APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003123-40.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: DANIEL SILVA LEANDRO
Advogados do(a) APELANTE: EVERSON MATEUS RODRIGUES DA LUZ - MS22975-A, FAGNER DE OLIVEIRA MELO - MS21507-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003123-40.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: DANIEL SILVA LEANDRO Advogados do(a) APELANTE: EVERSON MATEUS RODRIGUES DA LUZ - MS22975-A, FAGNER DE OLIVEIRA MELO - MS21507-A APELADO: UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada SILVIA FIGUEIREDO MARQUES (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto por DANIEL SILVA LEANDRO contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade do ato administrativo com a consequente reintegração do apelante e eventual reforma, bem como indenização por danos morais. O apelante sustenta, em breve síntese, ter sido indevidamente licenciado do exército com sequelas irreversíveis. Afirma ter sofrido acidente em 31/05/2019, o qual foi considerado em serviço. Alega que não se aplicam ao caso as alterações da Lei nº 13.954/2019. Aduz estar permanentemente incapaz para atividades militares. Pede a reforma da sentença. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. Memoriais apresentados pela UNIÃO. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003123-40.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: DANIEL SILVA LEANDRO Advogados do(a) APELANTE: EVERSON MATEUS RODRIGUES DA LUZ - MS22975-A, FAGNER DE OLIVEIRA MELO - MS21507-A APELADO: UNIÃO FEDERAL V O T O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada SILVIA FIGUEIREDO MARQUES (Relatora): O art. 142, da Constituição de 1988, prevê que as Forças Armadas (constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Nos moldes desse art. 142 § 3º, X, da ordem de 1988 (na redação dada pela Emenda nº 18/1998), os membros das Forças Armadas são denominados militares, sendo que “a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”. O art. 142, §3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual não são aplicáveis as disposições da posterior Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019). A propósito, extrai-se dos autos que o acidente sofrido pelo militar ocorreu em 31/05/2019 (id. 288860415), em momento anterior, portanto, ao início da vigência da Lei nº 13.954/2019. Em vista do art. 3º da Lei nº 6.830/1980, os membros das Forças Armadas compreendem servidores na ativa ou na inatividade. Os militares da ativa são: a) de carreira; b) temporários, incorporados ou matriculados para prestação de serviço militar (obrigatório ou voluntário) durante os prazos previstos na legislação e suas eventuais prorrogações; c) componentes da reserva, quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; d) alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e) em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas. Por sua vez, os militares em inatividade abrangem: a) os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; b) os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores e estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União; c) os da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados, que estejam executando tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada. O art. 3º da Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército) complementa as disposições do art. 3º da Lei 6.880/1980 no que tange ao pessoal da ativa, mencionando que o militar de carreira é aquele cujo vínculo com o serviço público (sempre voluntário) é permanente, ao passo em que o militar temporário tem vínculo (voluntário ou obrigatório) por prazo determinado para complementação de pessoal em várias áreas militares: Art. 3º O Pessoal Militar da Ativa pode ser de Carreira ou Temporário. I - O Militar de Carreira é aquele que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tem vitaliciedade assegurada ou presumida. II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo. O militar de carreira ingressa no serviço público mediante concurso (nos termos do art. 37, II, e seguintes da Constituição) e tem vitaliciedade (assegurada ou presumida) ou estabilidade (adquirida nos termos do art. 50 da Lei nº 6.880/1980), das quais decorrem certas prorrogativas. Já o ingresso no serviço militar temporário não é feito por concurso público, mas observa regramentos próprios em vista do caráter obrigatório ou voluntário (como oficial, sargento ou praça), respeitadas a escusa de consciência e seu serviço alternativo (Lei nº 8.239/1991 e demais aplicáveis), bem como mulheres e eclesiásticos em tempo de paz (conforme previsão específica do art. 143 da ordem de 1988). Regido basicamente pela Lei nº 4.375/1964, o serviço temporário e obrigatório pode ser exigido de todos os brasileiros com 18 anos de idade (denominado “serviço militar inicial”), e também de pessoas qualificadas como médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe (por adiamento ou dispensa de incorporação), as quais deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação. Já o serviço militar temporário e voluntário é prestado por qualquer pessoa (reservista ou não) que tenha documento comprobatório de situação militar, homens e mulheres, que não se enquadram como “caráter obrigatório”, observados demais requisitos regulamentares