AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5030773-49.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
AUTOR: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA
Advogado do(a) AUTOR: LUCIANE SERPA - SP202214-B
REU: BIOMAGISTRAL FARMACEUTICA LTDA
Advogado do(a) REU: MARCO ANTONIO RIBEIRO FEITOSA - SP200096-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5030773-49.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO AUTOR: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA Advogado do(a) AUTOR: LUCIANE SERPA - SP202214-B REU: BIOMAGISTRAL FARMACEUTICA LTDA Advogado do(a) REU: MARCO ANTONIO RIBEIRO FEITOSA - SP200096-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação rescisória ajuizada pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, fundada nos incisos II e V, do art. 966, do CPC, em face da empresa BIOMAGISTRAL FARMACÊUTICA LTDA objetivando rescindir v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do mandado de segurança nº 1034060-68.2021.8.26.0576 . Narra que a ré é uma farmácia de manipulação de fórmulas, a qual, tendo em vista que os artigos 15 e 53, da RDC nº 327/2019, proibiram a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis spp por farmácias de manipulação, impetrou o referido mandado de segurança preventivo, nº 1034060-68.2021.8.26.0576, em face de autoridade da vigilância sanitária municipal (São José do Rio Preto), alegando a existência de suposto direito líquido e certo para manipular e dispensar produtos à base de Cannabis, cuja sentença concessiva da segurança foi mantida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao fundamento de que a ANVISA extrapolou seu poder regulatório ao criar diferenciações não previstas em lei entre as farmácias com manipulação e as farmácias sem manipulação/drogarias, além de ter limitado o livre exercício da atividade econômica das farmácias de manipulação, em violação aos artigos 5º, II, e 170 da CRFB. Preliminarmente, sustenta, a competência deste Tribunal Regional para a rescisão do acórdão proferido por Juízo absolutamente incompetente, incidindo, no caso dos autos, a tese fixada no Tema 775/STF, bem como a tempestividade da ação, tendo em vista v. acórdão rescindendo transitou em julgado em 30/03/2022, e que está dispensada do depósito prévio. No mérito, no juízo rescindendo, alega que o TJ/SP é incompetente para declarar nulidade parcial da RDC nº 327/2019, sendo manifesta a procedência do pedido de rescisão do julgado, com fulcro no art. 966, inc. II, do CPC. Argumenta, também, que a ANVISA, no exercício da competência que lhe foi atribuída por lei, publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327/2019, sendo imprescindível que qualquer debate judicial em que se sustenta pretenso abuso regulatório na edição da RDC 327/2019 conte com a participação do ente público a quem competiu a edição do ato acoimado de ilegal, motivo pelo qual o acórdão rescindendo violou frontalmente o art. 109, inc. I da CF, os arts. 44, 45, 114 e 115, do CPC, o art. 7º, inc. III, c/c o art. 2º, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.782/1999 e o art. 16, inc. II, "d", o art. 17, inc. IV, "b" e o art. 18, inc. IV, "b", da Lei n. 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde). No juízo rescisório, argumenta pela inadequação do mandado de segurança para impugnar ato de caráter normativo e abstrato, incidindo na espécie a Súmula 266/STF, bem como que pedidos semelhantes são julgados improcedentes pela Justiça Federal e que inexiste o direito líquido e certo do impetrante. Ao final, requer que a ação proposta seja julgada procedente para o fim de rescindir o v. acórdão proferido por juízo manifestamente incompetente e em frontal violação à lei federal (art. 966, II e V, CPC) e, em novo julgamento, seja denegada a segurança, diante da ausência dos requisitos constitucionais do direito líquido e certo e de qualquer ato ilícito perpetrado pela autoridade coatora ou pela ANVISA, autoridade federal responsável pela edição da RDC 327/2019. Citada, a ré ofereceu contestação. Argumenta que, a competência para exercer fiscalizações dessa espécie é comum entre a União, os Estados e os Municípios (art. 1º, da Lei nº 9.782/1999), não se atacando na ação originária o ato normativo em si (RDC nº 327/2019 da ANVISA), mas os possíveis efeitos concretos dele decorrentes. Assim, cabendo às autoridades municipais ou estaduais exercer a atividade fiscalizatória e, eventualmente, impor sanções, com base na Resolução nº 329/2019, reconhece-se a legitimidade passiva da autoridade coatora, não havendo obrigatoriedade