Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008206-57.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES

APELADO: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Advogado do(a) APELADO: WILSON SALES BELCHIOR - SP373659-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008206-57.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES

 

APELADO: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Advogado do(a) APELADO: WILSON SALES BELCHIOR - SP373659-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de agravo interno interposto pela União Federal contra decisão monocrática que negou provimento à sua apelação e à do DNIT.

 

A referida decisão manteve a sentença que julgou procedente o pedido da autora, para condenar a UNIÃO e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT a pagarem, solidariamente, a MAPFRE SEGUROS GERAIS S/A. a importância de R$24.117,30 (vinte e quatro mil, cento e dezessete reais e trinta centavos), com atualização monetária a partir do desembolso, de acordo com os índices da Justiça Federal, e incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data do dano (10/01/2020), até o efetivo pagamento.

 

Pugna a agravante pela reforma da decisão, nos termos da contestação.

 

É o relatório.

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008206-57.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES

 

APELADO: MAPFRE SEGUROS GERAIS S.A.

Advogado do(a) APELADO: WILSON SALES BELCHIOR - SP373659-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Reproduzo, por oportuno, a íntegra da decisão impugnada:

 

"Trata-se de apelações interpostas pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT e pela UNIÃO em face de sentença proferida em 12/7/2023 que julgou procedente a ação proposta por MAPFRE SEGUROS GERAIS S/A “para condenar a UNIÃO e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT a pagarem, solidariamente, a MAPFRE SEGUROS GERAIS S/A. a importância de R$24.117,30 (vinte e quatro mil, cento e dezessete reais e trinta centavos), com atualização monetária a partir do desembolso, de acordo com os índices da Justiça Federal, e incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data do dano (10/01/2020), até o efetivo pagamento”.  

Sustenta o DNIT a sua ilegitimidade passiva; a ausência de qualquer postura omissiva em relação à manutenção/fiscalização da pista onde ocorreu o sinistro; a impossibilidade de evitar, de maneira cabal, a entrada de animais na pista; a responsabilidade subjetiva da Administração Pública; a ausência de demonstração do nexo causal; a responsabilidade do condutor do veículo, que dirigia em alta velocidade.

Por sua vez, alega a UNIÃO sua ilegitimidade passiva; que sequer restou comprovada a real causa do sinistro, que foi declarada de forma unilateral pela condutora do veículo; a responsabilidade do dono do animal; a impossibilidade física de a Polícia Rodoviária Federal patrulhar vastas extensões de estradas, mormente no período noturno; a responsabilidade do condutor do veículo, eis que é impossível que, dirigindo na velocidade apropriada, não percebesse a presença de 3 (três) jumentos a uma distância que possibilitasse evitar a colisão. Subsidiariamente, requer: o desconto, no valor da indenização, da quantia recebida pela vítima a título de seguro obrigatório, nos termos da Súmula nº 246 do STJ; a fixação da data da citação como termo inicial dos juros, que devem ser calculados de acordo com os percentuais fixados no Manual de Cálculos da Justiça Federal.  

As contrarrazões foram apresentadas pela MAPFRE SEGUROS GERAIS S/A.

É o relatório.

DECIDO:

A matéria dos autos não tem qualquer mistério no âmbito desta Sexta Turma e por isso rende decisão monocrática.

Quanto à alegação de ilegitimidade passiva dos apelantes, a r. sentença é irreparável ao dispor que “Em relação às preliminares de ilegitimidade passiva arguidas pela União e pelo DNIT, consigne-se que devem ser igualmente afastadas. É que, nos casos de acidentes ocorridos em rodovias federais, autarquia e ente federativo são responsáveis solidários, em caso de comprovação de culpa na prestação ou não dos serviços públicos”.

