recebia as planilhas de movimentação financeira da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. e as repassava a RENATO;

QUE, em uma oportunidade, SANDRA recebeu, pessoalmente, em sua casa, o dinheiro obtido pela empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. em decorrência dos contratos com a FUNSAUD;

QUE o COLABORADOR realizou, por ordem de RAPHAEL e SANDRA, algumas transferências bancárias da conta da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. diretamente para a conta de DAYANE;

QUE a maioria dos pagamentos a DAYANE foi realizado por SANDRA;

QUE, no dia 26.04.19, o COLABORADOR reuniu-se com a advogada Tamíres Rodrigues da Silva, a pedido da profissional, contratada por RAFHAEL e SANDRA, a fim de receber orientação jurídica acerca dos fatos investigados;

QUE ratifica todas as declarações, gravadas em sistema audiovisual, e documentos entregues à DPF e ao MPF no bojo dos autos em epígrafe.

 

Necessário dizer que o conjunto probatório corrobora amplamente a veracidade do depoimento do réu colaborador RONALDO, conforme examinado a seguir.

 

SANDRA foi responsável pelo encaminhamento de documento com expressão da dotação orçamentária e a declaração de compatibilização para a instrução do Processo Administrativo que viabilizou as contratações da MARMIQUENTE (ID 21250523 – Pág. 12), e, como Diretora Administrativa Interina, autorizou a prorrogação do contrato nº 020/2017 (ID 21244047 - Pág. 84).

 

Valendo-se de seu cargo, ainda, na sessão de julgamento do Pregão nº 06/2017, há prova oral (depoimento de Danyelle Radaelli de Assis, membro da comissão de licitação da FUNSAUD - ID 28229974) no sentido de que SANDRA adentrou ao recinto organizou previamente os documentos trazidos por RONALDO, dizendo que estava organizando o “papel da licitação”.

 

Quanto à atuação de SANDRA na estruturação da MARMIQUENTE, foi devidamente demonstrado que diligenciou pessoalmente a organização formal e material para que a empresa pudesse ser utilizada nas contratações públicas, a teor de diversos e-mails trocados entre RONALDO e a conta sandramazarim@yahoo.com.br (ID 22524274 - Pág. 54/59, dos Autos nº 0000832-20.2018.4.03.6002).

 

Não apenas isto, mas SANDRA exerceu o poder de gestão da MARMIQUENTE ao praticar diversos atos típicos da direção empresarial, tais como;

 

- negociação da quantidade de marmitas a serem adquiridas do   Restaurante Flor de Laranjeira, além de realização dos respectivos pagamentos, conforme testemunho judicial ofertado por Mariana Azambuja (ID 28229969).

 

- contratação de funcionários, conforme consta do relato testemunhal da nutricionista Radharani Bueno Moreira Lopes oferecido em juízo, na parte em que enfatiza que SANDRA a chamou para trabalhar, pegou seus documentos e a avisou do dia em que começaria a trabalhar para a MARMIQUENTE (ID 28229971).

 

- acompanhamento da contabilidade e controle financeiro, incluindo o apontamento de pagamentos que seriam realizados pela FUNSAUD, pelo que se extrai de diversos diálogos via o comunicador WhatsApp com RONALDO (Relatório de Análise de Mídias Apreendidas nº 01/2019 - IDs 22762973, 22762981 e 22762985 dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002).

 

Nesse sentido, a r. sentença bem explicitou a conjugação de mais evidências típicas do exercício da atividade empresarial (ID 256436960 - Pag. 66):

 

SANDRA era responsavel pela parte contabil da empresa e estava a par de tudo o quanto necessario para manter sua regularidade. Ve-se que ao questionar RAFHAEL sobre ‘pra qdo vai precisar de certidao?’, RONALDO obtem a seguinte resposta ‘Ve com a Sandra eu nao sei’ (ID 22762973 - Pag. 49, dos Autos no 5002425-62.2019.4.03.6002).

SANDRA tambem fala para RONALDO ‘verifica la no escritorio pra parcelar o simples em 12 vezes como ficaria’, pois ‘vai precisar da certidao’ (ID 22762981 - Pag. 144 e 145, dos Autos no 5002425-62.2019.4.03.6002). No mais, segue acompanhando a questao do parcelamento do SIMPLES, inclusive, dando ordens sobre como RONALDO deve proceder.

SANDRA tambem repetidamente questiona RONALDO sobre o pagamento dos funcionarios da empresa e solicita a informacao sobre o que tem que pagar, a demonstrar todo o controle que ela tem sobre o funcionamento da empresa (ID 22762981 - Pag. 132-136, dos Autos no 5002425- 62.2019.4.03.6002) (...)

 

Inclusive, posteriormente ao início das investigações, precisamente no dia 10.09.2019, RONALDO procurou influenciar João Flávio Souto de Moraes, antigo proprietário da MARMIQUENTE, a fim de que ocultasse o nome de SANDRA quando fosse questionado pelas autoridades. (ID 22762985 - Pág. 60, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002):

 

RONALDO: Boa tarde João

RONALDO: Precisava falar com você amanhã de manhã se possível

João Flávio: Opa

João Flávio: Boa tarde

João Flávio: Amanhã cedo não devo estar na cidade

João Flávio: Tenho uma reunião em Maracajú

João Flávio: Se ela não se confirmar eu te aviso

RONALDO Ah sim

RONALDO: Então seria apenas a respeito da audiência

RONALDO: Eu queria pedir para vc e a Joice para não mencionar o nome da sandra nas negociações da empresa

RONALDO: Pq ela trabalha lá né aí pode ser ruim

RONALDO: Apenas isso q eu ia falar

RONALDO: O restante não tem nenhum problema

 

Em resposta, João Flávio Souto de Moraes encaminhou o seguinte áudio (ID 22762985 - Pág. 61, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002):

 

A questão é Ronaldo é assim, beleza, só que toda a negociação tudo foi feito com você, mas quem pagou realmente quem passou o dinheiro para a Joyce se não me engano foi a Sandra. Então se eles chegarem a questionar algo com relação a isso fica meio complicado a gente não falar né, a gente num sabe o que que ta acontecendo nem nada a questão e só se chegar neste tipo de pergunta e quem paga... quem pagou foi isso nossa negociação a conversa foi tudo com você, agora, né, então agora fica meio complicado para gente é eu acho que é só isso entendeu.

 

 

Em 10/09/2018, SANDRA alinha as versões dos fatos com RONALDO por ocasião em que expressamente admite que levou os documentos para João Flávio assinar, conforme abaixo transcrito (ID 22762985 - Pág. 52-55, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002):

 

SANDRA: Isso combina de falar com a Day

SANDRA: Seguinte

SANDRA: Vcs chegaram nele pela Day…

RONALDO: Fala você com ela Sandra porque a Joice vai falar com ela hoje

RONALDO: Instrui ela certinho

SANDRA: Vc foi ver a empresa da Day para comprar e ela indicou a Joyce…

SANDRA: Eu posso dizer que conhece você e a Day

SANDRA: O pai da Day te deu uma mão no início e

SANDRA: E você continuou

SANDRA: Pq ai já explica pra Day o que eles querem

SANDRA: Pq elas estão perdidas

SANDRA: [Sandra envia imagem não disponível]

RONALDO: Então fala com a data você Sandra eu vou falar com o João e a Joice amanhã

SANDRA: [Sandra envia imagem não disponível]

RONALDO: Mas já deixa falado com a Day

[…]

SANDRA: Outra coisa você pode falar pra eles que eu te dei uma mão na parte contábil

SANDRA: Que você sabia que eu era contadora e tal... Ate por isso que aquele dia fui pegar a assinatura dele… fazendo um favor

SANDRA: E tal

SANDRA: É só alinhar as conversas por tá tudo certo né

 

Em seu interrogatório judicial (ID 29027443), SANDRA nega que tenha participado da MARMIQUENTE de qualquer forma. Nega que tenha solicitado qualquer tipo de atestado para a MARMIQUENTE.  Diz que trabalhava na contabilidade da FUNSAUD, que é segmentada, então não tinha acesso aos processos de licitação, ao setor de compras da Fundação. Diz que conhece RONALDO desde 2010, pois ele fazia segurança para uma boate que era de sua família, e depois ele trabalhou em restaurante também da família. Relata que depois disso, ele perguntou se poderia ser sua fiadora, e ela disse que não, por isso ele pediu ao seu pai e tratou direto com ele. Reconhece que indicou uma nutricionista para a marmitaria do RONALDO, que fez o intermédio de pegar documento dela e passar para ele, inclusive foi até a empresa e fez apresentação dela para a empresa. Reconhece que indicou um restaurante para RONALDO, para fornecer marmita para ele. Nega qualquer tipo de envolvimento na empresa dele. Nega ter participado de licitação. Nega que teria acesso à contabilidade da MARMIQUENTE. Reconhece que RONALDO chegou a pedir previsão de pagamento, justificando que alguns fornecedores faziam isso, que era frequente lidar com fornecedores reclamando e pedindo previsão de pagamento. Nega que tivesse intenção de fazer algo ilícito. Reconhece que trocava mensagens com RONALDO porque o conhecia, mas por mero coleguismo, sem intenção de fazer nada errado.

 

Em que pese a negativa apresentada pela acusada, sua palavra resta isolada do conjunto probatório, robusto o suficiente para enredá-la nos delitos questionados.

 

Pelo exposto, resta amplamente caracterizada a perpetração dolosa dos delitos constantes do art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP) e do art. 312 do Código Penal por parte de SANDRA.

 

 

IV) RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, vulgo PARDAL: entao Diretor Financeiro da Secretaria Municipal de Saude de Dourados e casado com a corré SANDRA, foi denunciado como um dos proprietarios de fato da empresa MARMIQUENTE e um dos destinatários dos recursos publicos desviados da FUNSAUD.

 

Sobre RAFHAEL, o corréu colaborador RONALDO declarou que (ID 21358047 - Pág. 46 do expediente de colaboração premiada – autos nº 5002152-53.2019.4.03.6002):

 

QUE a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foi constituída pelo COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, exclusivamente para o atendimento dos contratos celebrados com a Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD) e relacionados com o fornecimento de marmitas ao Hospital da Vida e à UPA 24 horas, no Município de Dourados/MS;

QUE RAFHAEL e RENATO eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE o COLABORADOR foi contratado por RAFHAEL e RENATO, com salário mensal de R$ 6.000,00 (seis mil reais), para que a empresa MARMIQUENTE fosse registrada em seu nome e administrada por ele;

QUE, na dispensa de licitação, por não exigir a presença dos interessados, RAFHAEL e sua esposa, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, entregaram pessoalmente os documentos da MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. à FUNSAUD, a fim de possibilitar a participação da empresa no certame;

QUE, no pregão presencial realizado pela FUNSAUD, os atestados de capacidade técnica da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., os quais O COLABORADOR reconhece tratar-se de documentos falsos, foram providenciados por RAFHAEL, SANDRA e DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK;

QUE, durante a execução contratual do pregão presencial, SANDRA forneceu cheques de sua titularidade e da empresa Jangoo, a qual pertencia a RAFHAEL, para a aquisição dos insumos necessários à preparação das marmitas da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE O COLABORADOR entregava diretamente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, o ‘lucro’ obtido pela empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE os recursos financeiros obtidos com a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foram entregues pessoalmente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, e posteriormente repassados, em parte, a RENATO:

QUE, nas planilhas contábeis da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., o COLABORADOR identificou os pagamentos realizados a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, valendo-se das palavras ‘RP'* ‘saque RP’, ‘saida RP’, ‘saida Rafhael’ e ‘saida’";

QUE acredita que, somados todos os valores entregues, em espécie RAFHAEL, alcance-se um valor de aproximadamente R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais);

QUE o COLABORADOR prestava contas de todo o funcionamento da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. a RAFHAEL;

QUE o COLABORADOR realizou, por ordem de RAFHAEL e SANDRA, algumas transferências bancárias da conta da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. diretamente para a conta de DAYANE;

QUE, após o encerramento das atividades da MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., RAFHAEL guardou alguns equipamentos e materiais dessa empresa em um imóvel utilizado por ele depósito de outros equipamentos das casas noturnas de sua propriedade;

QUE o COLABORADOR foi instruído por RAFHAEL e RENATO a não mencionar os seus nomes em caso de investigações sobre o fato;

QUE AMÉRICO MONTEIRO SALGADO JUNIOR, então Presidente da FUNSAUD, recebeu 2 (dois) pagamentos, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada um, do COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL e de RENATO, a fim de evitar atrasos nos pagamentos da FUNSAUD à empresa MARMIQUENTE, QUE RAFHAEL procurou um familiar do COLABORADOR, durante a sua prisão, a fim de oferecer assistência, como, por exemplo, a contratação de advogado;

QUE, no dia 28.03.19, RAFHAEL encontrou o COLABORADOR, após prévio ajuste de dia, horário e local;

QUE, no dia 26.04.19, o COLABORADOR reuniu-se com a advogada Tamíres Rodrigues da Silva, a pedido da profissional, contratada por RAFHAEL e SANDRA, a fim de receber orientação jurídica acerca dos fatos investigados; e

QUE ratifica todas as declarações, gravadas em sistema audiovisual, e documentos entregues à DPF e ao MPF no bojo dos autos em epígrafe.

 

Do acervo probatório, destaca-se a compilação policial das apreensões efetivadas contra o comparsa RENATO (Relatório de análise de Polícia Judiciária - ID 256436494 – Pág. 01/27), que, analisando mídias apreendidas contendo diálogos envolvendo a MARMIQUENTE e RAFHAEL teceu as seguintes observações:

 

Oportuno referenciar o Relatório de Análise das Mídias Apreendidas nº 01/2019, redigido a partir dos materiais apreendidos no contexto da ‘Operação Purificação’, onde demonstra-se fartamente a relação de Rafhael com Ronaldo Gonzales Menezes e o poder de decisão em relação a marmitaria Marmiquente, vencedora do Pregão Presencial nº 006/2017 do Processo de Licitação nº 36/2017 e também do Pregão Presencial nº 003/2018 do Processo de Licitação nº 35/2018, ambos tendo como objeto o fornecimento de Alimentação Hospitalar, dietas normais e dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes e funcionários do Hospital da Vida e Unidade de Pronto Atendimento da Fundação de Serviços de Saúde de Dourados/MS – FUNSAUD. No citado relatório demonstrou-se também o poder gerencial de Renato em relação a Rafhael e a empresa Marmiquente.

 

No presente evidencia-se e solidifica o já demonstrado papel de Rafhael no fluxo de comunicação entre Ronaldo e Renato acerca dos problemas e burocracias enfrentados pela empresa Marmiquente.

