Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007328-40.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: ROSE YVELYNE BERLUS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007328-40.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: ROSE YVELYNE BERLUS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL, em ação ajuizada por ROSE YVELYNE BERLUS, cidadã haitiana, objetivando a suspensão da exigibilidade da multa aplicada em decorrência da permanência no país após a data permitida, bem como a nulidade do respectivo Auto de Infração.

 

A r. sentença de fls. 155/158 julgou procedente o pedido inicial, para declarar inexigível o pagamento da multa oriunda do Auto de Infração nº 0183036132016. Deixou de arbitrar honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União, em razão da Súmula nº 421/STJ.

 

Razões recursais da União Federal (fls. 163/167), oportunidade em que pugna pela reforma da sentença, com a improcedência do pedido inicial, tendo em vista que a multa por permanência irregular no país fora aplicada com base na legislação vigente à época (Lei nº 6.815/80), tratando-se, pois, de ato jurídico perfeito, mediante regular processo administrativo, em que garantidos o contraditório e ampla defesa. Sustenta que a individualização do valor da pena pecuniária somente passou a existir com a edição da nova Lei de Migração, sendo, portanto, inaplicável.

 

Não houve apresentação de contrarrazões.

 

Devidamente processado o recurso, subiram os autos a esta Corte.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007328-40.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: ROSE YVELYNE BERLUS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Segundo depreende-se da petição inicial, a autora, de nacionalidade haitiana, ingressara em território nacional, via aérea, por Guarulhos/SP, em data de 06 de fevereiro de 2016, oportunidade em que lhe fora concedido visto de “Visita/Turismo”, válido por 30 (trinta) dias.

 

Todavia, ao comparecer perante a Polícia Federal, em 11 de julho de 2016, fora autuada e notificada acerca de sua permanência no país de forma irregular, porquanto ultrapassados 126 (cento e vinte e seis) dias depois de vencido o visto, razão pela qual lhe fora aplicada multa no importe de R$827,75 (oitocentos e vinte e sete reais e setenta e cinco centavos), com fundamento nos arts. 125, III e 30, ambos do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80), conforme fl. 18.

 

Apresentada defesa, a decisão sancionatória fora mantida, ensejando, então, a propositura da presente demanda.

 

Pois bem.

 

Ao ingressar em solo brasileiro, o alienígena submete-se à legislação nacional, destacando-se, para o que aqui interessa, o Estatuto do Estrangeiro, a Lei de Migrações e seu Decreto regulamentador.

 

Dispunha a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980:

 

“Art. 30: O estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário (incisos I e de IV a VI do art. 13) ou de asilado é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos trinta dias seguintes à entrada ou à concessão do asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as disposições regulamentares”.

 

“Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

(...)

II - demorar-se no território nacional após esgotado o prazo legal de estada:

Pena: multa de um décimo do Maior Valor de Referência, por dia de excesso, até o máximo de 10 (dez) vezes o Maior Valor de Referência, e deportação, caso não saia no prazo fixado.

III - deixar de registrar-se no órgão competente, dentro do prazo estabelecido nesta Lei (artigo 30):

Pena: multa de um décimo do Maior Valor de Referência, por dia de excesso, até o máximo de 10 (dez) vezes o Maior Valor de Referência”.

 

O normativo em questão restou superado pela edição da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), a qual, no ponto, assim estabelece:

 

“Art. 106. Regulamento disporá sobre o procedimento de apuração das infrações administrativas e seu processamento e sobre a fixação e a atualização das multas, em observância ao disposto nesta Lei.

 

Art. 107. As infrações administrativas previstas neste Capítulo serão apuradas em processo administrativo próprio, assegurados o contraditório e a ampla defesa e observadas as disposições desta Lei.

§ 1º O cometimento simultâneo de duas ou mais infrações importará cumulação das sanções cabíveis, respeitados os limites estabelecidos nos incisos V e VI do art. 108.

§ 2º A multa atribuída por dia de atraso ou por excesso de permanência poderá ser convertida em redução equivalente do período de autorização de estada para o visto de visita, em caso de nova entrada no País.