da agência reguladora, ANVISA, figurar no polo passivo e, por consequência, a competência da Justiça Estadual para julgar o caso originário, no qual foi demonstrada a violação do líquido e certo da impetrante. Alega, ademais, a impossibilidade de rescindir decisão proferida ao tempo que existente controvérsia jurisprudencial, conforme inteligência da Súmula 343/STF, e que o intuito da autora é ter a reavaliação do julgamento do processo subjacente por entender injusta a decisão proferida. Por fim, requer que a requerente seja condenada a pagar multa por litigância de má-fé e que seja a ação julgada improcedente. Sendo cabível o julgamento antecipado do pedido, nos termos do art. 355, inc. I, do CPC, foi dada vista ao D. Representante do Ministério Público Federal, o qual opinou pela procedência da ação rescisória. É o sucinto relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5030773-49.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO AUTOR: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA Advogado do(a) AUTOR: LUCIANE SERPA - SP202214-B REU: BIOMAGISTRAL FARMACEUTICA LTDA Advogado do(a) REU: MARCO ANTONIO RIBEIRO FEITOSA - SP200096-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, na apreciação do tema 775 de repercussão geral, fixou a seguinte tese: "Compete ao Tribunal Regional Federal processar ação rescisória proposta pela União com o objetivo de desconstituir sentença transitada em julgado proferida por juiz estadual, quando afeta interesses de órgão federal". Confira-se a ementa do julgado: EMENTA. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA PELA UNIÃO, VISANDO A DESCONSTITUIR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO DA JUSTIÇA ESTADUAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. Coloca-se em discussão, neste precedente com repercussão geral, o sensível problema da divisão de competências entre Justiça Federal e Justiça Estadual. No presente caso, trata-se de Ação Rescisória proposta pela União, com o propósito de desconstituir sentença transitada em julgado, proferida por Juízo Estadual. 2. A interpretação isolada do art. 108 da Constituição indica que o Tribunal Regional Federal não é competente para o julgamento da presente Ação Rescisória, pois a) a ação não busca desconstituir julgado do próprio Tribunal, nem dos juízes federais da região; e b) não se trata de recurso em causa decidida por juiz estadual no exercício da competência federal delegada. 3. Entretanto, o art. 109, I, submete à Justiça Federal as causas em que for parte a União, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, bem como as previstas em seu parágrafo 3º (Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal ). 4. Não se trata de hipótese de colisão entre preceitos constitucionais, mas sim de complementaridade entre as referidas disposições. O art. 108, I, b , e II, não traz uma previsão fechada, taxativa. É preciso ler tal norma em conjunto com o art. 109, I - que nada mais é do que uma expressão do princípio federativo, que impede a submissão da União à Justiça dos Estados, com exceção das hipóteses acima mencionadas, autorizadas pela própria Constituição. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. Tema 775, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “Compete ao Tribunal Regional Federal processar ação rescisória proposta pela União com o objetivo de desconstituir sentença transitada em julgado proferida por juiz estadual, quando afeta interesses de órgão federal". (RE 598650, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11-10-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-216 DIVULG 03-11-2021 PUBLIC 04-11-2021) Assim sendo, conquanto proferido o v. acórdão rescindendo pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tratando-se de ação rescisória ajuizada pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, é competente este Tribunal Regional para o processo e julgamento, incidindo na espécie a tese fixada no TEMA 775/STF, motivo pelo qual passo à análise do pedido formulado. Conforme consta dos IDs nºs 266650654 e 266650656, nos autos nº 1034060-68.2021.8.26.0576, a ré, BIOMAGISTRAL FARMACEUTICA LTDA ME, impetrou em face do CHEFE DO SETOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO/SP mandado de segurança, no qual se insurge contra a impossibilidade de manipular e dispensar medicamentos à base de cannabis sativa, em razão da restrição imposta pela Anvisa, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 327/2019, tendo o v. acórdão proferido pela C. 