Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5021950-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DIRETOR(A) DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÕES DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, UNIÃO FEDERAL

APELADO: MARIO RUI PIRES DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5021950-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DIRETOR(A) DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÕES DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: MARIO RUI PIRES DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL, em mandado de segurança impetrado por MÁRIO RUI PIRES DOS SANTOS, cidadão angolano, objetivando o processamento do pedido de naturalização ordinária, sem a necessidade de apresentação da Carteira de Registro Nacional Migratório, uma vez cumprido o requisito relativo ao prazo de residência por tempo indeterminado.

 

A r. sentença de fls. 89/94 concedeu a segurança, determinando à autoridade impetrada o processamento do pedido de naturalização ordinária, dispensada a apresentação da Carteira de Registro Nacional Migratório. Sem condenação em honorários advocatícios. Sentença submetida à remessa necessária.

 

Razões recursais da União Federal (fls. 116/124), oportunidade em que pugna pela reforma da sentença, tendo em vista a necessidade de apresentação dos documentos previstos em lei, para o deferimento do pedido de naturalização ordinária (art. 65 da Lei nº 13.445/17 e art. 234 do Decreto nº 9.199/17). Sustenta a observância do princípio da legalidade, razão pela qual descabida a flexibilização documental pretendida, devendo a contagem do tempo de permanência do imigrante em território nacional observar o disposto na legislação, ou seja, por prazo indeterminado, devidamente consignado na Carteira de Registro Nacional Migratório.

 

Contrarrazões da parte impetrante às fls. 128/135.

 

Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta Corte.

 

Parecer do Ministério Público Federal (fls. 140/146), no sentido do provimento do recurso.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5021950-85.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DIRETOR(A) DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÕES DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: MARIO RUI PIRES DOS SANTOS

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

A naturalização é uma forma de aquisição secundária da nacionalidade, que se dá quando um país concede o status de nacional a um estrangeiro, na forma preconizada pelo art. 12 da Constituição Federal:

 

“Art. 12. São brasileiros:

(...)

II – naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira”.

 

A seu turno, a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) dispõe acerca dos tipos de naturalização (ordinária, extraordinária, especial ou provisória), bem assim as condições para a naturalização ordinária, da seguinte forma:

 

“Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei”.

 

O prazo de residência definido no inciso II pode ser reduzido para, no mínimo, um ano, desde que o interessado satisfaça, ao menos, um dos seguintes requisitos: ter filho brasileiro; ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização; haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística (art. 66).

 

O pedido de naturalização deverá ser apresentado e processado perante o órgão competente do Poder Executivo, sendo, no caso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (art. 71), sendo a concessão da naturalização ato exclusivo do Ministro de Estado.

 

De outra parte, o Decreto nº 9.199/17, que regulamenta a Lei de Migração, atribui ao Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública competência para dispor sobre os documentos e diligências necessários à comprovação dos requisitos para a solicitação de cada tipo de naturalização, ao passo que o art. 221, reportando-se ao prazo de residência estabelecido na legislação ordinária, diz que, para fins de sua contagem, “serão considerados os períodos em que o imigrante tenha passado a residir no País por tempo indeterminado”.

 

Ainda, nos casos em que o imigrante seja originário de países de língua portuguesa, os requisitos exigidos são (art. 237):

 

“I - residência no País por um ano ininterrupto; e

II - idoneidade moral”.

 

Da análise da legislação citada, depreende-se que, seja cidadão oriundo de país de língua portuguesa, seja proveniente de qualquer outro estado estrangeiro, é exigido tempo mínimo de residência em território nacional (01 ano para os primeiros, 04 anos para os demais), sendo, em ambos os casos, o “tempo de residência” contado a partir da permanência “por prazo indeterminado”, condição essa expressamente constante da “Carteira de Registro Nacional Migratório”, expedida pela Polícia Federal.

 

No caso em exame, a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) expedida em nome do impetrante em 12 de março de 2023, com validade até 07 de março de 2024, classifica sua condição de residente como “Temporário” (fl. 14).

 

Malgrado seu ingresso em território nacional tenha se dado em 28 de março de 2019, consoante anotação no Passaporte de fls. 15/17, revela-se descabido o entendimento de que, a partir de então, o imigrante tenha passado a residir no país com ânimos de definitividade, não se podendo olvidar do prazo concedido pela autoridade migratória para permanência temporária, como, no caso, viagem de turismo.

 

Sob outro aspecto, não milita em prol da tese defendida pelo impetrante, o fato de possuir cartão de crédito emitido em solo nacional, na medida em que não se exige, a tanto, permanência regular no país.

