Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004164-44.2008.4.03.6002

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: MUNICIPIO DE VICENTINA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE AGUIAR BASTOS - MS6052-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004164-44.2008.4.03.6002

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: MUNICIPIO DE VICENTINA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE AGUIAR BASTOS - MS6052-A

APELADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO FUNAI, UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): 

Trata-se de Apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE VICENTINA/MS (ID  99723600 – p. 30/39) contra sentença proferida pelo r. Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS que, em ação ordinária ajuizada em face da FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS – FUNAI e da UNIÃO, extinguiu o feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 (ID 117314946 – p. 105/109).

Condenou-se a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada um dos réus.

Sustenta, em síntese, que será diretamente afetado pelos atos praticados pelos réus, consistentes na demarcação de terras indígenas abrangendo 26 municípios do Estado de Mato Grosso do Sul.

Afirma pretender a declaração de ineficácia do Compromisso de Ajuste de Conduta – CAC, firmado em 12.11.2007, entre os ora apelados ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade, tendo em vista a existência de simulação.

Aduz a sua legitimidade ativa para o pleito em questão, o que estaria respaldado pela previsão contida nos arts. 2º, § 8º do Decreto n. 1.775/96 c.c. 2º, caput, da Lei n. 6.001/73 – Estatuto do Índio.

Acrescenta que a sua legitimidade estaria embasada, ainda, nos efeitos decorrentes da demarcação em questão, a qual impactaria significativamente em sua arrecadação, além de outros efeitos de caráter sócio-econômicos, tais como, empregabilidade, saúde pública, renda per capita, etc.

Alega que a nulidade do CAC decorre da unilateralidade do ato questionado, não tendo havido a participação de lideranças dos grupos envolvidos com o apelante ou de representantes dos produtores rurais e do Estado do Mato Grosso do Sul.

Assevera que o CAC seria resultado de um ato simulado, uma vez que as reuniões com o Ministério Público Federal teriam sido fundamentadas na necessidade de estudos urgentes, quando, em verdade, a FUNAI já havia realizado estudo e desenvolvido um plano de atuação no ano de 2007.

Aponta a existência de outras ações nas quais se discute a aplicação do marco temporal quanto à demarcação de terras indígenas e suscita o prequestionamento quanto aos dispositivos legais em discussão.

Requer o provimento do recurso para reformar a sentença recorrida, julgando-se procedentes os pedidos formulados na inicial, bem como a anulação da condenação ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista, ainda, a sua isenção.

Intimada, a FUNAI apresentou contrarrazões (ID 117314946 – p. 140/161).

O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso de apelação (ID 117314946 – p. 166/172).

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004164-44.2008.4.03.6002

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: MUNICIPIO DE VICENTINA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE AGUIAR BASTOS - MS6052-A

APELADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO FUNAI, UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):

 

Diante da assunção do acervo correspondente ao presente recurso em 13.04.2023 (ATO PRES n. 4733, de 13.04.2023), procedo à sua análise, considerando a data da respectiva interposição, ocorrida em 03.01.2013. 

DA ILEGITIMIDADE ATIVA

A presente ação foi ajuizada pelo Município de Vicentina/MS objetivando a declaração de ineficácia do Compromisso de Ajustamento de Conduta - CAC celebrado entre o Ministério Público Federal e a FUNAI, em 12.11.2007 ou, subsidiariamente, a correspondente declaração de nulidade pela existência de simulação.

Do exame dos autos, tem-se que, por meio do aludido CAC (ID 117314936 – p. 94/104) foi detalhado à FUNAI o dever de constituir Grupos Técnicos – GT, coordenados por antropólogos especialistas com vistas à identificação e delimitação, sem prejuízos de outros, das Terras Indígenas nele descritas.

Colhe-se do capítulo introdutório do documento apontado que tal compromisso deu-se, fundamentalmente, em cumprimento ao art. 231, § 1º, da Constituição da República (Art. 231, § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições), bem como ao art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (Art. 67. A União concluíra a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição).

É certo que a titularidade das terras em questão, bem como a atribuição para a correspondente demarcação, conforme demonstrado anteriormente, é da União (art. 22, XI, CR).

No contexto apresentado, não se vislumbra afronta a bem jurídico de interesse do apelante, ao menos na fase processual existente à época do ajuizamento da ação. Isso porque, a simples instauração de equipes de trabalho corresponde a clara determinação constitucional, tratando-se, ainda, da delimitação de procedimentos administrativos necessários ao passo seguinte, qual seja, a instauração do correspondente processo administrativo para a demarcação das respectivas áreas, se for o caso.

Saliente-se, outrossim, que, uma vez instaurado o mencionado processo administrativo, o município poderá se manifestar, nos termos do art. 2º, § 8º do Decreto n. 1.775/1996, que prevê tal possibilidade.

No contexto apresentado, a simples alegação de que a demarcação de terras indígenas refletirá diretamente na extensão territorial do município e, consequentemente, em sua arrecadação não é suficiente para afastar a conclusão apontada pelo r. Juízo de primeiro grau de que não se está a defender direito local, mas, sim, direito alheio, tratando-se de aplicação do art. 6º do Código de Processo Civil.

Sublinhe-se, ainda, que a pretensão do apelante, segundo as suas alegações, estaria fundamentada no impacto socioeconômico que a demarcação das terras indígenas abrangidas pelas Portarias n. 788, 789, 790, 791, 792 e 793, expedidas pela FUNAI, teriam em seu território. Ocorre que, dentre as portarias mencionadas, somente a de número 789 refere-se a terra indígena localizada no município de Vicentina/MS (ID 117314937 – p. 12/17).

