Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5003594-72.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BRASFISH INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: DAVID ROCHA VEIGA - SP236012-A, DENIS ARAUJO - SP222498-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5003594-72.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BRASFISH INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: DAVID ROCHA VEIGA - SP236012-A, DENIS ARAUJO - SP222498-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

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R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator):

Trata-se de agravo de instrumento interposto por BRASFISH INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA em face de decisão que, em mandado de segurança, indeferiu a medida liminar objetivando o direito de suspender a exigibilidade do IRPJ e da CSLL incidentes sobre os seus créditos presumidos de ICMS concedidos pelo Estado de São Paulo.

Alega que com a edição da Lei 14.789/23, a partir de 01 de janeiro de 2024, os §§ 4º e 5º no art. 30 da Lei nº 12.973, de 13.05.2014 foram integralmente revogados, motivo pelo qual certamente a Receita Federal do Brasil passará a exigir a inclusão dos seus créditos presumidos de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e CSLL para fins de tributação.

Requer a suspensão da exigibilidade, bem como que autoridade coatora de abstenha de exigir o pagamento do IRPJ e da CSLL com a inclusão do crédito outorgado do ICMS na base de cálculo a partir de janeiro de 2024 até o final da presente demanda. (id 285555103 – pág. 9)

A apreciação da antecipação da tutela recursal foi postergada para após o regular contraditório (Id 285646461).

Intimada, a União Federal apresentou contraminuta (287649459).

Intimado, o Ministério Público Federal afirmou ser desnecessário pronunciar-se sobre o mérito do processo (id 287775245).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5003594-72.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BRASFISH INDUSTRIA E COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: DAVID ROCHA VEIGA - SP236012-A, DENIS ARAUJO - SP222498-A

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V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator):

Cinge-se a controvérsia em definir se os benefícios fiscais de créditos presumidos de ICMS da impetrante, em suas operações de venda interna de peixe no Estado de São Paulo, podem ser excluídos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL após a vigência da Lei 14.789/2023.

De acordo com a decisão agravada:  

“Pois bem. No caso presente, não diviso a presença de fumus boni iuris.

Afinal, o STJ julgou o Tema 1.182 (Recursos Especiais nº 1.945.110/RS e nº 1.987.158/SC) e fixou a seguinte tese:

1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, - tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.

Improcede, assim, a pretendida exclusão nos moldes requeridos.

Daí por que, em face da ausência do fumus boni iuris, dispensável se torna a análise da eventual presença do periculum in mora.” (id 314184881)

Para melhor compreensão do tema, cumpre tecer breves considerações sobre a evolução da legislação.

Inicialmente, o legislador fez uma classificação dos incentivos fiscais como subvenção para custeio e subvenção para investimento para fins de incidência do IRPJ e da CSLL.

Em linhas gerais, as subvenções para custeio são auxílios concedidos pelo Estado para o custeio geral das atividades do contribuinte, para o financiamento de suas operações. Não estão, assim, atrelados a uma atividade específica. Em regra, compõe o lucro do contribuinte, e deve ser tributada pelo IRPJ e pela CSLL. 

Por outro lado, as subvenções para investimento são auxílios destinados ao desenvolvimento de um projeto, de uma atividade econômica, de modo a atingir o interesse público do Estado. Em regra, não compõe o lucro da empresa, e não devem ser tributados, conforme antigo art. 523 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), com a redação que lhe deu o art. 30 da Lei 12.973/14, posteriormente revogado pela Lei 14.789/23.

Não obstante tais classificações, o art. 30 da Lei 10.973/14, posteriormente revogado pela Lei 14.789, de 29 de dezembro de 2023, que passou a disciplinar a questão, assim dispôs:

“Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:

I - absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou     

II - aumento do capital social.     

§ 1º Na hipótese do inciso I do caput , a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.     

§ 2º As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1º ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput , inclusive nas hipóteses de:     

I - capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos;    

II - restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou 

III - integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.     

§ 3º Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput , esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.     

§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo.