 

Dessa forma, inexiste qualquer elemento comprobatório de que a residência do imigrante em território brasileiro tenha se dado, de forma regular e definitiva, em período anterior ao da emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório, ocasião, inclusive, em que se consignou, expressamente, a classificação da residência como “TEMPORÁRIA”.

 

Assim, à míngua de documentação comprobatória, há de se considerar a residência do impetrante como “temporária” a partir de 12 de março de 2023, restando ausente, por corolário lógico, o requisito relativo à permanência por “tempo indeterminado”, a contento da exigência trazida pelo art. 221 do Decreto nº 9.199/17

 

Confira-se, a propósito, jurisprudência desta Turma:

 

“ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. RESIDÊNCIA TEMPORÁRIA. NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.

1. O impetrante, ora agravante, requer a concessão da tutela de urgência, a fim de determinar que a autoridade impetrada suspenda os efeitos de decisão que indeferiu o pedido de naturalização do Impetrante, bem como desarquive o processo administrativo para regular instrução. 

2. A tutela provisória de urgência, em sua modalidade antecipada, objetiva adiantar a satisfação da medida pleiteada, garantindo a efetividade do direito material discutido. Para tanto, nos termos do art. 300 do atual Código de Processo Civil, exige-se, cumulativamente, a demonstração da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).

3. No caso dos autos, não se reputa comprovada a verossimilhança das alegações acerca do direito pretendido. De fato, é necessário afastar a necessidade do agravante preencher as exigências do art. 65, II, da Lei de Migração (comprovação de residência em território brasileiro por quatro anos).

4. O agravante é nacional da Guiné-Bissau, país de língua portuguesa, e, portanto, somente deve atender o disposto no art. 12, II, a, da CF/88 para obter a naturalização.

5. Trata-se de naturalização que não depende do tratamento da Lei 13.445/2017, uma vez que a própria Constituição foi expressa ao delimitar quais são os requisitos que devem ser atendidos pelos os estrangeiros originários de países de língua portuguesa. 

6. No entanto, o pedido de naturalização do agravante foi indeferido sob o argumento de que o agravante não atende o requisito previsto no art. 221 do decreto 9.199/2017, que regulamenta os pedidos de naturalização, pois se encontra em condição migratória temporária.

7. Referido dispositivo dispõe: Art. 221. Para fins de contagem dos prazos de residência mencionados nas exigências para obtenção da naturalização ordinária e extraordinária, serão considerados os períodos em que o imigrante tenha passado a residir no País por prazo indeterminado.

8. Conforme a documentação acostada aos autos originários (ID 256699670), o agravante possui visto com amparo legal no art. 30, I, d, da Lei 13.445/2017, ou seja, residência temporária permitida em razão de estudos. O referido documento foi emitido em 03/07/2021, com validade até 29/06/2022, em prazo inferior a um ano.

9. Assim, o agravante não atendeu os requisitos previstos na legislação para concessão de naturalização, pois não comprovou residir no país por prazo indeterminado.

10. Agravo de instrumento improvido”.

(AI nº 5024948-27.2022.4.03.0000, Rel. Des. Federal Consuelo Yoshida, p. 11/10/2023).

 

Transcrevo, por oportuno, excerto do parecer ministerial, em reforço de fundamentação:

 

“Ora, se o ordenamento prevê que o Estado possui a faculdade de autorizar residência por tempo determinado, é decorrência lógica desse preceito que o prazo para contagem da aquisição do direito à naturalização ordinária se inicie a partir da residência por tempo indeterminado.

Isso porque, durante a residência por tempo determinado, o País ainda não optou por estabelecer um vínculo duradouro com o visitante do estrangeiro. Prevalece, durante esse período, a discricionariedade da Administração. A partir da autorização de residência por prazo indeterminado, fica clara a intenção do Estado em estabelecer um vínculo com o imigrante, surgindo, portanto, a expectativa de direito, que se completa após o decurso do prazo previsto na legislação para requerer a naturalização”.

 

Ante o exposto, dou provimento à remessa necessária, bem como à apelação interposta pela União Federal, a fim de reformar a r. sentença de primeiro grau de jurisdição e denegar a segurança.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO: Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela União Federal contra sentença que concedeu a ordem para determinar "o processamento do pedido de naturalização do impetrante sem a apresentação da Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) com prazo indeterminado".