 

Destaca-se abaixo que Rafhael repassa a Renato Vidigal, em 11 de dezembro de 2017, os problemas de fiscalização e notificações enfrentados por Ronaldo. No caso, Rafhael envia para Renato um ‘print’ das mensagens trocadas entre ele e Ronaldo. Em sequência Renato Vidigal repassa o arquivo da notificação que Rafhael lhe mandou para um contato com nome ‘Sandra Marcelao questionando sobre a denúncia e avisando que iria repassar a mensagem.

 

(...)

 

Renato e Rafhael, no dia 18 de dezembro de 2017, dialogam sobre pagamento a ser realizado a terceiro e caberia a Américo (à época Diretor-Presidente da Funsaud) efetivar o pagamento. O pagamento teria sido realizado por meio de TED e, portanto, seria compensado apenas no dia seguinte. Esta terceira pessoa pediu R$ 5.000, no contexto da conversa, a Rafhael. Os interlocutores (Raphael e Renato) ainda comentam sobre outro pagamento em 2017 e que o próximo venceria somente no ano que vem (2018). Renato encontra com Américo a fim de verificar a situação dos pagamentos a serem realizados.

 

No dia 19 de dezembro Rafhael avisa Renato que ‘caiu R$ 100.000 lá’. SUGERE-SE confrontar esta informação com a contabilidade da empresa Marmiquente a fim de verificar se neste dia houve crédito de R$ 100.000,00 realizado pela Funsaud.

 

No dia 27 de dezembro de 2017 Rafhael avisa que se Renato ‘quiser ver amanhã para o menino’, pois ‘falta R$ 71.000’, não ficando claro neste diálogo quem seria ‘o menino’, mas ficando claro que utilizam esta linguagem em códigos.

 

No dia 28 de dezembro de 2017, os interlocutores falam sobre uma reunião ocorrida da Funsaud. Entre os assuntos discutidos entre Renato e Rafhael está a contabilidade da Funsaud relacionada aos pagamentos que serão realizados.

 

Renato e Rafhael ‘Pardal’ discutem sobre o que pagar com o dinheiro que irá creditar para a Funsaud e dentre este uma parte irá para ‘o menino da alimentação’ e no final do dia Renato pergunta a Rafhael se ‘Pagaram algo pro menino?’.

 

(...)

 

Entre os documentos encontrados no material analisado está uma DANFE nº 000.000.007, da Marmiquente Comércio de Bebidas e Alimentos LTDA ME, de 03 de outubro de 2017, com valor total de R$ 156.048,00.

 

(...)

 

Na mensagem do dia 06/10/2017, Américo declara a Renato que teve conhecimento de comentários que estariam sendo feitos a respeito da atuação deste na Secretaria de Saúde de Dourados. Américo informa que seu objetivo é ‘blindar’ Renato. Renato pede que o interlocutor seja cuidadoso ao falar ao telefone com ‘Sandra’, demonstrando, portanto, receio em estarem sendo investigados. ‘Sandra’, possivelmente seria Sandra Regina Soares Mazarim, na época servidora da Funsaud (13/01/2017 a 15/02/2019) e também alvo desta investigação.

 

(...)

 

Adiante, Renato pede para Américo verificar a conta bancária da Funsaud, a fim de confirmar o repasse de valores. Renato pede para pagar duas notas de Ronaldo (possivelmente Ronaldo Gonzales Menezes, responsável pela empresa Marmiquente, objeto desta investigação e, conforme demonstrado no Relatório de Análise de Mídias Apreendidas nº 01/2019, acredita-se, seja propriedade de Renato Vidigal).

 

Em corroboração, vale citar que a testemunha Radharani Bueno Moreira Lopes (ID 28229971) disse em seu depoimento judicial que RONALDO cogitou de vender marmita para o público. Enfatizou que, na época, DAYANE levou o fato a conhecimento de RAFHAEL e que este respondeu que “não era para inventar moda”.

 

Vale acrescentar que insumos foram adquiridos com recursos dispendidos pessoalmente por RAFHAEL, como denotam os três cheques assinados por este corréu ao “Supermercado Atacadão S.A’, colacionados nos autos por iniciativa de RONALDO que os detinha em mãos (ID 21358047, dos Autos n. 5002152-83.2019.403.6002).

 

Com relação ao proveito econômico obtido com os repasses indevidos à MARMIQUENTE, foi demonstrado que RAFHAEL articulou com RONALDO a sistemática de saques e entrega de dinheiro em espécie, conforme circunstanciado pela r. sentença (ID 256436950 - Pág. 54):

 

RAFHAEL (‘PARDAL’): Foi 38 k lá

RONALDO: Caiu 38

RAFHAEL (‘PARDAL’): Isso

RAFHAEL (PARDAL’): Saca 20 k

RONALDO: Ok

RONALDO: Tá na mão

RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcrição de áudio] Você não quer dar um pulo aqui no Indaiá não?

[…]

RONALDO: Tô aqui

[…]

RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcrição de áudio] O dinheiro tá como ai, tá no envelope, tá… tá em caixa, tá na… ou não tem envelope?

RONALDO: Não tem envelope RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcrição de áudio] Não tem envelope ou tem envelope?

RONALDO: Tem sim

[…]

RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcrição de áudio] Deixa com ele ai pra mim, porque eu vou ter que encontrar com ele daqui a pouco. Fala o Valter, o Pardal pediu para você só guardar esse envelope aqui para ele que ele já está voltando, que ele foi no Hotel 10.

 

Aliás, a estreita relação entre os corréus RAFHAEL e RONALDO pode ser compreendida também pela intensidade com que se comunicavam, sobressaindo a quantidade de 655 ligações telefônicas no período investigado (ID 256435530 - Pág. 29).

 

Em seu interrogatório judicial, RAFHAEL preferiu exercer o direito ao silêncio, respondendo apenas às perguntas da Defesa (ID  29027447), sem oferecer justificativa plausível em face das evidências contra si coligidas.

 

Tais elementos são hábeis e suficientes no sentido de comprovar a iniciativa dolosa de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO dissimular a titularidade e a habilitação da empresa MARMIQUENTE, a fim de que pudesse figurar em expedientes licitatórios e apropriar-se dos recursos públicos decorrentes da contratação com a FUNSAUD, praticando assim os crimes do art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP) e do art. 312 do Código Penal.

 

 

V) RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, então Secretário de Saúde de Dourados/MS, foi denunciado como um dos proprietarios de fato da empresa MARMIQUENTE e um dos destinatários dos recursos publicos desviados da FUNSAUD, dirigindo a atuação dos demais acusados e atuando, mediante o exercício de sua influência política, para que a empresa fosse paga sem atrasos pela FUNSAUD.

 

As evidências já apresentadas no decorrer do presente voto convergem para a realidade de que orquestrou a constituição dissimulada de empresa imprestável para as contratações públicas, seja pela titularidade camuflada por interposta pessoa, seja pela falsificação de requisitos essenciais para a adjudicação do objeto.

 

Nesse sentido, o conjunto probatório vem referendar os termos do depoimento ofertado acerca de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, pelo corréu colaborador RONALDO, ora reproduzido (ID 21358047 - Pág. 46 do expediente de colaboração premiada – autos nº 5002152-53.2019.4.03.6002):

 

QUE a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foi constituída pelo COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, exclusivamente para o atendimento dos contratos celebrados com a Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD) e relacionados com o fornecimento de marmitas ao Hospital da Vida e à UPA 24 horas, no Município de Dourados/MS;

QUE RAFHAEL e RENATO eram os proprietários, de fato, da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE o COLABORADOR foi contratado por RAFHAEL e RENATO, com salário mensal de R$ 6.000,00 (seis mil reais), para que a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. fosse registrada em seu nome e administrada por ele;

QUE RENATO intercedeu junto ao proprietário do imóvel da sede da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., a fim de possibilitar a sua locação ao COLABORADOR;

QUE RENATO realizou investimentos financeiros na empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA., como, por exemplo, a compra de equipamentos e de um veículo;

QUE RENATO interveio na Vigilância Sanitária de Dourados para a liberação do alvará sanitário permanente da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE, no dia do julgamento do pregão presencial, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RENATO intercederam junto à esposa do ‘Duba’ proprietário do Restaurante Avenida, para que ela não participasse do certame na condição de concorrente da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE os recursos financeiros obtidos com a empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. foram entregues pessoalmente a RAFHAEL, em dinheiro em espécie, e posteriormente repassados, em parte, a RENATO;

QUE SANDRA recebia as planilhas de movimentação financeira da empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA. e as repassava a RENATO;

QUE AMÉRICO MONTEIRO SALGADO JUNIOR, então Presidente da FUNSAUD, recebeu 2 (dois) pagamentos, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada um, do COLABORADOR, a pedido de RAFHAEL e de RENATO, a fim de evitar atrasos nos pagamentos da FUNSAUD à empresa MARMIQUENTE COMÉRCIO DE BEBIDAS E ALIMENTOS LTDA.;

QUE o COLABORADOR foi instruído por RAFHAEL e RENATO a não mencionar os seus nomes em caso de investigações sobre o fato;

QUE, no dia 24.05.19, RENATO encontrou o COLABORADOR no Supermercado Chama, no Município de Dourados, perguntou sobre a prisão e as perguntas realizadas pela Polícia Federal e, ainda, ofereceu ajuda; e

QUE ratifica todas as declarações, gravadas em sistema audiovisual, e documentos entregues à DPF e ao MPF no bojo dos autos em epígrafe.

 

A ingerência e o poder decisório de RENATO sobre os demais acusados ressoa evidente dos diálogos interceptados por ocasião da apresentação da proposta no Pregão Presencial nº 06/2017, tendo RAFHAEL o contatado por duas vezes, as 08h55min e 08h57min (ID 22524278 – Pag. 5, dos Autos no 0000832-20.2018.4.03.6002), repassando a posição de RENATO para RONALDO, que se encontrava presencialmente no recinto da licitação (ID 22762973 - Pag. 100 e 116/117, dos Autos no 5002425-62.2019.4.03.6002):

 

RAFHAEL (‘PARDAL’): Sai fora

RAFHAEL (‘PARDAL’): Doto falou

[...]

RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcricao de audio] O Doutor mandou voce sair fora eu to vendo aqui com ele

RONALDO: Assina a ata de responsabilidade

RAFHAEL (‘PARDAL’): [transcricao de audio] Nao entao nao assina nada nao, sai fora entao, o Renato falou para sair fora, sai fora.

 

 

Além disto, evidenciou-se também a conduta dirigida ao locupletamento, mediante o amplo registro de diálogos tratando de custos e de valores obtidos com o fornecimento de marmitas à FUNSAUD.

 

Eloquente indicativo da influência exercida por RENATO a fim de garantir o fluxo financeiro para posterior desfalque foi bem explicitado no diálogo registrado entre este e o corréu RAFHAEL tratando de privilegiar a MARMIQUENTE com o dispêndio de recursos parcos da FUNSAUD, bem destacado pela r. sentença (ID 256436950 - Pág. 56):

 

RENATO: Vou passar no Americo agora

RENATO: Era pra ir hoje

RAFHAEL (‘PARDAL’): Não perguntei ainda

RAFHAEL (‘PARDAL’): Vou perguntar

RAFHAEL (‘PARDAL’): Não caiu nada

RAFHAEL (‘PARDAL’): Lembrando tem os 36 de outubro e tem a nota de novembro que venceu agora em dezembro de 135

RAFHAEL (‘PARDAL’): Seria interessante pagar um pouco dessa de 135 RAFHAEL (‘PARDAL’): Uns 50 dessa aí tambem

RAFHAEL (‘PARDAL): Por que depois só o ano que vem né

RENATO: To aqui no Americo

RENATO: Ele tá falando que foi por causa do red

[…]

RENATO: Ted

RENATO: Amanhã cedo vai

RENATO: Tem q ir

RAFHAEL (‘PARDAL’): Entendi

RAFHAEL (‘PARDAL’): Vai quanto? Para avisar

RENATO: 100

RENATO: Que acha?

RAFHAEL (‘PARDAL’): Bom

RAFHAEL (‘PARDAL’): Ajuda né

 

Ressalte-se que, no dia seguinte, RAFHAEL avisa a RENATO que “caiu 100 lá” (ID 28580785 - Pág. 15), o que coincide com as duas transferências eletrônicas (TED), que a FUNSAUD realizou em favor da empresa MARMIQUENTE no dia 19/12/2017, nos valores de R$ 34.596,50 (trinta e quatro mil, quinhentos e noventa e seis reais e cinquenta centavos) e de R$ 65.403,50 (sessenta e cinco mil, quatrocentos e três reais e cinquenta centavos), totalizando R$ 100.000,00 (cem mil reais), conforme resultado da quebra do sigilo bancário (ID 22548782, dos Autos nº 0000865- 10.2018.4.03.6002).

 

Posteriormente, em 27/12/2017 RAFHAEL fala para RENATO “se quiser ver amanhã para o menino lá falta 71” (ID 28580785 - Pág. 15). Ressalte-se que 71 é justamente a diferença entre o que fora pago (R$ 100.000,00) e o que RAFHAEL anteriormente tinha mencionado (Lembrando tem os 36 de outubro e tem a nota de novembro que venceu agora em dezembro de 135), a indicar a ingerência de RENATO nos pagamentos realizado pela FUNSAUD, em benefício da MARMIQUENTE.

 

A influência de RENATO ora enfocada foi de fundamental importância para a viabilidade da atividade delituosa, uma vez que era de seu amplo conhecimento que a FUNSAUD não detinha condições de honrar com pagamentos, conforme se depreende do testemunho judicial ofertado pelo ex-presidente da entidade Daniel Fernandes Rosa, quando enfatizou que a Fundação sempre trabalhava em déficit, a ponto de alguns fornecedores reterem mercadorias por falta de pagamento, sendo que o repasse muitas vezes não cobria a folha de pagamento dos funcionários, de forma que a entidade sempre trabalhava no “vermelho” (ID 256436950 - Pág. 58).

 

Nesse sentido foi precisamente destacada pela r. sentença a singular presteza dos pagamentos em favor da MARMIQUENTE, garantindo efetivamente o retorno financeiro da empresa (ID 256436950 - Pág. 58):

 

Veja-se: a Nota Fiscal nº 0026, emitida em 01/04/2017 (ID 21250523 - Pág. 52) foi paga em 12/04/2017; a Nota Fiscal nº 0028, emitida em 17/04/2017 (ID 21250523 - Pág. 53) foi paga em 19/04/2017; a DANFE nº 002, emitida em 02/05/2017 (ID 21244047 - Pág. 43) foi paga em 10/05/2017; a DANFE nº 003, emitida em 01/06/2017 (ID 21244047 - Pág. 44) foi paga em 06 e 13/06/2017; a DANFE nº 004, emitida em 03/07/2017 (ID 21244047 - Pág. 45) foi paga em 04 e 11/07/2017; a DANFE nº 005, emitida em 01/08/2017 (ID 21244047 - Pág. 46) foi paga em 04, 09 e 22/08/2017; a DANFE nº 006, emitida em 01/09/2017 (ID 21244047 - Pág. 59) foi paga em 08, 14 e 29/09/2017 e 02/10/2017.

