APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006781-51.2020.4.03.6104
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA
Advogado do(a) APELANTE: CESAR LOUZADA - SP275650-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSPETOR DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SANTOS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006781-51.2020.4.03.6104 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA Advogado do(a) APELANTE: CESAR LOUZADA - SP275650-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSPETOR DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado por MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA. contra o Sr. Inspetor da Alfândega do Porto de Santos e Gerente Geral do Terminal Bandeirantes Deicmar Logística Integrada Ltda (recinto alfandegado), objetivando seja determinada a desunitização das cargas e a devolução do contêiner MRKU0169674, por descumprimento de prazos previstos no Regulamento Aduaneiro para a destinação final de mercadorias e por ultrapassar mais de 136 dias, desde a descarga de mercadorias, sem obediência a procedimentos específicos previstos na legislação aplicável. A r. sentença extinguiu o processo, sem resolução de mérito, em relação ao Gerente Geral do Terminal Bandeirantes Deicmar Logística Integrada Ltda e, no mais, julgou improcedente o pedido e denegou a segurança, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. Com contrarrazões, subiram os autos a essa Corte Regional. Parecer do Ministério Público Federal, pelo provimento do recurso de apelação. É o relatório. Apelação da impetrante, pela reforma do decisum, para que seja determinada a imediata desova das cargas e a devolução do contêiner MRKU0169674. Em suas razões de recursos, aduz, em síntese, que qualquer que seja a modalidade de frete contratado (FCL/FCL1 ou LCL/LCL2 ), é a mercadoria que deve se submeter ao Procedimento Fiscal Aduaneiro e não o equipamento, vez que a unidade de carga (contêiner) seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem das mercadorias abandonadas, sendo incorreto, portanto, submeter os equipamentos de transporte ao mesmo tratamento jurídico das cargas. Por fim, alega que o Decreto-lei nº 116/67 expressamente define a responsabilidade dos transportadores marítimos sobre as mercadorias, vislumbrando-se, assim, evidente afronta ao Princípio da Legalidade.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006781-51.2020.4.03.6104 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: MAERSK BRASIL BRASMAR LTDA Advogado do(a) APELANTE: CESAR LOUZADA - SP275650-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSPETOR DA ALFÂNDEGA DO PORTO DE SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Com efeito, consoante a inicial, a impetrante é empresa atuante no comércio de transporte marítimo internacional e, no exercício de suas atividades, efetuou o transporte de mercadorias no contêiner MRKU0169674, o qual pretende liberar. Informou a requerente que postulou administrativamente a liberação das unidades de carga para a Receita Federal do Brasil em Santos, todavia, sem êxito. Dessa forma, insurge-se contra a negativa da autoridade aduaneira, por considerá-la abusiva e ilegal, haja vista a unidade de carga não se confundir nem integrar a mercadoria transportada, não podendo permanecer, pois, irregularmente retida juntamente com a carga nela acondicionada, privando o transportador de sua utilização no exercício regular de suas atividades. Pois bem. No caso sub judice, observo que as mercadorias foram descarregadas no Porto de Santos/São Paulo em 03/08/2020 e lá permaneceram até ser ultrapassado o prazo estipulado no artigo 642 do Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 6.759/2009, ou seja, 90 dias contados da sua descarga. Confira-se: “Art.642.Considera-se abandonada a mercadoria que permanecer em recinto alfandegado sem que o seu despacho de importação seja iniciado no decurso dos seguintes prazos(Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, incisos IIeIII): I-noventa dias: a)da sua descarga; e [...]” Outrossim, há informação nos autos de que mesmo após 300 dias da descarga no recinto alfandegado, o contêiner ainda não havia sido liberado. (ID: 167904969, fl. 07). Por conseguinte, verifica-se que o prazo legal de 90 dias foi, inquestionavelmente, ultrapassado, residindo aí o direito líquido e certo da impetrante. O argumento da necessidade de apreensão do contêiner enquanto não realizado os trâmites devidos, para a guarda e preservação da carga que ele contém, de fato, não pode ser acolhido, visto que importaria impedir o uso de um bem particular, essencial para o exercício da atividade econômica de transporte marítimo, em razão da omissão de terceiro. Assim, após a configuração do abandono da mercadoria, pelo decurso do prazo previsto em lei, ou decretação do perdimento, a alfândega deve liberar o contêiner, dentro de um prazo razoável. Imperioso realçar, ademais, que a unidade de carga é considerada como equipamento ou acessório do veículo transportador, os termos da Lei n.