Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026410-86.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INTERATIVA FACILITIES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: AUGUSTO CESAR ROCHA VENTURA - GO12539-A, PAULO HENRIQUE HORACIO DE OLIVEIRA - GO57864-A, RODRIGO GONCALVES MONTALVAO - GO23441-A, SAMUEL MARTINS GONCALVES - GO17385-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026410-86.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INTERATIVA FACILITIES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: AUGUSTO CESAR ROCHA VENTURA - GO12539-A, PAULO HENRIQUE HORACIO DE OLIVEIRA - GO57864-A, RODRIGO GONCALVES MONTALVAO - GO23441-A, SAMUEL MARTINS GONCALVES - GO17385-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:  

 

R E L A T Ó R I O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):     

Trata-se de apelação interposta pelo Interativa Facilities Ltda contra a r. sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva do INSS, indeferindo a inicial e julgando extinto o processo sem análise do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, bem como julgou improcedente o pedido, além da condenação da parte autora ao pagamento custas processuais e honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (rateados entre os réus), nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC (ID 289019212). 

Em suas razões recursais a apelante alega, em breve síntese, que a Lei n. 14.151/2.021 indevidamente imputou ao empregador a obrigação quanto ao pagamento da remuneração das empregadas gestantes (afastadas do trabalho presencial durante a pandemia do Covid-19). 

Por fim, defende a apelante que o ônus financeiro decorrente do afastamento da empregada gestante deverá ser suportado pela coletividade e não pelo empregador. 

Postula o provimento do recurso para reformar a r. sentença apelada para o fim de imputar à apelada a responsabilidade pela renumeração devida às empregadas gestantes (Lei n. 14.151/2021), bem como autorizar a compensação dos valores pagos indevidamente. 

Contrarrazões (ID 289019227). 

É o relatório. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026410-86.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: INTERATIVA FACILITIES LTDA

Advogados do(a) APELANTE: AUGUSTO CESAR ROCHA VENTURA - GO12539-A, PAULO HENRIQUE HORACIO DE OLIVEIRA - GO57864-A, RODRIGO GONCALVES MONTALVAO - GO23441-A, SAMUEL MARTINS GONCALVES - GO17385-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

                 

                                                                                     V O T O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):     

Pretende a Apelante o enquadramento do afastamento das empregadas gestantes de suas atividades como salário-maternidade, durante o período de emergência decorrente da Covid-19, com consequente compensação do valor. 

É cediço que, com a finalidade de preservar a saúde da gestante durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, a Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o afastamento compulsório das empregadas nessa condição, sem prejuízo de sua remuneração, mantendo-se à disposição do empregador para a realização de outras atividades por meio de teletrabalho ou trabalho remoto.  

Cuida-se, à evidência, de situação excepcional e que, à luz do disposto no artigo 201, inciso II, da Constituição da República, que instituiu política pública de proteção à mãe e ao nascituro, busca, até que se estabeleça o controle sanitário da pandemia, proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade.  

A respeito dos ônus decorrentes deste afastamento compulsório das empregadas gestantes, deve-se considerar que, na tramitação do projeto de lei, foi apresentada emenda ao projeto, propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade, tendo sido a proposta rejeitada.  

Não bastasse, recentemente, o Congresso Nacional elaborou projeto de lei que, após sanção presidencial, recebeu o nº 14.311/2022, modificando a Lei nº 14.151/2021 em alguns aspectos, sendo certo que o retromencionado projeto previa a inclusão do § 4º, no art. 1º da Lei 14.151/2021, que tratava justamente da equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade. Contudo, o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República.  

Assim sendo, resta evidente que se trata de obrigação do empregador custear o salário de sua empregada gestante, durante o período da pandemia, não podendo tal ônus ser transferido para o poder público.  

Ademais, ao se dilatar o prazo de fruição do salário-maternidade, restaria apresentado alto potencial de alteração de despesa obrigatória relacionada à concessão de benefícios previdenciários, o que violaria o disposto no § 5º, do art. 195, da Constituição da República, e colocaria sob risco material a sustentabilidade do Regime Geral de Previdência Social.  

Outrossim, representa risco potencial de afronta ao inciso III, do caput, do art. 167, da Constituição, caso haja necessidade de contratação de operação de crédito para sua operacionalização, bem como viola o disposto no art. 107, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, além de ir de encontro ao regramento da disciplina fiscal previsto nos art. 15, art. 16 e art. 24 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, e nos art. 124 e art. 125 da Lei nº 14.194, de 20 de agosto de 2021 - Lei de Diretrizes Orçamentárias 2022.”  

Diante desse quadro, no qual, num primeiro momento, a não concessão do benefício decorreu de opção do legislador e, posteriormente, por decisão do Poder Executivo, não há como a questão ser superada pelo Poder Judiciário, imiscuindo-se na atribuição dos demais poderes da República.  

Isso porque, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o juiz somente poderá decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, na hipótese de omissão da lei, o que não se verifica na situação em exame.  

Não cabe ao Poder Judiciário suprir a decisão legislativa e atuar como legislador positivo, consoante entendimento jurisprudencial sedimento pelo Supremo Tribunal Federal: “não é dado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, mas apenas como legislador negativo nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade” (RE 493234 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 27/11/2007).  

Não há espaço ao Poder Judiciário, portanto, para substituir a vontade manifestada pelo Legislador, evidenciando a impossibilidade de concessão do salário maternidade ou de qualquer outro benefício previdenciário (auxílio-doença) na presente hipótese.  