 

Art. 108. O valor das multas tratadas neste Capítulo considerará:

I - as hipóteses individualizadas nesta Lei;

II - a condição econômica do infrator, a reincidência e a gravidade da infração;

III - a atualização periódica conforme estabelecido em regulamento;

IV - o valor mínimo individualizável de R$ 100,00 (cem reais);

V - o valor mínimo de R$ 100,00 (cem reais) e o máximo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para infrações cometidas por pessoa física;

VI - o valor mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais) e o máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para infrações cometidas por pessoa jurídica, por ato infracional.

 

Art. 109. Constitui infração, sujeitando o infrator às seguintes sanções:

I - entrar em território nacional sem estar autorizado:

Sanção: deportação, caso não saia do País ou não regularize a situação migratória no prazo fixado;

II - permanecer em território nacional depois de esgotado o prazo legal da documentação migratória:

Sanção: multa por dia de excesso e deportação, caso não saia do País ou não regularize a situação migratória no prazo fixado;

III - deixar de se registrar, dentro do prazo de 90 (noventa) dias do ingresso no País, quando for obrigatória a identificação civil:

Sanção: multa”.

 

De outra parte, o Decreto nº 9.199/17, que regulamenta a Lei de Migração, disciplina tanto o prazo de permanência do imigrante, como a apuração das infrações administrativas, as quais se darão mediante procedimento administrativo próprio, assegurados os princípios do contraditório e da ampla defesa, observadas as seguintes condições:

 

“Art. 20. O visto de visita terá prazo de estada de até noventa dias, prorrogáveis pela Polícia Federal por até noventa dias, desde que o prazo de estada máxima no País não ultrapasse cento e oitenta dias a cada ano migratório, ressalvado o disposto no § 7º do art. 29.

§ 1º A contagem do prazo de estada do visto de visita começará a partir da data da primeira entrada no território nacional e será suspensa sempre que o visitante deixar o território nacional.

§ 2º A prorrogação do prazo de estada do visto de visita somente poderá ser feita na hipótese de nacionais de países que assegurem reciprocidade de tratamento aos nacionais brasileiros.

§ 3º A Polícia Federal poderá, excepcionalmente, conceder prazo de estada inferior ao previsto no caput ou, a qualquer tempo, reduzir o prazo previsto de estada do visitante no País.

§ 4º A solicitação de renovação do prazo do visto de visita deverá ser realizada antes de expirado o prazo de estada original, hipótese em que deverão ser apresentados os seguintes documentos:

I - documento de viagem válido;

II - comprovante de recolhimento da taxa; e

III - formulário de solicitação de renovação do prazo disponibilizado pela Polícia Federal.

 

Art. 301. Para a definição do valor da multa aplicada, a Polícia Federal considerará:

I - as hipóteses individualizadas na Lei nº 13.445, de 2017;

II - a condição econômica do infrator, a reincidência e a gravidade da infração;

III - a atualização periódica conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública;

IV - o valor mínimo individualizável de R$ 100,00 (cem reais);

V - o valor mínimo de R$ 100,00 (cem reais) e o valor máximo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para infrações cometidas por pessoa física; e

VI - o valor mínimo de R$ 1.000,00 (mil reais) e o valor máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para infrações cometidas por pessoa jurídica, por ato infracional.

 

Art. 305. A fixação da pena de multa considerará a situação econômica do autuado, observada as hipóteses previstas para pessoa física e jurídica.

 

Art. 308. As penalidades aplicadas serão objeto de pedido de reconsideração e de recurso, nos termos deste regulamento e de ato do dirigente máximo da Polícia Federal.

Parágrafo único. Serão respeitados o contraditório, a ampla defesa e a garantia de recurso, assim como a situação de hipossuficiência do migrante ou do visitante.

 

Art. 309. As infrações administrativas com sanção de multa previstas neste Capítulo serão apuradas em processo administrativo, o qual terá como fundamento o auto de infração lavrado pela Polícia Federal.

§ 1º O auto de infração deverá relatar, de forma circunstanciada, a infração e a sua fundamentação legal.

§ 2º O auto de infração será submetido à assinatura do autuado ou do seu representante legal após a assinatura pela autoridade responsável pela autuação.

