Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Seção

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5034800-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - 2ª VARA FEDERAL

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - JEF

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: SIDNEY ROBERTO PINTO DE VASCONCELOS
 

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: ARIANE APARECIDA DE MARINS ANDRADE - SP435429-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Seção
 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5034800-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - 2ª VARA FEDERAL

 

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - JEF

 

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: SIDNEY ROBERTO PINTO DE VASCONCELOS
 

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: ARIANE APARECIDA DE MARINS ANDRADE - SP435429-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Conflito Negativo de Competência deflagrado pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Piracicaba, tendo como suscitado o Juízo do Juizado Especial Federal de Piracicaba, em sede de ação em que se pleiteia a concessão do benefício denominado bolsa família.

O feito foi distribuído ao Juízo do JEF de Piracicaba, que, entendendo que “a parte autora se volta contra decisão administrativa que cancelou o pagamento do benefício assistencial de bolsa-família”, declinou em favor do Juízo da 2ª Vara Federal de Piracicaba, por se tratar de hipótese de cancelamento de ato administrativo de natureza não previdenciária ou de lançamento fiscal, cujo trâmite é vedado perante aquele Juizado (art. 3º, § 1º, Lei 10.259/2001).

O Juízo da 2ª Vara Federal de Piracicaba, por sua vez, suscitou o presente conflito, sustentando que o valor da causa é inferior a sessenta salários mínimos, não se colhendo “da narrativa inicial dos fatos, bem como dos documentos apresentados, ... que o autor percebia o benefício, tampouco há prova da prática de qualquer ato administrativo que tenha determinado seu cancelamento”. Assevera a competência do Juizado para o conhecimento do pedido, considerando não se vislumbrar as hipóteses previstas no § 1º do artigo 3º da Lei 10.259/2001.

O conflito foi distribuído no âmbito do c. Órgão Especial desta Corte, que declinou da competência para a Primeira Seção, sede na qual se designou o Juízo suscitado para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.

O Ministério Público Federal opinou pela procedência do conflito.

Houve novo declínio de competência para a 2ª Seção, cabendo-me a relatoria do conflito.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Seção
 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5034800-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. WILSON ZAUHY

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - 2ª VARA FEDERAL

 

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PIRACICABA/SP - JEF

 

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: SIDNEY ROBERTO PINTO DE VASCONCELOS
 

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: ARIANE APARECIDA DE MARINS ANDRADE - SP435429-A

 

 

 

V O T O

 

 

 

Inicialmente, reafirmo a competência da e. Segunda Seção para o julgamento do presente conflito.

Como bem fundamentado pelo e. Desembargador Jose Carlos Francisco, ao declinar da competência, “de acordo com o art. 11 da Lei nº 14.601/2023, as despesas do Programa Bolsa Família serão custeadas por dotações orçamentárias da União alocadas ao Programa Auxílio Brasil, dotações orçamentárias da União alocadas ao Programa Bolsa Família e outros recursos financeiros de fontes nacionais e internacionais destinados à implementação do Programa Bolsa Família. Nos termos do art. 15, foi atribuída à Caixa Econômica Federal a função de agente operador e pagador do programa”.

Fica evidente não se tratar, no caso, de benefício previdenciário ou mesmo de benefício inserido na estrutura de Assistência Social mantida pelo país, de molde a justificar a competência da Terceira Seção desta e. Corte.

Em verdade, trata-se de programa de transferência de renda, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Destinado a “garantir renda para as famílias em situação de pobreza, o Programa Bolsa Família busca integrar políticas públicas, fortalecendo o acesso das famílias a direitos básicos como saúde, educação e assistência social. O Bolsa Família busca promover a dignidade e a cidadania das famílias também pela atuação em ações complementares por meio de articulação com outras políticas para a superação da pobreza e transformação social, tais como esporte, ciência e trabalho” (https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/bolsa-familia).

Em caso análogo, no qual se discutia a competência para o julgamento do auxílio emergencial criado pela Lei nº 13.982/2020 – pago a desempregados, microempreendedores, contribuintes individuais do RGPS e trabalhadores informais -, o c. Órgão Especial deste tribunal assentou tratar-se de prestação pública, afeta, portanto, à seara do Direito Administrativo. Confira-se:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUXÍLIO EMERGENCIAL. PRESTAÇÃO QUE NÃO SE ENCONTRA NO ÂMBITO DE ATRIBUIÇÕES DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DAS TURMAS QUE COMPÕEM A SEGUNDA SEÇÃO. CONFLITO IMPROCEDENTE.