 

Interrogado em juízo (ID 29028220 e 29028222 dos autos em primeiro grau), RENATO não ofereceu justificativa plausível para as evidências contra si coligidas:

 

Negou o cometimento dos ilícitos em questão. Acrescentou que a FUNSAUD é uma Fundação de Direito Privado, sobre a qual não possuía ingerência. Não tinha conhecimento nenhum dos procedimentos de licitação. Perguntado sobre as ligações telefônicas mantidas com o corréu RONALDO, respondeu que a última conversa com ele fora quando da dissolução de uma empresa anterior, mas não por ocasião dos fatos sub judice. Quanto às mensagens entre RONALDO e RAFHAEL que mencionavam seu nome como determinante da participação da MARMIQUENTE na licitação, bem como quanto ao fato de que no momento do Pregão manteve contato telefônico com RAFHAEL, respondeu que era normal que RAFHAEL, enquanto Diretor Financeiro da Secretaria de Saúde, o telefonasse. Questionado sobre as afirmações do então Presidente da FUNSAUD, Sr. Américo Monteiro, no sentido de que RENATO tinha influência sobre a FUNSAUD e a MARMIQUENTE era a única que recebia em dia, respondeu que desconhece tal fato. Eu apenas cobrava metas de produção da Secretaria de Saúde, mas não exercia influência de outra espécie. Nunca conversei com o Américo sobre a MARMIQUENTE, eu tinha apenas a obrigação de fazer o repasse à FUNSAUD. Questionado sobre o encaminhamento de RAFHAEL à sua pessoa de prints de repasse à MARMIQUENTE, disse desconhecer tal fato.

 

Em que pese a Defesa de RENATO procure desvencilhá-lo da responsabilidade penal sob o pretexto de que a FUNSAUD constituiria órgão distinto da Secretaria de Saúde, sobre o qual não possuiria qualquer ingerência, o r. juízo a quo bem salientou que não existe óbice nesse sentido, uma vez que não se trata de crime próprio e que a imputação não foi estribada em ingerência formal, mas em poder de influência material, bem caracterizada por todos os elementos já delineados.

 

Em conclusão, perante o conjunto probatório amplamente exposto, resta claro que RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL, valendo-se da influência de seu cargo de Secretário da Saúde de Dourados/MS, liderou e viabilizou a dissimulação da titularidade e a habilitação da empresa MARMIQUENTE, a fim de que pudesse figurar em expedientes licitatórios, bem como a apropriação dos recursos públicos decorrentes da contratação com a FUNSAUD, praticando assim os crimes do art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP) e do art. 312 do Código Penal.

 

 

II.II -                ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO CRIME DE INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2° DA LEI N° 12.850/2013)

 

Premissas teóricas

 

O tipo penal que incrimina a organização criminosa possui como objetividade jurídica a tutela da paz pública, tratando-se de infração de perigo abstrato, em que se presume a colocação em risco da sociedade.

 

Os artigos 1°, § 1°, e 2°, § 4°, II, da Lei n° 12.850/2013, assim dispõem:

 

Art. 1º: Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

 

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

(...)

 

Art. 2º: Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

 

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

(...)

§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.

§ 4º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):

(...)

II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal;

 

Em suma, integram o conceito legal do tipo em questão, além dos verbos nucleares, os seguintes elementos:

 

1) associação de 4 (quatro) ou mais pessoas;

2) estrutura ordenada, isto é, organização dos membros sob um regime de hierarquia e com divisão de tarefas (mesmo que informalmente);

3) objetivo de obter vantagem indevida (de qualquer natureza);

4) prática de infrações graves (com pena máxima superior a quatro anos) ou de caráter transnacional.

 

As condutas incriminadas, por sua vez correspondem alternativamente às ações de promover, constituir, financiar, ou integrar, de modo que qualquer delas basta para caracterizar o delito, cuidando-se de tipo misto alternativo.

 

Trata-se de crime formal (que não exige resultado naturalístico para a sua consumação), plurissubjetivo (que somente deve ser cometido por mais de um agente) e permanente (cuja consumação se prolonga ao longo do tempo).

 

É certo que, desde a internalização da Convenção de Palermo (Decreto 5.015, de 12 de março de 2004), já existia no ordenamento jurídico pátrio o conceito de "grupo criminoso organizado" como sendo aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na referida Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Não obstante, foi com o advento da Lei n° 12.850, de 2 de agosto de 2013, que surgiu, propriamente, a tipificação do delito de "promover/constituir/financiar ou integrar organização criminosa".

 

 A partir da vigência dessa lei, passou-se a compreender "organização criminosa" como associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. Tais características, portanto, diferenciam "organização criminosa" de "associação criminosa" (inteligência do art. 288 do CP), bem como do concurso eventual de agentes.

 

Convém explicitar, nesse sentido, não prosperar, segundo o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal a possibilidade de tipificar o delito de organização criminosa à luz da legislação preexistente à vigência da Lei nº 12.850/2013:

 

DIREITO PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PERÍODO ANTERIOR À LEI 12.850/2013. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO JURÍDICA VÁLIDA. 1. A partir do julgamento do HC 96.007, Rel. Min. Marco Aurélio, tem prevalecido o entendimento de que, no período anterior à Lei nº 12.850/2013, seria atípica a conduta descrita no art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/1998, tendo em vista a falta de definição jurídica válida para organização criminosa. Entendimento, esse, também adotado no julgamento da AP 470, Relator originário o Ministro Joaquim Barbosa. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.

(RE-AgR - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator ROBERTO BARROSO, STF, 1ª TURMA, Sessão de 27.09.2018)

 

Destarte, na hipótese de a consumação do ato ilícito que seria atualmente subsumível ao art. 2º da Lei nº 12.850/2013 anteceder por completo a vigência deste novel preceito incriminador, a tipificação penal corresponderia necessariamente à pretérita dicção do art. 288 do Código Penal, então denominado “quadrilha ou bando”.

 

 

Do caso concreto

 

No presente caso, observa-se que o órgão ministerial não se desincumbiu do ônus de comprovar os elementos do tipo que caracterizam o delito de integrar organização criminosa, em que pese a veemência da acusação e o teor da r. sentença condenatória.

 

A própria tese acusatória mostra-se carente do efetivo preenchimento específico de requisito essencial à adequação típica: as notas da estabilidade e permanência do vínculo entre os agentes, como elementos ínsitos às condutas nucleares.

 

A propósito, o ensinamento de Cezar Roberto Bitencourt explicitado na obra Comentários à Lei de Organização Criminosa: Lei 12.850/2013 (São Paulo: Saraiva, 2014 – Pág. 55-57):

 

É insuficiente um simples ajuste de vontades, próprio do concurso eventual de pessoas. Na verdade, a característica de estabilidade e permanência é fundamental para existência de uma organização estruturalmente ordenada e compartimentada com tarefas divididas. Em outros termos, é indispensável que a coparticipação criminosa assuma um caráter duradouro de situação em comum entre os seus componentes, antes de eventual prática de crimes objetivando a obtenção de vantagem de qualquer natureza.

 

(...)

 

Em outros termos, o dolo associativo é a vontade livre e consciente de associar-se ou participar de associação já existente, organizada e ordenada estruturalmente, para obter vantagem mediante a prática de crimes. Se a finalidade for a prática de crime determinado, ou crimes da mesma espécie, a figura será a do instituto do concurso de pessoas, independentemente da natureza ou gravidade dos crimes.

 

Neste diapasão, compete ao órgão ministerial a demonstração da affectio criminis societatis com elementos concretos que objetivamente modelam a organização delituosa, evidenciando com segurança a pactuação de um ajuste reconhecidamente ilícito orientado à prática recorrente de infrações penais.

 

A despeito de tais requisitos, o Ministério Público Federal, tanto na formulação da denúncia como por ocasião dos memoriais escritos ao cabo da instrução, reporta-se à constituição espúria da empresa MARMIQUENTE a fim de que esta adjudicasse fraudulentamente contrato com a FUNSAUD, bem como ao proveito obtido com o fornecimento de alimentação em desconformidade com o padrão devido.

 

Tais circunstâncias, embora perfaçam sobejamente os crimes de perturbação de procedimento licitatório e de peculato, não trazem luz sobre o ânimo associativo inerente à organização criminosa.

 

O fato de os réus organizarem a MARMIQUENTE com vistas a contratações pontuais e, assim, obterem proveito dos recursos disponibilizados pela FUNSAUD, não denota, per se, que se utilizariam dessa estrutura empresarial para figurarem como fornecedores recorrentes da Administração Pública.

 

A própria venda da empresa (renomeada para Restaurante Sabor Gourmet – ID 256435503 - Pág. 58) após a absorção da receita oriunda do Contrato nº 020/2017 com a FUNSAUD (e sua prorrogação pelo 1º Termo Aditivo), enseja a consideração de que os réus intencionaram utilizar a MARMIQUENTE por prazo determinado e com vistas ao específico ajuste pactuado.

 

Vale citar, neste ponto, que a menção da r. sentença às conversas captadas referentes à participação da MARMIQUENTE no Pregão Presencial nº 03/2018 (ID 256436950 - Pág. 61), não foram corroboradas por outros elementos a indicar que destinariam a empresa para consecutivos expedientes delituosos, sendo que a própria denúncia expressou a respeito disso que “a investigação não identificou a existência de irregularidade, pois, como poderá ser observado mais adiante, a empresa MARMIQUENTE, por determinação de RENATO, desistiu da licitação durante a fase de julgamento.”

 

Por mais complexa que seja a atividade empresarial exercida ilicitamente, não se entrevê que os acusados conjugaram esforços pela sua continuidade indeterminada, senão os necessários para assegurar a percepção da vantagem indevida até o exaurimento do quanto pactuado.

 

A presença de elementos apontados pela r. sentença como típicos de organização criminosa, tais como divisão de tarefas e comunicação cifrada entre os acusados, não é determinante desta, justificando-se pela execução do peculato diferida no tempo, parceladamente, e não múltiplos crimes da mesma espécie.

 

Já a sofisticação da empreitada delituosa, sem dúvida, merece a reprimenda devida (e será considerada na dosimetria penal), mas não possui o condão de indicar necessariamente a intenção de perenidade do negócio ilícito.

 

As próprias declarações oferecidas por RONALDO em sua colaboração premiada, apesar de implicarem os acusados nos crimes de licitação e de peculato, não avançam ao ponto de reconhecer a existência de uma ligação estável e duradoura que sobejasse o propósito das infrações penais particularmente apuradas neste feito.

 

Vale observar, apesar disto, que RENATO, RAFHAEL e RONALDO figuraram como sócios da empresa Safety Ltda. entre 2012 e 2014 (ID 256435503 - Pág. 21), fazendo supor que pudessem ter se associado antes mesmo da constituição da MARMIQUENTE para outros ilícitos. Todavia, não há notícia nos autos do caráter espúrio desse histórico associativo, o qual evidencia, somente, que os acusados nutriam confiança recíproca a ponto de aproveitarem o que seria uma oportunidade para lesar a Administração nos contratos ora sub judice.

 

Outro fato relevante apontado pelo r. juízo sentenciante atina ao diálogo no qual RONALDO e RAFHAEL conversaram, em 14.06.2018 e em 25.06.2018, sobre a aquisição do CNPJ de serviços gerais e sobre uma “empresa de construção” (ID 22762973 - Pág. 134-140, dos Autos nº 5002425-62.2019.4.03.6002), podendo, sim, ser indiciário da associação destes corréus para futuras iniciativas quiçá delituosas, mas não é claro o suficiente para enredá-los, juntamente com os demais acusados, na tese de que intencionavam reproduzir a empreitada delituosa ora enfocada em futuras contratações.

 

Nestes moldes, apesar de haver indícios de que RONALDO, RAFHAEL e RENATO intencionavam prolongar no tempo o compromisso recíproco de praticarem crimes futuros, importante não se desfocar a verdade de que a acusação não escrutinou tal ponto, de modo que a affectio criminis societatis consiste em conjectura não debatida com a devida profundidade, sendo incapaz de alicerçar um decreto condenatório a título de organização criminosa.

 

Conquanto o standart probatório não possa ser tão elevado a ponto de exigir certeza absoluta da realidade fática, bastando que a condenação penal seja segura, idônea e além da dúvida razoável, não é o que se verificaria no caso em tela diante da nítida insuficiência de provas para caracterizar o crime de organização criminosa.

 

No caso, deve incidir o princípio in dubio pro reo, ante a falta do nível de segurança necessário para embasar o decreto condenatório, uma vez que a condenação, ao revés de encontrar-se alicerçada em provas robustas, como exige o art. 155 do Código de Processo Penal, carece de suporte probatório mínimo.

 

Consequentemente, os acusados devem ser absolvidos por insuficiência de provas acerca da infração penal constante do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

 

II.III -               SUMÁRIO DAS CONDENAÇÕES

 

Detidamente examinada a imputação delitiva à luz do conjunto probatório e das questões submetidas ao conhecimento em grau de Apelação, chega-se ao seguinte sumário conclusivo:

 

i) Organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013): absolvição dos acusados por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

 

ii) Perturbação de processo licitatório (art. 93 da Lei nº 8.666/1993 (atualmente tipificado no art. 337-I do CP): condenação dos acusados quanto aos procedimentos de Dispensa de Licitação nº 20/2017, verificado em 14.03.2017 e de Pregão Presencial nº 06/2017, realizado em 13.04.2017.

 

Saliente-se que diferentemente do entendimento exarado pelo r. juízo a quo, as infrações penais praticadas relativamente a cada qual dos procedimentos licitatórios não coexistem em concurso material, devendo ser aplicado o benefício da continuidade delitiva, uma vez que foram praticadas no mesmo contexto, devendo ser tomada a segunda como continuação da primeira, nos moldes do quanto preconizado pelo art. 71 do Código Penal.

 

iii) Peculato-desvio (art. 312, caput, do CP): condenação dos acusados por uma única vez, respeitado o entendimento sentencial de que o proveito econômico obtido a partir dos contratos decorrentes dos procedimentos de Dispensa de Licitação nº 20/2017 e de Pregão Presencial nº 06/2017 constituem uma única percepção de vantagem, apesar do pagamento fracionado, inerente ao contrato de execução diferida no tempo.