§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.” (grifos meus)

Cumpre mencionar que os §§ 4º e 5º acima reproduzidos foram introduzidos pela Lei Complementar 160/17, que também esclareceu eu seu art. 10 que tais regras se aplicam inclusive aos incentivos fiscais de ICMS concedidos sem autorização do CONFAZ, por legislação publicada até 08/08/2017, desde que atendidas as demais exigências previstas no art. 30 da Lei 12.973/14. Vejamos:

“Art. 10.  O disposto nos §§ 4o e 5o do art. 30 da Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014, aplica-se inclusive aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS instituídos em desacordo com o disposto na alínea ‘g’ do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar, desde que atendidas as respectivas exigências de registro e depósito, nos termos do art. 3o desta Lei Complementar.” (grifos meus)

Assim, antes da Lei Complementar 160/17, os incentivos fiscais distintos do crédito presumido de ICMS (como, por exemplo, o diferimento, a isenção ou redução da base de cálculo) eram, como regra, considerados como subvenções de custeio e tributados pelo IRPJ e pela CSLL.

A Lei Complementar 160/17 ampliou o conceito de subvenções para investimentos ao alterar o art. 30 da Lei 12.973/14, de modo que os incentivos fiscais de ICMS antes considerados subvenção para custeio passaram a ser considerados subvenção para investimentos.

A partir dessa lei, os incentivos e os benefícios fiscais concedidos pelos estados até 08/08/2017, inclusive sem autorização do CONFAZ, passaram a ser considerados subvenções de investimento para fins tributários, desde que devidamente contabilizados na conta de reservas de lucros pelo contribuinte.

Nesse sentido, “nada impede que seja acolhida a pretensão dos contribuintes, em menor extensão, a fim de proporcionar a aplicação do art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017, que classificou tais isenções de ICMS concedidas por legislação estadual publicada até 08.08.2017, mesmo que instituídas em desacordo com o disposto na alínea "g" do inciso XII do § 2º, do art. 155 da Constituição Federal, como subvenções para investimento, as quais podem ser extraídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL nas condições previstas no art. 30, da Lei n. 12.973/2014” (trecho do Acórdão do REsp 1.945.110/RS, tema repetitivo 1182, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 12/06/2023).

Por outro lado, os benefícios de crédito presumido de ICMS gozavam de um tratamento jurídico diferenciado, pois a primeira Seção do STJ, desde o julgamento do ERESP 1.517.492, passou a diferenciar tais benefícios dos demais incentivos fiscais de ICMS.

Isso porque, ao contrário dos demais benefícios (isenção, diferimento, redução da base de cálculo etc.), os créditos presumidos de ICMS implicam verdadeira renúncia fiscal pelos Estados-Membros, não sendo possível outro ente federativo tributar tais valores, sob pena de violação do próprio pacto federativo.

Para melhor elucidação da questão, reproduzo abaixo a ementa do Acórdão proferido pelo STJ no ERESP 1.517.492/PR:

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.

I – Controverte-se acerca da possibilidade de inclusão de crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

II – O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL; já o segundo considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

III – Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

IV – Tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.

V – O modelo federativo por nós adotado abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.

VI – Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.

VII – A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS – e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.

VIII – A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.

IX – A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

X – O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, C.R.).

XI – Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.

XII – O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceito legais, aumentando o preço final dos produtos que especifica, integrantes da cesta básica nacional.

XIII – A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.

XIV – Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/09, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços.

XV – O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.

XVI – Embargos de Divergência desprovidos.”

(STJ, Primeira Seção, EREsp 1.517.492-PR, Rel. Ministro OG Fernandes, DJe de 01/02/2018, grifos meus)

Ou seja, os benefícios fiscais de crédito presumido de ICMS não podem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL porque não constituem renda do contribuinte, tratando-se na verdade de renúncia fiscal dos Estados, de modo que sua tributação pela União Federal violaria o próprio pacto federativo, independentemente de tais benefícios serem classificados como subvenção para investimentos ou não.

A Lei 14.789/2023, objeto da presente controvérsia, introduziu novo regramento para a dedução fiscal dos benefícios fiscais classificados como subvenção para investimento e revogou, dentre outros, o artigo 30 da Lei 12.973/2014 (IRPJ/CSLL).

Referida lei estabeleceu a possibilidade das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real apurarem crédito fiscal de subvenção para investimento, mediante pedido de habilitação junto à Receita Federal do Brasil, desde que preenchidos determinados requisitos, dentre os quais que “estejam relacionadas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e sejam reconhecidas após o protocolo do pedido de habilitação da pessoa jurídica” (artigo 7º), o que, a princípio, restringiu excessivamente a possibilidade de excluir benefícios fiscais do IRPJ e da CSLL.

Sobre o tema, em exame preambular da questão, entendo que a nova lei não trouxe alteração em relação ao crédito presumido do ICMS, de modo que continua aplicável o entendimento adotado pelo STJ no ERESP 1.517.492, pois se trata de posição firmada com base em fundamento constitucional (violação ao pacto federativo), que não se modifica em razão de reforma legal.