º 6.288/75, a qual se destaca: "Art. 3º: O container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador. Parágrafo único: A conceituação de container não abrange veículos, acessórios ou peças de veículos e embalagens, mas compreende seus acessórios e equipamentos específicos, tais como trailers, boogies, racks ou prateleiras, berços ou módulos, desde que utilizados como parte integrante do container". Destarte, a responsabilidade da transportadora conclui-se com a entrega da carga ao porto, não podendo a mesma ser prejudicada pela data indefinida da declaração de perdimento ou pela inércia do importador quanto aos procedimentos do despacho aduaneiro. Nessa senda, como sabido, a teor do artigo 24, parágrafo único, da Lei n.º 9.611/98, o contêiner não se confunde com a mercadoria nele transportada: "Art. 24. Para os efeitos desta Lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas, sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso. Parágrafo único. A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo". Na hipótese, no conhecimento de transporte foi aposta a sigla CY/CY, que corresponde à modalidade de movimentação designada FCL/FCL (full container load), em que a mercadoria importada deve ser desunitizada sob a responsabilidade do consignatário/importador, que pode dar início ao despacho aduaneiro. Nesse caso, tanto o vendedor quanto o comprador têm o direito de ovar e desovar o contêiner em local designado, devendo devolvê-lo ao armador, devendo o impetrante apenas transportar as mercadorias do porto de embarque e entregá-las no porto de destino. Assim sendo, incabível a penalização da parte apelante com a retenção do contêiner, por tempo indeterminado, em razão de possível conduta irregular do importador, cabendo a este as providências imediatas e eventuais indenizações devidas pelo transporte irregular. De igual modo, a impetrante também não pode ser penalizada por morosidade, por parte da Autoridade coatora, em implementar o devido processo de abandono e/ou perdimento das mercadorias, com a consequente a liberação do contêiner. Dessarte, inexiste amparo legal que legitime a retenção da unidade de carga de propriedade da impetrante, sendo de rigor, in casu, a sua liberação, haja não se equivaler o contêiner à embalagem das mercadorias e com elas não se confundir. Sobre o assunto, confira-se a jurisprudência: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. LIBERAÇÃO DE CONTÊINER. UNIDADE DE CARGA ACESSÓRIA, RETENÇÃO. NÃO CABIMENTO. DESUNITIZAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. As cargas se encontram na esfera de disponibilidade do importador, que pode dar prosseguimento ao despacho aduaneiro, de acordo com a Lei 9.779/99. 2. O impetrante deve apenas transportar as mercadorias do porto de embarque e entregá-las no porto de destino. Incabível a retenção do contêiner, considerando que não se confunde com a mercadoria nele transportada. Trata-se de mera atividade comercial do transportador e operador portuário e a unidade de carga um equipamento do veículo transportador. Precedentes. 3. Incabível, a apreensão do contêiner das mercadorias, ainda que sujeitas a pena de perdimento, dada a sua condição de não acessoriedade a justificar a manutenção pretendida. 4. Apelação provida. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003962-10.2021.