Nesse sentido é o entendimento dessa Egrégia Corte: “O DNIT é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de reparação civil por acidente de trânsito ocorrido em via federal, ainda que objeto de concessão, em razão do dever de fiscalização permanente do serviço público previsto no art. 82, IV da Lei nº 10.233/01 e no art. 2º de seu Regimento Interno. No que tange à União, a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a União e o DNIT possuem legitimidade para figurar no polo passivo da ação reparatória proposta com fundamento na ocorrência de acidente automobilístico em rodovia federal. Precedente: STJ - REsp: 1625384 PE 2016/0224572-0, Rel. Min. OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, j. 02/02/2017, DJe 08/02/2017” (TERCEIRA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5010508-59.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 30/08/2023, DJEN DATA: 15/09/2023); “A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que em caso de ação indenizatória por danos decorrentes de acidente de trânsito ocorrido em rodovia federal, tanto a União quanto o DNIT possuem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda” (SEXTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5012930-12.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 30/06/2023, DJEN DATA: 06/07/2023).

Os fatos narrados na inicial se comprovam pela apólice de seguro, pelo Boletim de Ocorrência de Trânsito, pelas notas fiscais de peças e mão de obra, pela ordem de compra emitida pela MAPFRE.

A ocorrência do sinistro, descrito no boletim de ocorrência, é incontroversa, no sentido de que ocorreu atropelamento de animal.  

O panorama emergente dos autos mostra que o acidente descrito nos autos ocorreu em razão da evidente negligência do DNIT (FAUTE DU SERVICE) no desempenho de seu dever de zelar pela segurança de quem trafega pela via, já que nada fez em relação à presença de animais soltos na pista de rolamento, destinada ao tráfego veloz de veículos automotores, devendo a entidade - pública (autarquia) ou privada (concessionário) - que administra a estrada ser responsabilizada. O Código Brasileiro de Trânsito não infirma essa conclusão.

Dessa forma, há efetivo nexo causal entre a omissão do DNIT e a ocorrência de acidente de trânsito derivado de invasão, por animal, da pista de rolamento de rodovia federal. Cabe ao órgão - ou suas concessionárias - assegurar aos motoristas uma viagem sem perigos, e sem a presença de semovente na pista.

Nesse contexto, destaca-se excerto esclarecedor da sentença: “Cabe aos réus promover a manutenção e a conservação de rodovias, que pode se dar por meio de atividades fiscalizatórias (condições físicas das cercas limítrofes de propriedades rurais, presença de animais em áreas não cercadas etc.), como por meio de atividades preventivas e repressivas (ostensiva sinalização em áreas pastoris, acionamento da autoridade policial para retirada do semovente da via, advertência/informação a proprietários acerca da construção/manutenção de cercas para segurança dos usuários da rodovia, advertência/informação a proprietários acerca da presença de animais próximos aos leitos carroçáveis das rodovias etc.)”.

A jurisprudência de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal abrange também os atos omissivos do poder público (ARE 842088 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015 - ARE 956285 AgR, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 09/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 24-08-2016 PUBLIC 25-08-2016).

Ou seja: "Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que ‘...somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns’. Precedentes: RE 228.977, Rel. Min. Neri da Silveira, 2ª Turma; 327.904, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma; RE 470.996-AGR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma; RE 344.133, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma; RE 593.525-AgR-segundo, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma; ARE 939.966-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma" (ARE 991086 AgR, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 20-03-2018 PUBLIC 21-03-2018).

Neste Egrégia Corte: “(...) nos casos de omissão da Administração Pública, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, com repercussão geral reconhecida, estabeleceu que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no art. 37, §6º da Constituição Federal, ou seja, a configuração do nexo causal impõe o dever de indenizar, independente da prova da culpa administrativa” (TERCEIRA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5010508-59.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 30/08/2023, DJEN DATA: 15/09/2023).

A responsabilidade objetiva do dono do animal (artigo 936 do Código Civil) não afasta a concorrência da responsabilidade do Poder Público, na medida em que a ele cabe zelar pelas boas condições da rodovia. Um animal adentrou a pista de rolamento, que não possuía qualquer contenção para evitar o evento invasão de animais.