Em outras palavras, a impossibilidade de tributação, pela União Federal, dos benefícios de crédito presumido de ICMS decorria não do incentivo fiscal previsto no art. 30 da Lei 12.973/14 agora revogado, mas da própria sistemática de repartição de competências estabelecida na Constituição Federal, além do conceito de renda.

Assim, estando a renúncia fiscal dos Estados imune à tributação de outro ente federativo, não cabe ao legislador infraconstitucional instituí-la.  

Com efeito, conforme visto no acórdão supracitado, por ocasião do julgamento do EREsp 1.517.492-PR o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que os benefícios fiscais concedidos pelos Estados membros (ou pelo Distrito Federal), consistentes em créditos presumidos de ICMS, constituem instrumentos legítimos de política fiscal e que materializam a autonomia do modelo federativo. Nesse contexto, ao considerar tal crédito como lucro, a União retira o incentivo fiscal concedido, por via indireta, de modo a interferir no pacto federativo, restringir a eficácia de incentivo fiscal concedido e ofender a segurança jurídica.

A Lei 14.789/23, portanto, não modifica a natureza jurídica dos créditos presumidos de ICMS – nos termos do entendimento adotado pelo STJ – de verdadeiras renúncias fiscais dos Estados, de modo que a tributação pela União Federal de tais incentivos implicaria violação ao pacto federativo.

Dessa forma, entendo presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar, para reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a parte impetrante ao recolhimento do IRPJ e da CSSL, em relação aos créditos presumidos de ICMS no caso em epígrafe.

Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, para permitir à agravante a suspensão da exigibilidade do IRPJ e da CSLL sobre seus créditos presumidos de ICMS até o julgamento final da demanda subjacente, devendo a autoridade coatora se abster de praticar qualquer ato tendente a exigir tal exação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS PRESUMIDOS DE ICMS. BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. NÃO INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO E DO CONCEITO DE RENDA. CLASSIFICAÇÃO DOS INCENTIVOS COMO SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTOS. DESNECESSIDADE. ENTENDIMENTO FIXADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ (ERESP 1.517.492-PR). LEI 14.789/23. INALTERAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO BENEFÍCIO. RECURSO PROVIDO.

- Cinge-se a controvérsia em definir se os benefícios fiscais de créditos presumidos de ICMS da impetrante podem ser excluídos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL após a vigência da Lei 14.789/2023.

- De acordo com o entendimento fixado pela Primeira Seção do STJ, o benefício de crédito presumido de ICMS representa renúncia à arrecadação do Estado, de modo que a tributação pela União desses valores significaria “a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo”, conforme ementa do ERESP 1.517.492/PR. (1ª Seção do STJ, Relatora Ministra Regina Helena Costa, julgado em 01/02/2018).

- Ao fixar esse entendimento, o STJ não estabeleceu requisito algum para a não incidência do IRPJ e da CSLL sobre os benefícios de crédito presumido de ICMS.

- Assim, para a exclusão dos incentivos de crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL não é necessário a classificação de tais benefícios como subvenção para investimento. Tal requisito é necessário apenas para a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS distintos do crédito presumido, como, por exemplo, a redução da base de cálculo ou alíquotas, o diferimento, a isenção etc., nos termos do art. 30 da Lei 12.973/14.

- No mesmo sentido, a Lei 14.789/23, ao revogar o art. 30 da Lei 12.973/14 e estabelecer outra sistemática de incentivo fiscal de IRPJ e CSLL para os benefícios fiscais de ICMS não trouxe alteração na natureza jurídica do crédito presumido de ICMS, tal qual definido pelo STJ no ERESP 1.517.492, pois se trata de entendimento firmado com base em fundamento constitucional (violação ao pacto federativo e conceito de renda), que não se modifica em razão de reforma legal de benefício fiscal.

- Uma vez que a renúncia fiscal dos Estados está imune à tributação de outro ente federativo, não cabe ao legislador infraconstitucional instituí-la. 

- A impossibilidade de tributação, pela União Federal, dos benefícios de crédito presumido de ICMS decorria não do incentivo fiscal previsto no art. 30 da Lei 12.973/14 agora revogado, mas da própria sistemática de repartição de competências estabelecida na Constituição Federal, além do conceito de renda.

- Agravo de Instrumento provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.