I – Nos termos do art. 10, §3º, do Regimento Interno deste Tribunal, “À Terceira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos à Previdência e Assistência Social, excetuada a competência da Primeira Seção.”

II- A Assistência Social encontra a descrição de seu programa normativo nos arts. 203 e 204, da CF. Por sua vez, a estruturação concreta do modelo constitucional mencionado é promovida pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93).

III- A Lei nº 8.742/93 confere à Assistência Social uma organização própria, possuindo como órgão deliberativo superior o Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. A execução das ações sociais ocorre por meio do Sistema Único de Assistência Social (Suas), com observância das diretrizes traçadas na Política Nacional de Assistência Social – PNAS, sendo que suas atividades são financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS.

IV- O Capítulo IV, da Lei nº 8.742/93, intitulado “Dos Benefícios, dos Serviços, dos Programas e dos Projetos de Assistência Social”, detalha os serviços, programas e benefícios cuja prestação cabe à Assistência Social. Ali, são estabelecidas duas espécies de benefícios: A) o benefício de prestação continuada (art. 20); e, B) os benefícios eventuais (art. 22), consistentes nas “provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas”. É assentado, ainda, que compete à Assistência Social: 1) prestar serviços socioassistenciais voltados à melhoria de vida da população (Seção III); 2) promover programas de assistência social, por meio de ações integradas e complementares, com vistas a incentivar e melhorar os serviços assistenciais (Seção IV); 3) e realizar projetos de enfrentamento da pobreza (Seção V).

V- A Assistência Social abrange um conjunto específico de serviços, programas e prestações financeiras, geridas e executadas dentro de uma estrutura particularmente organizada com esta finalidade, contando com seus próprios órgãos deliberativos e forma de financiamento.

VI- Constata-se que nem todo programa ou prestação econômica de caráter social disponibilizada pela União e pelos demais órgãos federais se encontra a cargo da estrutura da “Assistência Social”. É o que ocorre, por exemplo, com o Programa Bolsa Família, que, não obstante sua inegável importância social, adota modelo próprio de gestão (Conselho Gestor Interministerial do Programa Bolsa Família – art. 4º da Lei nº 10.836/04 e art. 24, inc. V da Lei nº 13.844/19), bem como de financiamento e gerenciamento de recursos (arts. 6º e 7º da Lei nº 10.836/04).

VII- De forma semelhante, o programa relativo ao auxílio emergencial não se encontra inserido entre as atribuições dos órgãos que compõem a estrutura da “Assistência Social”.

VIII- A Lei nº 13.982/2020, que instituiu o referido programa, deliberadamente deixou de integrar o regramento do auxílio emergencial à Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93), a qual apenas é mencionada no art. 1º do referido Diploma.

IX- Apesar da brevidade das regras trazidas na Lei nº 13.982/2020, é seguro afirmar que o auxílio emergencial não é gerido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, não é financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, nem é operacionalizado pelo INSS ou pelos órgãos do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Além disso, o auxílio emergencial não integra a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, assim como não se encontra previsto em nenhuma das normas que regem a Assistência Social.

X- O auxílio emergencial não se encontra inserido no âmbito da Assistência Social. Precedentes da E. Corte Especial do TRF-4ª Região: CC nº 5019813-75.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado, v.u., j. 27/08/2020; CC nº 5018344-91.2020.4.04.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, v.u., j. 29/06/2020.

XI- O auxílio emergencial constitui um programa de transferência de renda gerido por órgãos federais, ostentando a natureza de relação jurídica de direito público – mais propriamente, afeta ao Direito Administrativo -, na qual o particular busca perante a Administração a obtenção de uma prestação pública.

XII- Reconhecida a competência da E. Quarta Turma desta Corte para o julgamento da demanda de Origem, nos termos do art. 10, §2º, do Regimento Interno do TRF-3ª Região.

XIII- Conflito de competência improcedente.” (CC 5003830-29.2021.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Newton de Lucca, j. 9.6.2021, DJEN 14.6.2021) (grifei)

 

Entendo que a mens do precedente citado, embora se trate de benefício diverso, quadra ao caso presente, em que se tem uma prestação do Poder Público, sem que se verifique vinculação, pelo legislador, ao Sistema da Previdência ou da Assistência Social.

Competente, portanto, a Segunda Seção para o julgamento do conflito.

Ultrapassado o ponto, tenho que assiste razão ao Suscitante.