do Comando de cada uma das Forças Armadas; nessa situação estão oficiais ou praças, incluindo médicos, farmacêuticos, dentistas, veterinários e demais profissionais com reconhecida competência técnico-profissional ou notório saber científico. Em geral, o ingresso no serviço militar temporário tem várias fases. No recrutamento para o serviço militar obrigatório inicial, conforme a Lei nº 4.375/1964 e disposições regulamentares, há: convocação (ato pelo qual os brasileiros são chamados para a prestação do serviço); alistamento (ato prévio e obrigatório, à seleção, no ano em que o brasileiro completa 18 anos de idade); seleção (dentre os conscritos, são escolhidos os que melhor atendam às necessidades das Forças Armadas); distribuição (baseada nas necessidades das Organizações Militares); designação (ato pelo qual o conscrito toma conhecimento oficial da sua distribuição, se designado para determinada Organização Militar ou incluído no excesso de contingente); e incorporação (inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa) ou matrícula (inclusão a certos Órgãos de Formação da Reserva, após uma seleção complementar). Os refratários (aquele que não se apresentar durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que se ausentar sem a ter completado) e os insubmissos (aquele que, convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar dentro do prazo marcado ou que se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrícula) estão sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 4.375/1964 e no Código Penal Militar. Já para serviço militar temporário voluntário (como oficial ou praça), reservistas ou não, o ingresso no serviço ativo está submetido a processo seletivo simplificado para comprovação de habilitação e especialização exigidas para os cargos a desempenhar. O militar temporário (obrigatório ou voluntário) atende a vários propósitos de racionalização do serviço público, dentre eles a interação entre a sociedade civil e o ambiente militar, a qualificação de cidadãos para eventual mobilização e também a economicidade (por ser notório o maior custo se mantido o efetivo sempre com militar de carreira). Quanto à duração, o serviço do militar de carreira é permanente, de modo que cessará nas hipóteses descritas na Lei nº 6.880/1980 (dentre elas a reforma). No que concerne ao serviço militar temporário obrigatório inicial, a Lei nº 4.375/1964 estabeleceu o prazo de 12 meses como regra geral em tempo de paz (contados do momento da incorporação), podendo ser reduzido ou ampliado por atos normativos regulamentares da administração militar competente (vale dizer, não se de matéria subordinada à reserva absoluta mas sim à reserva relativa de lei): Art. 5º A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e cinco) anos. § 1º Em tempo de guerra, êsse período poderá ser ampliado, de acôrdo com os interêsses da defesa nacional. § 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade. Art. 6º O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração normal de 12 (doze) meses. § 1º Os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos incorporados às respectivas Fôrças Armadas. § 2º Mediante autorização do Presidente da República, a duração do tempo do Serviço Militar inicial poderá: a) ser dilatada por prazo superior a 18 (dezoito) meses, em caso de interêsse nacional; b) ser reduzida de período superior a 2 (dois) meses desde que solicitada, justificadamente, pelo Ministério Militar interessado. § 3º Durante o período de dilação do tempo de Serviço Militar, prevista nos parágrafos anteriores, as praças por ela abrangidas serão consideradas engajadas. Art. 7º O Serviço Militar dos matriculados em Órgãos de Formação de Reserva terá a duração prevista nos respectivos regulamentos. Art. 8º A contagem de tempo de Serviço Militar terá início no dia da incorporarão (sic – incorporação). Parágrafo único. Não será computado como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado. (...) Já a duração do serviço militar temporário voluntário depende dos fundamentos normativos e administrativos da correspondente autorização de ingresso (note-se que o art. 27, §3º, da Lei 4.375/1964, incluído pela Lei nº 13.964/2019, explicitou prazo mínimo e máximo). O período de duração do serviço militar temporário obrigatório e do voluntário pode ser prorrogado, conforme previsto no art. 33 dessa Lei nº 4.375/1964: Art. 33 Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação dêsse tempo, uma ou mais vêzes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Fôrça Armada interessada. Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica. Assim, o militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei 4.375/1964, da Lei nº 6.880/1980 e demais aplicáveis, sem estabilidade na carreira; após concluir o tempo a que estiver obrigado, poderá pedir prorrogação (uma ou mais vezes), daí permanecendo como engajados ou reengajados. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, cujos limites estão na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos hierárquicos da administração militar (especialmente do Comando de cada uma das Forças Armadas), respeitados os âmbitos próprios da reserva absoluta (estrita legalidade) ou da reserva relativa de lei (legalidade). Já a exclusão do serviço ativo das Forças Armadas (com consequente desligamento e inatividade) pode se dar por vários motivos, elencados no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). O marco temporal do desligamento é a publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar, e não poderá exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial; ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade. O problema posto nos autos cuida de militar temporário licenciado, matéria regida pelo art. 121 da Lei nº 6.880/1980: Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua: I - a pedido; e II - ex officio. (...) § 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada: a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio; b) por conveniência do serviço; e c) a bem da disciplina. § 4º O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciado ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva. § 5° O licenciado ex officio a bem da disciplina receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar. O art. 34 da Lei nº 4.375/1964 também cuida do licenciamento no caso de serviço temporário obrigatório, bem como de casos de engajamentos e reengajamentos decorrentes de prorrogações no tempo da atividade militar. A estabilidade no serviço militar somente é alcançada após 10 anos de efetivo serviço para praças, conforme previsto no art. 50, IV, “a” da Lei nº 6.880/1980 (note-se que a referência à praça de carreira somente foi prevista com as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019): Art. 50. São direitos dos militares: (...) IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas: a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço. (...) Inexistindo direito subjetivo ao engajamento ou reengajamento, o militar temporário passa para a reserva não remunerada desde o licenciamento, para o que a motivação do ato administrativo corresponderá à sua causa determinante (p. ex., decurso do prazo do serviço temporário ou conveniência da administração). Processos administrativos disciplinares são necessários apenas se o licenciamento se der a bem da disciplina, por revelar sanção disciplinar para o que é imprescindível contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição). O Poder Judiciário não pode impor prorrogações além das previstas para o serviço militar temporário, e o controle judicial do mérito de atos discricionários da administração pública (incluindo decisões em processos disciplinares) somente é possível em casos de manifesta, objetiva ou inequívoca violação de seus limites ou das garantias do devido processo legal (quando exigíveis). A esse respeito, a jurisprudência está consolidada, como se pode notar pelos seguintes julgados do E.STF, do E.STJ e deste E.TRF: Direito Administrativo. Agravo Interno em Ação Rescisória. Licenciamento de Militar Temporário. Inexistência de direito à estabilidade. Decisão Alinhada à jurisprudência desta Corte. 1. Agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento à ação rescisória devido à ausência dos pressupostos de rescindibilidade. 2. Não há violação a literal disposição de lei (art. 485, V, CPC/1973), tendo em vista que não há amparo legal para a permanência de militares temporários em exercício após o cumprimento do prazo de incorporação previsto na legislação específica. 3. O acórdão rescindendo está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tratando-se de militares do quadro de temporários, admitidos por prazo limitado, não há que se falar em direito de permanência ou em estabilidade após cumprido o prazo de incorporação. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÕES. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO. PRAZO DE REENGAJAMENTO. VENCIDO. PRORROGAÇÃO. NEGATIVA DO PEDIDO. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/1973. AFASTAMENTO. (...) 2. Os militares temporários, se não adquirida a estabilidade no serviço, em regra, podem ser licenciados independentemente de motivação quando superado o prazo de engajamento. Precedentes. 3. No caso, foi vencido o prazo de reengajamento. Assim, impossível impor-se à administração militar a pretendida prorrogação, bem como a abertura do processo administrativo para exame do pedido, porque o ato é discricionário e descabe a incursão no mérito administrativo para aferir-se o grau de conveniência e oportunidade. 4. Conclusão pela ocorrência de desvio de finalidade do ato administrativo exigiria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. (...) 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para afastar a penalidade aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973. (STJ, REsp 1424184/MT, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 22/05/2019) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO. 1. O STJ, ao julgar caso análogo ao dos autos, já se manifestou no sentido de que, não alcançada a estabilidade, advinda da permanência nas Forças Armadas por mais de 10 anos, o licenciamento do militar pode ser determinado pela Administração a qualquer tempo, por conveniência e oportunidade. Dentre os precedentes: AgRg no Ag 1428055/RN, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 07/03/2012. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no REsp 1262913/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 13/09/2013) AGRAVO LEGAL. LICENCIAMENTO DO EXERCITO EX OFFICIO. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. LEI 6.880/80. LEI 4.375/64. INDEFERIMENTO. ATO DISCRICIONARIO. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO JUDICIÁRIO. 1. A Lei nº 6.880/80 (Estatuto Militar) estabelece que o militar poderá ser licenciado ex officio após a conclusão do tempo de serviço ou do estágio; por conveniência do serviço ou, ainda, a bem da disciplina (art. 121 e § 3º). 2. A Lei nº 4.375/64 (Lei do Serviço militar), em seu artigo 33, estabelece que "Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada." 3. Militar temporário licenciado do serviço quando ainda não tinha completado o prazo de dez anos por razões de conveniência do serviço (artigo 50, IV, "a", da Lei nº 6.880/80. 4. Por se tratar de ato discricionário, o ato de licenciamento não se submete ao controle do Poder Judiciário, salvo para aferição da legalidade, ou em casos quando a Administração indica os motivos do ato, que o torna vinculado, de acordo com a teoria dos motivos determinantes (in Direito Administrativo, 17ª Edição - atualizada com a reforma previdenciária - EC nº 41/03 - Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Editora Atlas). 5. Motivação do ato de indeferimento do reengajamento do servidor. Inexistência de motivação do ato de licenciamento, o que impossibilita a interferência do Poder Judiciário. 6. Agravo Legal não provido. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1367636 - 0005033-49.2005.4.03.6119, Rel. Juiz Federal Convocado HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 06/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/05/2014) Do conjunto normativo da Lei nº 6.880/1980 (e considerando que, no presente caso, não se aplicam as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019, tendo em vista que o acidente que resultou na lesão sofrida pelo militar ocorreu em 31/05/2019 - id. 288860415 - ou seja, antes do início da vigência da referida lei) tratando-se de militar (de carreira ou temporário), havendo incapacidade não definitiva para os serviços da vida castrense decorrente de acidente ou doença ocorrida durante o período de vínculo com as Forças Armadas, independentemente do nexo causal, não cabe reforma e nem licenciamento, motivo pelo qual o militar deve ser reincorporado aos quadros da organização como adido, para tratamento médico-hospitalar, sendo assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias da data do indevido licenciamento até sua recuperação. Destaco precedentes quanto ao tema: STJ, AgInt no REsp 1763436/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019; STJ, AgRg no AREsp nº 625.828/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 11/03/2015; STJ, AgRg no AREsp nº 563.375/PE, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 04/12/2014. Já as hipóteses de reforma estão descritas no art. 104 e seguintes da Lei nº 6.880/1980, de tal modo que o militar se desliga definitivamente das Forças Armadas por atingir o limite máximo de idade para permanência na reserva, ou por incapacidade definitiva para o serviço ativo, ou em outras hipóteses descritas na legislação. A reforma pode ser concedida a pedido (tão somente aos membros do magistério militar, nos termos art. 105 da Lei nº 6.880/1980, atualmente revogado pela Lei nº 13.954/2019) ou ex officio, cujas causas encontram-se elencadas no art. 106 da Lei nº 6.880/1980: Art . 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que: I - atingir as seguintes idades-limite de permanência na reserva: a) para Oficial-General, 68 (sessenta e oito) anos; b) para Oficial Superior, inclusive membros do Magistério Militar, 64 (sessenta e quatro) anos; c) para Capitão-Tenente, Capitão e oficial subalterno, 60 (sessenta) anos; e d) para Praças, 56 (cinqüenta e seis) anos. II - for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas; III - estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente, mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável; IV - for condenado à pena de reforma prevista no Código Penal Militar, por sentença transitada em julgado; V - sendo oficial, a tiver determinada em julgado do Superior Tribunal Militar, efetuado em conseqüência de Conselho de Justificação a que foi submetido; e VI - sendo Guarda-Marinha, Aspirante-a-Oficial ou praça com estabilidade assegurada, for para tal indicado, ao Ministro respectivo, em julgamento de Conselho de Disciplina. (...) Cuidando da reforma em caso de incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, a Lei nº 6.880/1980 prescreve um conjunto de requisitos que variam em razão: de o militar ser de carreira ou temporário (com ou sem estabilidade); da origem do problema incapacitante (decorrente de campanha, de manutenção da ordem pública, de acidente em serviço, ou se os males têm nexo de causalidade com o serviço militar, ou, mesmo não havendo tal nexo, se consta de lista legal de doenças); e de a incapacidade ser para a vida castrense ou também para a vida civil. Na compreensão sistemática dos preceitos da Lei nº 6.880/1980, é necessário observar preceitos nos quais a expressão “incapacidade definitiva” fica restrita apenas ao serviço ativo castrense (porque remanesce capacidade para atividades laborais civis) ou se também alcança a vida civil (quando aparece o termo “inválido”, p. ex., art. 110, §1º, e art. 111, II). A conjugação desses requisitos para a