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob o fundamento que de não existe amparo legal para que seja realizada restrição à atividade da impetrante, mantido a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP, que concedeu a segurança “(...) para o fim de determinar que a autoridade impetrada se abstenha de impor qualquer restrição de autorização sanitária ou funcionamento à impetrante e suas filiais, na aquisição, manipulação e/ou dispensação de produtos tratados na RDC327/2019, industrializados ou manipulados com ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis Sativa, que tenha por fundamento a condição de Farmácia com Manipulação, desde que atendidos os demais requisitos pertinentes.” Tendo a autora, ANVISA, tomado conhecimento da ação originária, que tramitou na Justiça Estadual sem a sua participação, em razão da ré ter impetrado, posteriormente, na Justiça Federal outro mandado de segurança de nº 5001781-96.2022.4.03.6105, visando suspender os efeitos de Termo de Interdição por ela expedido, na qualidade de terceira prejudicada, pretende na ação rescisória, com fulcro nos incisos II e V, do art. 966, a rescisão de v. acórdão proferido no mandado de segurança nº 1034060-68.2021.8.26.0576, transitado em julgado na data de 30/03/2022, conforme certificado nos autos. A par do relatado, atingida a esfera jurídica de quem não figurou na demanda, nos termos do inc. II, do art. 487, do CPC, reconhece-se a legitimidade da ANVISA para propor a ação rescisória como terceiro juridicamente interessado. Assim, regulares os autos, identifica-se, no caso em tela, a hipótese prevista no art. 966, inc. II, do CPC, pelo qual constitui motivo para ação rescisória a decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente. Nos termos da Lei 9.782/99, sendo a atribuição para exercer a fiscalização e a autuação, decorrente do descumprimento de normas federais ligadas à vigilância sanitária, comum entre a União, os Estados e os Municípios (art. 1º), é da ANVISA o exercício da competência regulatória no âmbito da vigilância sanitária e dos produtos que envolvam risco à saúde (art. 7ª, incisos III e IV), a qual editou a Resolução RDC n.º 327/2019 que, nos artigos 15 e 53, estabelecem vedação à composição e comercialização de produtos à base de Cannabis por farmácias de manipulação de fórmulas magistrais: "Art. 15. É vedada a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis spp." "Art. 53. Os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante apresentação de prescrição por profissional médico, legalmente habilitado." Por seu turno, como se vê, o mandado de segurança foi impetrado em face, tão somente, da autoridade pública da vigilância sanitária municipal (São José do Rio Preto), tendo sido as decisões da Justiça Estadual, com base na causa de pedir e pedido veiculados no "writ", centradas nas vedações impostas pela RDC 327/2019 da agência reguladora federal, pondo em xeque a sua regulamentação sobre a manipulação de produtos derivados da Cannabis sativa. Acontece que, ensejando a pretensão o controle de legalidade da RDC 327/2019, não poderia a ação tramitar perante a Justiça Estadual, pois evidente o interesse jurídico da ANVISA, que deveria, necessariamente, figurar no polo passivo, nos termos do art. 114 do CPC (O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes). E, assim sendo, por conseguinte, caracterizada está a incompetência absoluta do órgão julgador, sendo nulo o acórdão proferido pela C. 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e todos os atos decisórios proferidos no processo originário, pois conforme a previsão constitucional, cumpre aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho" (art. 109, I, da CF/88). Tanto assim, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais demonstra diversos julgados proferidos pela Justiça Federal em casos análogos cuja a exegese adotada, menciona-se, é diametralmente oposta à orientação da Justiça Estadual no processo de origem: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ARTIGO 1.021 DO CPC/2015. ARGUMENTOS QUE NÃO ABALAM A FUNDAMENTAÇÃO E A CONCLUSÃO EXARADAS NA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Trata-se de AGRAVO INTERNO interposto por NOVA NATURAL FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO LTDA., nos termos do artigo 1.021 do CPC/2015, contra decisão monocrática proferida por este Relator em 16/4/2021 que negou provimento à apelação interposta pela mesma, “com vistas à declaração de ilegalidade dos artigos 15 e 53 da RDC 327/2019, para o fim de autorizar a autora a dispensar os produtos tratados na RDC 327/2019, sendo eles industrializados ou manipulados e manipular os produtos com ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa - produtos descritos nos artigo 2º, 3º e 4º da mesma Resolução, não podendo haver qualquer restrição de Autorização Sanitária por ser a autora farmácia com manipulação”. 