 

Nestes moldes, deve subsistir a condenação dos acusados como incursos nas penas dos arts. 93 da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes em continuidade delitiva (art. 71 do CP), e do art. 312 do Código Penal, em concurso material entre si (art. 69 do CP).

 

Diferentemente do quanto aventado pelo Ministério Público Federal nas razões de Apelação, não é o caso de considerar como infrações autônomas cada uma das movimentações financeiras praticadas no bojo dos contratos ora examinados, justamente porque constituem frações de uma unidade maior, que é a própria adjudicação dos contratos de fornecimento de alimentação, tratando-se de crime único.

 

 

III -                  DOSIMETRIA PENAL

 

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.

 

No caso dos autos, a pena foi fixada individualmente para cada acusado e para cada delito, sistemática que será seguida no reexame ora procedido, levando-se em conta que o acordo de colaboração premiada firmado com RONALDO GONZALES MENEZES limita as penas de multa a ele impostas ao mínimo, não se estendendo tal restrição para as respectivas penas privativas de liberdade (concedendo-lhe, todavia, a substituição da pena corporal por penas alternativas independentemente do quantum estabelecido), bem como que o recurso ministerial pugna pelo aumento da pena-base quanto ao crime licitatório, e por consequência, a pena final, relativamente a todos os acusados.

 

 

III.I -                DOSIMETRIA DAS PENAS ATRIBUÍDAS A RONALDO GONZALES MENEZES

 

III.I.a -             PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO (ART. 93 DA LEI Nº 8666/1993) (RONALDO GONZALES MENEZES)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 82/83):

 

a) Circunstâncias judiciais – na primeira fase de fixação da pena, analisando-se os parâmetros legais da culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, não se vislumbra a existência de elementos a justificar a exasperação da pena-base.

 

Fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – As agravantes genéricas devem ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena. Nos termos do artigo 385 do Código de Processo Penal, entende-se perfeitamente possível reconhecer circunstância agravante não articulada na denúncia.

 

Nesse sentido: “É possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes)” (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016).

 

Tendo em vista que a prática do delito de fraude à licitação visava assegurar a execução do crime de peculato, cabível a incidência da agravante do art. 62, II, “b” do Código Penal. Agrava-se a pena em 1/6.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Imperativo a aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal, porquanto, na oportunidade de seu interrogatório judicial, e mesmo que por força de acordo de colaboração premiada, o acusado confessou perante o juiz, servindo para a formação do convencimento deste (Súmula 545 STJ). Atenua-se a pena em 1/6.

 

Realizo, assim, a compensação entre a agravante e a atenuante supramencionadas.

 

Fixo a pena-intermediária em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

d) Causas de aumento – inaplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, pois o delito em comento é comum e a causa de aumento de pena, destinada aos servidores ocupantes de cargos em comissão ou de função de confiança, não é comunicável ao réu – particular - por ser condição pessoal que não se configura como elementar do tipo penal, nos termos do art. 30, do Código Penal.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 06 (seis) meses de detenção e multa para cada crime de Fraude à Licitação.

 

(...)

 

A pena de multa deve obedecer o disposto no art. 99, da Lei nº 8.666/1993 e ser fixada entre o mínimo de 2% (dois por cento) e máximo de 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado. Levando-se em conta os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade, fixa-se a multa em 2% do valor dos contratos celebrados.

 

Primeira fase da dosimetria penal

 

Atentando-se ao excerto colacionado, nota-se que o r. juízo a quo estabeleceu a pena em concreto no seu patamar mínimo – 06 (seis) meses de detenção, e multa de 2% sobre os contratos celebrados.

 

Entretanto, referido quantum deve ser majorado, consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, tendo em vista a reprovabilidade acentuada da perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade.

 

De fato, o crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente. Aliás, tal fundamento foi adotado pelo r. juízo a quo em relação ao crime de peculato, havendo plena razão para estendê-lo ao delito licitatório.

 

Considerando o grau superior da reprovabilidade da conduta e a possibilidade de majoração para além da fração de 1/6 (um sexto) usualmente empregada, mostra-se razoável e necessário o incremento de 01 (um) ano sobre o mínimo cominado como medida de prevenção e reparação do delito. Segue precedente do Superior Tribunal de Justiça alinhado com a ponderação ora efetuada:

 

HABEAS CORPUS. ASSESSOR PARLAMENTAR. CORRUPÇÃO PASSIVA. CASO DOS SANGUESSUGAS. DOSIMETRIA DA PENA. (I) REPRIMENDA BÁSICA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. (II) DESPROPORCIONALIDADE DO AUMENTO DA SANÇÃO BÁSICA. INEXISTÊNCIA. (...) 2. Na espécie, o crime foi cometido para o favorecimento de organização criminosa que utilizava ilicitamente recursos do Fundo Nacional de Saúde, atuando o sentenciado, na condição de assessor parlamentar, diretamente na negociação e aprovação de emenda parlamentar em benefício do grupo, situação que evidencia menosprezo especial ao bem jurídico tutelado pela norma, espelhando maior desvalor do comportamento do agente. É evidente que uma conduta delituosa potencialmente causadora de irreparáveis prejuízos aos recursos destinados à saúde, voltada a ampliar a atuação e o sucesso das condutas criminosas perpetradas pela associação, apresenta-se mais repreensível e superior à comum do delito. Desse modo, é adequada a fundamentação apresentada na origem para considerar desfavorável a circunstância judicial da culpabilidade. Precedentes. (...) 4. O legislador ordinário não estabeleceu percentuais fixos para nortear o cálculo da pena-base, deixando a critério do julgador encontrar parâmetros suficientes a desestimular o acusado e a própria sociedade a praticarem condutas reprováveis semelhantes bem como a garantir a aplicação da reprimenda necessária e proporcional ao fato praticado. Desse modo, as circunstâncias do caso concreto, conjugadas com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, nortearão o sentenciante na escolha do patamar de aumento de cada circunstância judicial negativa. 5. Na espécie, o magistrado, respeitando os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade bem como os pormenores da situação em desfile, aumentou cada reprimenda em 1 (um) ano acima do mínimo legal - 6 (seis) meses para cada circunstância judicial desfavorável. Sendo assim, sobretudo por se tratar de delito praticado em prejuízo da saúde da população, obstando a oportuna e necessária aquisição de unidades móveis de saúde, não há teratologia no cálculo da reprimenda.  6. Habeas corpus denegado. (STJ, Sexta Turma, HC 392863, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgamento em 26.09.2017).

 

Consequentemente, a pena-base deve corresponder a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre os contratos com a Administração.

 

Segunda fase da dosimetria penal

 

Na segunda etapa da dosimetria penal, verifica-se que a aplicação da agravante constante do art. 61, inc. II, ‘b’, do Código Penal, colide com a vedação ao bis in idem.

 

É preciso reconhecer que o crime licitatório constituiu etapa do próprio iter criminis do peculato, como meio para acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado e, ato contínuo, desviá-los, consumando-se com o mero expediente malicioso. Embora se diferencie, assim, do peculato subsequente, um delito de índole material, encontra-se conectado a este pelo desígnio delituoso.

 

Destarte, se por um lado não é devido cogitar-se da consunção, haja vista que as condutas e os bens jurídicos são distintos, coadunando-se, as espécies delitivas ora tratadas, com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), por outro lado, a aplicação da agravante em comento significaria dupla punição pelo comportamento desajustado no certame público, uma vez que o delito licitatório já abarca a própria intenção de potencialmente cometer crimes diversos, punidos autonomamente.

 

Relevante salientar que o entendimento ora exposto coaduna-se com precedentes desta 11ª Turma, a propósito do julgado abaixo colacionado:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RESISTÊNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONCURSO MATERIAL. DOSIMETRIA DAS PENAS. 1. Materialidade e autoria do crime de resistência comprovadas. 2. A tese da defesa de que não haveria prova suficiente da prática delitiva não se sustenta, pois ficou comprovado que o réu se opôs à execução de ato legal (sua prisão) com emprego de violência. 3. Materialidade e autoria do crime de corrupção ativa comprovadas. 4. Afastada a tese da defesa de insuficiência de provas para a condenação pela corrupção ativa, bem como a de que os depoimentos dos policiais não seriam suficientes e válidos como meio de prova do cometimento desse crime, que se consuma no momento do oferecimento da vantagem indevida a funcionário público. Precedentes. 5. Dosimetria das penas. No tocante à dosimetria do crime de corrupção ativa (artigo 333 do Código Penal), na segunda fase da dosimetria, deve ser afastada a circunstância agravante prevista no artigo 61, II, 'b', do Código Penal (para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime), por se tratar de circunstância inerente ao próprio tipo penal do crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), sob pena de se incorrer em bis in idem. 6. Dosimetria dos demais crimes mantida. 7. Reconhecido o concurso material (CP, art. 69), as penas aplicadas são somadas. 6. Deferido ao apelante a assistência judiciária gratuita. 7. Apelação parcialmente provida.

(ApCrim 0000090-83.2018.4.03.6005, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/10/2019)

 

Deve ser afastada, nestes termos a agravante do art. 61, inc. II, ‘b’, do Código Penal.

 

Consequentemente, incidindo unicamente a atenuante da confissão espontânea na fração de 1/6 (um sexto), a pena-intermediária corresponde a 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção e multa de 2,16% sobre os contratos com a Administração.

 

Terceira fase da dosimetria penal

 

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição da pena. Como já salientado linhas acima, os crimes licitatórios foram praticados em continuidade delitiva, razão pela qual incide a regra do art. 71 do Código Penal, importando esclarecer que a exasperação dela decorrente não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.

 

Continuidade delitiva

 

No caso em tela, conforme já consignado, foram duas as violações ao art. 93 da Lei nº 8.666/1993. Com relação ao quantum de aumento de pena, cumpre consignar que, regra geral, a jurisprudência pátria consolidou o critério quantitativo da vulneração ao bem jurídico para estabelecer a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva, por meio da Súmula 659 do STJ:  "A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações."

 

Consideradas essas premissas, ressoa acertado o aumento na fração de 1/6 (um sexto), resultando na pena unificada de 01 (um) ano,  05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e multa de 2,16% sobre os contratos com a Administração em face de RONALDO GONZALES MENEZES (critério de cúmulo material – art. 72 do CP, adotado pelo r. juízo a quo, a respeito do qual não houve impugnação ministerial, representando valor inferior ao resultante do critério da exasperação usualmente adotado). Deve ser observado, outrossim, que por força do acordo de colaboração premiada, a pena de multa deve ser limitada ao mínimo legal.

 

 

III.I.b -             PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) (RONALDO GONZALES MENEZES)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 83/84):

 

a) Circunstâncias judiciais – Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, não há se falar em antecedentes ou em elementos que permitam avaliar negativamente a conduta social e a personalidade do agente. O motivo do crime não se revela extraordinário e não há se falar em comportamento da vítima. As consequências do crime e as circunstâncias em que foi praticado não justificam a exasperação da pena. Contudo, verifico que a culpabilidade não pode ser considerada normal à espécie, considerando que o crime foi praticado em detrimento da Fundação Municipal de Saúde. Nesse sentido, ainda que seja elementar do tipo penal que o crime tenha sido praticado no âmbito da Administração Pública, a meu ver a conduta é ainda mais reprovável quando se trata de instituição ligada à saúde, prestadora de serviço essencial já combalida pela constante falta de recursos. Por essa razão, exaspera-se a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses.

 

Fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – Não há.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Imperativo a aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal, porquanto, na oportunidade de seu interrogatório judicial, e mesmo que por força de acordo de colaboração premiada, o acusado confessou perante o juiz, servindo para a formação do convencimento deste (Súmula 545 STJ). Atenua-se a pena em 1/6.

 

Fixo a pena-intermediária em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 44 dias-multa.

 

d) Causas de aumento – inaplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, pois destinada aos servidores ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento, o que não é o caso do réu.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 44 dias-multa.

 

Pelo excerto colacionado, nota-se que a reprimenda penal quanto ao crime de peculato foi fixada em patamar superior ao mínimo, considerando, na primeira fase da dosimetria, o caráter especialmente desfavorável do vetor atinente à culpabilidade, e aplicando, na segunda fase, a atenuante da confissão.

 

A incidência de tais fatores mostra-se adequada pelos próprios motivos exteriorizados pelo r. juízo sentenciante.

 

Com relação ao quantum da majoração procedida em relação ao vetor judicial da culpabilidade, estabelecido em 01 (um) ano e 03 (três) meses, conquanto sobeje o patamar superior ao usual de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado, mostra-se necessário à prevenção e à reprovação do crime, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA. ACRÉSCIMO CONCRETAMENTE MOTIVADO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO OBSERVADO. ÓBICE AO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) III - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível que o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto. (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). No presente caso, em relação ao quantum de exasperação na primeira fase da dosimetria, não há desproporção na reprimenda-base aplicada, porquanto existe motivação particularizada, vinculada à discricionariedade e à fundamentação da r. sentença, ausente, portanto, notória ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício. (...)

(HC 426.444/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 07/03/2018)

 

No caso dos autos, reforça-se que o crime foi cometido em detrimento da Fundação Municipal de Saúde de Dourados/MS, combalindo o sofrido sistema público de saúde com nota de total menosprezo para com o bem-estar da população, ante a já colacionada evidência do fornecimento de marmitas com higiene deplorável.

 

Isto exposto, afigura-se justa e proporcional a fixação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, reduzida proporcionalmente apenas a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Na segunda fase, preservada a atenuante da confissão espontânea aplicada em 1/6 (um sexto), fixa-se a pena em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa.

 

Consequentemente, ausentes causas de aumento ou diminuição, a pena em concreto pelo crime de peculato se firma em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 13 dias-multa em face de RONALDO GONZALES MENEZES.

 

 

III.I.c -              Demais aspectos da dosimetria penal (RONALDO GONZALES MENEZES)

 

Aplicação dos benefícios do acordo de colaboração premiada – pena unificada e substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos

 

Sublinhe-se que, não havendo limitação concernente às penas privativas de liberdade prevista no acordo firmado com o réu colaborador RONALDO, estas totalizam 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, e 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de detenção, ao passo em que as penas de multa (as quais, na hipótese de rescindido o acordo de colaboração totalizariam 13 dias-multa e multa de 2,16% do valor dos contratos com a Administração), bem assim a substituição da pena corporal por penas alternativas, restam contempladas com o tratamento benéfico a seguir explicitado.