O e. Relator deu provimento à remessa necessária e à apelação, sob o fundamento de que "inexiste qualquer elemento comprobatório de que a residência do imigrante em território brasileiro tenha se dado, de forma regular e definitiva, em período anterior ao da emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório, ocasião, inclusive, em que se consignou, expressamente, a classificação da residência como 'TEMPORÁRIA'. Entendeu o i. relator que “à míngua de documentação comprobatória, há de se considerar a residência do impetrante como 'temporária' a partir de 12 de março de 2023, restando ausente, por corolário lógico, o requisito relativo à permanência por 'tempo indeterminado', a contento da exigência trazida pelo art. 221 do Decreto nº 9.199/17".

Com a devida vênia, divirjo do entendimento da relatoria, pelas razões que exponho a seguir.

Entendo que a questão em discussão é a possibilidade de recebimento e processamento pela autoridade administrativa de pedido de naturalização ordinária sem a apresentação de Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) com prazo indeterminado, o que não implica análise de comprovação nos autos, pelo impetrante, de residência com ânimo definitivo no período definido em lei. Em outras palavras, é verificar se o CRNM com prazo indeterminado é o único documento hábil a demonstrar residência com ânimo definitivo para fins de naturalização brasileira, requisito exigido pelo artigo 221 do Decreto 9.199/2017:

 Art. 221. Para fins de contagem dos prazos de residência mencionados nas exigências para obtenção da naturalização ordinária e extraordinária, serão considerados os períodos em que o imigrante tenha passado a residir no País por prazo indeterminado.

Sobre o tema, ainda que a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária, é legítimo e necessário que a legislação estabeleça critérios específicos para a sua fiel execução, o que é autorizado pela via regulamentar, nos termos do artigo 84, IV, da Constituição Federal.

Nesse sentido, a Lei de Migração prevê em diversos dispositivos a edição de regulamento para sua complementação, materializado no Decreto 9.199/2017 e em Portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Dessa forma, uma vez que o Decreto 9.199/2017 configura regulamento executivo, seu artigo 221 deve ser interpretado como tal, sobretudo no que diz respeito à proibição de inovação na ordem jurídica. Assim, entendo que ele não condiciona o reconhecimento de residência por prazo indeterminado ao status migratório do interessado, visto que a lei regulamentada (Lei nº 13.445/2017) não estabelece esse critério quando trata da naturalização ordinária ou extraordinária.

Portanto, ainda que o migrante esteja no Brasil sob classificação migratória que não confira permanência por prazo indeterminado (visto ou autorização de residência temporários, por exemplo), o período não deve ser descartado de pronto quando do cômputo do tempo de residência no Brasil, exigido para obtenção da naturalização.

Mais do que isso, deve ser analisado se nesse intervalo temporal o interessado esteve no país com intenção de permanecer, caso em que deve ser considerado como residência por prazo indeterminado. Inclusive, se assim não fosse, a Portaria do MJSP nº 623, de 13/11/2020, que dispõe sobre os procedimentos de naturalização, não elencaria uma série de documentos capazes de subsidiar a contagem de prazo de efetiva residência no Brasil, como o faz no artigo 56:

Art. 56. Na instrução dos processos previstos nesta Portaria, para fins de subsidiar a contagem do prazo de efetiva residência no Brasil, observado o conjunto probatório, poderão ser exigidos os seguintes documentos, dentre outros:

I - comprovante de endereço, constatado por meio de contas de água, energia ou telefone;

II - cópia de contrato de locação ou escritura de compra e venda de imóvel em nome do interessado, dos pais, do cônjuge ou do companheiro, acompanhado respectivamente da certidão de nascimento, de casamento, ou comprovação de união estável;

III - declaração de instituição financeira que ateste o cadastro de cliente;

IV - comprovante de vínculo profissional, conforme a atividade desenvolvida, como:

a) declaração de empregador que ateste o vínculo empregatício naquela localidade;

b) comprovantes de exercício de atividade de autônomo;

c) comprovantes de exercício de atividade de empresário; ou

d) cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social;

V - certificados de conclusão de cursos;

VI - diplomas;

VII - históricos escolares;

VIII - exames médicos;

IX - extratos da Previdência Social;

X - extratos de plano de saúde; ou

XI - outros documentos que atestem a residência contínua e ininterrupta no País.
Parágrafo único. Quando exigida comprovação de residência habitual, o reconhecimento de tal circunstância não será prejudicado por saídas esporádicas do território brasileiro.

Ade,aos, ressalto que o próprio Decreto 9.199/2017 estabelece, seja para a naturalização ordinária (art. 233, § 4º), seja para a naturalização extraordinária (art. 238, § 4º), que "o Ministério da Justiça e Segurança Pública consultará bancos de dados oficiais para comprovar o prazo de residência" para fins de naturalização, sufragando o entendimento de que o CNRM não constitui o único a comprovar residência por prazo indeterminado no território brasileiro.