Assim, seja qual for a perspectiva sob a análise, conclui-se pela manutenção da sentença, em razão da ilegitimidade ativa do apelante para a pretensão veiculada na presente ação.

A esse respeito, esta Corte Regional manifestou-se no mesmo sentido, reiteradamente, conforme ementas a seguir transcritas:

                                                         

CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE DO MÉRITO. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. COMPROMISSO DE AJUSTE DE CONDUTA. MPF E FUNAI.  MUNICÍPIO AUTOR. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSOS PROVIDOS.

1. Constatada a incongruência da sentença com os limites do pedido e da causa de pedir exposta na inicial, tendo vista que o provimento jurisdicional respaldou-se em fundamentos jurídicos divergentes daqueles que embasam a pretensão autoral, bem como conferiu tutela diversa daquela requerida pela parte autora.

2. Configurada violação aos princípios do dispositivo e da correlação, impõe-se a anulação da sentença, por inobservância do pedido e dos fundamentos jurídicos formulados pelo Autor (art. 492, do Código de Processo Civil). Encontrando-se o processo em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito (art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil).

3. A demarcação de terras indígenas decorre do reconhecimento constitucional do direito originário dos índios à posse permanente e ao usufruto exclusivo sobre as terras tradicionalmente ocupadas, cuja propriedade é da União (art. 20, XI, da Constituição da República).

4. À União é determinada a conclusão da demarcação das terras indígenas, conforme dispõe o art. 67, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Em sede infraconstitucional, a matéria encontra-se disciplinada pelos artigos 17 a 21, da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio).

5. Com respaldo no arcabouço normativo que rege a matéria, foi firmado Compromisso de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Federal e a FUNAI, com o escopo de implementar os procedimentos administrativos necessários à tutela efetiva do direito originário das comunidades indígenas às terras tradicionalmente ocupadas.

6. O Município de Fátima do Sul/MS não integrou o referido acordo e tampouco possui interesse jurídico em sua anulação, porquanto o Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado tem por finalidade, exclusivamente, a efetivação da atribuição legal da FUNAI de promover os atos administrativos necessários à consecução do comando constitucional de demarcação de terras indígenas. Possíveis questionamentos acerca dos reflexos de eventual procedimento demarcatório sobre a esfera jurídica da parte autora poderão ser oportunamente suscitados pelo Município, no curso de procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, consoante preceitua o art. 2º, § 8º, do Decreto nº 1.775/1996.

7. Tendo em vista que a parte autora não integra a relação jurídica subjacente ao Compromisso de Ajustamento de Conduta impugnado, é de rigor o reconhecimento de ausência de legitimidade ativa, extinguindo-se o feito sem resolução do mérito. Precedentes.

8. Remessa necessária e recursos de apelação providos para anular a sentença recorrida e, com fulcro no art. 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil, extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1750665 - 0004161-89.2008.4.03.6002, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 31/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/11/2017)

No mesmo sentido, registrem-se os seguintes precedentes: TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2008978 - 0001991-38.2008.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 03/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/10/2017;                        TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1649955 - 0000077-62.2010.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/08/2017; TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 411812 - 0020769-58.2010.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, julgado em 16/11/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2010 PÁGINA: 175.

DA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

O Apelante insurge-se, ainda, contra a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais, por entender possuir a prerrogativa de isenção quanto a tais verbas.

Da análise da sentença recorrida, extrai-se que constou na sentença que a condenação em custas processuais seria ex lege. Sendo assim, é importante consignar que os municípios são isentos do pagamento de custas processuais conforme disposto no art. 4º da Lei n. 9.289/96, bem como no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal - item 1.1.5.

Todavia, tal isenção não abrange as verbas honorárias, as quais possuem natureza alimentar, caracterizando, portanto, direito subjetivo do advogado (Súmula Vinculante n. 47).

No contexto apresentado, mantém-se a condenação do apelante ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos fixados na sentença.

Incabível a condenação em honorários recursais, tendo em vista a publicação da sentença recorrida na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (EAREsp n. 1.255.986/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 20/3/2019, DJe de 6/5/2019). 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, somente para explicitar a isenção do apelante quanto ao pagamento das custas processuais, mantendo-se, contudo, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. MPF E FUNAI. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. CONDENAÇÃO EM VERBAS HONORÁRIAS SUCUMBENCIAIS.

- Ação ajuizada pelo Município de Vicentina/MS objetivando a declaração de ineficácia do Compromisso de Ajustamento de Conduta - CAC celebrado entre o Ministério Público Federal e a FUNAI, em 12.11.2007, ou, subsidiariamente, a correspondente declaração de nulidade pela existência de simulação.

- Objeto do compromisso cinge-se à imposição à FUNAI do dever de constituir Grupos Técnicos – GT, coordenados por antropólogos especialistas com vistas à identificação e delimitação, sem prejuízos de outros, das Terras Indígenas nele descritas.

- Não se vislumbra afronta a bem jurídico de interesse do apelante, ao menos na fase processual existente à época do ajuizamento da ação. A simples instauração de equipes de trabalho corresponde a clara determinação constitucional, tratando-se, ainda, da delimitação de procedimentos administrativos necessários ao passo seguinte, qual seja, a instauração do correspondente processo administrativo para a demarcação das respectivas áreas, se for o caso.

- Instaurado o mencionado processo administrativo, o município poderá se manifestar, nos termos do art. 2º, § 8º do Decreto n. 1.775/1996. Precedentes.

- Apelação parcialmente provida somente para explicitar a isenção do apelante quanto ao pagamento das custas processuais, mantendo-se, contudo, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, somente para explicitar a isenção do apelante quanto ao pagamento das custas processuais, mantendo-se, contudo, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.