Embora o autor, na origem, intitule a ação como “de obrigação de fazer (restabelecimento pagamento do bolsa família) c/c tutela de urgência e indenização por danos morais”, chegando mesmo a pleitear o mencionado restabelecimento do benefício, fato é que na exordial esclarece, verbis:

 

“O requerente se inscreveu no Programa Social Bolsa Família em fevereiro deste ano, para cadastramento, visando, desse modo, receber o benefício social instituído.

Preencheu todas as informações básicas necessárias à avaliação de seu pedido ...

Ocorre que, desde então, vem aguardando um retorno quanto a sua solicitação, tendo ido CRAS – Centro de Referencia de Assistência Social da cidade de Piracicaba diversas vezes e nunca teve qualquer retorno, só efetuava novos cadastros e recebia novos números de protocolos.

Com efeito, Excelência, importa ressaltar que esse benefício é a única renda para o sustento do requerente e do seu filho que é totalmente dependente da mesma, haja vista que vive sozinha com seu filho de 3 anos, sem ajuda de terceiros, conforme registro no Cadastro Único, consta em anexo.

...

Posto isso, o autor requer a intervenção do poder judiciário, para determinar a concessão do benéfico (sic) liminarmente, haja vista que, conforme restou comprovado nos autos, o autor cumpre todos os requisitos legais de recebimento.” (ID 283999854, p. 3, 4) (grifei)

 

Em consulta ao PJe de Primeira Instância, também não se constata a juntada, pelo autor, de qualquer documento que apontasse ter ocorrido um prévio indeferimento na seara administrativa.

Não se trata, assim, de hipótese de pretensão de anulação de ato administrativo que inviabilizasse a tramitação do feito de origem perante o Juizado.

E sendo o valor da causa originária inferior a sessenta salários mínimos, competente o Juízo do JEF para o julgamento do processo.

Face ao exposto, julgo procedente o conflito para declarar a competência do Juízo do Juizado Especial Federal de Piracicaba para o processamento do feito de origem.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO EM QUE SE POSTULA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DENOMINADO BOLSA FAMÍLIA. PRESTAÇÃO PÚBLICA AFETA À SEARA DO DIREITO ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO PARA O JULGAMENTO DO CONFLITO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL.

1. Conflito de competência deflagrado pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Piracicaba, tendo como suscitado o Juízo do Juizado Especial Federal de Piracicaba, em sede de ação em que se pleiteia a concessão do benefício denominado bolsa família.

2. Não se trata, no caso, de benefício previdenciário ou mesmo de benefício inserido na estrutura de Assistência Social mantida pelo país, de molde a justificar a competência da Terceira Seção desta Corte.

3. Aplicação de precedente do Órgão Especial deste tribunal, no qual se discutia a competência para o julgamento do auxílio emergencial criado pela Lei nº 13.982/2020 – pago a desempregados, microempreendedores, contribuintes individuais do RGPS e trabalhadores informais -, restando assentado tratar-se de prestação pública, afeta, portanto, à seara do Direito Administrativo (CC 5003830-29.2021.4.03.0000).

4. A mens do referido precedente, embora se trate de benefício diverso, quadra ao caso presente, em que se tem uma prestação do Poder Público, sem que se verifique vinculação, pelo legislador, ao Sistema da Previdência ou da Assistência Social.

5. Competente, portanto, a Segunda Seção para o julgamento do conflito.

6. Embora o autor, na origem, intitule a ação como “de obrigação de fazer (restabelecimento pagamento do bolsa família) c/c tutela de urgência e indenização por danos morais”, chegando mesmo a pleitear o mencionado restabelecimento do benefício, fato é que na exordial esclarece ter requerido o benefício na seara administrativa e “desde então, vem aguardando um retorno quanto a sua solicitação”.

7. Em consulta ao PJe de Primeira Instância, também não se constata a juntada, pelo autor, de qualquer documento que apontasse ter ocorrido um prévio indeferimento na seara administrativa.

8. Não se trata, assim, de hipótese de pretensão de anulação de ato administrativo que inviabilizasse a tramitação do feito de origem perante o Juizado. E sendo o valor da causa originária inferior a sessenta salários mínimos, competente o Juízo do JEF para o julgamento do processo.

9. Conflito de competência julgado procedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Seção, por unanimidade, decidiu julgar procedente o conflito para declarar a competência do Juízo do Juizado Especial Federal de Piracicaba para o processamento do feito de origem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.