Finalmente, com relação ao pedido de compensação do valor pago a título de salário-maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, necessário mencionar, ainda, que não compete ao Poder Judiciário instituir benefício tributário sem previsão no ordenamento jurídico, eis que versa sobre disponibilidade de crédito público, considerando não ter atribuição legal ou constitucional para fazê-lo.  

Neste sentido, já decidiu este Egrégio Tribunal Regional Federal:  

"APELAÇÃO. INTERESSE DE AGIR DEMONSTRADO. LEI Nº 14.151/2021. AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE DO TRABALHO PRESENCIAL DURANTE A EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO. EQUIPARAÇÃO AO SALÁRIO-MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.  

I. Preliminarmente, o interesse processual, segundo parte considerável da doutrina processualista, revela-se no binômio necessidade/utilidade. Prelecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery que existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 8ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 700). Consoante alguns doutrinadores, a indigitada condição da ação traduz-se, na verdade, em um trinômio, composto por necessidade/utilidade/adequação.  

II. Segundo a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação são aferidas conforme a teoria da asserção, ou seja, tão somente a partir do que foi narrado na petição inicial. Com efeito, tudo que exige cotejo probatório pertence ao mérito, pois, na análise das condições da ação, "se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão" (Direito e Processo, São Paulo: RT, 1995, p. 78)." (BEDAQUE, José Roberto Santos, apud REsp 1157383/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 17/08/2012). Neste sentido, o E. STJ, no julgamento do REsp 1551968/SP sob a sistemática dos recursos repetitivos, já decidiu que, quanto às condições da ação, "prevalece a teoria da asserção" (Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016). Neste contexto, da leitura da exordial, denota-se que há interesse de agir da parte autora quanto à interpretação a ser dada à Lei n.º 14.151/21 em relação à situação narrada, devendo ser anulada a r. sentença.   

III. No caso dos autos, imprescindível relatar, sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, que o art. 1º da Lei nº 14.151/2021 ordenou o seguinte: Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração. Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.  

IV. Há expressa previsão legal, portanto, determinando que no tempo em que perdurar a situação pandêmica do Coronavírus (COVID-19), as trabalhadoras grávidas sejam afastadas do labor presencial e fiquem à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de desempenho à distância.  

V. Cuida-se, à evidência, de situação excepcional e que busca proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição das atividades presenciais pelo sistema de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições, eventual impossibilidade desta modalidade de exercício em alguma área específica não tem o condão de alterar a legis, sequer a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício previdenciário, in casu, o salário-maternidade.  

VI. Anote-se que nos ditames do art. 71 da Lei nº 8.213/91, "O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade". Desta feita, não ocorrida a condição legal para o dispêndio do benefício, inexiste falar em responsabilidade da Autarquia Previdenciária pelo desembolso de remuneração devida às empregadas em estado gestacional que, em virtude do tipo de atuação, estejam impossibilitadas de trabalhar remotamente.  

VII. No caso vertente, não restou comprovada inequivocamente a incompatibilidade da atividade exercida pelas empregadas grávidas com o home office ou que não possam ser aproveitadas/readaptadas em outras áreas da empresa, salientando-se, ademais, que ocasional incompatibilidade do labor exercido com o regime de teletrabalho/remoto, deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS de algum tipo de ressarcimento, até porque na Lei de sua instituição e nas normativas que regulamentam suas funções, ausentes previsões de tal natureza.  

VIII. Quanto ao pedido de compensação tributária, necessário mencionar, ainda, que não compete ao Poder Judiciário instituir benefício tributário sem previsão no ordenamento jurídico, eis que versa sobre disponibilidade de crédito público, considerando não ter atribuição legal ou constitucional para fazê-lo.    

IX. Apelação parcialmente provida, para anular a sentença e julgar improcedente o feito.

(ApCiv 5035383-30.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - 1ª Turma, DATA: 07/10/2022) (grifos)  

Assim sendo, não merecem prosperar as alegações da apelante. 

Dos Honorários.    

Por fim, nos termos do art. 85, § 3º, I e 11º, do CPC, majoro a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição em 1% (um por cento).

Ante o exposto, nego provimento à Apelação. 

É o voto.  



                                                                  E M E N T A

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. PANDEMIA COVID-19. EMPREGADAS GESTANTES. AFASTAMENTO. TRABALHO REMOTO. IMPEDIMENTO. NATUREZA DAS ATIVIDADES. REMUNERAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE. ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO AFASTADO.  

- Pretende a Apelante o enquadramento do afastamento das empregadas gestantes de suas atividades como salário-maternidade, durante o período de emergência decorrente da Covid-19, com consequente compensação do valor. 

- Com a finalidade de preservar a saúde da gestante durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, a Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o afastamento compulsório das empregadas nessa condição, sem prejuízo de sua remuneração, mantendo-se à disposição do empregador para a realização de outras atividades por meio de teletrabalho ou trabalho remoto. 

- Não pode o Poder Judiciário substituir a vontade manifestada do Legislador, evidenciando a impossibilidade de concessão do salário maternidade ou de qualquer outro benefício previdenciário (auxílio-doença) na presente hipótese. 

- Hipótese que não é de lacuna da lei, mas de opção política do legislador. Precedentes. 

- Afastado o pedido de compensação, porquanto não compete ao Poder Judiciário instituir benefício tributário sem previsão no ordenamento jurídico. 

- Honorários. De rigor a majoração dos honorários, nos termos do art. 85, § 3º, I e § 11º, do CPC, para o fim de acrescer 1% (um por cento) sobre o valor fixado na r. sentença.          

- Apelação desprovida.   


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.