           

De acordo com o instrumento de colaboração premiada (Cláusula 5.1. – ID 21358047 - Pág. 35 dos autos 5002152-83.2018.403.6002), entretanto, deve ser concedida ao réu a substituição integral da pena corporal por penas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nas condições previstas no art. 46, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do Código Penal; (ii) pagamento de prestação pecuniária, no valor total de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, a ser pago em parcelas mensais de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), em favor da FUNSAUD. E, conforme salientado pelo r. juízo a quo: o valor de R$ 45.000,00 deve ser atualizado quando do efetivo pagamento, tendo como dies a quo a data da celebração do acordo, momento no qual o colaborador reconheceu, perante órgão público, ser o devedor da quantia pela prática de ilícito penal. O valor pertinente à atualização poderá ser quitado à parte, mantendo-se intactas as parcelas mensais de R$ 250,00.

 

Quanto às penas de multa, em atenção à citada Cláusula 5.1. do citado acordo de colaboração, estas devem ser reduzidas a fim de corresponder ao mínimo legal, de 10 (dez) dias-multa e 2% do valor dos contratos celebrados com a Administração.

 

Valor unitário do dia-multa

 

O valor unitário do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

 

Regime prisional inicial

 

Deve ser fixado o regime prisional inicial ABERTO, a teor do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal.

 

 

III.II -               DOSIMETRIA DAS PENAS ATRIBUÍDAS A DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK

 

III.II.a -            PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO (ART. 93 DA LEI Nº 8666/1993) (DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 87/88):

 

a) Circunstâncias judiciais – na primeira fase de fixação da pena, analisando-se os parâmetros legais da culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, não se vislumbra a existência de elementos a justificar a exasperação da pena-base.

 

Fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – As agravantes genéricas devem ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena. Nos termos do artigo 385 do Código de Processo Penal, entende-se perfeitamente possível reconhecer circunstância agravante não articulada na denúncia.

 

Nesse sentido: “É possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes)” (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016).

 

Tendo em vista que a prática do delito de fraude à licitação visava assegurar a execução do crime de peculato, cabível a incidência da agravante do art. 62, II, “b” do Código Penal. Agrava-se a pena em 1/6.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

 

Fixo a pena-intermediária em 07 (sete) meses de detenção e multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, pois a ré era ocupante de cargo em comissão junto à Secretaria Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e multa para cada crime de Fraude à Licitação.

 

(...)

 

A pena de multa deve obedecer o disposto no art. 99, da Lei nº 8.666/1993 e ser fixada entre o mínimo de 2% (dois por cento) e máximo de 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado.

 

 Levando-se em conta os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade, fixa-se a multa em 2,5% do valor dos contratos celebrados.

 

Primeira fase da dosimetria penal

 

Atentando-se ao excerto colacionado, nota-se que o r. juízo a quo estabeleceu a pena em concreto no seu patamar mínimo – 06 (seis) meses de detenção, e multa de 2% sobre os contratos celebrados.

 

Entretanto, referido quantum deve ser majorado, consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, tendo em vista a reprovabilidade acentuada da perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade.

 

De fato, o crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente. Aliás, tal fundamento foi adotado pelo r. juízo a quo em relação ao crime de peculato, havendo plena razão para estendê-lo ao delito licitatório.

 

Considerando o grau superior da reprovabilidade da conduta e a possibilidade de majoração para além da fração de 1/6 (um sexto) usualmente empregada, mostra-se razoável e necessário o incremento de 01 (um) ano sobre o mínimo cominado como medida de prevenção e reparação do delito, na esteira do precedente do Superior Tribunal de Justiça anteriormente citado, eis que alinhado com a ponderação ora efetuada.

 

Consequentemente, a pena-base deve corresponder a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre os contratos com a Administração.

 

Segunda fase da dosimetria penal

 

Não foram reconhecidas circunstâncias atenuantes pelo r. juízo a quo. Verifica-se, contudo, que a aplicação da agravante constante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, colide com a vedação ao bis in idem.

 

É preciso reconhecer que o crime licitatório constituiu etapa do próprio iter criminis do peculato, como meio para acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado e, ato contínuo, desviá-los, consumando-se com o mero expediente malicioso. Embora se diferencie, assim, do peculato subsequente, um delito de índole material, encontra-se conectado a este pelo desígnio delituoso.

 

Destarte, se por um lado não é devido cogitar-se da consunção, haja vista que as condutas e os bens jurídicos são distintos, coadunando-se, as espécies delitivas ora tratadas, com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), por outro lado, a aplicação da agravante em comento significaria dupla punição pelo comportamento desajustado no certame público, uma vez que o delito licitatório já abarca a própria intenção de potencialmente cometer crimes diversos, punidos autonomamente.

 

Relevante salientar que o entendimento ora exposto coaduna-se com precedentes desta 11ª Turma, conforme citado anteriormente.

 

Deve ser afastada, nestes termos a agravante do art. 61, inc. II, ‘b’, do Código Penal, mantendo-se inalterada a pena-base de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre os contratos com a Administração.

 

Terceira fase da dosimetria penal

 

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição da pena.

 

De outro lado, aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, porquanto DAYANE era ocupante de cargo em comissão na Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, impondo-se o aumento em 1/3 (um terço) da reprimenda penal.

 

Consequentemente, a pena em concreto de DAYANE corresponde a 02 (dois) anos de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Como já salientado linhas acima, os crimes licitatórios foram praticados em continuidade delitiva, razão pela qual incide a regra do art. 71 do Código Penal, importando esclarecer que a exasperação dela decorrente não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.

 

Continuidade delitiva

 

No caso em tela, conforme já consignado, foram duas as violações ao art. 93 da Lei nº 8.666/1993. Com relação ao quantum de aumento de pena, cumpre consignar que, regra geral, a jurisprudência pátria consolidou o critério quantitativo da vulneração ao bem jurídico para estabelecer a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva, por meio da Súmula 659 do STJ, citada anteriormente.

 

Consideradas essas premissas, ressoa acertado o aumento na fração de 1/6 (um sexto), resultando na pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração em face de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK (critério de cúmulo material – art. 72 do CP, adotado pelo r. juízo a quo, a respeito do qual não houve impugnação ministerial, representando valor inferior ao resultante do critério da exasperação usualmente adotado).

 

 

III.II.b -            PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) (DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 89):

 

a) Circunstâncias judiciais – Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, não há se falar em antecedentes ou em elementos que permitam avaliar negativamente a conduta social e a personalidade do agente. O motivo do crime não se revela extraordinário e não há se falar em comportamento da vítima. As consequências do crime e as circunstâncias em que foi praticado não justificam a exasperação da pena. Contudo, verifico que a culpabilidade não pode ser considerada normal à espécie, considerando que o crime foi praticado em detrimento da Fundação Municipal de Saúde. Nesse sentido, ainda que seja elementar do tipo penal que o crime tenha sido praticado no âmbito da Administração Pública, a meu ver a conduta é ainda mais reprovável quando se trata de instituição ligada à saúde, prestadora de serviço essencial já combalida pela constante falta de recursos. Por essa razão, exaspera-se a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses.

 

Fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa

 

b) Circunstâncias agravantes – Não há.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

 

Fixo a pena-intermediária em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, pois a ré era ocupante de cargos em comissão junto à Secretaria Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa.

 

Pelo excerto colacionado, nota-se que a reprimenda penal quanto ao crime de peculato foi fixada em patamar superior ao mínimo, considerando, na primeira fase da dosimetria, o caráter especialmente desfavorável do vetor atinente à culpabilidade, e aplicando, na terceira fase a causa de aumento constante do  art. 327, § 2º, do Código Penal.

 

A incidência de tais fatores mostra-se adequada pelos próprios motivos exteriorizados pelo r. juízo sentenciante.

 

Com relação ao quantum da majoração procedida em relação ao vetor judicial da culpabilidade, estabelecido em 01 (um) ano e 03 (três) meses, conquanto sobeje o patamar superior ao usual de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado, mostra-se necessário à prevenção e à reprovação do crime, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça anteriormente citada.

 

No caso dos autos, reforça-se que o crime foi cometido em detrimento da Fundação Municipal de Saúde de Dourados/MS, combalindo o sofrido sistema público de saúde com nota de total menosprezo para com o bem-estar da população, ante a já colacionada evidência do fornecimento de marmitas com higiene deplorável.

 

Isto exposto, afigura-se justa e proporcional a fixação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, reduzida proporcionalmente apenas a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, a pena intermediária permanece estabelecida em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Preservada a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), a pena em concreto pelo crime de peculato se firma em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, consoante bem estabelecido na r. sentença em face de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK.

 

 

III.II.c -            Demais aspectos da dosimetria penal (DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK)

 

Unificação das penas

 

Praticados os crimes em concurso material (art. 69 do CP), as reprimendas corporais totalizam 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, e 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Valor unitário do dia-multa

 

O valor unitário do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

 

Regime prisional inicial

 

Deve ser fixado o regime prisional inicial SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal.

 

Perda do cargo público

 

Deve ser mantida a decretação de perda do cargo público no qual perpetrou a atividade criminosa, em razão da violação de deveres constitucionais de lealdade e probidade para com a Administração Pública, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal.

 

 

III.III -              DOSIMETRIA DAS PENAS ATRIBUÍDAS A SANDRA REGINA SOARES MAZARIM

 

III.III.a -           PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO (ART. 93 DA LEI Nº 8666/1993) (SANDRA REGINA SOARES MAZARIM)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 90):

 

a) Circunstâncias judiciais – na primeira fase de fixação da pena, analisando-se os parâmetros legais da culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, não se vislumbra a existência de elementos a justificar a exasperação da pena-base.

 

Fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – As agravantes genéricas devem ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena. Nos termos do artigo 385 do Código de Processo Penal, entende-se perfeitamente possível reconhecer circunstância agravante não articulada na denúncia.

 

Nesse sentido: “É possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes)” (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016).

 

Tendo em vista que a prática do delito de fraude à licitação visava assegurar a execução do crime de peculato, cabível a incidência da agravante do art. 62, II, “b” do Código Penal. Agrava-se a pena em 1/6.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

Fixo a pena-intermediária em 07 (sete) meses de detenção e multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, pois a ré era ocupante de cargo em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e multa para cada crime de Fraude à Licitação.

(...)

 

A pena de multa deve obedecer o disposto no art. 99, da Lei nº 8.666/1993 e ser fixada entre o mínimo de 2% (dois por cento) e máximo de 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado.

 

Levando-se em conta os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade, fixa-se a multa em 2,5% do valor dos contratos celebrados.

 

Primeira fase da dosimetria penal

 

Atentando-se ao excerto colacionado, nota-se que o r. juízo a quo estabeleceu a pena em concreto no seu patamar mínimo – 06 (seis) meses de detenção, e multa de 2% sobre os contratos celebrados.

 

Entretanto, referido quantum deve ser majorado, consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, tendo em vista a reprovabilidade acentuada da perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade.

 

De fato, o crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente. Aliás, tal fundamento foi adotado pelo r. juízo a quo em relação ao crime de peculato, havendo plena razão para estendê-lo ao delito licitatório.

 

Considerando o grau superior da reprovabilidade da conduta e a possibilidade de majoração para além da fração de 1/6 (um sexto) usualmente empregada, mostra-se razoável e necessário o incremento de 01 (um) ano sobre o mínimo cominado como medida de prevenção e reparação do delito, na esteira do precedente do Superior Tribunal de Justiça antes citado alinhado com a ponderação ora efetuada.

 

Consequentemente, a pena-base deve corresponder a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6%  sobre os contratos com a Administração.

 

Segunda fase da dosimetria penal

 

Na segunda etapa da dosimetria penal, verifica-se que a aplicação da agravante constante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, colide com a vedação ao bis in idem.

 

É preciso reconhecer que o crime licitatório constituiu etapa do próprio iter criminis do peculato, como meio para acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado e, ato contínuo, desviá-los, consumando-se com o mero expediente malicioso. Embora se diferencie, assim, do peculato subsequente, um delito de índole material, encontra-se conectado a este pelo desígnio delituoso.

 

Destarte, se por um lado não é devido cogitar-se da consunção, haja vista que as condutas e os bens jurídicos são distintos, coadunando-se, as espécies delitivas ora tratadas, com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), por outro lado, a aplicação da agravante em comento significaria dupla punição pelo comportamento desajustado no certame público, uma vez que o delito licitatório já abarca a própria intenção de potencialmente cometer crimes diversos, punidos autonomamente.

 

Relevante salientar que o entendimento ora exposto coaduna-se com precedentes desta 11ª Turma, conforme mencionado anteriormente.

Deve ser afastada, nestes termos a agravante do art. 61, inc. II, ‘b’, do Código Penal, mantendo-se inalterada a pena-base de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre os contratos com a Administração.

 

Terceira fase da dosimetria penal

 

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição da pena.

 

De outro lado, aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, porquanto SANDRA era ocupante de cargo em comissão na Fundação Municipal de Saúde de Dourados, impondo-se o aumento em 1/3 (um terço) da reprimenda penal.

 

Consequentemente, a pena em concreto de SANDRA corresponde a 02 (dois) anos de detenção, e multa de 3,46% sobre o contrato com a Administração.

 

Como já salientado linhas acima, os crimes licitatórios foram praticados em continuidade delitiva, razão pela qual incide a regra do art. 71 do Código Penal, importando esclarecer que a exasperação dela decorrente não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.

 

Continuidade delitiva

 

No caso em tela, conforme já consignado, foram duas as violações ao art. 93 da Lei nº 8.666/1993. Com relação ao quantum de aumento de pena, cumpre consignar que, regra geral, a jurisprudência pátria consolidou o critério quantitativo da vulneração ao bem jurídico para estabelecer a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva, a exemplo  da Súmula 659 do STJ.

 

Consideradas essas premissas, ressoa acertado o aumento na fração de 1/6 (um sexto), resultando na pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração em face de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM (critério de cúmulo material – art. 72 do CP, adotado pelo r. juízo a quo, a respeito do qual não houve impugnação ministerial, representando valor inferior ao resultante do critério da exasperação usualmente adotado).

 

 

III.III.b -           PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) (SANDRA REGINA SOARES MAZARIM)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 92):

 

a) Circunstâncias judiciais – Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, não há se falar em antecedentes ou em elementos que permitam avaliar negativamente a conduta social e a personalidade do agente. O motivo do crime não se revela extraordinário e não há se falar em comportamento da vítima. As consequências do crime e as circunstâncias em que foi praticado não justificam a exasperação da pena. Contudo, verifico que a culpabilidade não pode ser considerada normal à espécie, considerando que o crime foi praticado em detrimento da Fundação Municipal de Saúde. Nesse sentido, ainda que seja elementar do tipo penal que o crime tenha sido praticado no âmbito da Administração Pública, a meu ver a conduta é ainda mais reprovável quando se trata de instituição ligada à saúde, prestadora de serviço essencial já combalida pela constante falta de recursos. Por essa razão, exaspera-se a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses.