§ 3º Caso o autuado ou o seu representante legal não possa ou se recuse a assinar o auto de infração, esse fato deverá ser registrado no referido auto.

§ 4º Lavrado o auto de infração, o infrator será considerado notificado para apresentar defesa no prazo de dez dias.

§ 5º O infrator que, regularmente notificado, não apresentar defesa será considerado revel.

§ 6º O infrator poderá, por meios próprios ou por meio de defensor constituído, apresentar defesa no prazo estabelecido no § 4º, e fazer uso dos meios e dos recursos admitidos em direito, inclusive tradutor ou intérprete.

§ 7º Encerrado o prazo estabelecido no § 4º, o processo será julgado e a Polícia Federal dará publicidade da decisão proferida em seu sítio eletrônico.

§ 8º Caberá recurso da decisão de que trata o § 7º à instância imediatamente superior, no prazo de dez dias, contado da data da publicação no sítio eletrônico da Polícia Federal.

§ 9º Na hipótese de decisão final com sanção de multa, a Polícia Federal dará publicidade da decisão em seu sítio eletrônico.

§ 10. O infrator deverá realizar o pagamento da multa no prazo de trinta dias, contado data da publicação a que se refere o § 9º.

§ 11. O processo será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para a apuração do débito e a inscrição em dívida ativa se o pagamento da multa a que se refere o § 10 não for efetuado”.

 

No que tange ao procedimento de avaliação da condição de hipossuficiência econômica para fins de isenção de taxas para obtenção de documentos de regularização migratória e de pagamento de multas, fora editada a Portaria nº 218, de 27 de fevereiro de 2018, pelo Ministério da Justiça, versando o quanto segue:

 

“Art. 2º São isentas as taxas previstas no art. 131 do Decreto nº 9.199, de 2017 e no art. 2º, V, da Lei Complementar nº 89, de 18 de fevereiro de 1997, aos indivíduos em condição de hipossuficiência econômica.

Parágrafo único. A isenção mencionada no caput aplica-se ao pagamento de multas quando inviabilizarem a regularização migratória”.

 

No caso concreto, mostra-se incontroversa a permanência da autora em solo nacional por tempo superior ao autorizado pelo visto de turista a ela concedido quando de seu desembarque em Guarulhos/SP, razão pela qual a Administração, adstrita ao princípio da legalidade, deflagrou procedimento apuratório, que culminou com a aplicação de multa por infração ao disposto no art. 125, III, da Lei nº 6.815/80, diploma normativo que considera tal ato passível de sancionamento.

 

Penso, no entanto, que restou plenamente demonstrada a hipossuficiência da autora, considerando a declaração firmada nesse sentido, perante a Defensoria Pública da União – DPU, que a representa nesta demanda, além do “Formulário Socioeconômico” de fl. 26, a revelar situação ocupacional ativa, como “caixa”, com renda bruta no importe de R$1.200,00 (mil e duzentos reais) e despesas com aluguel da moradia, no valor de R$450,00 (quatrocentos e cinquenta reais).

 

Dito isso, entendo que o recolhimento da multa pecuniária – em se tratando de imigrante com ocupação de baixa remuneração e despesas com moradia – caracteriza exigência desproporcional quando em cotejo com a hipossuficiência demonstrada, de sorte que se mostra de rigor conferir-lhe a isenção de que trata o art. 2º, parágrafo único, da Portaria MJSP nº 218, de 27 de fevereiro de 2018, tudo a viabilizar a regularização, a contento, de sua situação migratória.

 

Trago precedentes desta Corte:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ESTRANGEIRO. MULTA POR PERMANÊNCIA IRREGULAR EM TERRITÓRIO BRASILEIRO. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. INVIABILIZAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA E DO REGISTRO DE FILHA BRASILEIRA. PORTARIA 218/2018 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. POSSIBILIDADE DE ISENÇÃO DO PAGAMENTO DA MULTA. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal em face da decisão que deferiu a tutela de urgência, para suspender a exigibilidade da multa cominada ao autor no Auto de Infração e Notificação nº 0183_02744_2022 da Polícia Federal, em razão da permanência irregular em território brasileiro. 