reforma repercute também no valor a ser pago ao militar. E, descumpridas as exigências para a reforma, o militar será transferido para a reserva, será licenciado, desincorporado (observado o art. 31, §2º da Lei nº 4.375/1964 e demais aplicáveis) ou receberá outra medida prevista na legislação de regência. Cuidando da incapacidade para fins de reforma, o art. 108 da Lei nº 6.880/1980 estabelece: Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de: I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações; III - acidente em serviço; IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço. (...) § 2º Os militares julgados incapazes por um dos motivos constantes do item V deste artigo somente poderão ser reformados após a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela incapacidade definitiva, obedecida à regulamentação específica de cada Força Singular. Já o art. 109 da Lei nº 6.880/1990 determina que “o militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.”. O art. 110, “caput”, do mesmo diploma legal, por sua vez, afirma que o militar da ativa ou da reserva remunerada julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes nos incisos I e II do art. 108, “será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa”. Nos termos do art. 110, §1º da Lei nº 6.880/1980, a reforma com remuneração calculada com base no grau hierárquico superior também se aplica aos incisos III, IV e V do art. 108, “quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.”. E o art. 111, I e II, da Lei nº 6.880/1980, estabelece balizas para a aplicação do inciso VI do mencionado art. 108, de modo que o militar da ativa julgado incapaz definitivamente por acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço será reformado: I - com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; e II - com remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, desde que, com qualquer tempo de serviço, seja considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho. A sentença foi de improcedência. O apelante narra ter ingressado no Exército Brasileiro em 01/03/2017. Aduz que em 31/05/2019 ao se dirigir de sua casa para o batalhão, sofreu acidente lesionando seriamente a sua mão direita. O acidente foi considerado em serviço. Afirma ter passado por cirurgia e sessões de fisioterapia. Alega ter sido licenciado indevidamente em razão de suas sequelas permanentes. Alega que não se aplicam ao caso as alterações da Lei n. 13.954/2019. Pede a anulação de seu licenciamento com consequente reintegração e reforma, bem como indenização por danos morais. Verifico que foi realizada perícia em primeiro grau. O perito médico afirmou que o autor, após passar pelo devido tratamento cirúrgico em sua mão direita em razão de acidente de bicicleta, se recuperou integralmente, não possuindo qualquer sequela. Com isso, o perito concluiu que o apelante não possui incapacidade ou limitações funcionais, estando apto quando de seu licenciamento (id. 288860681). Por conseguinte, verifica-se que o laudo pericial confirmou o parecer exarado pela junta médica do Exército no sentido de que o ora apelante estava apto quando de seu licenciamento, inexistindo qualquer ilegalidade no ato administrativo impugnado, de modo que não faz jus à reintegração, nem à reforma. Diante do exposto, nego provimento ao recurso. Em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, majoro em 10% a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição. Observe-se, por fim, o disposto no art. 98, § 3º, do CPC, ante à concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
(STF, AR 1562 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 16-12-2019 PUBLIC 17-12-2019)
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR MILITAR. ATO ADMINISTRATIVO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO E A REFORMA. INCAPACIDADE. INEXISTÊNCIA.
- O art. 142, §3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual não são aplicáveis as disposições da posterior Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019), uma vez que o acidente sofrido pelo autor que ensejou o ajuizamento da presente ação ocorreu em 31/05/2019, antes, portanto, da vigência do referido ato normativo.
- No caso dos autos, o apelante narra ter ingressado no Exército Brasileiro em 01/03/2017. Aduz que em 31/05/2019 ao se dirigir de sua casa para o batalhão, sofreu acidente lesionando seriamente a sua mão direita. Afirma ter passado por cirurgia e sessões de fisioterapia. Alega ter sido licenciado indevidamente em razão de suas sequelas permanentes. Pugnou pela anulação de seu licenciamento com consequente reintegração e reforma, bem como indenização por danos morais.
- O perito médico nomeado em primeiro grau afirmou que o autor, após passar pelo devido tratamento cirúrgico em sua mão direita em razão de acidente de bicicleta, se recuperou integralmente, não possuindo qualquer sequela. Com isso, o perito concluiu que o apelante não possui incapacidade ou limitações funcionais, estando apto quando de seu licenciamento.
- Verifica-se que o laudo pericial confirmou o parecer exarado pela junta médica do Exército no sentido de que o ora apelante estava apto quando de seu licenciamento, inexistindo qualquer ilegalidade no ato administrativo impugnado, de modo que não faz jus à reintegração, nem à reforma.
- Apelação não provida.