 

Fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa

 

b) Circunstâncias agravantes – Não há.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

 

Fixo a pena-intermediária em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, pois a ré era ocupante de cargos em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa.

 

Pelo excerto colacionado, nota-se que a reprimenda penal quanto ao crime de peculato foi fixada em patamar superior ao mínimo, considerando, na primeira fase da dosimetria, o caráter especialmente desfavorável do vetor atinente à culpabilidade, e aplicando, na terceira fase a causa de aumento constante do  art. 327, § 2º, do Código Penal.

 

A incidência de tais fatores mostra-se adequada pelos próprios motivos exteriorizados pelo r. juízo sentenciante.

 

Com relação ao quantum da majoração procedida em relação ao vetor judicial da culpabilidade, estabelecido em 01 (um) ano e 03 (três) meses, conquanto sobeje o patamar superior ao usual de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado, mostra-se necessário à prevenção e à reprovação do crime, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça anteriormente mencionada.

 

No caso dos autos, reforça-se que o crime foi cometido em detrimento da Fundação Municipal de Saúde de Dourados/MS, combalindo o sofrido sistema público de saúde com nota de total menosprezo para com o bem-estar da população, ante a já colacionada evidência do fornecimento de marmitas com higiene deplorável.

 

Isto exposto, afigura-se justa e proporcional a fixação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, reduzida proporcionalmente apenas a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, a pena intermediária permanece estabelecida em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Preservada a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), a pena em concreto pelo crime de peculato se firma em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa em face de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM.

 

 

III.III.c -           Demais aspectos da dosimetria penal (SANDRA REGINA SOARES MAZARIM)

 

Unificação das penas

 

Praticados os crimes em concurso material (art. 69 do CP), as reprimendas corporais totalizam 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, e 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Valor unitário do dia-multa

 

O valor unitário do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

 

Regime prisional inicial

 

Deve ser fixado o regime prisional inicial SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal.

 

Perda do cargo público

 

Deve ser mantida a decretação de perda do cargo público no qual perpetrou a atividade criminosa, em razão da violação de deveres constitucionais de lealdade e probidade para com a Administração Pública, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal.

 

 

III.IV -              DOSIMETRIA DAS PENAS ATRIBUÍDAS A RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO

 

III.IV.a -           PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO (ART. 93 DA LEI Nº 8666/1993) (RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 95):

 

a) Circunstâncias judiciais – na primeira fase de fixação da pena, analisando-se os parâmetros legais da culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, não se vislumbra a existência de elementos a justificar a exasperação da pena-base.

 

Fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – As agravantes genéricas devem ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena. Nos termos do artigo 385 do Código de Processo Penal, entende-se perfeitamente possível reconhecer circunstância agravante não articulada na denúncia.

 

Nesse sentido: “É possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes)” (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016).

 

Tendo em vista que a prática do delito de fraude à licitação visava assegurar a execução do crime de peculato, cabível a incidência da agravante do art. 62, II, “b” do Código Penal. Agrava-se a pena em 1/6.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

Fixo a pena-intermediária em 07 (sete) meses de detenção e multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, pois a ré era ocupante de cargo em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e multa para cada crime de Fraude à Licitação.

(...)

 

A pena de multa deve obedecer o disposto no art. 99, da Lei nº 8.666/1993 e ser fixada entre o mínimo de 2% (dois por cento) e máximo de 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado.

 

Levando-se em conta os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade, fixa-se a multa em 2,5% do valor dos contratos celebrados.

 

 

Primeira fase da dosimetria penal

 

Atentando-se ao excerto colacionado, nota-se que o r. juízo a quo estabeleceu a pena em concreto no seu patamar mínimo – 06 (seis) meses de detenção, e multa de 2% sobre os contratos celebrados.

 

Entretanto, referido quantum deve ser majorado, consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, tendo em vista a reprovabilidade acentuada da perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade.

 

De fato, o crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente. Aliás, tal fundamento foi adotado pelo r. juízo a quo em relação ao crime de peculato, havendo plena razão para estendê-lo ao delito licitatório.

 

Considerando o grau superior da reprovabilidade da conduta e a possibilidade de majoração para além da fração de 1/6 (um sexto) usualmente empregada, mostra-se razoável e necessário o incremento de 01 (um) ano sobre o mínimo cominado como medida de prevenção e reparação do delito, conforme  precedente do Superior Tribunal de Justiça antes mencionado alinhado com a ponderação ora efetuada.

 

Consequentemente, a pena-base deve corresponder a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre o contrato com a Administração.

 

Segunda fase da dosimetria penal

 

Na segunda etapa da dosimetria penal, verifica-se que a aplicação da agravante constante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, colide com a vedação ao bis in idem.

 

É preciso reconhecer que o crime licitatório constituiu etapa do próprio iter criminis do peculato, como meio para acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado e, ato contínuo, desviá-los, consumando-se com o mero expediente malicioso. Embora se diferencie, assim, do peculato subsequente, um delito de índole material, encontra-se conectado a este pelo desígnio delituoso.

 

Destarte, se por um lado não é devido cogitar-se da consunção, haja vista que as condutas e os bens jurídicos são distintos, coadunando-se, as espécies delitivas ora tratadas, com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), por outro lado, a aplicação da agravante em comento significaria dupla punição pelo comportamento desajustado no certame público, uma vez que o delito licitatório já abarca a própria intenção de potencialmente cometer crimes diversos, punidos autonomamente.

 

Relevante salientar que o entendimento ora exposto coaduna-se com precedentes desta 11ª Turma anteriormente mencionados.

 

Deve ser afastada, nestes termos a agravante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, mantendo-se inalterada a pena-base de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre o contrato com a Administração.

 

Terceira fase da dosimetria penal

 

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição da pena.

 

De outro lado, aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, porquanto RAFHAEL era ocupante de cargo em comissão na Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, impondo-se o aumento em 1/3 (um terço) da reprimenda penal.

 

Consequentemente, a pena em concreto de RAFHAEL corresponde a 02 (dois) anos de detenção, e multa de 3,46% sobre o contrato com a Administração.

 

Como já salientado linhas acima, os crimes licitatórios foram praticados em continuidade delitiva, razão pela qual incide a regra do art. 71 do Código Penal, importando esclarecer que a exasperação dela decorrente não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.

 

Continuidade delitiva

 

No caso em tela, conforme já consignado, foram duas as violações ao art. 93 da Lei nº 8.666/1993. Com relação ao quantum de aumento de pena, cumpre consignar que, regra geral, a jurisprudência pátria consolidou o critério quantitativo da vulneração ao bem jurídico para estabelecer a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva, a exemplo da Súmula 659 do STJ.

 

Consideradas essas premissas, ressoa acertado o aumento na fração de 1/6 (um sexto), resultando na pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração  em face de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO (critério de cúmulo material – art. 72 do CP, adotado pelo r. juízo a quo, a respeito do qual não houve impugnação ministerial, representando valor inferior ao resultante do critério da exasperação usualmente adotado).

 

 

III.IV.b -           PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) (RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 96):

 

a) Circunstâncias judiciais – Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, não há se falar em antecedentes ou em elementos que permitam avaliar negativamente a conduta social e a personalidade do agente. O motivo do crime não se revela extraordinário e não há se falar em comportamento da vítima. As consequências do crime e as circunstâncias em que foi praticado não justificam a exasperação da pena. Contudo, verifico que a culpabilidade não pode ser considerada normal à espécie, considerando que o crime foi praticado em detrimento da Fundação Municipal de Saúde. Nesse sentido, ainda que seja elementar do tipo penal que o crime tenha sido praticado no âmbito da Administração Pública, a meu ver a conduta é ainda mais reprovável quando se trata de instituição ligada à saúde, prestadora de serviço essencial já combalida pela constante falta de recursos. Por essa razão, exaspera-se a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses.

 

Fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa

 

b) Circunstâncias agravantes – Não há.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

 

Fixo a pena-intermediária em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, pois a ré era ocupante de cargos em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa.

 

Pelo excerto colacionado, nota-se que a reprimenda penal quanto ao crime de peculato foi fixada em patamar superior ao mínimo, considerando, na primeira fase da dosimetria, o caráter especialmente desfavorável do vetor atinente à culpabilidade, e aplicando, na terceira fase a causa de aumento constante do art. 327, § 2º, do Código Penal.

 

A incidência de tais fatores mostra-se adequada pelos próprios motivos exteriorizados pelo r. juízo sentenciante.

 

Com relação ao quantum da majoração procedida em relação ao vetor judicial da culpabilidade, estabelecido em 01 (um) ano e 03 (três) meses, conquanto sobeje o patamar superior ao usual de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado, mostra-se necessário à prevenção e à reprovação do crime, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme anteriormente citado.

 

No caso dos autos, reforça-se que o crime foi cometido em detrimento da Fundação Municipal de Saúde de Dourados/MS, combalindo o sofrido sistema público de saúde com nota de total menosprezo para com o bem-estar da população, ante a já colacionada evidência do fornecimento de marmitas com higiene deplorável.

 

Isto exposto, afigura-se justa e proporcional a fixação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, reduzida proporcionalmente apenas a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, a pena intermediária permanece estabelecida em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Preservada a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço). Consequentemente, a pena em concreto pelo crime de peculato se firma em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa em face de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO.

 

 

III.IV.c -           Demais aspectos da dosimetria penal (RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO)

 

Unificação das penas

 

Praticados os crimes em concurso material (art. 69 do CP), as reprimendas corporais totalizam 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, e 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Valor unitário do dia-multa

 

O valor unitário do dia-multa deve ser mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

 

Regime prisional inicial

 

Deve ser fixado o regime prisional inicial SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal.

 

Perda do cargo público

 

Deve ser mantida a decretação de perda do cargo público no qual perpetrou a atividade criminosa, em razão da violação de deveres constitucionais de lealdade e probidade para com a Administração Pública, nos termos do art. 92, inc. I, “a”, do Código Penal.

 

 

III.V -               DOSIMETRIA DAS PENAS ATRIBUÍDAS A RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL

 

III.V.a -            PERTURBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO (ART. 93 DA LEI Nº 8666/1993) (RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 95):

 

a) Circunstâncias judiciais – na primeira fase de fixação da pena, analisando-se os parâmetros legais da culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, não se vislumbra a existência de elementos a justificar a exasperação da pena-base.

 

Fixo a pena-base em 06 (seis) meses de detenção e multa.

 

b) Circunstâncias agravantes – As agravantes genéricas devem ser consideradas pelo juiz no momento de aplicação da pena. Nos termos do artigo 385 do Código de Processo Penal, entende-se perfeitamente possível reconhecer circunstância agravante não articulada na denúncia.

 

Nesse sentido: “É possível o reconhecimento das agravantes pelo magistrado, ainda que não descritas na denúncia, porquanto, a recognição de agravante não envolve a questão da quebra de congruência entre a imputação e a sentença. Inteligência do art. 385 do CPP (precedentes)” (STJ, HC 335.413/SC, DJe 30/08/2016).

 

Tendo em vista que a prática do delito de fraude à licitação visava assegurar a execução do crime de peculato, cabível a incidência da agravante do art. 62, II, “b” do Código Penal. Agrava-se a pena em 1/6.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

Fixo a pena-intermediária em 07 (sete) meses de detenção e multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, pois a ré era ocupante de cargo em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e multa para cada crime de Fraude à Licitação.

(...)

 

A pena de multa deve obedecer o disposto no art. 99, da Lei nº 8.666/1993 e ser fixada entre o mínimo de 2% (dois por cento) e máximo de 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado.

 

Levando-se em conta os elementos considerados para mensurar, de forma definitiva, a pena privativa de liberdade, fixa-se a multa em 2,5% do valor dos contratos celebrados.

 

Primeira fase da dosimetria penal

 

Atentando-se ao excerto colacionado, nota-se que o r. juízo a quo estabeleceu a pena em concreto no seu patamar mínimo – 06 (seis) meses de detenção, e multa de 2% sobre os contratos celebrados.

 

Entretanto, referido quantum deve ser majorado, consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, tendo em vista a reprovabilidade acentuada da perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade.

 

De fato, o crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente. Aliás, tal fundamento foi adotado pelo r. juízo a quo em relação ao crime de peculato, havendo plena razão para estendê-lo ao delito licitatório.

 

Considerando o grau superior da reprovabilidade da conduta e a possibilidade de majoração para além da fração de 1/6 (um sexto) usualmente empregada, mostra-se razoável e necessário o incremento de 01 (um) ano sobre o mínimo cominado como medida de prevenção e reparação do delito, na esteira do  precedente do Superior Tribunal de Justiça antes citado estando alinhado com a ponderação ora efetuada.

 

Consequentemente, a pena-base deve corresponder a 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre o contrato com a Administração.

 

Segunda fase da dosimetria penal

 

Na segunda etapa da dosimetria penal, verifica-se que a aplicação da agravante constante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, colide com a vedação ao bis in idem.

 

É preciso reconhecer que o crime licitatório constituiu etapa do próprio iter criminis do peculato, como meio para acessar os recursos públicos alocados para a realização do objeto contratado e, ato contínuo, desviá-los, consumando-se com o mero expediente malicioso. Embora se diferencie, assim, do peculato subsequente, um delito de índole material, encontra-se conectado a este pelo desígnio delituoso.

 

Destarte, se por um lado não é devido cogitar-se da consunção, haja vista que as condutas e os bens jurídicos são distintos, coadunando-se, as espécies delitivas ora tratadas, com o concurso material de crimes (art. 69 do CP), por outro lado, a aplicação da agravante em comento significaria dupla punição pelo comportamento desajustado no certame público, uma vez que o delito licitatório já abarca a própria intenção de potencialmente cometer crimes diversos, punidos autonomamente.

 

Relevante salientar que o entendimento ora exposto coaduna-se com precedentes desta 11ª Turma, a propósito do julgado anteriormente colacionado.

 

Deve ser afastada, nestes termos a agravante do art. 61, inc. II, “b”, do Código Penal, mantendo-se inalterada a pena-base de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e multa de 2,6% sobre os contratos com a Administração.

 

Terceira fase da dosimetria penal

 

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição da pena.

 

De outro lado, aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, porquanto RENATO era ocupante do cargo de Secretário Municipal de Saúde de Dourados, impondo-se o aumento em 1/3 (um terço) da reprimenda penal.

 

Consequentemente, a pena em concreto de RENATO corresponde a 02 (dois) anos de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Como já salientado linhas acima, os crimes licitatórios foram praticados em continuidade delitiva, razão pela qual incide a regra do art. 71 do Código Penal, importando esclarecer que a exasperação dela decorrente não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado.