2. Da análise dos autos, verifica-se que, em 07/11/2022, o autor, ora agravado, natural da Venezuela, compareceu na Superintendência da Polícia Federal buscando a regularização migratória, para poder registrar sua filha brasileira, nascida em 10/10/2022. Todavia, como a validade de seu RNM havia expirado em 17/03/2022, foi notificado e autuado por permanência irregular no território brasileiro, sendo-lhe aplicada multa no valor de R$ 1.175,00.

3. Em face dessa autuação, o agravado interpôs recurso administrativo, através da DPU, no qual alegou a ausência de condição financeira para efetuar o pagamento da multa aplicada. No entanto, o recurso foi indeferido, tão somente em razão de sua intempestividade.

4. Neste contexto, assevera-se que, de fato, nos termos do artigo 109, II, da Lei nº 13.445/2017, constitui infração, passível de multa e deportação, permanecer em território nacional depois de esgotado o prazo legal da documentação migratória.

5. No tocante à multa, o artigo 108 da mesma lei determina que a sua aplicação deverá observar, dentre outros requisitos, a condição econômica do infrator, a reincidência e a gravidade da infração. Tal dispositivo foi reproduzido no artigo 301 do Decreto nº 9.199/2017.

6. Consta, ainda, que as penalidades aplicadas serão objeto de pedido de reconsideração e de recurso, com observância do contraditório e ampla defesa, assim como da situação de hipossuficiência do migrante (artigo 110 da Lei de Migração).

7. Outrossim, a Portaria nº 218/2018 do Ministério da Justiça prevê a possibilidade de isenção de taxas para obtenção de documentos de regularização migratória, bem como do pagamento de multas, quando estas inviabilizarem a regularização migratória, às pessoas em condição de hipossuficiência econômica.

8. No caso, a hipossufiência financeira do agravado foi devidamente comprovada pelos documentos acostados nos autos originários, sendo, inclusive, representado pela DPU. Desta feita, claro está que a manutenção da multa em questão, além de inviabilizar a regularização migratória do agravado, o impede de registrar sua filha brasileira, em clara violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.

9. Assim, tratando-se de direitos fundamentais, as circunstâncias de fato devem se sobrepor à estrita legalidade dos atos administrativos. Precedentes.

10. Agravo de instrumento desprovido.”

(AI nº 5017356-92.2023.4.03.0000, Rel. Des. Federal Valdeci dos Santos, 6ª Turma, p. 24/10/2023).

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO PARA PERMANÊNCIA NO PAÍS. PRAZO LEGAL DE ESTADA ESGOTADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. ESPOSA BRASILEIRA.

1 - A Sexta Turma desta Corte tem entendimento no sentido da legalidade da multa imposta por permanência irregular de estrangeiro em território nacional.

2 - No caso em exame, alega o agravante que após o vencimento do seu visto de turista, não teve condições financeiras para se deslocar até a cidade de Campinas/SP, para solicitar a prorrogação do prazo.

3 - Afirma que atualmente não tem recursos para o pagamento da multa imposta no auto de infração n. 0229-00058-2018, decorrente de ter ultrapassado o prazo de sua estada legal no país, no importe de R$ 10.000,00, ora questionada.

4 - A condição de hipossuficiência é comprovada pelo fato de o agravante ser assistido juridicamente por advogado nomeado conforme cadastro da assistência judiciária gratuita da Justiça Federal - AJG/CJF (ID Num. 12794650 - Pág. 2 dos autos originários), só podendo usufruir dessa assistência jurídica quem "se encontra em situação econômica que não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família", conforme previsto no art. 2º, parágrafo único, da Resolução CJF n. 305, de 07/10/2014.

5 - Diante da comprovada hipossuficiência do agravante, a multa imposta no valor de R$ 10.000,00 é muito elevada, desproporcional a uma pessoa de baixa renda que afirma estar desempregada.

6 - A Portaria n. 218 do Ministério da Justiça, de 27 de fevereiro de 2018, permite a isenção ao pagamento de multas que inviabilizem a regularização migratória, na hipótese de comprovação da condição de hipossuficiência econômica.