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 22/03/2023, Intimação via sistema DATA: 28/03/2023) REMESSA OFICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CARGA. DEVOLUÇÃO CONTÊINER. NÃO PROVIMENTO DA REMESSA OFICIAL. I - Conforme jurisprudência do STJ o contêiner não é acessório da mercadoria transportada, não se sujeitando à pena de perdimento (RESP 200900002721, Eliana Calmon, 2ª. Turma, DJE 14/09/2009). Assim, quando é decretado o perdimento da mercadoria em regra a unidade de contêiner deve ser restituída. II - Narrou a impetrante que transportou a mercadoria acondicionada no contêiner mencionado; e embora formalmente notificado, o consignatário não providenciou a liberação das mercadorias. Relata que conforme disposto no art. 24, § único, da Lei nº 9.611/98; a unidade de carga, bem como acessórios e equipamentos, não constituem embalagem, sendo destinados única e exclusivamente ao transporte de mercadorias e a responsabilidade do transportador marítimo foi efetivamente cumprida, encerrando-se no ato da descarga do contêiner, nos termos do Decreto-lei nº 116/1967 e do art. 750 do Código Civil. III - A jurisprudência é unânime em permitir a liberação do contêiner, sem que seja possível sua apreensão juntamente com a mercadoria abandonada ou sujeita a pena de perdimento, visto que o primeiro não é acessório da segunda nem pode ser confundido com ela. IV - Remessa Oficial não provida. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CíVEL - 5002980-64.2019.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 03/06/2020, Intimação via sistema DATA: 05/06/2020) MANDADO DE SEGURANÇA. ADUANEIRO. MERCADORIA AGUARDANDO APLICAÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO. RETENÇÃO DO CONTÊINER. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA COM OS BENS TRANSPORTADOS. NECESSIDADE DE IMEDIATA LIBERAÇÃO E DEVOLUÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Firmou-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo o qual o contêiner não é acessório da mercadoria transportada, motivo pelo qual é ilegal a sua retenção em caso de irregularidades perpetradas pelo importador, abandono de carga ou aplicação da pena de perdimento à mercadoria. 2. Nas palavras da Ministra Eliana Calmon, no julgamento do Recurso Especial nº 1.049.270, "não se deve estabelecer uma relação de dependência entre o container e a mercadoria. Encerrado o contrato de transporte, o container terá desempenhado seu papel, tornando-se ilegal condicionar sua liberação à destinação da mercadoria - retirada pelo importador ou aplicação da pena de perdimento" (REsp 1049270/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 22/09/2008). 3. Assim, independentemente da destinação a ser dada à mercadoria importada, os contêineres utilizados para o seu transporte não podem ser retidos, devendo a autoridade alfandegária promover sua imediata liberação e devolução a quem de direito. Precedentes. 4. Apelação provida.(ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL nº 5009002-75.2018.4.03.6104, Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSON DI SALVO, 6ª Turma, Intimação via sistema DATA: 10/09/2019). Desta feita, o ato apontado como coator, portanto, viola o princípio constitucional da eficiência administrativa, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19/98, e da razoabilidade, de modo que deve ser reformada a r.sentença, em face da violação a direito líquido e certo da parte impetrante. Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos. Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à apelação da parte impetrante, para determinar a desunitização das cargas e a devolução do contêiner MRKU0169674, nos termos da fundamentação supra. É como voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO DE CONTÊINER. UNIDADE DE CARGA ACESSÓRIA, NÃO CABIMENTO DA RETENÇÃO. DESUNITIZAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Ultrapassado o prazo estipulado no artigo 642 do Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 6.759/2009, ou seja, 90 dias contados da sua descarga, é direito líquido e certo da impetrante a desunitização do contêiner.
- Consoante a inteligência do artigo 3º da Lei n.º 6.288/75, verifica-se que a unidade de carga é considerada como equipamento ou acessório do veículo transportador.
- A teor do artigo 24, parágrafo único, da Lei n.º 9.611/98, o contêiner não se confunde com a mercadoria nele transportada.
- A jurisprudência é unânime em permitir a liberação do contêiner, sem que seja possível sua apreensão juntamente com a mercadoria abandonada ou sujeita a pena de perdimento, visto que o primeiro não é acessório da segunda nem pode ser confundido com ela. Precedentes.
- Incabível a penalização da parte apelante com a retenção do contêiner, por tempo indeterminado, em razão de possível conduta irregular do importador, ao qual cabe as providências imediatas e eventuais indenizações devidas pelo transporte irregular. De igual modo, a impetrante também não pode ser penalizada por morosidade, por parte da Autoridade coatora, em implementar o devido processo de abandono e/ou perdimento das mercadorias, com a consequente liberação do contêiner.
- Apelação provida.