 

Continuidade delitiva

 

No caso em tela, conforme já consignado, foram duas as violações ao art. 93 da Lei nº 8.666/1993. Com relação ao quantum de aumento de pena, cumpre consignar que, regra geral, a jurisprudência pátria consolidou o critério quantitativo da vulneração ao bem jurídico para estabelecer a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva, a exemplo da Súmula 659 do STJ.

 

Consideradas essas premissas, ressoa acertado o aumento na fração de 1/6 (um sexto), resultando na pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração em face de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL (critério de cúmulo material – art. 72 do CP, adotado pelo r. juízo a quo, a respeito do qual não houve impugnação ministerial, representando valor inferior ao resultante do critério da exasperação usualmente adotado).

 

 

III.V.b -            PECULATO-DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CP) (RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL)

 

A dosimetria quanto ao delito sob enfoque foi efetuada pelo r. juízo a quo nos seguintes termos (ID 256436960 - Pág. 96):

 

a) Circunstâncias judiciais – Atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, não há se falar em antecedentes ou em elementos que permitam avaliar negativamente a conduta social e a personalidade do agente. O motivo do crime não se revela extraordinário e não há se falar em comportamento da vítima. As consequências do crime e as circunstâncias em que foi praticado não justificam a exasperação da pena. Contudo, verifico que a culpabilidade não pode ser considerada normal à espécie, considerando que o crime foi praticado em detrimento da Fundação Municipal de Saúde. Nesse sentido, ainda que seja elementar do tipo penal que o crime tenha sido praticado no âmbito da Administração Pública, a meu ver a conduta é ainda mais reprovável quando se trata de instituição ligada à saúde, prestadora de serviço essencial já combalida pela constante falta de recursos. Por essa razão, exaspera-se a pena em 01 (um) ano e 03 (três) meses.

 

Fixo a pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa

 

b) Circunstâncias agravantes – Não há.

 

c) Circunstâncias atenuantes – Não há.

 

Fixo a pena-intermediária em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e 53 dias-multa.

 

d) Causas de aumento – aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, pois a ré era ocupante de cargos em comissão junto à Fundação Municipal de Saúde de Dourados. Aumenta-se a pena em 1/3.

 

e) Causas de diminuição – Não há.

 

Fixo a pena final em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 71 dias-multa.

 

Pelo excerto colacionado, nota-se que a reprimenda penal quanto ao crime de peculato foi fixada em patamar superior ao mínimo, considerando, na primeira fase da dosimetria, o caráter especialmente desfavorável do vetor atinente à culpabilidade, e aplicando, na terceira fase a causa de aumento constante do art. 327, § 2º, do Código Penal.

 

A incidência de tais fatores mostra-se adequada pelos próprios motivos exteriorizados pelo r. juízo sentenciante.

 

Com relação ao quantum da majoração procedida em relação ao vetor judicial da culpabilidade, estabelecido em 01 (um) ano e 03 (três) meses, conquanto sobeje o patamar superior ao usual de 1/6 (um sexto) sobre o mínimo cominado, mostra-se necessário à prevenção e à reprovação do crime, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça anteriormente mencionada.

 

No caso dos autos, reforça-se que o crime foi cometido em detrimento da Fundação Municipal de Saúde de Dourados/MS, combalindo o sofrido sistema público de saúde com nota de total menosprezo para com o bem-estar da população, ante a já colacionada evidência do fornecimento de marmitas com higiene deplorável.

 

Isto exposto, afigura-se justa e proporcional a fixação da pena-base em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão, reduzida proporcionalmente apenas a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, a pena intermediária permanece estabelecida em 03 (três) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

 

Preservada a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço), consequentemente, a pena em concreto pelo crime de peculato se firma em 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa em face de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL.

 

 

III.IV.c -           Demais aspectos da dosimetria penal (RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL)

 

Unificação das penas

 

Praticados os crimes em concurso material (art. 69 do CP), as reprimendas corporais totalizariam 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, e 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração.

 

Valor unitário do dia-multa

 

Não havendo impugnação a respeito, o valor unitário do dia-multa deve ser mantido em 1/2 (metade) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, em vista da situação econômica favorável do acusado, bem como do cargo por ele ocupado por ocasião do cometimento dos crimes.

 

Regime prisional inicial

 

Deve ser fixado o regime prisional inicial SEMIABERTO, a teor do art. 33, § 2º, ‘b’, do Código Penal.

 

 

Perda do cargo público

 

Deve ser mantida a decretação de perda do cargo público no qual perpetrou a atividade criminosa, em razão da violação de deveres constitucionais de lealdade e probidade para com a Administração Pública, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal.

 

 

III.VI -              IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA A REPARAÇÃO DOS DANOS, MANTIDAS AS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS

 

O r. juízo a quo houve por bem fixar como valor mínimo devido a título de reparação dos danos causados pela infração o importe de R$ 532.000,00, sob o pálio do disposto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008 (O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido).

 

Neste diapasão, o r. juízo sentenciante decretou que (ID 256436950 - Pág. 108):

 

Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor ora fixado, nos termos do art. 387, caput, inciso IV, do Código de Processo Penal, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido, mantendo-se todas as constrições operacionalizadas e não levantadas (listagem acima), até a efetiva transferência ou alienação dos bens para fins de destinação à União.

 

Deve-se acrescentar que, na sede de processo cautelar de sequestro de bens para resguardo dos prejuízos sofridos pela Fazenda Pública (Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002) foram constritos os seguintes bens (colacionados pela própria sentença – ID 256436950 - Pág. 105):

 

(a) fração ideal de 50% do imóvel registrado na matrícula nº 14.491, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Dourados, em nome de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, no valor de R$ 202.490,00 (duzentos e dois mil e quatrocentos e noventa reais) (ID 24779259 - Pág. 3, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(b) imóvel registrado na matrícula nº 39.705, do Cartório de Registro de Imóveis de Dourados, em nome de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM (ID 24779261 - Pág. 3, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002), no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)(ID 39362991);

(c) imóvel registrado na matrícula nº 79.711, do Cartório de Registro de Imóveis de Dourados, em nome de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO (ID 24779262 - Pág. 2, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002), no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) (ID 39362991);

(d) veículo Hyundai / IX35 GL, placas QAI-9779/MS, registrado em nome de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM (ID 25273420 - Pág. 5, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002), no valor de R$ 89.935,00 (oitenta e nove mil, novecentos e trinta e cinco reais) (ID 39362991);

(e) saldo das contas bancárias de SANDRA REGINA SOARES MAZARIM no valor total de R$ 17,08 (dezessete reais e oito centavos) (ID 25275548 - Pág. 1, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(f) saldo das contas bancárias de RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO no valor total de R$ 4.809,29 (quatro mil, oitocentos e nove reais e vinte e nove centavos) (ID 25275548 - Pág. 2, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(g) veículo Hyundai HB20, placas NRU5232, registrado em nome de ROGINA MAGALI TORRACA AUGUSTO-ME (ID 25273420 - Pág. 2, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(h) saldo em conta bancária de ROGINA MAGALI TORRACA AUGUSTO-ME no valor de R$49.204,66 (quarenta e nove mil, duzentos e quatro reais e sessenta e seis centavos) (ID 25275548 - Pág. 6, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(i) saldo das contas bancárias de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL no valor total de R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais) (ID 25275548 - Pág. 4, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(j) saldo das contas bancárias de RENATO OLIVEIRA GARCEZ VIDIGAL – EIRELI no valor total de R$ 21.414,04 (vinte e um mil, quatrocentos e quatorze reais e quatro centavos) (ID 25275548 - Pág. 7, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002);

(k) veículo Renault/Sandero Stepway, placas NRH-8644/MS, registrado em nome de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK (ID 25273420 - Pág. 6, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002), no valor de R$ 34.000,00 (trinta e quatro mil reais) (ID 34652510 - Pág. 2);

(l) motocicleta Honda/C100 BIZ, placas HSO-7289/MS, registrada em nome de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK (ID 25273420 - Pág. 6, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002), no valor de R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais) (ID 34652510 - Pág. 2); e

(m) saldo das contas bancárias de DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK no valor total de R$ 2.808,01 (dois mil, oitocentos e oito reais e um centavo) (ID 25275548, - Pág. 3, dos Autos nº 5002859-51.2019.4.03.6002).

 

Conquanto formulado apenas por ocasião das alegações finais, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pleiteia que o quantum debeatur seja majorado a ponto de alcançar a cifra de R$ 2.212.576,00 (dois milhões, duzentos e doze mil, quinhentos e setenta e seis reais), valor atribuído à integralidade dos contratos obtidos pela MARMIQUENTE.

 

No caso dos autos, todavia, impõe-se caminhar no sentido oposto, tornando-se devido o afastamento da condenação solidária dos réus no dever de indenizar os danos causados pela infração no importe mínimo de R$ 532.000,00 (quinhentos e trinta e dois mil reais), mantidas, entretanto, as constrições de bens efetivadas  na medida cautelar nº 5002859- 51.2019.4.03.6002.

 

Consoante sustentado linhas acima, em que pese a conduta dos acusados tenha provocado manifesto locupletamento indevido de recursos públicos em detrimento da Administração, não se mostra passível de mensuração o grau exato do descumprimento contratual que ensejou o desvio perpetrado.

 

Por essa razão, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos no presente caso constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente para a realização da necessária liquidação, restando prejudicado o pleito ministerial no sentido de que o valor correspondente à integralidade dos contratos com a Administração seja considerado como devido.

 

Devem permanecer constritos, entretanto, os bens colacionados na relação transcrita linhas acima, na medida em que, subsistente a condenação por crimes contra a União, destinam-se rigorosamente à reparação de prejuízo causado por crime contra a Fazenda Pública, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941.

 

 

III.VII -             GRATUIDADE DE JUSTIÇA

 

SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO pleiteiam, ainda, a concessão da gratuidade judiciária.

 

O pedido deve ser concedido.

 

Nada obstante, esclareça-se que a mera concessão de gratuidade da Justiça não exclui a condenação do réu nas custas do processo nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o art. 98, § 3º, do novo Código de Processo Civil.

 

Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do art. 98, §§ 2º e 4º, também da Lei n.º 13.105/2015.

 

Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade da apelante deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado.

 

 

IV -                  DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento às Apelações Criminais do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e das Defesas, de sorte a:

 

i) Condenar RONALDO GONZALES MENEZES, observados os termos do acordo de colaboração premiada, à pena unificada de 01 (um) ano,  05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e multa de 2% do valor dos contratos com a Administração, como incurso no crime de  perturbação de processo licitatório (art. 93 da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa, como incurso no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-o quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP). Valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Regime prisional inicial ABERTO. Substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistente em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nas condições previstas no art. 46, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do Código Penal; (ii) pagamento de prestação pecuniária, no valor total de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, a ser pago em parcelas mensais de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), em favor da FUNSAUD.

 

ii) Condenar DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARGEZ VIDIGAL à pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração, como incursos no crime de  perturbação de processo licitatório (art. 93 c.c. o art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, como incursos no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-os quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP). Valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para os três primeiros réus, e de 1/2 (metade) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para RENATO. Regime prisional inicial SEMIABERTO. Decretada a perda do cargo público, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal. Concedida a gratuidade de justiça para os corréus SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO.

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÕES CRIMINAIS. IMPUTAÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DISPOSTOS NO ART. 2º, CAPUT, DA LEI N. 12.850/2013 (ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA), NO ART. 93 DA LEI N. 8.666/1993, POR DUAS VEZES EM CONCURSO MATERIAL (PERTUBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO), NO ART. 95 DA LEI N. 8.666/1993, E NO ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (PECULATO-DESVIO). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONDENANDO OS ACUSADOS COMO INCURSOS NOS DELITOS DE PERTUBAÇÃO DE PROCESSO LICITATÓRIO, EM CONTINUIDADE DELITIVA, PECULATO-DESVIO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (EXCETO, NESTE CRIME PARTICULAR, A CORRÉ DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK). REFUTAÇÃO DAS QUESTÕES PRELIMINARES, COM EXCEÇÃO DA ARGUIÇÃO DE NULIDADE ATINENTE À CAPTURA AMBIENTAL DE DIÁLOGO TRAVADO ENTRE CORRÉU COLABORADOR E ADVOGADO DOS DEMAIS ACUSADOS, A SER DECOTADA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DELITOS LICITATÓRIOS E PECULATO CARACTERIZADOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NÃO DEMONSTRADA, IMPONDO-SE A ABSOLVIÇÃO QUANTO À REFERIDA INFRAÇÃO. DOSIMETRIA PENAL AGRAVADA QUANTO À PENA-BASE DOS CRIMES LICITATÓRIOS. PENA DE MULTA REFERENTE AO PECULATO REDUZIDA PROPORCIONALMENTE. AFASTAMENTO DO DEVER DE REPARAR OS DANOS DA INFRAÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE DE QUANTIFICÁ-LO, MANTIDAS AS CONSTRIÇÕES. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.

01. Caso concreto enfocado na atuação de suposta organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos oriundos do Fundo Municipal de Saúde de Dourados/MS, por meio de fraudes em licitações. A verba pública desfalcada era constituída também por repasses advindos do Fundo Nacional de Saúde, ensejando a atuação do aparelho persecutório federal.

02. Refutação das questões preliminares. Competência da Justiça Federal. Crimes envolvendo o fornecimento de marmitas custeado por repasses advindos do Fundo Nacional de Saúde, ensejando a atuação do aparelho persecutório federal. Desta sorte, ressoa evidente o interesse da União na causa, a atrair a competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito (art. 109, inc. I, da CF).

03. Atuação conjunta do Ministério Público Federal com o Ministério Público Estadual. Foram empreendidos esforços em ambos os níveis, federal e estadual para a apuração de fatos. A subscrição conjunta de peças processuais do MPF e com o MPE/MS reflete precisamente um atuar consentâneo com a unidade institucional das duas entidades ministeriais (art. 127, § 1º, da Constituição Federal), o que não fere nenhuma garantia dos acusados, antes, se mostra coerente e promove clareza de entendimento acerca da opinio delicti, evitando duplicidade de posicionamento institucional acerca dos delitos enfocados, o que, em verdade, facilita o exercício do contraditório e da ampla defesa. Precedentes jurisprudenciais.

04. Da regularidade da denúncia. Conquanto a Defesa alegue insuficiência da descrição das condutas, a peça acusatória mostra-se robusta e detalhada a ponto de especificar a conduta de cada um dos acusados em relação aos diversos fatos típicos que apontou. No caso, a leitura atenta da peça acusatória conduz à correta compreensão da imputação delitiva, bem como se lastreou nos elementos necessários à formação da justa causa para a deflagração da ação penal, especificando em quatro eventos, os atos executórios que consubstanciaram a imputação pelos crimes em questão.