Nesse sentido: “Quanto à responsabilidade do dono do animal, não há nos autos sequer, notícias, se há um dono, ou quem seria o seu proprietário, sendo que, no caso, o que se mostra determinante para a fixação da responsabilidade civil é que o órgão a quem incumbe zelar pela segurança e boa conservação das estradas se portou de forma inerte, ensejando a conduta culposa” (SEXTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5012930-12.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 30/06/2023, DJEN DATA: 06/07/2023).  

Ainda, nada foi comprovado em desfavor do condutor do veículo, no sentido de ser desatento, descuidado, imprudente ou de dirigir em velocidade incompatível.

Por derradeiro, insta observar que a jurisprudência do STJ que afirma a responsabilidade causal do DNIT por acidente que envolve veículo e animal que atravessa a pista de rolamento é consolidada, como mostram arestos recentes: AgInt no REsp n. 1.632.985/PE, relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIS FILHO, Primeira Turma, julgado em 11/11/2019, DJe de 19/11/2019; AgInt no REsp n. 1.658.378/PB, relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, julgado em 27/8/2019, DJe de 2/9/2019.

Passo à análise dos pedidos subsidiários.

Em relação ao requerimento da UNIÃO no sentido de que seja descontado, do valor da indenização, o montante recebido pela vítima a título de seguro obrigatório, verifica-se que não consta dos autos a comprovação do efetivo desembolso da referida quantia, razão pela qual tal pleito não merece prosperar.

O termo inicial para incidência dos juros foi corretamente fixado a partir do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ (QUARTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0019148-49.2016.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 07/12/2022, DJEN DATA: 14/12/2022).

Face ao exposto, nego provimento ao apelo.

A título de honorários sequenciais incidirá 1% sobre a verba honorária enunciada na r. sentença, a ser dividido igualmente entre os apelantes.

Havendo trânsito, à baixa.

Intime-se."

 

Deve ser mantido o decisum.

 

A decisão monocrática agravada abordou todas as questões apresentadas, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo que o recurso nada de novo trouxe que pudesse infirmar o quanto decidido.

 

Como já enfatizado, entre a análise da apelação e o julgamento do presente recurso pela Sexta Turma deste Tribunal, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida, adotando-se, pois, tais fundamentos como razão de decidir na medida em que "reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação ‘per relationem', que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República.

 

A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma).

 

No mesmo sentido: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018.

 

Por fim, vale destacar que o mérito da questão já foi apreciado por esta E. 6ª Turma, no tocante ao agravo interno do DNIT, na sessão de 22/02/2024.

 

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

 

É como voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. UNIÃO FEDERAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. ACIDENTE DE VEÍCULO. ANIMAL NA PISTA. CONDUTA OMISSIVA. ART. 37, § 6º, DA CF. APLICABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS. SEGURADORA. DIREITO DE REGRESSO. RESSARCIMENTO DEVIDO.

1. A decisão monocrática agravada abordou todas as questões apresentadas, à vista dos elementos contidos nos autos, sendo certo que o recurso nada de novo trouxe que pudesse infirmar o quanto decidido.

2. Legitimidade da União para figurar no polo passivo, em conjunto com o DNIT, em ação proposta com fundamento na responsabilidade civil do Estado, por acidente automobilístico ocorrido em rodovia federal. Precedentes do C. STJ.

3. A responsabilidade objetiva pressupõe seja o Estado responsável por comportamentos de seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuízos a terceiros. Impõe, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, por prescindir da culpa do agente, nos moldes do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

4. Na hipótese de omissão, uma vez comprovada a exigibilidade da atuação estatal no caso concreto, a responsabilidade do Estado será objetiva, orientação que homenageia o texto constitucional.

5. In casu, considerando o conjunto probatório acostado aos autos, não remanescem dúvidas de que o acidente foi causado pela existência de animal na pista.

6. Agravo interno não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.