7 - Agravo de Instrumento PROVIDO”.

(AI nº 5000015-92.2019.4.03.0000, Rel. Des. Federal Consuelo Yoshida, 6ª Turma, e-DJF3 10/07/2019).

 

Por outro lado, malgrado tenha o Auto de Infração sido lavrado em 11 de julho de 2016 – quando ainda em vigor o Estatuto do Estrangeiro – entendo cabível a aplicação da legislação superveniente, editada menos de um ano depois (maio/2017), por se mostrar mais benéfica ao estrangeiro, na medida em que passou a contemplar a possibilidade de isenção do pagamento das taxas que, porventura, dificultassem o processo de regularização migratória, uma vez manifestado o interesse em permanecer em solo nacional, em manifesta retroatividade in bonam partem.

 

A jurisprudência desta 3ª Turma não destoa de tal entendimento:

 

“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DE ESTRANGEIRO. PERMANÊNCIA NO BRASIL. PRAZO EXPIRADO. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. HIPOSSUFICIÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PROLE BRASILEIRA.

1. Não pode subsistir o auto de infração com imposição de multa de R$ 827,75, por violação do artigo 125, II, da Lei 6.815/1980, primeiramente porque, previsto na Portaria MJ 218/2018, a isenção nos casos em que, por hipossuficiência econômica, a cobrança inviabilize a regularização migratória (artigo 2º, parágrafo único). Ademais, a jurisprudência da Turma tem aplicado o princípio da proporcionalidade no exame da validade de tais imposições, afastando a autuação.

2. Embora expirado prazo de permanência, a hipossuficiência verificada deve prevalecer sobre a estrita legalidade da imposição do auto de infração, considerando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e da boa-fé demonstrada pela autora ao diligenciar no sentido de regularizar a permanência no país em face da constituição de prole brasileira e do resguardo da unidade familiar.

3. Apelação desprovida”.

(AC nº 5009824-13.2017.4.03.6100, Rel. Des. Federal Carlos Muta, j. 02/09/2020).

 

“ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. ESTADA IRREGULAR EM TERRITÓRIO NACIONAL. MULTA. DEPORTAÇÃO. LEI 6.815/80. LEI 13.445/2017. HIPOSSUFICIÊNCIA. BOA-FÉ. DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SE SOBREPÕE À ESTRITA LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. ANULAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO E NOTIFICAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA.

1. Trata-se de ação ajuizada por estrangeiro com o fito de obter a anulação do auto de infração nº 4744/2015 e notificação nº 1103/2015, em que houve aplicação de multa e notificação para deixar o Brasil no prazo de três dias, sob pena de deportação.

2. À época dos fatos, a situação jurídica do estrangeiro no Brasil era disciplinada pela Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que previa a deportação do estrangeiro que não se retirasse voluntariamente do território nacional em caso de entrada ou estada irregular, bem como a imposição de multa quando, exigido por qualquer autoridade, o estrangeiro não apresentasse documento comprobatório de sua estada legal no país.

3. Ocorre que a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), ao substituir o Estatuto do Estrangeiro, instituiu uma perspectiva da migração pautada na defesa dos direitos humanos e na dignidade da pessoa humana, se revelando injustificável, por afrontar o princípio da razoabilidade, a imposição de entraves burocráticos à regularização migratória, cujo interesse primordial é da própria Administração Pública.

4. Registre-se a boa-fé na conduta da autora ao procurar a Delegacia da Polícia Federal no dia seguinte à sua chegada em São Paulo, não podendo ser punida por tentar regularizar sua situação no país.

5. A comprovada hipossuficiência econômica da autora, assistida pela Defensoria Pública da União, deve preponderar sobre a estrita legalidade dos atos administrativos, porquanto mais condizente com os princípios e objetivos expressos na Constituição Federal de 1988.

6. A autora veio ao Brasil para ajudar sua irmã que aqui reside e encontrava-se internada no Hospital Municipal da Vila Nova Cachoeirinha, grávida, com problemas de saúde e sem previsão de alta.

7. A decisão mais razoável não poderia ser outra senão a anulação do auto de infração nº 4744/2015 e notificação nº 1103/2015, com possibilidade de regularização da situação migratória da autora.