2. A possibilidade de maior amplitude do julgamento monocrático – o que pode ser controlado por meio do agravo – está consoante os princípios que se espraiam sobre todo o cenário processual, tais como o da eficiência (art. 37, CF; art. 8º do NCPC) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF; art. 4º do NCPC). Carece de razoabilidade reduzir a capacidade dos Tribunais de Apelação de resolver as demandas de conteúdo repetitivo e os recursos claramente improcedentes ou não, por meio de decisões unipessoais; ainda mais que, tanto agora como antes, essa decisão sujeita-se a recurso que deve necessariamente ser levado perante o órgão fracionário. 3. O julgado vergastado esclareceu que são plenamente legítimos os dispositivos contestados pelo apelante/agravante, da Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA – RDC nº 327/2019 (que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências) que preveem: Artigo 15: “É vedada a manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis ssp”; Artigo 53: “Os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante apresentação de prescrição por profissional médico, legalmente habilitado”. E ainda assim, a empresa responsável pela solicitação da autorização sanitária do produto de cannabis deve apresentar documentação extensa e complexa descrita em seus artigos 19 e 24. 4. Agravo interno improvido. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5018555-12.2019.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 30/07/2021, DJEN DATA: 04/08/2021) ATOS ADMINISTRATIVOS. PODER REGULAMENTAR. SAÚDE PÚBLICA. ANVISA. COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS. MANIPULAÇÃO DE FÓRMULAS MAGISTRAIS E DISPENSAÇÃO DE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS CONTENDO COMO ATIVOS DERIVADOS VEGETAIS OU FITOFÁRMACOS DA CANNABIS SATIVA. LICENÇAS. RDC 327/19. COMPETÊNCIA LEGAL ATRIBUÍDA À AGÊNCIA REGULADORA PELA LEI 9.782/99. INAPLICABILIDADE DA LEI 13.874/19. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. 1. Cinge-se a controvérsia a examinar a legalidade dos artigos 15 e 53 da Resolução de Diretoria Colegiada - RDC 327/2019, diante da alegação de que a ANVISA teria extrapolado o seu poder regulamentar, ao editar o referido ato, que cria uma nova categoria chamada "produtos derivados de Cannabis". Esses produtos receberam da ANVISA uma Autorização Sanitária para que possam ser comercializados no Brasil, exclusivamente em farmácias (sem manipulação) e drogarias. 2. A Lei 9.782/99, ao definir o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e criar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, prevê a atribuição da ANVISA de "regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública", bem como a competência da referida autarquia para "autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de medicamentos" (art. 2º, III, §1º, II, art. 7º). 3. Nos termos do art. 8º, § 1º, I, incumbe à Agência controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, assim compreendidos medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias. 4. A RDC nº 327/19, que estabelece os requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, não incorre em ilegalidade porque editada no exercício do poder regulamentar atribuído pela autarquia pela Lei 9.782/99. 5. A Lei 13.874/19 tem sua aplicação restrita ao "direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente", não sendo oponível o dever de que trata seu art. 4º, I, à regulamentação de normas de saúde pública. (TRF4, AC 5012892-97.2021.4.04.7200, QUARTA TURMA, Relator MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, juntado aos autos em 26/07/2023) CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. ANVISA. PODER DE POLÍCIA SANITÁRIO. FARMÁCIA. RDC Nº 327/2019. FISCALIZAÇÃO. LEGALIDADE. CANNABIS SATIVA. MANIPULAÇÃO. VEDAÇÃO. EXERCÍCIO DO PODER REGULATÓRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Discute-se a nulidade da RDC nº 327/2019, editada pela ANVISA, a qual dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais. 2. Vislumbra-se que a edição da Resolução ANVISA nº 327/2019 se deu no legítimo exercício do poder regulatório conferido à Agência, com amparo nas disposições da Lei nº 9.782/99 (Art. 2º, incisos I, II e III; Art. 7º, incisos III e IV; Art. 8º, § 1º; e Art. 15, incisos III e IV). Precedente do TRF1. 