05. Licitude da prova oriunda da gravação ambiental unilateral empreendida pelo réu-colaborador. Não há que se falar em nulidade da gravação empreendida pelo próprio interlocutor dos diálogos capturados, ainda que sem o conhecimento dos demais acusados. Trata-se de matéria pacificada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 583.937, julgamento proferido em sede de Repercussão Geral).

06. A própria Lei nº 12.850/2013, que disciplina a colaboração premiada, também estabelece como meio idôneo de obtenção de prova, em qualquer fase da persecução penal, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (art. 3º, inc. II, da lei), induzindo a compreensão de que se estende à acusação a prerrogativa de utilizá-la como meio de comprovação do fato denunciado. 

07. A licitude da gravação não é desnaturada, portanto, pelo fato de o réu já figurar como colaborador quando da captura dos diálogos. É certo, nesse sentido, que a prova decorrente da gravação unilateral empreendida às escondidas possui valor relativo, devendo ser sopesada no contexto da prática delituosa e à luz dos demais elementos do conjunto probatório.

08. A captura ambiental realizada pelo réu colaborador, em cumprimento de acordo de colaboração devidamente homologado, tendo por objeto diálogos comprometedores mantidos com os demais agentes criminosos, se apresenta como expediente acobertado pela autodefesa e pelo interesse da acusação em coletar evidências hábeis a encorpar o acervo  probatório em face de acusados diversos, decorrente da concessão do beneplácito ao réu efetivamente colaborador (art. 4º da Lei 12.850/2013).

09. Ilicitude da gravação ambiental unilateral de diálogo mantido pelo réu colaborador com advogado dos demais corréus. O crime narrado por advogado ao réu colaborador e por este capturado não pode ser empregado para fomentar juízo acusatório sobre os corréus citados como agentes delituosos. Como decorrência do resguardo do sigilo entre advogado e sigilo, torna-se inconcebível a utilização em desfavor dos representados por aquele do reconhecimento de crime. De tudo quanto ora exposto, pode-se concluir que as gravações empreendidas pelo corréu colaborador são válidas porquanto extraídas de diálogos nos quais ele próprio figurava como interlocutor. Se revelam ineficazes, todavia, as gravações dos diálogos com defensores dos demais acusados, em respeito ao devido sigilo profissional. Consequentemente, a utilização do diálogo questionado como esteio para a condenação de DAYANE JALQUELINE FOSCARINI WINCK constitui prova ilícita, devendo ser desconsiderado do exame meritório.

10. Regularidade procedimental da audiência de instrução ante a colheita da prova testemunhal na presença do corréu colaborador. O regime jurídico processual aplicável a corréu colaborador necessariamente diverge do tratamento dispensável à testemunha, bem como daquele dispensável ao acusado, porquanto assimila aspectos de ambos, traduzindo-se em figura processual sui generis, que tempera a dialética tradicional entre acusação e defesa

11. Em que pese a inconveniência de o réu colaborador poder ajustar seu depoimento à luz do quanto dito pelas demais testemunhas, considerando o status superior das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório à regra de incomunicabilidade contida no art. 210 do Código de Processo Penal, mostra-se mais razoável escusar o réu colaborador da vedação aplicável à figura da testemunha simples do que impedir que ouça, enquanto réu, depoimentos testemunhais desfavoráveis que possam ser utilizados em sua própria condenação. Demais disto, não restou evidenciado qualquer prejuízo à parte, a uma porque a palavra do réu colaborador deve ser necessariamente corroborada por outras evidências para que possa robustecer a condenação, e, a duas, porque a apelante não descreveu quais pontos do depoimento réu colaborador teriam sido incongruentes.

12. Regularidade do relatório de análise da polícia judiciária. O ato policial questionado consubstancia a exposição dos trabalhos policiais decorrentes do cumprimento de mandado de busca e apreensão e de prisão preventiva relacionados ao corréu em questão. Ostenta caráter meramente elucidativo da questão fática nele retratada, objetivando análise e compreensão do teor do material apreendido, não havendo qualquer juízo de valor que transborde da função eminentemente investigativa. Ademais, a Defesa deixou de se manifestar oportunamente sobre a peça de inteligência policial, submetendo-se à preclusão. Consequentemente o relatório policial debatido não padece de qualquer nulidade, sendo o conteúdo nele retratado objeto da livre apreciação das provas pela autoridade judicial.

13. Mérito. Caracterização dos crimes de perturbação de processo licitatório e de peculato. O caso dos autos repousa sobre a contratação da empresa MARMIQUENTE pela Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (FUNSAUD), primeiramente mediante Dispensa de Licitação, em 14.03.2017, pelo preço de R$ 127.788,00, para o fornecimento de alimentação hospitalar, de dietas normais e dietas especiais para pacientes internados, acompanhantes e funcionários da FUNSAUD, pelo período de 30 dias, sendo custeada mediante recursos de Contrato de Gestão no qual foi alocado verba pública federal. Em um segundo passo, figurando como única proponente em Pregão Presencial realizado em 27.03.2017, a MARMIQUENTE foi contratada em 14.04.2017 por mais 12 meses mediante R$ 1.736.310,00, com prorrogação por mais três meses pelo preço de R$ 348.478,00.

14. Restou constatado que a empresa MARMIQUENTE foi ativada para figurar especificamente em tais contratações sem que tivesse a capacidade técnica de executar o objeto licitado, especialmente diante das obrigações da contratada expressamente consignadas no contrato com a FUNSAUD.

15. Emerge do contexto explicitado nos autos que as exigências licitatórias tornavam completamente defesa a contratação da MARMIQUENTE, o que somente perfectibilizou-se pelo manifesto embuste do exercício da atividade empresarial. A patente impropriedade de contratação da MARMIQUENTE torna-se ainda mais explícita quando observada a dissimulação da comprovação da capacidade técnica por meio de declarações falsas, em trama engendrada pelos acusados.

16. O acervo probatório mostra-se eloquente em caracterizar o delito de perturbação do procedimento licitatório – art. 93 da Lei nº 8.666/1993, na justa medida em que a dissimulação da habilitação da MARMIQUENTE corrói os objetivos perseguidos pela Administração atinentes à higidez e à competitividade, bem como os princípios da moralidade e da impessoalidade, que devem nortear a melhor escolha possível.

17. Com relação ao crime de peculato, a tese acusatória funda-se no pressuposto de que os acusados teriam desviado R$ 532.000,00, oriundos da Dispensa de Licitação nº 020/2017 e do Pregão Presencial nº 06/2017. Referida quantia corresponderia à lucratividade obtida pela empresa MARMIQUENTE com os contratos inidôneos em seu nascedouro.

18. Não é possível chancelar como devidamente cumprida a obrigação maculada por comportamento torpe, diretamente voltado a lesar a expectativa legítima da Administração de obter marmitas com determinado padrão de qualidade e de higiene, segundo um procedimento probo e transparente. A ausência total da boa-fé objetiva na fase executiva do contrato com a Administração já constitui inobservância a esta que constitui cláusula geral e imperativa dos contratos, conforme dispõe o art. 422 do Código Civil: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

19. Assim, em que pese, nesta seara, não seja possível dissecar economicamente quanto da atividade empresarial poderia ter eventualmente revertido em algum proveito para a Administração, a conduta dos acusados provocou manifesto locupletamento indevido de recursos públicos em detrimento da Administração, de sorte a perfazer os elementos do tipo do peculato-desvio.

20. Absolvição por insuficiência de provas quanto ao crime de integrar organização criminosa (art. 2° da lei n° 12.850/2013). Observa-se que o órgão ministerial não se desincumbiu do ônus de comprovar os elementos do tipo que caracterizam o delito de integrar organização criminosa, em que pese a veemência da acusação e o teor da r. sentença condenatória. A própria tese acusatória mostra-se carente do efetivo preenchimento específico de requisito essencial à adequação típica: as notas da estabilidade e permanência do vínculo entre os agentes, como elementos ínsitos às condutas nucleares.

21. Compete ao órgão ministerial a demonstração da affectio criminis societatis com elementos concretos que objetivamente modelam a organização delituosa, evidenciando com segurança a pactuação de um ajuste reconhecidamente ilícito orientado à prática recorrente de infrações penais.

22. A despeito de tais requisitos, o Ministério Público Federal, tanto na formulação da denúncia como por ocasião dos memoriais escritos ao cabo da instrução, reporta-se à constituição espúria da empresa MARMIQUENTE a fim de que esta adjudicasse fraudulentamente contrato com a FUNSAUD, bem como ao proveito obtido com o fornecimento de alimentação em desconformidade com o padrão devido. Tais circunstâncias, embora perfaçam sobejamente os crimes de perturbação de procedimento licitatório e de peculato, não trazem luz sobre o ânimo associativo inerente à organização criminosa.

23. O fato de os réus organizarem a MARMIQUENTE com vistas a contratações pontuais e, assim, obterem proveito dos recursos disponibilizados pela FUNSAUD, não denota, per se, que se utilizariam dessa estrutura empresarial para figurarem como fornecedores recorrentes da Administração Pública. A própria venda da empresa após a absorção da receita oriunda do contrato questionado enseja a consideração de que os réus intencionaram utilizar a MARMIQUENTE por prazo determinado e com vistas ao específico ajuste pactuado.

24. Por mais complexa que seja a atividade empresarial exercida ilicitamente, não se entrevê que os acusados conjugaram esforços pela sua continuidade indeterminada, senão os necessários para assegurar a percepção da vantagem indevida até o exaurimento do quanto pactuado. A presença de elementos apontados pela r. sentença como típicos de organização criminosa, tais como divisão de tarefas e comunicação cifrada entre os acusados, não é determinante desta, justificando-se pela execução do peculato diferida no tempo, parceladamente, e não múltiplos crimes da mesma espécie.

25. Conquanto o standart probatório não possa ser tão elevado a ponto de exigir certeza absoluta da realidade fática, bastando que a condenação penal seja segura, idônea e além da dúvida razoável, não é o que se verificaria no caso em tela diante da nítida insuficiência de provas para caracterizar o crime de organização criminosa. No caso, deve incidir o princípio in dubio pro reo, uma vez que a condenação, ao revés de encontrar-se alicerçada em provas robustas, como exige o art. 155 do Código de Processo Penal, carece de suporte probatório mínimo. Consequentemente, os acusados devem ser absolvidos por insuficiência de provas acerca da infração penal constante do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

26. Sumário das condenações. Subsiste a condenação dos acusados como incursos nas penas dos arts. 93 da Lei nº 8.666/1993, por duas vezes em continuidade delitiva (art. 71 do CP), e do art. 312 do Código Penal (crime único), em concurso material entre si (art. 69 do CP).

27. Dosimetria penal revista para majorar a pena-base do crime de perturbação de processo licitatório (art. 93 da Lei nº 8.666/1993). Consoante o argumentado no recurso do órgão acusatório, a reprovabilidade mostra-se acentuada ante a perturbação de licitação afeta à pasta governamental da saúde pública, notadamente carente de boa aplicação dos recursos da coletividade. O crime cometido em detrimento da saúde pública é especialmente lesivo, dada a essencialidade do direito, denotando maior culpabilidade do agente, a elevar a pena-base em um sexto (1/6). Mantidas as penas pelo peculato, reduzindo-se proporcionalmente o quantum de dias-multa. Afastada a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, mantidas as constrições efetivadas. Em que pese a conduta dos acusados tenha provocado manifesto locupletamento indevido de recursos públicos em detrimento da Administração, não se mostra passível de mensuração o grau exato do descumprimento contratual que ensejou o desvio perpetrado, de modo que a fixação de valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente para a realização da necessária liquidação, restando prejudicado o pleito ministerial no sentido de que o valor correspondente à integralidade dos contratos com a Administração seja considerado como devido. Permanecem constritos, entretanto, os bens objeto de sequestro na forma do Decreto-lei nº 3.240/1941, na medida em que, subsistente a condenação por crimes contra a União, destinam-se rigorosamente à reparação de prejuízo causado por crime contra a Fazenda Pública.

 

28. Apelações parcialmente providas, de sorte a: i) Condenar RONALDO GONZALES MENEZES, observados os termos do acordo de colaboração premiada, à pena unificada de 01 (um) ano,  05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e multa de 2% do valor dos contratos com a Administração, como incurso no crime de  perturbação de processo licitatório (art. 93 da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa, como incurso no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-o quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP). Valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Regime prisional inicial ABERTO. Substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistente em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nas condições previstas no art. 46, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do Código Penal; (ii) pagamento de prestação pecuniária, no valor total de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, a ser pago em parcelas mensais de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), em favor da FUNSAUD. ii) Condenar DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARGEZ VIDIGAL à pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração, como incursos no crime de  perturbação de processo licitatório (art. 93 c.c. o art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, como incursos no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-os quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP). Valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para os três primeiros réus, e de 1/2 (metade) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para RENATO. Regime prisional inicial SEMIABERTO. Decretada a perda do cargo público, nos termos do art. 92, I, “a”, do Código Penal. Concedida a gratuidade de justiça para os corréus SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento às Apelações Criminais do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e das Defesas, de sorte a: i) Condenar RONALDO GONZALES MENEZES, observados os termos do acordo de colaboração premiada, à pena unificada de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e multa de 2% do valor dos contratos com a Administração, como incurso no crime de perturbação de processo licitatório (art. 93 da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa, como incurso no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-o quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP). Valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos; regime prisional inicial ABERTO, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistente em (i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nas condições previstas no art. 46, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do Código Penal; (ii) pagamento de prestação pecuniária, no valor total de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), nos termos do art. 45, § 1º, do Código Penal, a ser pago em parcelas mensais de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), em favor da FUNSAUD; ii) Condenar DAYANE JAQUELINE FOSCARINI WINCK, SANDRA REGINA SOARES MAZARIM, RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO e RENATO OLIVEIRA GARGEZ VIDIGAL à pena unificada de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, e multa de 3,46% sobre os contratos com a Administração, como incursos no crime de perturbação de processo licitatório (art. 93 c.c. o art. 84, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993) (atualmente tipificado no art. 337-I do CP), por duas vezes, em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), e de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e 21 (vinte e um) dias-multa, como incursos no crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal), absolvendo-os quanto ao crime de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) por insuficiência de provas (art. 386, inc. VII, do CPP); valor unitário do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para os três primeiros réus, e de 1/2 (metade) do salário-mínimo vigente à época dos fatos para RENATO; regime prisional inicial SEMIABERTO; decretada a perda do cargo público, nos termos do art. 92, I, a, do Código Penal e concedida a gratuidade de justiça para os corréus SANDRA REGINA SOARES MAZARIM e RAFHAEL HENRIQUE TORRACA AUGUSTO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.