Confiram-se os seguintes precedentes desta Corte Regional (destacamos):

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. COMPROVAÇÃO DO PERÍODO DE 4 (QUATRO) ANOS DE RESIDÊNCIA POR PRAZO INDETERMINADO. DEMONSTRAÇÃO POR DADOS OBTIDOS DE OUTROS BANCOS OFICIAIS. APELAÇÃO PROVIDA.

1.Trata-se de Mandado de Segurança em que se discute a satisfação do requisito de 4 (quatro) anos de residência no país de modo indeterminado, disposto na Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), para a concessão da naturalização ordinária.

2.A matéria é regida pela Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), regulada pelo Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017.

3.O impetrante comprova que adentrou o território brasileiro em 27/07/2015, conforme consta em seu passaporte (ID 269461402) e que, conforme Extrato Previdenciário CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais do INSS, trabalhou de 03/11/2015 a 01/07/2016 na Empresa Mellicz Ambiental Ltda. (ID 269461418) e de 16/01/2017 a 14/09/2021 na empresa Najla Romanos Soares (ID 269461418).  Ademais, relata na inicial que protocolou, por meio da plataforma Naturalize-se, pedido de naturalização ordinária brasileira em 04/01/2021, que foi indeferido.

4. Há de se reconhecer a ilegalidade da decisão administrativa, eis que proferida em contrariedade às determinações legais incidentes ao direito discutido nos autos.

5. O Decreto 9.199/2017, ao regulamentar as condições para a concessão da naturalização ordinária, o faz dos arts. 233 ao art. 237. Extrai-se da previsão contida no § 4º do art. 233 do aludido decreto dicção evidente acerca da  possibilidade de comprovação do período de residência necessário à naturalização a partir de dados obtidos de outros órgãos oficiais, denotando, ainda, teor ampliativo dos meios de prova. Não há qualquer disposição no sentido de que referida comprovação seria possível somente mediante a Carteira de Registro Nacional Migratório.

6. Portanto, a par das provas trazidas aos autos, com destaque para as informações constantes do Passaporte do impetrante e do Extrato de Previdência CNIS, impõe-se, forte na proporcionalidade e razoabilidade e na normatização vigente, o reconhecimento de que o período de 4 (quatro) anos de residência por prazo indeterminado, imediatamente anteriores à solicitação de naturalização ordinária, resta satisfeito.

7. A sentença deve, pois, ser reformada e a segurança concedida, consoante ainda o parecer do Ministério Público Federal, para determinar à autoridade impetrada considerar para fins de cálculo do período de residência por prazo indeterminado as informações constantes do extrato de controle migratório do Impetrante, além daquelas previstas no Extrato de Previdência CNIS.

8. Apelação a que se dá provimento.
 
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001602-78.2022.4.03.6133, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 10/10/2023, Intimação via sistema DATA: 18/10/2023)
                                  

                                          
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. COMPROVAÇÃO DE RESIDÊNCIA. PERMANÊNCIA ININTERRUPTA NO PAÍS DESNECESSÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO.

I. O artigo 65 da Lei nº 13.445/2017 (lei de Migração) estabelece a possibilidade de concessão de naturalização ordinária, desde que observados os requisitos exigidos, entre eles: a plena capacidade civil (inciso I); residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos (inciso II); proficiência em língua portuguesa (inciso III); e ausência de condenação penal (inciso IV).

II. Por sua vez, o Decreto nº 9.199/2017, em seu artigo 221, determinou que a contagem de prazo de residência para obtenção de naturalização ordinária se inicia a partir do momento em que o imigrante passa a residir no país por prazo indeterminado.

III. A comprovação do período de residência poderá ser realizada através dos documentos listados no artigo 54 da Portaria Interministerial nº 11/2018, observando-se, ainda, que saídas esporádicas do território brasileiro não prejudicam o reconhecimento da residência.

IV. No presente caso, o autor demonstrou de forma inequívoca que reside no Brasil há mais de 7 (sete) anos, tendo em vista a existência de farta documentação atestando a residência no país, exercendo, inclusive, atividade empresarial no território brasileiro.

V. Ademais, como bem salientou o Ministério Público Federal em seu parecer, "a exigência legal de residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos não engloba a necessidade de permanência contínua e ininterrupta no território nacional em todo esse lapso temporal, o que, aliás, seria inconstitucional por violação à liberdade de ir e vir".