3. Da análise da RDC nº 327/2019, verifica-se que a ANVISA ao impor a restrição quanto ao uso da Cannabis objetiva garantir a segurança e eficácia, uma vez que a complexidade do produto torna inviável sua utilização em farmácias magistrais. Além disso, o objetivo é evitar desvios ou uso inadequado da substância, visando proteger a saúde da população. 4. Não se evidencia abusiva nem configura ofensa ao princípio da legalidade a regulamentação trazida pela ANVISA sobre a manipulação de produtos derivados da cannabis sativa, restringido o seu uso, já que se insere a atuação dentro das medidas de proteção à saúde. Precedente do TRF1. 5. A ANVISA, cumprindo o seu papel estabelecido na Lei nº 9782/1999, baseou-se em normativas internacionais de fabricação de produtos de Cannabis, de modo a estabelecer os controles necessários para disponibilização de produtos seguros e de qualidade à população brasileira em categoria distinta e adicional à de medicamentos. 6. Pode-se observar que a ANVISA lidou exclusivamente com questões que estão estritamente relacionadas à sua esfera de competência. Portanto, não há qualquer violação ao princípio da legalidade, uma vez que a própria Lei nº 9.782/99 concede à agência sanitária essas atribuições, inclusive de forma explícita, no que diz respeito à comercialização de produtos e insumos que apresentam risco iminente à saúde. 7. Apelação desprovida. (AC 1037951-93.2021.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ALYSSON MAIA FONTENELE (CONV.), TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 24/10/2023) Destaco, ainda. Analisada ação rescisória contendo o mesmo objeto, esta Egrégia Segunda Seção decidiu, recentemente, no mesmo sentido de que o acórdão rescindendo foi proferido por juízo absolutamente incompetente: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO E AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERIU PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO PROFERIDO PELA JUSTIÇA ESTADUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA PELA ANVISA E PARA DECIDIR SOBRE A EXISTÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO QUE JUSTIFIQUE A PRESENÇA DE AUTARQUIA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 598650 – TEMA 775 E ENUNCIADO DA SÚMULA 150 DO STJ. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANVISA NO FEITO ORIGINÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. PRESENÇA DE POSSÍVEL VIOLAÇÃO DO ART. 7º, III, DA LEI Nº 9.782/1999 E DO ART. 114 DO CPC PELO ACÓRDÃO RESCINDENDO, POR INOBSERVÂNCIA DO INTERESSE JURÍDICO DA ANVISA E DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. PRESENÇA DO PERIGO DE DANO DO DIREITO DA ANVISA, ANTE A QUESTIONÁVEL POSSIBILIDADE DE SE AFERIR AS CONSEQUÊNCIAS À SAÚDE DA POPULAÇÃO EM GERAL DECORRENTES DO USO DOS MEDICAMENTO A BASE DE CANNABIS SATIVA. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO DEMONSTRADOS. Por fim, despicienda a análise das demais questões suscitadas pela autora relativas à causa de pedir correspondente à hipótese do artigo 966, inc. V, do CPC, à vista do reconhecimento da incompetência absoluta, é incabível o imediato julgamento do mandado de segurança no caso dos autos, que implicaria em indevida supressão de instância a impedir o rejulgamento neste Tribunal Regional, pois o processo não teve tramitação e regular instrução perante a Justiça Federal. Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na ação rescisória para, em juízo rescindendo, com fulcro no art. 966, inc. II, do CPC, desconstituir o acórdão prolatado 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no processo nº 1034060-68.2021.8.26.0576, e, em juízo rescisório, anulá-lo e a todos atos decisórios dos autos de origem, o qual deverá ser redistribuído a uma das Varas da Justiça Federal São José do Rio Preto/SP. Tendo em vista o baixo valor atribuído à causa (R$ 1.116, 00, em nov./2022), correspondente ao valor dado ao feito de origem atualizado, a condenação à verba honorária sucumbencial fixada na faixa inicial do § 3º do art. 85, do CPC, implicará em montante final irrisório, motivo pelo qual, em atenção ao princípio da equidade (art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC), fixo os honorários advocatícios em R$ 3.000,00 (três mil reais), montante que se mostra em consonância com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, considerados o tempo despendido na tramitação do processo e que a solução da lide não envolveu revolvimento de complexas questões fático jurídicas. É o voto.