8. Inversão do ônus de sucumbência.

9. Apelação provida”.

(AC nº 0026127-61.2015.4.03.6100, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, p. 27/05/2022).

 

Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pela União Federal e mantenho hígida a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PERMANÊNCIA APÓS O PERÍODO AUTORIZADO. MULTA. LEI Nº 6.815/80. SUPERVENIÊNCIA DA NOVA LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017). APLICABILIDADE. ISENÇÃO DO PAGAMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. RECURSO DA UNIÃO FEDERAL DESPROVIDO.

1 – Segundo depreende-se da petição inicial, a autora, de nacionalidade haitiana, ingressara em território nacional, via aérea, por Guarulhos/SP, em data de 06 de fevereiro de 2016, oportunidade em que lhe fora concedido visto de “Visita/Turismo”, válido por 30 (trinta) dias.

2 - Todavia, ao comparecer perante a Polícia Federal, em 11 de julho de 2016, fora autuada e notificada acerca de sua permanência no país de forma irregular, porquanto ultrapassados 126 (cento e vinte e seis) dias depois de vencido o visto, razão pela qual lhe fora aplicada multa no importe de R$827,75 (oitocentos e vinte e sete reais e setenta e cinco centavos), com fundamento nos arts. 125, III e 30, ambos do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80).

3 - Ao ingressar em solo brasileiro, o alienígena submete-se à legislação nacional, destacando-se, para o que aqui interessa, o Estatuto do Estrangeiro, a Lei de Migrações e seu Decreto regulamentador, este último disciplinando tanto o prazo de permanência do imigrante, como a apuração das infrações administrativas, as quais se darão mediante procedimento administrativo próprio, assegurados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

4 - No que tange ao procedimento de avaliação da condição de hipossuficiência econômica para fins de isenção de taxas para obtenção de documentos de regularização migratória e de pagamento de multas, fora editada a Portaria nº 218, de 27 de fevereiro de 2018, pelo Ministério da Justiça, contemplando a isenção ao pagamento de multa, quando inviabilizar a regularização migratória (art. 2º, parágrafo único).

5 - No caso concreto, mostra-se incontroversa a permanência da autora em solo nacional por tempo superior ao autorizado pelo visto de turista a ela concedido quando de seu desembarque em Guarulhos/SP, razão pela qual a Administração, adstrita ao princípio da legalidade, deflagrou procedimento apuratório, que culminou com a aplicação de multa por infração ao disposto no art. 125, III, da Lei nº 6.815/80, diploma normativo que considera tal ato passível de sancionamento.

6 – Restou plenamente demonstrada, no entanto, a hipossuficiência da autora, considerando a declaração firmada nesse sentido, perante a Defensoria Pública da União – DPU, que a representa nesta demanda, além do “Formulário Socioeconômico”, a revelar situação ocupacional ativa, como “caixa”, com renda bruta no importe de R$1.200,00 (mil e duzentos reais) e despesas com aluguel da moradia, no valor de R$450,00 (quatrocentos e cinquenta reais).

7 - Dito isso, entende-se que o recolhimento da multa pecuniária – em se tratando de imigrante com ocupação de baixa remuneração e despesas com moradia – caracteriza exigência desproporcional quando em cotejo com a hipossuficiência demonstrada, de sorte que se mostra de rigor conferir-lhe a isenção de que trata o art. 2º, parágrafo único, da Portaria MJSP nº 218, de 27 de fevereiro de 2018, tudo a viabilizar a regularização, a contento, de sua situação migratória.

8 - Por outro lado, malgrado tenha o Auto de Infração sido lavrado em 11 de julho de 2016 – quando ainda em vigor o Estatuto do Estrangeiro – cabível a aplicação da legislação superveniente, editada menos de um ano depois (maio/2017), por se mostrar mais benéfica ao estrangeiro, na medida em que passou a contemplar a possibilidade de isenção do pagamento das taxas que, porventura, dificultassem o processo de regularização migratória, uma vez manifestado o interesse em permanecer em solo nacional, em manifesta retroatividade in bonam partem.

9 – Apelação interposta pela União Federal desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.