VI. Por fim, com relação aos honorários advocatícios, reduzo-os para o montante de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa com o intuito de adequá-los ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema nº 1.076 (REsp nº 1.850.512/SP).

VII. Remessa oficial improvida. Apelação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5005051-46.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 29/05/2023, Intimação via sistema DATA: 30/05/2023)
                                       

Por fim, conforme explicitado na sentença recorrido, destaco que a dispensa de apresentação de CNRM com prazo indeterminado para o recebimento e processamento do pedido de naturalização não implica no deferimento do pedido pelas autoridades migratórias nem desobriga o impetrante à sua comprovação do requisito legal.

Ante o exposto, com a renovada vênia da relatoria, voto pelo desprovimento da remessa necessária e da apelação da União Federal.

 


E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. RESIDÊNCIA POR TEMPO INDETERMINADO. CONTAGEM. REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DA UNIÃO PROVIDOS.

1 – A naturalização é uma forma de aquisição secundária da nacionalidade, que se dá quando um país concede o status de nacional a um estrangeiro, na forma preconizada pelo art. 12 da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei nº 13.445/2017 (art. 65), Decreto nº 9.199/2017 (art. 234) e Portaria nº 630/2020/MJSP (Anexo I).

2 - O prazo de residência definido no inciso II do art. 65 pode ser reduzido para, no mínimo, um ano, desde que o interessado satisfaça, ao menos, um dos seguintes requisitos: ter filho brasileiro; ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização; haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística (art. 66).

3 - O pedido de naturalização deverá ser apresentado e processado perante o órgão competente do Poder Executivo, sendo, no caso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (art. 71), sendo a concessão da naturalização ato exclusivo do Ministro de Estado.

4 - De outra parte, o Decreto nº 9.199/17, que regulamenta a Lei de Migração, atribui ao Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública competência para dispor sobre os documentos e diligências necessários à comprovação dos requisitos para a solicitação de cada tipo de naturalização, ao passo que o art. 221, reportando-se ao prazo de residência estabelecido na legislação ordinária, diz que, para fins de sua contagem, “serão considerados os períodos em que o imigrante tenha passado a residir no País por tempo indeterminado”.

5 - Ainda, nos casos em que o imigrante seja originário de países de língua portuguesa, os requisitos exigidos são (art. 237): “I - residência no País por um ano ininterrupto; e II - idoneidade moral”.

6 - Da análise da legislação citada, depreende-se que, seja cidadão oriundo de país de língua portuguesa, seja proveniente de qualquer outro estado estrangeiro, é exigido tempo mínimo de residência em território nacional (01 ano para os primeiros, 04 anos para os demais), sendo, em ambos os casos, o “tempo de residência” contado a partir da permanência “por prazo indeterminado”, condição essa expressamente constante da “Carteira de Registro Nacional Migratório”, expedida pela Polícia Federal.

7 - No caso em exame, a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) expedida em nome do impetrante em 12 de março de 2023, com validade até 07 de março de 2024, classifica sua condição de residente como “Temporário”.

8 - Malgrado seu ingresso em território nacional tenha se dado em 28 de março de 2019, consoante anotação no Passaporte, revela-se descabido o entendimento de que, a partir de então, o imigrante tenha passado a residir no país com ânimo de definitividade, não se podendo olvidar do prazo concedido pela autoridade migratória para permanência temporária, como, no caso, viagem de turismo.

9 - Sob outro aspecto, não milita em prol da tese defendida pelo impetrante, o fato de possuir cartão de crédito emitido em solo nacional, na medida em que não se exige, a tanto, permanência regular no país.

10 - Dessa forma, inexiste qualquer elemento comprobatório de que a residência do imigrante em território brasileiro tenha se dado, de forma regular e definitiva, em período anterior ao da emissão da Carteira de Registro Nacional Migratório, ocasião, inclusive, em que se consignou, expressamente, a classificação da residência como “TEMPORÁRIA”.

11 - Assim, à míngua de documentação comprobatória, há de se considerar a residência do impetrante como “temporária” a partir de 12 de março de 2023, restando ausente, por corolário lógico, o requisito relativo à permanência por “tempo indeterminado”, a contento da exigência trazida pelo art. 221 do Decreto nº 9.199/17.

12 – Remessa necessária e apelação interposta pela União Federal providas. Sentença reformada.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, nos termos do artigo 942/CPC, por maioria, deu provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator, com quem votaram os Des. Fed. ADRIANA PILEGGI e CONSUELO YOSHIDA, vencidos os Des. Fed. RUBENS CALIXTO e NERY JUNIOR, que lhes negavam provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.