1. A questão ora discutida se resume em identificar se a Agravante demonstrou suficientemente, nas razões recursais, a presença dos requisitos ensejadores da concessão da tutela de urgência, de forma a demonstrar o desacerto da decisão monocrática que indeferiu o pedido de liminar.
2. O pedido de reconsideração formulado pela ANVISA não encontra amparo legal na legislação processual civil que rege as matérias tratadas na presente ação rescisória. Não é cabível, portanto, a sua apreciação.
3. Este Tribunal é competente para processar e julgar a presente ação rescisória, ajuizada por órgão descentralizado da União e com o objetivo de desconstituir sentença transitada em julgado proferida por juízo estadual, ao teor da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 598650 - Tema 775 de repercussão geral.
4. Segundo o enunciado da Súmula 150 do Superior Tribunal de Justiça, "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".
5. A ANVISA deveria ter figurado no polo passivo do feito originário como litisconsorte necessário, nos termos do art. 114 do CPC. Isso porque o acórdão rescindendo discorre e se fundamenta explicitamente sobre a suposta ilegalidade de parte da RDC n.º 327/2019 em face da Lei n.º 5.991, de 17 de dezembro de 1973, e da Lei n.º 13.021, de 8 de agosto de 2014, consignando que a agência reguladora teria extrapolado o seu poder regulamentar.
6. É patente o interesse jurídico da ANVISA na demanda originária, e, diante da expressa manifestação da Agência em ingressar no feito, caberia à Justiça Estadual remeter os autos ao juízo federal, nos termos do art. 109, I, da CRFB, e do enunciado da Súmula n.º 150 do STJ.
7. Presença de possível violação de norma jurídica pelo acórdão rescindendo, na medida em que, ao possibilitar a atuação da farmácia de manipulação em contrariedade ao que dispõe o ato normativo editado pela ANVISA no exercício regular de sua competência, sem incluí-la na discussão do processo, há provável ofensa ao art. 7º, III, da Lei nº 9.782/1999 (cuja constitucionalidade do dispositivo legal foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal - STF no âmbito do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n º 4.874/DF), quanto provável ofensa ao art. 114 do CPC.
8. Considerado o atual estágio da ciência sobre a questão fática em exame, apontado pela agência técnica com atribuição legal para regulamentar e fiscalizar a manipulação e a dispensação dos produtos a base de Cannabis, há fundamentado receio de que o direito da ANVISA sofra dano irreparável ou de difícil reparação. Uma vez consumidos tais produtos manipulados e dispensados pela Agravada, é até mesmo questionável a possibilidade de se aferir as consequências à saúde da população em geral decorrentes do uso desses medicamentos, o que poderia tornar praticamente inócuo o fim maior da atividade de vigilância sanitária a cargo da Agravante que é o resguardo da saúde populacional.
9. Presentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela de urgência, é caso de reforma da decisão ora agravada, para que seja deferido o pedido de liminar.
10. Pedido de reconsideração não conhecido. Agravo interno conhecido e provido.
(TRF 3ª Região, 2ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5013405-90.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ADRIANA PILEGGI DE SOVERAL, julgado em 06/03/2024, DJEN DATA: 11/03/2024)
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCISOS II E V DO CPC. RESOLUÇÃO Nº 327/2019. CANNABIS SATIVA. ACÓRDÃO PROFERIDO PELA JUSTIÇA ESTADUAL. INCIDÊNCIA DA TESE 775/STF. LEGITIMIDADE ATIVA DA ANVISA (ART. 487, II, DO CPC). INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO RECONHECIDA. AÇÃO RESCISÓRIA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
O Supremo Tribunal Federal, na apreciação do tema 775 de repercussão geral, fixou a seguinte tese: "Compete ao Tribunal Regional Federal processar ação rescisória proposta pela União com o objetivo de desconstituir sentença transitada em julgado proferida por juiz estadual, quando afeta interesses de órgão federal".
Conquanto proferido o v. acórdão rescindendo pelo Eg, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tratando-se de ação rescisória ajuizada pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, é competente este Tribunal Regional para o processo e julgamento, incidindo na espécie a tese fixada no TEMA 775/STF.
A ré impetrou em face do CHEFE DO SETOR DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO/SP mandado de segurança, no qual se insurge contra a impossibilidade de manipular e dispensar medicamentos à base de cannabis sativa, em razão da restrição imposta pela Anvisa, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 327/2019, tendo o v. acórdão proferido pela C. 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob o fundamento que de não existe amparo legal para que seja realizada restrição à atividade da impetrante, mantido a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José do Rio Preto/SP, que concedeu a segurança “(...) para o fim de determinar que a autoridade impetrada se abstenha de impor qualquer restrição de autorização sanitária ou funcionamento à impetrante e suas filiais, na aquisição, manipulação e/ou dispensação de produtos tratados na RDC327/2019, industrializados ou manipulados com ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis Sativa, que tenha por fundamento a condição de Farmácia com Manipulação, desde que atendidos os demais requisitos pertinentes.”
Atingida a esfera jurídica de quem não figurou na demanda, nos termos do inc. II, do art. 487, do CPC, reconhece-se a legitimidade da ANVISA para propor a ação rescisória como terceiro juridicamente interessado.
Identifica-se a hipótese prevista no art. 966, inc. II, do CPC, pelo qual constitui motivo para ação rescisória a decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente.
Nos termos da Lei 9.782/99, sendo a atribuição para exercer a fiscalização e a autuação, decorrente do descumprimento de normas federais ligadas à vigilância sanitária, comum entre a União, os Estados e os Municípios (art. 1º), é da ANVISA o exercício da competência regulatória no âmbito da da vigilância sanitária e dos produtos que envolvam risco à saúde (art. 7ª, incisos III e IV), a qual editou a Resolução RDC n.º 327/2019 que, nos artigos 15 e 53, estabelecem vedação à composição e comercialização de produtos à base de Cannabis por farmácias de manipulação de fórmulas magistrais.
Ensejando a pretensão o controle de legalidade da RDC 327/2019, não poderia a ação tramitar perante a Justiça Estadual, pois evidente o interesse jurídico da ANVISA, que deveria, necessariamente, figurar no polo passivo, nos termos do art. 114 do CPC (O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes).
Por conseguinte, caracterizada está a incompetência absoluta do órgão julgador, sendo nulo o acórdão proferido pela C. 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e todos os atos decisórios proferidos no processo originário, pois conforme a previsão constitucional, cumpre aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho" (art. 109, I, da CF/88).
Tanto assim, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais demonstra diversos julgados proferidos pela Justiça Federal em casos análogos cuja a exegese adotada, menciona-se, é diametralmente oposta à orientação da Justiça Estadual no processo de origem.
Despicienda a análise das demais questões suscitadas pela autora relativas à causa de pedir correspondente a hipótese do artigo 966, inc. V, do CPC, à vista do reconhecimento da incompetência absoluta, é incabível o imediato julgamento do mandado de segurança no caso dos autos, que implicaria em indevida supressão de instância a impedir o rejulgamento neste Tribunal Regional, pois o processo não teve tramitação e regular instrução perante a Justiça Federal.
Ação rescisória parcialmente procedente.